Estudo sobre Colossenses 1:14-15

Estudo sobre Colossenses 1:14-15


O presente escrito é uma autêntica carta. Ao ditar, Paulo não pensou em escrever parte de uma “Bíblia” atemporal. Não cogitou que 1900 anos mais tarde pessoas na Alemanha, América ou Austrália haveriam de ler essas palavras. Eram os colossenses que ele tinha em vista e no coração. No íntimo, preocupava-se com tudo o que ouvira a respeito deles, também suas perguntas e dificuldades. Queria dar-lhes resposta, ajudá-los a superar perigos de sua vida de fé. Aborda sua situação interior, seus problemas. Os colossenses vivem em sua época e seu contexto. Naquele tempo, no fim da Antiguidade, havia, assim como hoje entre nós, uma abundância de “visões de mundo”. Assim como hoje, naquele tempo podia-se ouvir uma série de palestras sobre visões de mundo e ideias filosófico-religiosas, além de ler escritos de vários tipos. Certos conceitos e ideias, palavras centrais e muitas vezes também bordões fascinam as pessoas. Os cristãos em Colossos não permaneceram alheios a tudo isso. Talvez eles mesmos, antes da conversão, tenham sido pessoas em busca, trazendo por isso consigo muitas perguntas e concepções. Ou se deparavam com reflexões sobre as visões de mundo de sua época quando começavam a falar do evangelho a outras pessoas. Afinal, será que o “simples” evangelho bastava diante de todos esses problemas e concepções? Será que Jesus, no qual sua fé deitara raízes, poderia prevalecer nesse fogo cruzado de visões de mundo? Na própria igreja parecia haver pessoas que respondiam não a essa pergunta e que por isso tentavam complementar e “aperfeiçoar” a mensagem de Jesus por meio de determinadas reflexões e concepções da época. Por essa razão Paulo passa a tratar dessas questões na carta. Obviamente não em forma de discussão! Não se pode “discutir” a respeito do evangelho! O agir redentor do Deus santo e vivo jamais pode nem deve ser objeto da discussão humana! Mas Paulo acolhe o universo conceitual daquelas visões de mundo, mostrando como Jesus é grande aos colossenses que se abalavam e inquietavam com elas, usando as palavras e expressões de seu entorno: ele é tão grande que, diante dos problemas de visão de mundo de seu tempo e contexto, não precisam de mais nada além dele, que traz em si a resposta viva a todas as suas perguntas.

Nesse caso, será que a parte subsequente da carta não se tornou de certo modo sem valor para nós? Porventura uma carta autêntica não está tão inserida em sua época que só é realmente compreensível para seus destinatários originais, sendo que 1900 anos depois só pode ser entendida com dificuldade e de modo insuficiente? Será que diria respeito no máximo a um pesquisador da história arcaica, que, depois de anos de estudo, seria capaz de, de alguma forma, reconstruir para si aquele mundo passado? Será que nós também não deveríamos tentar primeiro nos inserir mentalmente nas visões de mundo daquela época?

É este o milagre da Bíblia, impossível de definir com teorias: essas cartas genuínas, destinadas concretamente a pessoas específicas e escritas em situações específicas, ainda assim falaram e ainda falam a pessoas de todos os tempos, de todas as raças, de todas as classes e em todas as situações de vida! Também o presente trecho da carta aos Colossenses foi lido na Antiguidade, na Idade Média, na Idade Moderna e nos dias de hoje; foi lido na Europa e na África, por esquimós e indianos. E não foi colocado de lado por nenhum destes leitores, sendo considerado incompreensível e inútil, mas lhes desvendou com força divina o entendimento correto de Jesus. Prestará esse serviço também a nós, até mesmo quando desconhecemos o universo mental em que viviam aqueles colossenses.

Porque também nós, que vivemos uma realidade bem diferente quanto à visão de mundo, deparamo-nos com a pergunta se, afinal, o “simples” evangelho de Jesus seria suficiente em todos os problemas espirituais, em todas as buscas religiosas de nossa época e nosso mundo. Também entre nós houve quem tentasse tornar esse evangelho “moderno”, “eficaz” e “perfeito” por meio de todo tipo de adendos e ampliações, de reinterpretações filosóficas e religiosas. Será que devemos acompanhar essas tentativas, ou podemos continuar afirmando com alegre convicção: “Jesus, por isso, tu somente, és único e tudo para mim”?

Para isso precisamos de um Jesus grande! Que Jesus pequeno nós temos muitas vezes! Quantas vezes falamos displicentemente do “querido Jesus”, como se ele fosse quase um igual a nós e como se sua obra redentora fosse apenas uma pequena gentileza! Que Jesus pequeno aparece com frequência em pinturas, um Jesus do qual não se pode esperar que os demônios tremam diante dele, que os portões do reino dos mortos se rompam, e que tempestades e ondas se calem!

