Significado de Apocalipse 1

Apocalipse 1

Apocalipse 1 inaugura a obra mais visionária do Novo Testamento com um prólogo solene, teológico e profético. É o limiar de uma revelação que se pretende última — uma ἀποκάλυψις (apokálypsis), ou seja, um desvelamento de realidades celestiais e escatológicas ocultas. O primeiro capítulo estabelece a autoria, a natureza divina da mensagem, o destino às sete igrejas da Ásia e, sobretudo, apresenta a visão inaugural do Cristo glorificado. Esse capítulo não é apenas uma introdução, mas um sumário teológico condensado: ele apresenta o tempo escatológico como iminente (“as coisas que em breve devem acontecer”), revela a cristologia exaltada que guiará todo o livro, e estabelece o padrão de linguagem simbólica, litúrgica e profética que perpassará a obra inteira.

Estrutura e Estilo Literário

Apocalipse 1 se organiza em quatro seções principais:

Prólogo e título da obra (vv. 1–3): introdução à natureza revelatória do livro, à mediação angelical e à bem-aventurança que acompanha sua leitura.

Saudação epistolar (vv. 4–6): saudação às sete igrejas, com fórmulas trinitárias e doxológicas, reafirmando a centralidade de Cristo como “a Testemunha Fiel”.

Proclamação escatológica (v. 7): anúncio do retorno de Cristo, com linguagem apocalíptica derivada de Daniel.

Visão inaugural do Cristo glorificado (vv. 9–20): João relata a circunstância da revelação (na ilha de Patmos), ouve a voz de Cristo como “som de muitas águas” e o vê na forma exaltada, como o Filho do Homem com atributos de sacerdote e juiz escatológico.

O estilo é híbrido: há elementos de carta, profecia e apocalipse. A linguagem é elevada, cheia de símbolos, com ecos do Antigo Testamento em quase cada versículo. A estrutura literária emprega paralelismos, aliterações em grego, títulos cristológicos acumulativos e imagens visuais intensas. A descrição do Cristo glorificado (vv. 12–16) se apresenta como uma teofania reinterpretada cristologicamente, e serve de modelo para todas as outras visões do livro.

Hebraico e Palavras-Chave

Embora escrito em grego, o Apocalipse está saturado de hebraísmos semânticos e estilísticos, formando o que estudiosos chamam de “grego semitizante”. O capítulo 1 traz diversas expressões que ecoam construções hebraicas e refletem uma mentalidade hebraica apocalíptica. Destacam-se:

ἀποκάλυψις Ἰησοῦ Χριστοῦ – “revelação de Jesus Cristo” (v. 1): corresponde semanticamente a גִּלּוּי (gillûy) ou נִגְלָה (niglâ) em hebraico. Aponta para o ato divino de tornar conhecido o que estava oculto. A ideia tem eco em Daniel 2:22 – “Ele revela (גָּלֵה) o profundo e o escondido”.

ὁ καιρὸς ἐγγύς – “o tempo está próximo” (v. 3): reflete o hebraico הַעֵת קָרוֹב (haʿēt qārôv), uma expressão escatológica presente em textos como Joel 1:15 e Isaías 13:6.

ὁ ὢν καὶ ὁ ἦν καὶ ὁ ἐρχόμενος – “aquele que é, que era e que há de vir” (v. 4): um hebraísmo teológico baseado na forma do tetragrama YHWH, como em Êxodo 3:14 (אֶהְיֶה אֲשֶׁר אֶהְיֶה – ehyeh asher ehyeh), recriado em grego com traços estilísticos sem precedentes no koiné clássico.

Ἰησοῦς Χριστός... ὁ ἀρχὴ καὶ ὁ τέλος – “Jesus Cristo... o Princípio e o Fim” (v. 8): remete a Isaías 44:6 (“Eu sou o primeiro e eu sou o último”) – אֲנִי רִאשׁוֹן וַאֲנִי אַחֲרוֹן (ʾănî riʾšôn waʾănî ʾaḥărôn).

ὁ υἱὸς τοῦ ἀνθρώπου – “o Filho do Homem” (v. 13): diretamente relacionado ao aramaico בַּר אֱנָשׁ (bar ʾĕnāš) de Daniel 7:13, associado a um ser celestial messiânico, que no Apocalipse é reapropriado como figura plenamente divina.

ῥομφαία διστόμος – “espada de dois gumes” (v. 16): imagem de julgamento, evocando Isaías 49:2 e Salmo 149:6. Corresponde ao hebraico חֶרֶב פִּיפִיּוֹת (ḥérev pipiyyôt), espada afiada em ambos os lados, usada para a Palavra de Deus (cf. Hebreus 4:12).

A gramática hebraica que ecoa nos substratos mentais da obra se reflete especialmente nas fórmulas repetitivas, paralelismos sintáticos e acúmulo de títulos, reminiscente da poesia profética hebraica. O “grego” de João é, como observa C. K. Barrett, “hebraico vestido em roupas gregas”.

Versículo-Chave

Apocalipse 1:7 – “Eis que vem com as nuvens, e todo olho o verá, até quantos o traspassaram; e todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele. Sim. Amém!”
Este versículo encapsula o núcleo escatológico e cristológico do capítulo: a vinda visível e gloriosa do Messias crucificado, agora exaltado. A referência às nuvens remete a Daniel 7:13, e o lamento das tribos ecoa Zacarias 12:10. Trata-se da síntese da esperança cristã: o retorno de Jesus é universal, visível, glorioso — e também judicial.

Intertextualidade com o Antigo e o Novo Testamento

Apocalipse 1 está saturado de intertextualidade. O v. 7 combina Daniel 7:13 (“com as nuvens do céu vinha um como o Filho do Homem”) e Zacarias 12:10 (“hão de olhar para mim, a quem traspassaram”), reinterpretando-os cristologicamente. Já a doxologia dos vv. 5–6 (“fez de nós reino e sacerdotes”) remete a Êxodo 19:6 e Isaías 61:6, agora aplicados à Igreja.

A autodeclaração de Jesus como “o Primeiro e o Último” (v. 17) remete a Isaías 44:6, aplicando a Cristo atributos exclusivamente divinos. O v. 18 declara: “Estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos”, antecipando a teologia paulina de Romanos 6:9 e Apocalipse 5:6. A imagem da espada que sai da boca (v. 16) reaparece em Apocalipse 19:15, como símbolo do juízo messiânico.

No Novo Testamento, este capítulo dialoga com João 1:1–18 (logos pré-existente), Hebreus 1:1–4 (Cristo como resplendor da glória) e 1 Tessalonicenses 4:16–17 (vinda com alarido, voz de arcanjo e trombeta de Deus).

