Estudo sobre Filipenses 3:12-13

Estudo sobre Filipenses 3:12-13


Paulo descreveu sua conversão e vida cristã por meio de um poderoso testemunho pessoal. Agora ele sublinha um traço básico dela, que na verdade já se destacara nessa mesma descrição, mas que ele deseja que fique especialmente claro para a igreja, em vista da própria existência cristã desta. Como se configura uma vida cristã?

Se pedíssemos a um artista atual que desenhasse em uma figura simbólica o que representa “o cristão” – que imagem o artista escolheria? Que impressão tem ele da “essência” dos cristãos de hoje? Talvez ele desenharia o “ouvinte” ou uma mulher que sentada de mãos postas diante de uma Bíblia aberta.

Dificilmente ele lembraria uma imagem que para Paulo na verdade era a imagem apropriada de um “cristão”: a imagem de um desportista no estádio! O próprio Paulo se via nessa imagem. Qualquer interpretação e aproveitamento do presente trecho, portanto, precisa acontecer de tal maneira que essa imagem do cristão fique explícita.

A primeira pergunta decisiva é, neste caso: onde está a verdadeira ênfase das frases? Evidentemente não onde as pessoas gostam de procurá-la, por razões compreensíveis da polêmica teológica e eclesiástica: na constatação de que o cristão não está pronto. O cristianismo evangélico tem uma grande preocupação com a “empáfia”. A contemplação intensa e constante de nossa miséria e de nossa completa insuficiência parecia ser necessária para que a graça fosse valorizada e desejada como necessária e permanecesse livre de qualquer “ideia meritória”. Por isso suspeitamos orgulho e farisaísmo por trás de toda alegre certeza, e tememos o “perfeccionismo” em cada convocação ao engajamento das forças e à verdadeira santificação da vida. Nessa situação as palavras de Paulo parecem ser a arma oportuna: “Não que eu já o tenha alcançado ou seja perfeito.” Contudo, mesmo com essa interpretação agimos da forma como nossas más maneiras gostam de fazer: tomamos a metade de uma palavra bíblica para transformá-la numa arma prática para golpear a cabeça do adversário teológico ou eclesiástico. A outra metade, porém, é ignorada. No entanto, essa segunda metade é aquela na qual incide a verdadeira ênfase de Paulo! Afinal, Paulo não diz: “Embora me esforce e corra, estou muito longe de chegar ao alvo.” Seu raciocínio é inverso: “Admito que também preciso reconhecer que ainda falta muito para que eu chegue ao alvo, mas assemelho-me ao corredor que com concentrados esforços se precipita rumo ao alvo para obter o prêmio da vitória!” Essa estrutura de pensamento torna-se especialmente explícita por meio do “mas uma coisa” [v. 13], que parece ser um dedo levantado: “Atenção! Agora vem o principal!” Esse ponto decisivo, porém, é correr atrás. Essa é a característica básica da vida cristã que ele visa incutir à igreja. O adversário não é o “perfeccionismo”, mas o “quietismo”.

Não sabemos se Paulo estava preocupado com determinados aspectos na vida eclesial dos filipenses ou com expressões que ouvira deles, e se os presentes versículos, portanto, possuem uma referência histórica específica. Mas o equívoco “quietista” sempre esteve latente na mensagem de Paulo. Quando nosso eu não sente mais o chicote da lei, quando ele não ouve mais: Deves! Precisas! Não deves!, quando de fato recebemos tudo de presente e somente precisamos aceitá-lo pela fé – será que então não podemos sossegar? Se “ganhei a Cristo” não estará “tudo bem”? Será que não cheguei praticamente ao alvo, tenho tudo o que preciso, esperando tão-somente até que a volta do Senhor aperfeiçoe tudo? Como a doutrina da “justificação sem obras, unicamente pela fé” tornou a cristandade evangélica assutadoramente segura de si e lerda! Diante disso, pessoas e movimentos, que com temor e ira constataram essa perniciosa lerdeza, retornaram à vara da lei, tentando assim pôr a igreja novamente em movimento. Com excessiva frequência isso se transformou no impotente chicote infantil da moral idealista cristã, que estala muito bem na pregação, mas não realiza nada quando realmente importa: “A rigor o cristão deveria…! O cristão deve mesmo…!” Diante de tudo isso Paulo se deparou com a tarefa de desalojar a lerdeza e o erro de se sentir pronto, sem destruir toda a gloriosa certeza da qual ele próprio acaba de dar testemunho, bem como de mostrar a necessidade de engajamento intenso, sem que esta motivação o leve outra vez a ficar debaixo da lei.

Nisso a imagem do desportista é útil. Por que o homem corre no estádio? Por ser “obrigação”? Por que alguém corre atrás dele com o chicote? Não, ele o faz de forma completamente voluntária e, não obstante, empenhando todas as suas forças! Como isso é possível? Ele não é instigado nem atiçado por trás, com ordens. É requestado e atraído pelo alvo, pelo prêmio da vitória. Assim é o cristão! Pelo conteúdo, essa imagem já fazia parte de toda a descrição pessoal de Paulo acerca de sua própria vida. Basta ter uma pequena capacidade de ler para sentir esse tempestuoso ímpeto à frente nos v. 7-11! Avante! Mais!, essa corrida irrefreável, que ainda assim é completamente diferente da contenda inquieta sob a lei. Agora Paulo destaca essa imagem mais uma vez, de forma expressa.

O que põe o cristão em movimento? Não uma “lei” com ordens e ameaças. Está “em Cristo” e “ganhou a Cristo”. Porém esse Cristo e sua glória jamais foi “agarrado” por nós, nunca estamos “perfeitos” e completamente “nele”. É certo que – graças e louvor a Deus por isso! – existe algo totalmente certo e imutável. Não se trata de nós alcançarmos a Jesus, mas de Jesus agarrar a nós!

Fomos “agarrados por Cristo Jesus” já por ocasião da cruz, onde ele nos estendeu a mão para nos salvar. Essa obra da cruz chegou à realização atual em nossa vida quando, no momento de nosso despertar e de nossa conversão, Jesus nos agarrou e venceu de forma bem pessoal, transformando-nos em propriedade dele. Essa é a base inabalável e perfeita: “Fui agarrado por Cristo Jesus.” Porém, “com base” nesse fato inabalável o incessante movimento de agarrar passa agora pela vida cristã. O que é maravilhoso e admirável para nós que fomos educados nas bases da Reforma: o motivo do movimento aqui não é nossa miséria, nosso anseio, nossa carência em si, mas a magnitude e plenitude do grande interlocutor, ao qual estendemos a mão para agarrá-lo. De forma muito diferente de nossa perspectiva habitual estamos livres do eu e de suas “necessidades”, em incessante movimento, não porque vemos tão claramente o que nos falta, mas porque vemos com amor e gratidão quanto mais ainda há para ser achado e agarrado em Jesus.