Estudo sobre Colossenses 1:1-2

Estudo sobre Colossenses 1:1-2


A carta a seguir é escrita por Paulo (ou melhor: ditada; apenas a saudação final em Cl 4.18 foi expressamente escrita de próprio punho). Quando lemos essa carta, encontramo-nos em conexão direta com Paulo. A distância de 1900 anos foi transposta, ouvimos o próprio Paulo falar. Como esse fato é importante em face de todas as dúvidas históricas! Travamos um encontro com o homem que se tornou cristão poucos anos depois da crucificação de Jesus, que viu o próprio Ressuscitado, que conhecia bem a Pedro, a João e ao irmão de Jesus, Tiago! Com quanta atenção, com que cuidado temos de ouvir cada palavra: Paulo se dirige a nós!

No entanto, não fala como grande personagem, como ser humano importante e pensador original (embora também seja tudo isso!). Fala como apóstolo do Cristo Jesus. A palavra “apóstolo” é-nos familiar. Contudo, assim como a água adquire outra coloração e outro gosto ao perpassar diferentes camadas do solo, assim também palavras e conceitos, ao percorrer a história, facilmente recebem uma “coloração” que altera ou encobre mais ou menos seu significado original. As igrejas surgidas da Reforma eram sobretudo igrejas doutrinárias com fortes características acadêmicas. Muitas vezes a vida cristã constituía-se essencialmente de ficar sentado sob o púlpito, sob a cátedra. Por isso se via também o “apóstolo” sobretudo como um pensador e mestre. O termo hebraico, porém, que foi traduzido como “apóstolo” no grego, contém principalmente a ideia da autoridade atribuída. É o que aparece concretamente diante de nós nas palavras do Senhor Jesus em Mt 10.40; Lc 10.16; Mt 16.19; Jo 20.21-23. Não é pensar e falar, mas agir com poder [Um historiador grego certa vez descreveu como os atenienses enviaram uma armada comandada por um almirante a fim de impor controle sobre uma ilha rebelde. Nesse relato o almirante é chamado de apostolos. Teria sido possível expressar o agir dele com os mesmos termos que Paulo emprega em 2Co 10.4-6, aqui aplicados no sentido espiritual em relação à intervenção que planejava em Corinto.] que forma o centro da palavra, até mesmo quando o agir acontece por intermédio da “palavra”. Nossos conceitos políticos (aliás, a linguagem do NT possui um forte conteúdo proveniente do mundo político!) de “emissário”, de “mensageiro autorizado” reproduzem bem a ideia, justamente também da dignidade e do caráter público, que deve ser ouvida na palavra “apóstolo”. Foi assim que o próprio Paulo viu o sentido de sua incumbência: 2Co 5.20; 10.4; 12.12. Obviamente, a incumbência do “apóstolo” é única e não-repetível. Trata-se da incumbência “fundadora de igreja”. Por essa razão a igreja de todos os tempos se encontra sob a autoridade da palavra apostólica, sob o “Novo Testamento”. Falar de “novos apóstolos” é uma contradição em si. Com certa razão, no entanto, essa designação foi empregada em sentido derivado para pessoas que de fato “fundaram igrejas” no campo missionário: p. ex., “Nommensen, o apóstolo do povo indonésio bataque”. O trabalho de um homem desses fornece a melhor imagem possível de uma atividade “apostólica”. Contudo, alguém como Nommensen também se submetia incondicionalmente à incumbência única dos primeiros apóstolos, assim como Paulo também submete a seu serviço singular, sem mais nem menos, tanto a igreja em Colossos, não fundada por ele, como o seu fundador Epafras; cf. o que será exposto sobre Cl 1.25; 2.1. Por isso o acréscimo do genitivo “do Cristo Jesus” não designa o conteúdo sobre o qual o teólogo Paulo reflete e fala, mas a indicação do grande patrão, em cuja autoridade ele atua. Vale para os colossenses e também para nós: “Atenção!” Não nos deparamos com o ser humano Paulo e suas opiniões teológicas, mas com o procurador do Senhor Jesus e portanto em última análise com o próprio Jesus. Consequentemente, alguém não pode “tornar-se” apóstolo da maneira como nos “tornamos” médicos, comerciantes ou engenheiros.