Lição Teológica Geral

Apocalipse 1 é um portal escatológico e cristológico: revela o Cristo glorificado que caminha entre suas igrejas, soberano sobre a morte e o inferno, e vindouro em glória. A tensão entre o “já” da ressurreição e o “ainda não” do juízo permeia todo o capítulo. João apresenta Jesus não apenas como Messias crucificado, mas como Teófano, Juiz e Rei. A Palavra viva que ele fala é espada; sua presença é luz; sua autoridade é cósmica.

Teologicamente, este capítulo consolida a fé cristã no Cristo ressuscitado que vem em glória, como alfa e ômega da história. Ele é simultaneamente aquele que conhece, julga e consola sua Igreja. A fidelidade cristã se ancora nessa visão escatológica: o futuro é de Cristo, e o presente também.

Comentário de Apocalipse 1

Apocalipse 1.1 A palavra Revelação (que significa algo desvelado, descoberto) indica que esse texto é um tipo de literatura conhecido como apocalíptica. A Revelação de Jesus Cristo pode significar que vem dele e é sobre Ele, porque Cristo é o assunto do livro inteiro. Os servos de Cristo são os crentes. A frase que brevemente devem acontecer é uma alusão a Daniel 2.28, 29, 45, visto que parece indicar que as coisas que devem acontecer nos últimos dias acontecerão em rápida sucessão. João é o escritor humano do Apocalipse, enquanto Jesus é o Autor divino.

Apocalipse 1:1

Objetivo do livro

O livro do Apocalipse provavelmente foi escrito por volta do ano 90 pelo evangelista e apóstolo João. Este livro é dirigido a sete igrejas na Ásia (Ap 1:11) em primeiro lugar, mas também se destina a toda a igreja cristã.

A revelação ocupa um lugar próprio e único entre as vinte e sete escrituras que o Novo Testamento contém. Após os cinco livros históricos e as vinte e uma cartas nas quais também aparecem porções proféticas, o Apocalipse é no total um livro profético (Ap 1:3). Este último livro da Bíblia revela nosso futuro e, dessa forma, é uma boa contrapartida do primeiro livro da Bíblia que declara nossa origem.

Em Apocalipse é sobre o futuro do Senhor Jesus. E Seu futuro determina o futuro do mundo, de Israel, da igreja e do diabo e seus capangas. Neste livro da Bíblia, o Senhor Jesus está no centro. É sobre Sua Pessoa, sobre Sua obra de redenção, Sua ressurreição, Sua glorificação e Seu retorno.

Este livro é o grande terminal onde todos os trens que começaram a circular no Antigo Testamento, chegam ao seu destino final. Alguém encontrou pelo menos duzentos e setenta e oito versos, cujo cálculo não verifiquei, entre os quatrocentos e quatro versos que este livro conta, que devem ser conectados de uma forma ou de outra com um verso ou uma parte do Antigo Testamento. Claro que isso não é estranho quando você considera que Cristo também é o assunto da profecia do Antigo Testamento. No Antigo Testamento, estamos sendo apontados para Ele como Aquele que está vindo. No livro do Apocalipse Ele veio e como o Cristo revelado Ele é o Centro de todos os eventos.

É o livro dos contrastes. Você descobrirá como os poderes morais como a luz e as trevas e o bem e o mal se opõem. Da mesma forma, Deus e Cristo estão de um lado e satanás do outro, um contra o outro. Outros contrastes são pessoas que são salvas e pessoas que não são salvas, e também anjos santos e profanos. Todas essas pessoas são atores que estão atuando no cenário mundial. Você verá como o palco muda e se transforma do tempo para a eternidade e vice-versa. A decoração da exposição é moldada pelo céu e pela terra, pelo abismo e pelo lago de fogo.

Tudo é apoiado por música e canções e outras expressões de sentimentos. O canto da vitória e o grito de ‘ai’ dos derrotados causam felicidade e também tristeza. Mas o resultado é que Deus triunfa e que as glórias do Senhor Jesus, tanto no reino milenar de paz quanto na eternidade, brilham em beleza e esplendor imortais e imortais.

Existem várias possibilidades para subdividir este livro. O mais simples e claro é fornecido no próprio livro e pode ser encontrado em Apocalipse 1 (Ap 1:19). É uma subdivisão em três partes:

1. o que você viu (Apocalipse 1:1-20), 2. o que é (Apocalipse 2:1-3:22) e 3. o que acontecerá a seguir (Apocalipse 4:1-22:21).

Apocalipse 1:1 A primeira palavra do livro, “revelação”, indica que algo está prestes a ser revelado. Há algo a ser divulgado que antes estava oculto. É, portanto, notável que muitos cristãos achem este livro incompreensível e misterioso. Certamente não afirmo que tudo é facilmente explicado, mas digo que os eventos deste livro não são obscuros, mas, ao contrário, são esclarecidos. O véu sobre o futuro é retirado. Você realmente terá que fazer esforços para descobrir de que maneira o futuro está sendo esclarecido aqui. Muitos símbolos, por exemplo, estão sendo usados. Mas suas tentativas de entender esta porção da Palavra de Deus também serão verdadeiramente recompensadas quando você se lembrar continuamente de que Deus achou esta a melhor maneira de informá-lo sobre Seus pensamentos a respeito do futuro.

Se você apenas ler este primeiro versículo cuidadosamente por um momento e permitir que ele penetre, você verá que ele está cheio de instruções para entender o conteúdo deste livro. Diz que é a revelação “de Jesus Cristo”. Isso significa que Jesus Cristo é Aquele que revela ou dá a conhecer (cf. Gl 1,12). Ele age. Ao mesmo tempo, é claro que também é verdade que a revelação se refere a Ele, o que significa que Ele é Aquele que está sendo revelado. Ele é o Centro e o Executor dos conselhos de Deus.

Então você lê que “Deus deu a Ele” essa revelação. Isso significa que o Senhor Jesus é visto aqui como Homem, que assumiu um lugar de dependência. Ele recebe tudo das mãos de Deus. Ele é tão verdadeiramente Homem, que está escrito Dele que Ele, como Homem, não sabe quando o cumprimento das coisas acontecerá (Mar 13:32). Aqui você está diante de um mistério inconcebível de Deus e do Homem em uma Pessoa.

Então João escreve sobre o propósito da revelação e isso é “mostrar a seus servos as coisas que em breve devem acontecer”. Os servos aqui são em primeiro lugar os profetas (Ap 10:7; Ap 11:18), mas também representam os crentes em um sentido geral (Ap 7:3; Ap 19:5; Ap 22:3; Rm 6:19-22). Para poder ver as coisas que estão por vir e recebê-las, você precisa ter a mente de um servo. Ao contrário, se você souber o que está por vir, fará de você um servo melhor. Você estará servindo com discernimento de acordo com os grandes planos de Deus, tendo em vista a igreja, o cristianismo, Israel e o mundo.