No entanto, quem é realmente este, “no qual temos a redenção, o perdão dos pecados”?

“Ele é a imagem de Deus, do invisível!” Notemos o ousado paradoxo: afinal, pode haver uma “imagem” de um “invisível”? Nesse paradoxo torna-se explícita para nós toda a magnitude do presente que Deus nos concedeu em Jesus. Ora, certamente a arte de obcecação satânica contribui para que não reconheçamos essa imagem do invisível (2Co 4.4)! A invisibilidade de Deus é que constitui o apuro religioso. Por causa dela pode-se duvidar de Deus e negá-lo. Por causa dela todas as religiões do mundo têm incontáveis “imagens” de Deus, pintadas e talhadas, fundidas e esculpidas em mármore, ajeitadas com ideias e conceitos, rudes e nobres. Nenhuma, porém, satisfez o ser humano que busca e indaga. “Mostra-nos o Pai, e isso nos basta!” (Jo 14.8) - esse é o clamor do coração humano. Deus, porém, não deixou essa busca e esse clamor sem resposta. Tem uma imagem que lhe corresponde inteiramente, o “Filho de seu amor”. Presenteou-nos com essa imagem em forma humana na pessoa de Jesus. “Quem me vê a mim, vê o Pai; como dizes, então: mostra-nos o Pai?” (Jo 14.9). Tão grande é Jesus!

Porventura temos noção do que isso significa para nós? Agora conhecemos verdadeiramente a Deus e enxergamos seu coração! As pessoas despreviligiadas que são incapazes de ler e escrever, mas que conhecem a Jesus, sabem milhares de vezes mais sobre Deus do que os grandes pensadores sem Jesus com suas mais profundas obras filosóficas!

A distinção entre essa alegre mensagem e todas as especulações filosóficas é obviamente fundamental. Para o pensador, a invisibilidade de Deus faz parte da “natureza” dele. Ele não se incomoda em absoluto com um Deus que seja invisível e oculto. Por isso ele fica matutando sobre os caminhos pelos quais se poderia, apesar de tudo, entrar em contato com esse Deus invisível. Naquela época havia uma multidão de entidades intermediárias, de poderes angelicais e espíritos, que devia transpor o abismo entre o Deus inatingível e o mundo da criação e dos humanos. A mensagem bíblica, porém, explicita ao ser humano a assustadora verdade de que essa ocultação de Deus não está nem um pouco “correta”, pelo contrário: ela representa o sinal de uma catástrofe, da queda no pecado. Foi somente nosso pecado que transformou Deus em Deus “invisível”. Nós mesmos somos culpados de nosso apuro religioso, que não está fundamentado na “natureza” de Deus. Obviamente essa já não é uma verdade para mera reflexão e para construir sistemas de visão de mundo. Trata-se de uma verdade que atinge a consciência e somente pode ser acolhida por consciências despertas e atemorizadas.


É essa verdade que determina a peculiaridade das poderosas frases que passaremos a ler juntos. Essas frases se parecem com declarações filosóficas sobre Deus e mundo, com especulações “cosmológicas”. Mas essa “cosmologia” é, na verdade, pura “soteriologia”, pura doutrina da salvação. Aquele que nos restitui o Deus invisível por vir a nós como “imagem dele”, não é uma grande entidade intelectual (o “Logos”, a “Sabedoria”), como considerava o pensamento contemporâneo daqueles dias, mas é aquele “no qual temos a redenção, a remissão dos pecados”. Ele, que “estabeleceu a paz por intermédio do sangue de sua cruz”. As afirmações sobre a verdadeira natureza de Jesus, sobre seu relacionamento com Deus, sobre sua participação na criação, não são expressas como conhecimentos filosóficos por causa delas mesmas, mas apontam para a obra redentora e visam explicitar sua magnitude de abrangência universal, sua absoluta suficiência universal.

Ele é “primogênito de toda a criação”. Paulo não pensa, como mais tarde o Credo Niceno, na diferença entre o “nascido” de Deus e tudo o que apenas foi “criado” por Deus. Olha para a prerrogativa e posição do “primogênito” entre todos os outros filhos, comparando com isso o relacionamento de Jesus com tudo o que foi criado. Contudo acrescenta de imediato algo impactante e surpreendente. Certamente a primogenitura confere grandes prerrogativas, mas não destaca totalmente do grupo de irmãos. Jesus, porém, não é uma criatura entre outras, ainda que a mais sublime e privilegiada. Jesus, a imagem de Deus, situa-se do lado do Criador, essencialmente separado de tudo o que é apenas criação. Jesus participa da criação, o próprio Jesus é Criador!