Estudo sobre 1 Coríntios 1:13-15

Estudo sobre 1 Coríntios 1:13-15



Qual é o resultado dos partidos? É a insuportável constatação: “O Cristo está dividido!” No texto grego não há pontuação. Por meio de traduções (como a de Lutero, Almeida, NVI etc.) estamos acostumados à forma interrogativa desta frase. Porém, tem pouco sentido perguntar se o Cristo está dividido. A pergunta deveria ser: será que é possível ou permitido dividir o Cristo? Por essa razão a frase deve ser melhor entendida como uma exclamação de pavor: “O Cristo está dividido!” A esse ponto chegastes em Corinto: que o Cristo, o Senhor único, superior a todos, está sendo praticamente dilacerado, porque cada partido quer apoderar-se dele e tirá-lo dos outros. Será que vocês também não se assustarão com isso?35

Na seqüência, de forma delicada e exemplar, Paulo se dirige justamente a “seu grupo”, demonstrando a partir deste toda a obcecação representada pela falsa adesão a um mensageiro de Jesus. “Foi Paulo crucificado em favor de vós?” Por mais importante e espiritualmente poderosa e avivada que possa ser uma testemunha de Jesus, por mais que realize coisas maravilhosas e exerça uma influência profunda, a obra redentora na cruz, ou seja, a única coisa que realmente importa, ela não consumou. Esta foi realizada apenas por um só, Jesus, o Filho puro e santo de Deus. Por isso ninguém mais além dele pode ter significado essencial na minha vida.36 Toda exaltação errada de personalidades cristãs culmina na pergunta: “Acaso foi ele, ou ela, crucificado por nós?” Nesse momento torna-se real: “Não viram a ninguém senão Jesus” [Mt 17.8].

Paulo acrescenta: “Ou fostes, porventura, batizados em nome de Paulo?” “Ser batizado em nome de alguém” possui a conotação de uma expressão corriqueira daquele tempo, do contexto comercial: “registrar em nome de alguém, pôr na conta de alguém.” O batismo é uma mudança de propriedade: o novo proprietário é aquele em cujo nome a pessoa é batizada.37 “Eu pertenço a Paulo” – será que isso confere? Realmente pertences a ele? Porventura foste entregue à propriedade dele pelo batismo?

Em vista da situação em Corinto, Paulo está agradecido38 porque “a nenhum de vós batizei, exceto Crispo e Gaio”. Assim como hoje é fácil atribuirmos um papel equivocado a uma pessoa pelo fato de termos abraçado a fé por meio dela (na verdade, porém, por meio de Cristo!), assim naquele tempo era possível que se visse incorretamente a importância daquele que batizava uma pessoa. “Pertenço integralmente a Paulo, pois ele me batizou, e então me anotou em sua conta”.39 Por isso Paulo está contente por ter batizado apenas alguns poucos membros da igreja em Corinto, “para que ninguém diga que fostes batizados em meu nome”.


Nessa afirmação a confissão “sou de Paulo”, humanamente ainda suportável, foi intensificada para a declaração fundamental de que todos os batizados por Paulo por isso também lhe pertencem. Não sabemos se alguns partidários de Paulo de fato chegavam a afirmar isso ou se Paulo apenas temia essa possibilidade como conseqüencia extrema de um pensamento errado.

Inicialmente Paulo cita como batizados por ele apenas “Crispo e Gaio”.40 Mas ele sabe que está escrevendo a uma igreja em que já existe muita desconfiança em relação a ele. Com que facilidade seria possível declarar que Paulo oculta a verdade, pois de fato ainda teria batizado outros!


Notas:

35 Também o cristianismo dividido de nossos dias deveria levar um susto muito maior ao constatar que está correndo o risco de dividir o Cristo, porque no fundo cada igreja o reivindica exclusivamente para si mesma. Se cada “igreja” reconhecesse o Cristo como cabeça viva também das outras igrejas, todas deveriam sentir-se unidas nele e amar-se mutuamente com uma intensidade muito maior.

36 Isso vale também para todo apreço errado dirigido às pessoas cuja atuação levou à fundação de igrejas novas, como Lutero, Calvino, Wesley, Zinzendorf e outros. É por essa razão que no final da vida Lutero pediu expressamente que “se omitisse o seu nome”. Infelizmente o pedido foi em vão.

37 Diante do papel decisivo exercido pela fé no NT, é questionável se podemos imaginar uma “transferência de propriedade” desse tipo sem a vontade pessoal do envolvido. Jesus advertiu com extrema seriedade contra qualquer um que o seguisse irrefletidamente (Lc 9.57-62; 14.25-33). Será que ele se alegraria com multidões de pessoas que são entregues como “propriedade” sem que sejam capazes de avaliar os custos?

38 É controvertido se era possível usar o verbo euxaristo no sentido intransitivo, como “sou grato”, ou se aqui ele também significa “agradeço”, ao que precisa ser acrescentado tacitamente “a Deus” como ponto de referência da gratidão, como uma série de importantes manuscritos traz expressamente em seu texto.

39 A evolução posterior da igreja mostra que essa preocupação não era infundada. De acordo com o ensinamento eclesiástico, o batismo causa, pelo menos entre o batizando e os padrinhos, um “parentesco espiritual”, de sorte que era proibido o casamento entre ambos.

40 Crispo é o líder da sinagoga que aceitou a fé conforme At 18.8. Com ele, um homem importante havia sido conquistado para Jesus. Para nós é compreensível que excepcionalmente o próprio Paulo tenha realizado o batismo. De acordo com Rm 16.23, também Gaio é um homem respeitado e rico em Corinto, que não apenas hospedou Paulo em sua grande casa, mas que até oferecia espaço à igreja toda para as reuniões. Em At 19.29 e 20.4 este nome muito freqüente refere-se a outros cristãos.