A palavra “mostrar” realmente desempenha um papel importante no Apocalipse. Agora Deus continuamente ‘mostra’ coisas a João e João, por sua vez, transmite o que foi ‘mostrado’ a ele. O objetivo deste livro é mostrar que o julgamento está chegando. Acontecerá “em breve” ou ‘com pressa’, o que é rápido, rápido.

Você pode dizer que não é tão ruim, pois faz quase dois mil anos que isso foi escrito e ainda não aconteceu. Mas não se engane. Esta palavra continua em vigor, pois o tempo não conta para Deus e para a fé (Sl 90:4; 2Pe 3:8). E isso “deve” acontecer. Você pode dizer que há menção aqui de uma obrigação divina. Deus não é apenas o Deus onisciente que diz o que vai acontecer, Ele também é o Deus onipotente que faz as coisas acontecerem do jeito que Ele quer.

Para revelar Seus planos com o mundo e, acima de tudo, para revelar Seu Filho, Ele usou anjos. Na verdade, os anjos têm sido usados com mais frequência por Deus como mediadores (Atos 7:38; Gálatas 3:19). O fato de Deus usar anjos indica que há uma distância entre Ele e João, a quem Ele dá Suas mensagens. Isso vale ainda mais para aqueles a quem João, por sua vez, deve transmitir essas mensagens.

Antigamente João recebia mensagens do Senhor enquanto estava deitado em Seu seio (Jo 13:23-26). Isso indica confidencialidade. No entanto, João não é o apóstolo aqui, mas o profeta. Os profetas falam ao povo de Deus quando ocorre a decadência. Eles alertam para correr o risco de julgamento. João é o último na cadeia de cinco elos através dos quais a revelação de Deus chega aos Seus servos:

1. a revelação vem de Deus; 2. é de Jesus Cristo; 3. por Seu anjo; 4. para João; 5. para Seus servos.

A revelação “foi comunicada” ou “foi significada” (NKJV) a João. Esta expressão é típica deste livro. É derivado da palavra ‘sinal’. Muitas vezes João recebe as mensagens sobre o que está por vir por meio de sinais ou símbolos, através dos quais consegue ver o que deve acontecer. Algo assim vemos em Mateus 13 onde o Senhor faz uso de parábolas. Ele os usa para ensinar. Ele diz a Seus discípulos por que Ele faz isso e diz que através de Sua explicação eles serão capazes de entender o significado mais profundo dessas parábolas, enquanto permanecerá oculto para a massa de pessoas (Mateus 13:10-17; Mateus 13:34- 35).

Neste livro você verá que os símbolos que são usados especialmente são emprestados da natureza: os corpos celestes (o sol, a lua, as estrelas), os fenômenos naturais (por exemplo, o vento, o raio), o mundo das plantas (por exemplo, as árvores, grama), o mundo dos animais (por exemplo, o cordeiro, o gafanhoto), o mundo dos homens (por exemplo, a mãe e a criança, a prostituta e a noiva), o mundo da cultura (instrumentos musicais, ferramentas agrícolas). Também os muitos números que aparecem no Apocalipse são muitas vezes simbólicos (dois, três, três e meio, quatro, cinco, seis, sete, oito, dez, doze, vinte e quatro, quarenta e dois, cento e quarenta e quatro, seis cento e sessenta e seis, mil, duzentos e sessenta, mil e seiscentos).

A explicação disso não o deixa à sua imaginação. Os símbolos são explicados: 1. pelo próprio livro, 2. pelo contexto do livro e 3. pelo uso dele no Antigo Testamento.

Isso não significa que sempre haja uma explicação inequívoca para cada símbolo. Também acontece que certos assuntos ou eventos não são símbolos, mas devem ser tomados literalmente.

Em suma, ao abrir este livro para lê-lo, estamos no início de uma emocionante jornada de descoberta. Façamos isso com a mente humilde de quem sabe que o Deus onipotente quer compartilhar seus planos conosco. Oremos ao mesmo tempo para que o que Ele nos revela tenha o efeito de colocarmos nossa vida à Sua disposição.

Apocalipse 1.2 A palavra de Deus e o testemunho de Jesus Cristo são as razões pelas quais João foi exilado na ilha de Patmos (v. 9) e, também, o motivo por que os crentes são perseguidos hoje em dia. A expressão de tudo o que tem visto refere-se às visões relatadas em Apocalipse.

Apocalipse 1.3 Bem-aventurado, significando espiritualmente feliz, de acordo com a perspectiva de Deus ler e reter essa revelação é a primeira das sete bem-aventuranças citadas em Apocalipse (14.13; 16.15; 19.9; 20.6; 27.7,14). Esse é o primeiro de muitos grupos de sete encontrados em todo o livro, número este que significa completude, perfeição.

Bem-aventuranças, ou macarismos, são expressões estereotipadas iniciadas com a palavra makarios (bem-aventurados). Eles existem em duas formas: sabedoria (por exemplo, Sl 1: “Felizes/Bem-aventurados os que não seguem o conselho dos ímpios, não seguem o caminho dos pecadores ou se sentam na roda dos escarnecedores”) e apocalípticos (por exemplo, , Dan 12:12-13: “Felizes os que perseveram e alcançam os mil trezentos e trinta e cinco dias. Mas tu, segue o teu caminho e descansa; ressuscitarás para o teu galardão no fim dos dias”). Que a forma de bem-aventurança é importante para João fica claro pelo fato de que ele tem exatamente sete delas (1:3; 14:13; 16:15; 19:9; 20:6; 22:7, 14). Operando a partir de uma sensibilidade do Antigo Testamento, onde representa inteireza e conclusão, o número “sete” é tão teológico para João quanto numérico. Sermão da Montanha.

Na verdade, as quarenta e quatro bem-aventuranças do Novo Testamento são encontradas com mais frequência no modo apocalíptico. Ambos os modos (sabedoria e apocalíptico) reconhecem que a pessoa que busca fazer a vontade de Deus é bem-aventurada. Nesse sentido, eles têm potencial indicativo e imperativo. Como uma declaração indicativa, o macarismo descreve o participante que está em relacionamento correto com Deus. Há também indicações claras, no entanto, de que as formulações dos makarios têm um sentido imperativo. Como demonstra a passagem de Dan 12:12-13, a pessoa que realiza uma determinada atividade é considerada abençoada e posteriormente recompensada. Ao vislumbrar uma recompensa proléptica, o macarismo estimula o que é considerado um comportamento positivo, “salvífico”.

