Estudo sobre Filipenses 3:10

Estudo sobre Filipenses 3:10


Em seguida Paulo prossegue no fluxo de seu raciocínio original. Teve de perder tudo para ganhar a Cristo e ser encontrado nele, “para conhecê-lo”. Diante da “magnitude sobreexcelente do conhecimento do Cristo” todo o resto tornou-se pequeno para ele, e até mesmo “perda”. Porém justamente por causa da “magnitude sobreexcelente” esse conhecimento é inesgotável e nunca chega ao final. O amor do Cristo supera qualquer conhecimento, motivo pelo qual movimenta nosso conhecer e apreender de forma incessante. No caso, “conhecer” deve ser entendido da maneira intelectual moderna, mas bíblica. Afinal, biblicamente o termo pode ser usado (p. ex., em Mt 1.25) para a relação conjugal. É um conhecer afetuoso e pessoal. É assim que Paulo conhece e ganha o Cristo Jesus, a fim de conhecê-lo cada vez mais e com maior profundidade. Que inesgotabilidade e que frescor constante, mas também que poderoso movimento penetram assim na vida cristã! Realmente é possível permanecer no “primeiro amor” (Ap 2.4), que não consegue saciar seu ardente desejo de conhecer cada vez mais o glorioso Redentor.

A continuação mostra que de fato não se trata de um processo meramente intelectual: “e o poder de sua ressurreição”. Não é a doutrina sobre Cristo que Paulo tenta compreender cada vez melhor, mas ao próprio Cristo, a ele em pessoa e em sua vida. No entanto, ele é o Ressuscitado e torna eficaz a dynamis, a “dinâmica” de sua ressurreição. A ressurreição não foi uma experiência pessoal dele, que lhe tenha concedido meramente uma nova vida depois da morte, mas foi o efeito do poder redentor e renovador de Deus no cabeça em prol de todo o corpo, e foi até mesmo foi começo da renovação de toda a criação. [54] Cristo ainda está oculto para o mundo, tão oculto que pessoas como Saulo de Tarso o combatiam como se fosse uma fábula perigosa. Mas seu poder de ressurreição está atuando desde já. Sempre que pessoas são renovadas no corpo (At 3.16; 4.10) ou na alma, sempre que os poderes das trevas retrocedem, sempre que acontece a fé viva e, por consequência, o “ser ressuscitado com Cristo” (Ef 1.19s; 2.5s; Cl 2.12), torna-se eficaz esse “poder de sua ressurreição”. Paulo não se cansa de conhecer sempre de novo e sempre mais esse poder.

Não obstante, importa-lhe de fato o próprio Jesus, e somente Jesus. Por isso não lhe importam apenas as experiências ditosas, de como o Ressuscitado ajuda e salva com poder. Deseja ter o Cristo inteiro, e por isso também o Crucificado e morto. Somente poderemos estar nele e verdadeiramente ter participação nele quando também partilharmos seu sofrimento e sua imagem de morte. Por isso Paulo de fato é capaz de acrescentar: “E a participação nos seus sofrimentos, conformando-me com ele em sua morte.” Nós permanecemos assustadoramente atolados no egoísmo até mesmo no entendimento do evangelho. Diante da mensagem de Cristo somente perguntamos pelas vantagens que nós teremos, pela nossa felicidade. Por isso nossa teologia e nossa proclamação são dedicadas e grandiosas na captação e na exposição do “Cristo para nós”. Nós mesmos, porém, ficamos longe de Cristo na realidade da nossa vida. Nossa vida ensimesmada não foi superada, não fomos realmente redimidos. Essa redenção deveria acontecer repentinamente após a morte física, e a “santificação” permaneceu em um segundo plano incerto, ao lado da “justificação”. Acolhemos a entrega libertadora a Jesus de maneira muito insuficiente, não possuímos esse anseio tempestivo por ele, afastando-nos do próprio eu que arde nas frases do presente texto, esse “em Cristo”, “com Cristo”, “para Cristo” (cf. acima, o exposto sobre Fp 1.29). Por essa razão o cristianismo evangélico também está tão abatido, sem vigor e sem vitórias. Paulo, porém, transita, sem pausa e sem mudar de assunto, da conversão (v. 7s) para a justificação (v. 9), a santificação (v. 10) e a perfeição (v. 11). Tudo se resume em um único processo de vida homogêneo, que pode ser sintetizado na expressão “ganhar a Cristo”. Toda a diferença entre Paulo e nós torna-se explícita de forma particularmente marcante no posicionamento diante dos sofrimentos de Cristo. Para nós, a “participação em seus sofrimentos” significa, na melhor das hipóteses, um fardo do qual não nos esquivamos propriamente; mas a condição normal que desejamos é que Jesus nos livre, como igreja e indivíduos, dos sofrimentos e que possamos fruir em paz e felicidade os frutos da paixão dele. Paulo, porém, via na “participação em seus sofrimentos” algo que ele ambicionava como um bem tão sublime quanto a “força de sua ressurreição”. Também aqui ele não pensava em “teologia da crucificação”, mas na participação real. Com base em 1Co 10.16, onde a celebração da santa ceia é descrita como “participação” no sangue e corpo do Cristo, poderíamos praticamente falar de uma “presença real” dos sofrimentos de Cristo [55] na vida dos crentes.