“Pela vontade de Deus”, coisa que não pode ser questionada, esse homem obtém essa inédita autorização. É assim que o próprio Paulo olha para sua vida e sua vocação em Gl 1.15s.

Consequentemente, as poucas palavras iniciais da carta se revestem de relevância difícil de ser superestimada, mesmo para nós, leitores atuais. Estabelecem um contato histórico direto entre nós e o primeiro cristianismo, e até com o próprio Jesus Cristo, colocando-nos basicamente na posição correta para ouvir da forma mais atenta possível: o procurador com plenos poderes do Cristo Jesus, escolhido e incumbido por Deus, fala a nós!

Nem sempre Paulo usava o proêmio da carta para apontar sua autoridade como “apóstolo”. Age assim de forma particularmente enfática no caso da importante capital imperial, Roma, e no caso dos gálatas, envolvidos em franca rebeldia. Mas no escrito mais antigo de que dispomos, dirigido aos tessalonicenses, ele menciona apenas o seu próprio nome e o de seus colaboradores, e na carta aos Filipenses, particularmente íntima, basta a designação “escravos do Cristo Jesus”. Paulo não usa nenhum papel de carta oficial com cabeçalho timbrado!

Somente nas cartas aos Romanos e aos Efésios Paulo se coloca sozinho diante da igreja. Em todas as demais cartas a igrejas ele imediatamente coloca pelo menos mais um irmão a seu lado, que se torna co-responsável pela carta. Por isso prossegue também agora: “E Timóteo, o irmão” (Sobre a pessoa de Timóteo, cf. o comentário a Fp 2.19). Portanto, o “nós” das exposições subsequentes tem um sentido singelamente literal. É incerto se o que ocorre aqui é uma continuação consciente daquele “dois a dois” no envio dos discípulos por Jesus em Lc 10.1. Porém é fato que não devemos imaginar o pregador e missionário Paulo como um grande solitário que ainda por cima vigia ciumentamente para que nenhum outro o prejudique. Atos dos Apóstolos fornece um quadro diferente, p. ex., 13.2; 13.15; 13.43; 14.1; 15.2; 15.35; 15.40; 16.10; 16.13; 17.4; 17.10. O próprio Paulo confirma isso, justamente para Corinto, onde, conforme Atos dos Apóstolos, ainda se poderia imaginar que Paulo atuou sozinho: 2Co 1.19! Isso não representa uma restrição de sua autoridade, mas uma confirmação de que o que está em jogo aqui é uma causa, e não pontos de vista nem opiniões; uma causa corroborada pelo testemunho de duas ou três testemunhas (cf. 2Co 13.1 de acordo com o paradigma do AT em Dt 19.15). Paulo enfatiza: esta minha carta não comunica minhas concepções pessoais, mas verdades divinas, atestadas pelo irmão Timóteo. Como isso é importante para nós, que, ao longo da história eclesiástica mais recente, com suas “tendências” e mestres eruditos, também consideramos o pastor no púlpito como um “orador”, que expõe diante de nós suas “opiniões” sobre Deus!

Na sequência Paulo olha para as pessoas às quais ele dirige a carta. De acordo com o teor ocorrem aqui duas “definições de lugar”: os destinatários da carta se encontram “em” Colossos e “em” Cristo. Um é seu lugar de residência terreno, que poderia mudar facilmente em vista da frequente migração no império mundial daquele tempo. O outro é seu “lugar” fundamental e permanente, que determina toda a sua existência. Porque assim como o mundo jaz basicamente “no maligno” (1Jo 5.19), assim toda igreja verdadeira “jaz” “em Cristo”, independentemente de sua localização geográfica. Por estarem “em Cristo”, as pessoas em Colossos estão desde já essencialmente ligadas ao “procurador do Cristo Jesus” e abertas para sua palavra. Precisamente por isso, afinal, são também de fato “irmãos”.

Além disso, “irmãos santos e crentes”. A carta ainda desdobrará o conteúdo dessas palavras de múltiplas formas. Aqui no começo cumpre-nos dar ouvidos ao som alegre e firme que reside nessa interpelação. Como nossas problemáticas nos levam a complicar tudo! Paulo tem perguntas e preocupações suficientes quando dirige os pensamentos a Colossos. Mas ele tem a visão límpida de que em Colossos há um grupo de pessoas bem específicas que são “santas”, que foram escolhidas por Deus e transformadas em propriedade dele, e que são “crentes”. Seu sim a essa escolha divina determina toda a sua existência. Paulo não considerou que seria “farisaico” designar determinadas pessoas daquela cidade da Ásia Menor de “santos e crentes”. E aparentemente também não se sentiu tolhido pela objeção de que na realidade não podemos ver o coração de ninguém e por isso nunca sabemos se alguém realmente crê.