Por natureza, as bem-aventuranças são comparativas. No modo indicativo, as bênçãos seculares são relegadas a uma posição inferior às alegrias associadas ao reino de Deus. No imperativo, enquanto alguns comportamentos são considerados makarios, outros não. O que é um comportamento abençoado em 1:1-3? A pessoa bem-aventurada é aquela que testemunha o que o próprio Jesus testemunhou. A pessoa que lê este testemunho em voz alta para que outros possam ouvi-lo e as pessoas que ouvem este testemunho e o guardam são também aquelas que João considera bem-aventuradas. A ética implícita é tão importante que, antes de encerrar, pronunciará novamente a recomendação no epílogo de 22,7: “Eis que venho em breve! Bem-aventurado aquele que guarda as palavras da profecia deste livro” (cf. . Lucas 11:28). João encoraja seus ouvintes e leitores a perceberem a importância dessa “observação” (ver comentários sobre 3:3, 10; 12:17; cf. 3:8; 14:12; 16:15; 22:9); ele promete vitória escatológica àqueles que o fizerem (2:26-29; 3:10). (Sobre a conexão entre “ouvir” e “guardar” como uma combinação ética em Apocalipse, veja o comentário em 22:17.)

Quando João descreve sua própria obra como uma palavra de profecia (veja o comentário em 22:6), ele tem um ponto específico em mente. Um profeta é um servo que testemunha o senhorio de Deus e de Cristo, mesmo em circunstâncias imperiais em que representantes do governo procuram cooptar ou aniquilar esse testemunho. O objetivo primário da profecia, então, não é predizer o futuro, mas modelar e assim incitar o comportamento presente de testemunho que resiste às tentativas imperiais de sequestrar o senhorio que pertence exclusivamente a Deus e a Cristo. É sua exortação profética a esse tipo de testemunho que João deseja que seu povo ouça e guarde.

João exorta os crentes a testemunhar porque o tempo (do movimento de Deus para julgamento e salvação) está próximo. No epílogo, em 22:10, João ouve um anjo fazer a mesma afirmação. João estava errado? Dado que o século XXI amanheceu sem o início do novo céu e da nova terra de Deus, alguém teria que dizer que sim. Concentrar-se no erro de tempo, porém, seria perder o ponto teológico primário de João. Para seu crédito, ele nunca oferece um cronograma. Em vez disso, ele usa a expectativa iminente para criar um senso de urgência que espera fomentar o testemunho apaixonado do senhorio exclusivo de Deus, mesmo em um contexto em que os crentes em Cristo certamente seriam perseguidos por fazerem uma afirmação tão ultrajante (veja o comentário em 22:7).

Apocalipse 1.4 João endereçou Apocalipse às sete igrejas na província romana da Asia, área que atualmente corresponde ao sudoeste da Turquia. As igrejas localizavam-se em uma região de uns 80km, e seus nomes estão dispostos em ordem, no sentido dos ponteiros do relógio, partindo do sudoeste. Graça é a versão cristã para uma saudação comum no grego, e paz [hb. shalom] é uma típica saudação hebraica. Aquele que é, e que era, e que há de vir designa Deus, que não só existe agora, mas sempre existiu e existirá eternamente (Hb 13.8). A expressão os sete espíritos pode referir-se aos anjos das sete igrejas (cap. 2 e 3), a sete outros anjos (Ap 8.2), ou à plenitude do Espírito Santo (Is 11.2).

SETE EM APOCALIPSE

O número sete é importante estrutural e simbolicamente no livro do Apocalipse. Estruturalmente, João organizou sua escrita em torno do número sete. Exemplos óbvios disso são as mensagens às sete igrejas (caps. 2–3), os sete selos (caps. 6–8), as sete trombetas (caps. 8–11) e as sete taças (caps. 15– 16). Outros usos explícitos do número sete incluem os sete espíritos (1:4; 5:6), os sete anjos das igrejas (1:20), as sete estrelas (1:16, 20; 2:1), os sete candelabros (1:12, 20; 2:1), as sete tochas (4:5), os sete trovões (10:3-4), o Cordeiro com sete chifres e sete olhos (5:6), os sete dragão com cabeças (12:3), e a besta de sete cabeças (13:1). No mundo antigo, o número sete às vezes era considerado um número sagrado. Rituais ou objetos associados ao divino geralmente ocorriam em grupos de sete. No judaísmo, o sete tinha um significado especial porque o sétimo dia era o sábado, o dia de descanso e o santo dia de Deus. Sete também era visto como um número que denotava completude ou perfeição, talvez derivado da observação de sete planetas no céu. No Apocalipse, o número sete frequentemente parece carregar esse significado simbólico. Assim, por exemplo, os “sete espíritos que estão diante de seu trono” (1:4) provavelmente representam a totalidade do espírito de Deus. Para mais informações sobre o antigo significado do número sete, ver M. H. Pope, “Seven, Seventh, Seventy,” Interpreter’s Dictionary of the Bible, ed. George Arthur Buttrick, 4 vols. (Nashville: Abingdon, 1962), 4:294-95; e Jöran Friberg, “Numbers and Counting”, The Anchor Bible Dictionary, ed. David Noel Freedman, 6 vols. (Nova York: Doubleday & Co., 1992), 4:1139-45. Por outro lado, Adela Yarbro Collins (“Numerical Symbolism in Jewish and Early Christian Apocalyptic Literature,” Aufstieg und Niedergang der römischen Welt, ed. Hildegard Temporini e Wolfgang Haase [Berlim: Walter de Gruyter, 1984], II.21.2:1221 -87) argumentou que há pouca evidência para apoiar a crença de que sete era um símbolo de completude. 
Apocalipse 1.5 Jesus Cristo, o primogênito dos mortos, garantiu a ressurreição futura do cristão por meio de Sua própria ressurreição (1 Co 15.20,23). Embora Ele seja o legítimo príncipe, até a Sua segunda vinda, não exercerá Sua autoridade (Mt 28.18) de maneira completa sobre os reis da terra (Ap 19.17-21). Mas, quando votar, Ele estabelecerá Seu Reino de forma plena na terra (Ap 1.6) e nomeará corregentes preparados, os quais compartilharão de Sua autoridade para governar nações em submissão a Ele (Ap 2.26,27; 3.21; 5.10; 20.4; 21.24).

Apocalipse 1.6 Reis e sacerdotes lembram o desígnio de Israel em Êxodo 19.6, o qual também é aplicado à Igreja pelo uso da expressão sacerdócio real em 1 Pedro 2.9. Cristo, ao sacrificar a si mesmo (Ap 1.5), salvou e separou para si um povo especial, os cristãos, sacerdotes reais, para oferecerem sacrifícios espirituais a Deus (Rm 8.17; Hb 3.1,14; 13.15,16).