A realidade da participação nos sofrimentos é sublinhada pelo adendo: “conformando-me com ele na sua morte”. Enquanto o ser humano natural deseja viver, progredir e prevalecer neste mundo, Paulo anseia por uma existência que o transformará em desprezado, atribulado e moribundo neste mundo. A palavra de seu Senhor Jesus sobre “perder a vida” tornou-se ação e verdade para ele. Em duas cartas ele lutou com os coríntios para que compreendam que a trajetória dele, de renovados perigos, maus tratos, detenções e humilhações, não anula sua autoridade como apóstolo, mas justamente a confirma. Ele se gloria de preferência em sua “fraqueza”, não em suas experiências maravilhosas (2Co 12.9s), e isso significa precisamente que ele se gloria “unicamente da cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, por meio do qual o mundo foi crucificado para mim, e eu para o mundo” (Gl 6.14). Essa conformação com a morte de Jesus não é uma desgraça para ele, da qual tenta escapar na medida do possível, mas o alvo de sua vida. A autoridade da igreja e de cada um na proclamação da mensagem de Cristo também dependerá de que nesse ponto comecemos novamente a entender a Paulo, vivendo segundo o exemplo dele.




Notas:

54. Não devemos esquecer: Paulo está entre as testemunhas do Ressuscitado que não apenas tinham conhecimento dele e nele criam, mas o haviam visto pessoalmente! Primeiro Paulo havia experimentado o “poder de sua ressurreição” na estrada para Damasco. Este poder derrubara no chão o orgulhoso perseguidor, revirando os últimos fundamentos de sua vida anterior. “Assim como todas as luzes de lâmpadas acesas pelos humanos, e até mesmo os anúncios luminosos de um centro metropolitano, desaparecem nas sombras tão logo surge a manhã e a luz do dia invade tudo, assim todo o brilho do mundo submergiu para ele quando o Ressuscitado ressurgiu diante dele como um sol. As testemunhas da ressurreição tiveram a primeira impressão: até agora nem mesmo sabíamos o que é vida e corporeidade” (K. Heim, Jesus der Weltvollender, 3ª ed., p. 182).

55. Trata-se sempre dos “sofrimentos dele”, de sofrimentos que decorrem do fato de pertencermos a Jesus e de servirmos a ele. O termo thlipsis, traduzido em geral por “aflições”, significa sempre as tribulações por causa de Jesus. Estávamos tão distantes da questão que, sem uma noção da verdadeira situação, simplesmente inserimos nas palavras do NT sobre “tribulação” as dores e aflições que o cristão compartilha com todas as criaturas. Porém o NT não dedica nenhuma atenção a esses sofrimentos “burgueses”. Mesmo a grave enfermidade de Epafrodito em Fp 2.27ss só possuía relevância porque Epafrodito “chegou tão próximo da morte por causa da obra de Cristo”.