O fato de essas pessoas residirem em Colossos não é decisivo nem irrelevante para suas vidas. O próprio Senhor Jesus “sabe onde vives” (Ap 2.13). O lugar onde moramos pode determinar o aspecto exterior de nosso destino e também influenciar sensivelmente nosso íntimo. Considerando Éfeso como ponto de partida, Colossos estava localizada no interior do continente, no vale do rio Lico, a apenas treze quilômetros das cidades de Laodiceia e Hierápolis. Grande e famosa no passado, havia sido deixada em segundo plano no tempo de Paulo pelo subúrbio político Laodiceia e por Hierápolis (“cidade dos santos”), famosa no campo da medicina e da religião. No monte Cadmo, a região montanhosa eleva-se até a altitude de dois mil e quatrocentos metros. É de formação vulcânica com vales muito escarpados e fontes termais terapêuticas, fértil e particularmente adequada para a viticultura. Famosos eram os tecidos tingidos fabricados em Colossos. “Colóssica” era a designação da cor de determinada coloração púrpura. Também há provas de ter havido uma próspera indústria de lãs e tecelagens na cidade. Por isso havia ali homens tão abastados como Filemom, cuja residência podia hospedar uma “igreja caseira” própria (carta a Filemom). Talvez justamente por isso a questão do escravismo também fosse importante (relacionada com a fuga de Onésimo?) para a igreja em Colossos (veja Cl 3.22-25): naquele tempo, “indústria” significava o emprego de muitos escravos. Poucos anos depois da missiva de Paulo a região foi atingida por um terremoto. Só dispomos de informações precisas sobre a destruição em Laodiceia. Porém é difícil que um lugar tão próximo como Colossos tenha saído ileso.

Paulo segue o estilo convencional das cartas de seu tempo. Como vemos em cartas como At 15.23; 23.26 (e em inúmeras cartas de pessoas famosas e desconhecidas da Antiguidade), no começo do escrito são citados o remetente e o destinatário, e ambos são interligados por meio de uma palavra de saudação. Isso pode ser feito de modo muito formal. O centurião Cláudio Lísias com certeza não pensou muito sobre a “alegria” que ele desejava a seu superior, assim como nós também estamos habituados a empregar fórmulas de saudação e votos orais e escritas sem pensar muito sobre elas. Paulo, porém, preenche com vida e verdade o costume epistolar de seu tempo, sem alterar sua forma exterior. Quantas coisas ele já introduziu na citação do remetente e dos destinatários! Agora ele saúda – diferentemente de Lísias. É verdade que recorre à mesma raiz etimológica, cuja forma verbal chairein = “alegrar-se” também é usada por Lísias. Mas o substantivo charis = “amabilidade, favor, graça” mostra o cumprimento real daquilo que significava a palavra de saudação grega. Graça traz consigo alegria profunda e duradoura! Do mesmo modo Paulo acolhe a saudação habitual hebraica: shalom = “paz”. No entanto aqui também não se satisfaz com um voto impotente. Porque na verdade Deus, que é nosso Pai em Jesus, está presente. Quando do coração paterno do Deus vivo jorra sobre nós o fluxo vivo de sua graça, tornam-se presentes chairein, o alegrar-se, e shalom, a paz. Votos e desejos cristãos acontecem dentro de realidades divinas.

Falta na carta aos Colossenses a continuação habitual “e do Senhor Jesus Cristo”, assim como em 1 Tessalonicenses Paulo também não faz qualquer referência à origem de “graça e paz”. Não é de surpreender que a expressão tenha sido logo introduzida nos primeiros manuscritos, de modo que por isso também a lemos em algumas edições da Bíblia, p. ex., na de Lutero. Para nós, porém, é benéfico constatar, diante da tendência atual ao legalismo litúrgico, que também nessas questões Paulo permanecia totalmente livre.