Apocalipse 1:2-6

Destinatários, Bênção e Louvor

Apocalipse 1:2. A revelação da qual João é testemunha e na qual ele envolve você não é invenção dele mesmo. Vem a você com toda a autoridade da Palavra falada por Deus. O que João deu testemunho sobre os eventos vindouros vem da boca de Deus. Como ênfase extra, acrescenta-se que o que Deus disse está completamente coberto pelo “testemunho de Jesus Cristo”. O Senhor Jesus testifica do que Deus falou.

“Tudo o que ele viu” é o conteúdo de todo este livro. Tudo o que João viu e escreveu neste livro é, portanto, a Palavra de Deus, enquanto o testemunho de Jesus Cristo indica sua natureza profética. Afinal, trata-se da revelação, do processo dEle se tornar visível no mundo.

Apocalipse 1:3. Há uma bênção especial ligada à leitura e à leitura para outros deste livro e à audição de seu conteúdo: você é considerado “bem-aventurado”. Ninguém pode ‘lê-lo’ e ‘ouvi-lo’ sem ser abençoado. O que você lê e ouve são mensagens sobre eventos futuros que são inspiradas palavra por palavra.

Além de ler e ouvir, também é importante “atender às coisas que estão escritas nele”. “Observar” significa que você guarda essas coisas em seu coração, para que influenciem também na prática de sua vida. Afinal, sua vida está sendo guiada pelo seu coração (Pv 4:23). A chamada para guardar retorna mais uma vez no final do livro (Ap 22:7). O que está escrito neste livro está, portanto, preso entre essas duas chamadas.

Na verdade, o fato de estar “escrito” significa que é de valor duradouro. Sempre é possível ser lido para ver o que ainda deve acontecer e também pode ser lido para verificar o que está acontecendo ao seu redor. Portanto, você tem um manual perfeito do futuro em suas mãos. Gostaria de aconselhá-lo a consultá-lo com frequência porque “o tempo” que tudo será levado a uma decisão “está próximo”. O Senhor Jesus está prestes a aparecer e julgar.

Apocalipse 1:4. João é o único a escrever este livro. O Senhor Jesus disse a respeito dele que ele permaneceria em seu ministério, até que Ele venha (João 21:22). Isso significa que João também tem um ministério em relação ao futuro. Em certo sentido, ele já alcança esse ministério quando fala em sua primeira carta sobre o anticristo e a volta de Cristo e a decadência que já estava aparecendo. Mas a plena realização disso encontramos neste livro bíblico Revelação.

Ele escreve o livro “para as sete igrejas que estão na Ásia”. A menção do número “sete” não é insignificante. O número sete representa a perfeição. As sete igrejas representam toda a igreja. Ainda existem sete igrejas diferentes. Você verá melhor quando estudarmos os capítulos 2 e 3. Isso significa que toda a igreja se manifestou de diferentes maneiras na terra.

Você deve ter notado nas cartas que Paulo escreveu para várias igrejas que as igrejas locais são diferentes umas das outras. Essa variedade não é vista apenas nas diferentes igrejas locais, mas também nos vários períodos da existência da igreja na terra. Você reconhece isso diretamente quando pensa apenas em como a igreja era no começo e como a igreja é hoje. Dessa forma, há mais diferenças no desenvolvimento da igreja.

Todas essas diferentes igrejas podem aprender muito umas com as outras e nós também podemos aprender muito com isso. É por isso que é tão maravilhoso que na Palavra de Deus temos este escrito de João para eles.

Também é bonito ver que a bênção da “graça” e da “paz”, que você pode lembrar das cartas de Paulo, também é desejada por João aqui às sete igrejas. “Graça” é a fonte de toda bênção, é o favor imerecido de Deus, que você recebe apenas com base em Quem Ele é. Se você perceber que Deus lida com você em graça, o resultado será que você seguirá seu caminho com “paz” em seu coração, sejam quais forem as circunstâncias.

Ainda difere das cartas de Paulo quando se trata da questão de quem você recebe a bênção. Nessas cartas, a bênção vem de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo. Aqui é “daquele que é, que era e que há de vir, e dos sete Espíritos que estão diante de seu trono”. Isso está totalmente de acordo com este livro da Bíblia. Aqui você encontra Deus como Ele é apresentado no Antigo Testamento: como Jahweh, o Deus da aliança, o Deus da fidelidade à Sua aliança. Então o que é dito a seguir não é primeiramente ‘Quem foi’, mas ‘Quem é’. Isso significa que Ele é visto como o “EU SOU QUEM EU SOU” (Êxodo 3:14). Mas Ele é também Aquele “que era”. Esse é o Deus do passado, que sempre cuidou de Seu povo e de toda a terra. Ele é também Aquele “que há de vir”, pois Ele também é o Deus do futuro.

Então, na bênção, “os sete Espíritos” são mencionados. Este é o Espírito Santo, mas como o Espírito de poder por meio de quem Deus executará os julgamentos de Seu trono. O número sete refere-se à variedade e à perfeição com que o Senhor Jesus executará os julgamentos no poder deste Espírito em Seu retorno (cf. Is 11:2). Portanto, a atenção é atraída para o “trono” de Deus, que enfatiza que se trata de reinar e exercer o poder.

Apocalipse 1:5. Por fim, a graça e a paz são desejadas “da parte de Jesus Cristo”. Assim como com os sete Espíritos, aos quais se acrescenta “que estão diante do seu trono”, também algo se acrescenta ao nome de Jesus Cristo. Você pode realmente dizer que três títulos Dele são mencionados, todos relacionados com a terra.

Ele era...

A “fiel testemunha” de Deus no passado na terra (1 Timóteo 6:13), desde o ventre até a cruz (João 18:37). Ele sempre foi fiel. A igreja também era para ser assim, mas ela falhou e ainda falha em fazê-lo.

Ele é também...

“o primogênito dos mortos”. Ele é isso no tempo presente, desde Sua morte e ressurreição (Atos 26:23; Colossenses 1:18). ‘Primogênito’ significa que Ele é o mais alto na ordem de classificação no reino da ressurreição.

Assim como é...

“o governante dos reis da terra”. Ele também o é agora, mas o será abertamente no futuro; é assim que Ele será revelado (Sl 89:27).

Quando Ele é apresentado assim, a igreja responde espontaneamente a isso. Essa será a sua resposta também. O coração de cada um que O ama concorda que Ele “nos ama”. Ele nos amou e ainda nos ama. Não é maravilhoso que Ele, que é enfaticamente apresentado como o Juiz neste livro, seja Aquele que ama você? Seu amor foi especialmente expresso na maneira como Ele “nos libertou de nossos pecados com Seu sangue”. Isso significava para Ele que Ele tinha que entrar na morte, pois somente Seu sangue poderia redimir você de seus pecados. Para você, significa que todos os julgamentos futuros passarão por você completamente, pois Ele o redimiu de uma vez por todas. Isso não é motivo para louvá-lo?

Apocalipse 1:6. Mas Ele fez mais do que tudo o que fez no passado, o que foi necessário para nos libertar do julgamento. Ele levou nossos pecados para nos tornar algo. Ele, a saber, “nos constituiu [para ser] um reino, sacerdotes para seu Deus e Pai”. O que você se tornou é o que Ele fez de você para ser. Não há absolutamente nenhuma conquista da sua parte. Você deve tudo a Ele. Não é nada mais do que uma grande graça que você possa participar de Seu governo. Como pessoa redimida, você recebe, juntamente com todos os crentes, uma dignidade real junto com Cristo, “o príncipe dos reis da terra”, de modo que você também é exaltado acima dos reis da terra (1Pe 2:9; Ex 19:6).

Assim, você também é feito sacerdote diante de Seu Deus e Pai. Tudo o que o Senhor Jesus fez, Ele o fez visando a honra de Seu Deus e Pai. Você é feito uma pessoa que tem permissão para louvar e adorar na presença de Deus (Ap 4:10; Ap 5:9; Hb 13:15; 1Pe 2:5). Você já pode fazer isso agora. Quando o Senhor Jesus assumir Sua majestade real, você poderá ser um meio de bênção para aqueles que estão enfrentando dificuldades na terra e que vão a Deus com seu sofrimento. Você então pode trazer ‘orações dos santos’ diante de Deus (Ap 5:8).

A Ele seja a glória por tudo o que Ele fez por você. Tudo o que você se tornou reflete a glória Dele. Enquanto o homem sempre fez todas as coisas para sua própria glória e em sua própria força, o Senhor Jesus fez tudo para a glória de Deus, de quem Ele extraiu todo o poder como Homem. Como Homem Ele viveu de todas as palavras que saíram da boca de Deus (Mateus 4:4). O que O caracterizou como Homem e o que Ele conquistou será visto e regozijado para sempre. Não resta mais nada a você do que concordar de todo o coração com o “amém” com o qual termina este louvor.

Apocalipse 1.7 A frase vem com as nuvens lembra a visão que Daniel teve acerca do Filho do Homem (Dn 7.13; Mt 24.30). Jesus associa a visão de Daniel à Sua gloriosa segunda vinda (Mt 24-30; At 1.11). A expressão todo olho indica que Cristo será visível universalmente na Sua segunda vinda, ao contrário do que ocorreu em Sua primeira vinda. A frase até mesmo os que o traspassaram alude à crucificação de Cristo (Jo 19.34), por influência dos líderes judeus, e aponta para a profecia de Zacarias que diz que Israel se lamentará por ter rejeitado o Messias (Zc 12.10; Jo 19.34,37). De fato, não apenas Israel, mas também todas as tribos da terra se lamentarão por terem rejeitado Cristo e se arrependerão por sua incredulidade.

O versículo 7 contém um pronunciamento profético que combina elementos de Daniel 7:13 e Zacarias 12:10. A combinação desses dois textos da Bíblia Hebraica provavelmente não é criação do próprio João, mas parte da tradição cristã primitiva porque a mesma combinação, embora na ordem inversa, ocorre também em Mateus 24:30. A primeira parte do pronunciamento atribui a Jesus a descrição de Daniel de uma figura humana (“como um filho do homem”) que desce do céu com as nuvens e recebe “domínio, glória e realeza” (Dn 7: 14). Em Daniel, essa figura misteriosa é provavelmente uma referência ao arcanjo Miguel, que em certo sentido representa o fiel povo de Deus. Para João, como para outros pensadores cristãos primitivos, Jesus é quem cumprirá esse papel. João se baseia nesta mesma imagem de Daniel em outra parte do Apocalipse (1:13; 14:14). João imaginou que essa aparição de Jesus seria de tal magnitude que “todo olho o verá, até mesmo aqueles que o traspassaram”. Linguagem como essa não deve ser tomada literalmente. Isso é linguagem poética. É a maneira de João dizer que o governo de Deus sobre o mundo, efetuado por meio de Jesus, não será um evento local menor, mas um evento de significado universal.

ATRASO NA VIDA DE CRISTO

A igreja primitiva acreditava que Jesus ressuscitado voltaria muito em breve para completar a vinda do reino de Deus, cuja inauguração ele anunciou durante seu ministério. Paulo aparentemente esperava o retorno de Jesus em breve. Com o passar dos anos e o evento previsto não ocorrendo, os primeiros cristãos lidaram com esse retorno tardio de várias maneiras. Alguns reagiram com medo e preocupação com os cristãos que já haviam morrido (1 Tessalonicenses 4:13-18); alguns alegaram que o dia da volta de Cristo já havia ocorrido ou estava ocorrendo (2 Tessalonicenses 2:1-2); alguns reinterpretaram o significado de “em breve”, afirmando que “para o Senhor um dia é como mil anos, e mil anos são como um dia” (2 Pedro 3:8). Para João, a gravidade de sua situação atual o levou a concluir que certamente o fim deve estar próximo. Deus não permitiria que o mundo continuasse por muito mais tempo. Ele interpretou os acontecimentos de sua época como sinais de que Cristo voltaria em breve para estabelecer a justiça e a retidão de Deus.
A aparição do outrora crucificado Jesus afeta até mesmo os responsáveis por sua morte. Todas as pessoas se juntam ao luto. O texto não especifica se o remorso do povo é baseado em sua contrição e arrependimento (como no texto de Zacarias) ou se é uma reação de culpa e medo. Em outra parte do Apocalipse, João insinua que todo o mundo acabará sendo atraído pela influência e poder da misericórdia de Deus (veja 15:3-4; 21:24; 22:2). Talvez João tenha pretendido isso aqui também. O tema da reversão é proeminente em todo o livro do Apocalipse. O Cordeiro imolado é o Cordeiro vitorioso; aqueles que foram oprimidos e perseguidos são justificados; os poderosos se tornam impotentes. Aqui, aqueles que provocaram a morte de Jesus agora lamentam suas ações. O foco nesta cena não está nos enlutados, no entanto. A figura central é aquele que vem nas nuvens, o Jesus triunfante. Esta é uma cena de vindicação. João lembra a seus leitores que o drama do trato de Deus com o mundo não terminou com a crucificação da fiel testemunha de Deus, pois o último ato ainda está para ser realizado. Quando a cortina final cair, aqueles que se opuseram a Deus ficarão surpresos com o final. Mesmo aqueles que foram responsáveis pela morte de Jesus lamentarão seu ato. As visões do Apocalipse são a tentativa de João de retratar em linguagem simbólica a espantosa verdade de que todo mal e toda injustiça acabarão se curvando diante do poder indomável de Deus. O último capítulo do Apocalipse termina com João ansiando pela ocorrência desse evento, clamando: “Vem, Senhor Jesus!” (22:20). João ressalta a importância desse pronunciamento acrescentando uma dupla confirmação: “Assim é para ser [literalmente, “sim”]. Amém.”

Apocalipse 1.8 A autodescrição de Deus como o Alfa e o Omega (a primeira e a última letra do alfabeto grego), princípio e o fim, indica que Ele é o Todo-poderoso e eterno, já existindo que tudo fosse por Ele criado. Esse conhecimento pode ser um grande conforto para quem está sofrendo (v. 9). O Senhor está guiando a história de maneira soberana em direção à sua consumação, à vitória de Cristo sobre tudo e todos (1 Co 15.24-28).

Apocalipse 1.9 João se identifica fortemente com seus leitores como um irmão e companheiro na aflição, uma tribulação que alguns já estavam sofrendo (Ap 2.9,10). Paulo disse que haveria muitas tribulações (At 14.22) para os cristãos antes da vinda do reino (Ap 11.15). Tais provações servem para desenvolver paciência e maturidade cristã (Tg 1.2-4); afinal, suportá-las é um pré-requisito para reinar com Jesus (Rm 8.17; 2 Tm 2.12). O sofrimento imediato de João estava relacionado ao seu exílio na pequena ilha de Patmos, no mar Egeu. Embora o apóstolo tivesse sido exilado como uma tentativa de silenciar a palavra de Deus e o testemunho de Jesus Cristo (a palavra grega traduzida como testemunho significa literalmente testemunha, e está associada à palavra mártir), João, continuou escrevendo o Apocalipse (1,2) como testemunha de Cristo.

Ninguém além de João se dirige a seus leitores. Ele não se apresenta como um apóstolo, mas como um “irmão” entre os irmãos (no seu evangelho ele se autodenomina “discípulo”, Jo 21:24, e em suas cartas um “presbítero”, 2 Jo 1:1; 3 Jo 1:1). Ele também se autodenomina “companheiro na tribulação”, de onde derivamos que ele compartilha o mesmo destino de seus companheiros crentes que também tiveram que suportar o sofrimento sob o imperador de Roma. A tribulação anda junto com a fé. É o caminho que você deve percorrer para entrar no reino de Deus (Atos 14:22).

A hora de reinar ainda não chegou. Você ainda tem que perseverar, através de todos os tipos de tribulações e testes, até que chegue o momento de reinar. Quando o Senhor Jesus voltar, será o momento. Ao considerar isso, você também pode ter em mente que o Senhor Jesus também está esperando pelo estabelecimento do reino.

João fala sobre “Jesus” aqui, que é o Nome de Sua humilhação e um lembrete de Sua permanência na terra. Quando Ele estava na terra, Ele também mostrou essa perseverança. Seu testemunho para Pilatos, quando ele pergunta se Ele é o Rei dos Judeus, soa assim: “Mas, como é, o meu reino não é deste reino” (João 18:36). Preste atenção às palavras "mas como é". Isso mostra que durante Sua presença na terra Ele não estabeleceu Seu reino. Isso foi e ainda é agora também, por vir.

João testificou da Palavra de Deus desse reino. O governante romano viu isso como uma ameaça para seu próprio reino e posição e não aprovou isso (cf. Atos 17:7) e, portanto, o expulsou para “a ilha chamada Patmos”. João não falava o que os homens gostavam de ouvir, caso contrário, ele não estaria no cativeiro agora. Ele era ‘analfabeto’ (Atos 4:13), mas falava a Palavra de Deus com poder e autoridade. Em sua pregação, ele testificou de Jesus, que é o centro de todos os pensamentos e planos de Deus.

Apocalipse 1.10-11 A expressão em espírito alude ao estado de exultação espiritual no qual João se encontrava quando recebeu as visões do Apocalipse (Ap 4.1,2). Cada uma das sete igrejas na província da Ásia recebeu uma cópia completa de Apocalipse e uma mensagem individual da parte de Cristo (Ap 2.1—3.22). Aqui temos um vislumbre do estado profético/apocalíptico, como João nos diz que ele era ἐν πνεύματι (en pneumati, no Espírito), quando recebeu a primeira visão. Esta frase ocorre quatro vezes no Apocalipse (1:10; 4:2; 17:3; 21:10), e alguns (por exemplo, D. Turner 1992: 281) postularam que este é um marcador primário que designa os quatro principais divisões do livro. Poucos, no entanto, chamariam isso de marcador importante, embora seja usado como um recurso literário para apontar a natureza apocalíptica das visões. Além disso, embora isso possa se referir ao espírito humano (ou seja, o “estado espiritual” em que João recebeu a visão), quase certamente se refere ao Espírito Santo como a fonte. A frase aparece frequentemente no NT, às vezes por inspiração de autores do AT (por exemplo, Mateus 22:43) ou de expressão profética (por exemplo, Lucas 2:27; 1 Coríntios 12:3) ou de espiritual orientação (por exemplo, Atos 19:21). Jeske (1986: 455, 462-63) diz que se refere não à experiência extática, mas à “participação na comunidade do Espírito Santo”. Uma vez que a obra do Espírito Santo no livro está ligada à comunidade como um todo, esse também é o objetivo aqui. Nas experiências visionárias de Atos 11:5; 22:17; e possivelmente de 2 Cor. 12:2–4, no entanto, esta foi uma experiência extática na qual o Espírito Santo assumiu os sentidos. Mas ao contrário de Pedro em Atos 10:10 e Paulo em 16:9, João parece estar consciente ao receber esta mensagem e visão. O Espírito como fonte de inspiração profética é bastante comum no AT (por exemplo, Num. 24:2; 1 Reis 18:12; Joel 2:28; mas especialmente em Ezequiel 3:12, 14; 8:3; 11:1, 24; 37:1; 43:5, com sua característica “O Espírito do Senhor me levantou e me trouxe”). Assim como Ezequiel e em cumprimento da profecia de Joel sobre o fim dos tempos (2:28, “os vossos velhos terão sonhos, os vossos jovens terão visões”), João aqui está indicando uma experiência visionária enviada pelo Espírito com a intenção de dizer a seus leitores que Deus está, de fato, no processo de encerrar a história (ver a excelente discussão em Bauckham 1993a: 150-59).

João teve esta visão ἐν τῇ κυριακῇ ἡμέρᾳ (en tē kyriakē hēmera, no Dia do Senhor), frase encontrada apenas aqui no NT. Três opções foram sugeridas para o seu significado: (1) Pode ser uma referência ao dia escatológico do Senhor, de modo que João é transportado para o tempo do eschaton (assim Bullinger 1909: 12; Walvoord 1966: 42); mas nem a linguagem aqui nem o conteúdo de 1:12-20 tornam isso provável, pois o NT comumente usa o genitivo κυρίου (kyriou, do Senhor) para designar o “dia do Senhor”, enquanto João aqui tem o adjetivo. (2) Pode se referir ao Domingo de Páscoa como o dia da parusia dentro dos limites da liturgia pascal (M. Shepherd 1960; Strand 1966–67); mas isso é altamente especulativo, e essa visão não surgiu até pelo menos um século depois. (3) Provavelmente esta frase se refere ao domingo, escolhido pela igreja primitiva com base na ressurreição como o dia de adoração (Stott 1965–66; Bauckham 1982: 221–50). Stott (73–74) argumenta que κυρι ακῇ foi originalmente associado à ressurreição e depois ao triunfo escatológico do Senhor dos senhores e, portanto, passou a ser usado para o “Dia do Senhor”. É provável que a igreja judaico-cristã adorasse nas sinagogas no sábado judaico e em suas próprias assembleias desde os primeiros tempos no domingo, celebrando a Eucaristia e adorando a Cristo juntos (cf. Atos 2:42). Embora esta seja a primeira aparição do “Dia do Senhor” como um termo técnico para a adoração dominical, tornou-se um termo comum para tal no segundo século. João estava adorando naquele dia e recebeu esta visão.

A experiência extática é auditiva antes de ser visionária. João ouve ϕωνὴν μεγάλην ὡς σάλπιγγος (phōnēn megalēn hōs salpingos, uma voz alta como uma trombeta). A “voz alta” é comum no Apocalipse para tais mensagens auditivas e, na maioria das vezes, é de um anjo (por exemplo, 5:2, 12; 7:2; 10:3; 14:15, 18; 19:17), e assim alguns postularam que isso também é um anjo. No entanto, a repetição da comissão de escrever em 1:19 é claramente a voz de Cristo, e em outras partes do livro o anjo é mencionado diretamente. Portanto, é mais provável que Cristo esteja aqui também. A metáfora da “trombeta” tem grande significado, pois em quase todas as ocorrências do NT ela tem significado escatológico como um prenúncio do dia do Senhor (Mateus 24:31; 1 Coríntios 15:52; 1 Tessalonicenses 4:16) ou uma teofania (Heb. 12:19). Ambos os harmônicos são destinados aqui. Três aspectos em seu uso no AT podem ser significativos para seu uso escatológico no Apocalipse: sinalizar guerra (Jz 3:27; 6:34; Ez 7:14); como arautos do rei, especialmente no sentido da coroação (2 Sam. 15:10; 1 Reis 1:34–35); e na adoração cultual durante procissões festivas (2 Sam. 6:15; Nee. 12:35–36) ou ofertas de sacrifício (2 Crônicas 29:27–28). Todos os três são pretendidos no livro; o primeiro torna-se proeminente mais tarde, mas aqui o segundo e o terceiro são mais centrais. A voz de Cristo é teofânica e prepara para o aparecimento e adoração daquele “como um filho do homem” em 1:12–20.

A comissão de “escrever” em 1:11 é o primeiro de doze desses mandamentos no livro. Além desta ocorrência no capítulo 1, há sete nas cartas (caps. 2 e 3) e mais quatro no restante do livro (1:19; 14:13; 19:9; 21:5), sempre com o imperativo aoristo γράψον (grapson, escreva). Como é o tempo normal para tal comando, tem sua força básica simples, “escreva isso”. Como observa Beale (1999: 203), isso carrega conotações do encargo de Yahweh aos profetas do OT (Êxodo 17:14; Isaías 30:8; Jer. 36:28; Tob. 12:20). O conteúdo da mensagem, Ὃ βλέπεις (ho blepeis, o que você vê), é colocado antes do imperativo para dar ênfase. A repetição da ordem de escrever em 1:19 e nos capítulos 2 e 3 poderia restringir isso à visão de 1:12-16. Nesse sentido, haveria uma inclusio no tempo presente “veja” aqui e o aoristo “o que você viu” em 1:19, enquadrando essa significativa primeira visão com a ordem de “escrever”. No entanto, o versículo 19 aponta além dos versículos 12–16 para o que é agora (caps. 2–3) e o que acontecerá depois (caps. 4–22). Portanto, esse comando provavelmente apresenta as visões de todo o livro e é expandido no versículo 19.

João então passa a enumerar os destinatários desta epístola apocalíptica, as sete igrejas da província da Ásia. Embora isso seja explicado com mais detalhes nos próximos dois capítulos, alguns comentários preliminares podem ser feitos. A ordem das cidades é significativa, pois elas formam a rota circular de um carteiro começando em Éfeso e movendo-se primeiro para o norte até Esmirna e Pérgamo, depois virando para o sudeste até Tiatira, para o sul até Sardes, para o leste até Filadélfia e finalmente para o sudeste até Laodicéia. Além disso, devemos perguntar por que essas cidades em particular são escolhidas. Troas e Colossos eram centros críticos do NT, e Magnésia e Tralles eram cidades mais importantes do que Filadélfia ou Tiatira. A melhor solução ainda é provavelmente a de William Ramsay, conforme argumentado posteriormente por Hemer (1986: pp. 14-15). Estas sete cidades formavam um centro natural de comunicação para o resto da província, uma vez que se encontravam em ordem de sequência numa via circular interior através do território. Há boas razões para supor que desde os tempos paulinos eles se tornaram “centros de organização e distribuição” a partir dos quais as mensagens seriam difundidas para as outras igrejas da província. DeSilva (1990: 193) também aponta que essas cidades em particular foram escolhidas em parte por sua relação com o culto imperial. Todos, exceto Tiatira, tinham templos dedicados aos imperadores, e todos, exceto Filadélfia e Laodiceia, tinham sacerdotes e altares imperiais. Eu acrescentaria um outro ponto. Eles também representavam os problemas das outras igrejas da região (observe como cada carta inclui “Ouvi o que o Espírito diz às igrejas”). Como veremos, cada cidade tinha seu próprio conjunto de problemas, mas também serviu de exemplo para as outras igrejas.


Apocalipse 1.12 Os sete castiçais de ouro representam as sete igrejas nomeadas no versículo 11 (v.20). Quando João ouviu a voz e o que ela disse, ele se virou. Ele quer ver a voz que falou com ele. Claro que você não pode ver uma voz, mas a voz é de uma pessoa. Essa Pessoa é o Senhor Jesus. Ele é a Palavra. Quando João se vira, ele primeiro vê “sete candelabros de ouro” e somente então ele vê o Filho do Homem. Não é como acontece hoje, que vemos primeiro os crentes e depois, como se fosse por eles, o Senhor Jesus?

João percebe que os candelabros são de ouro. O ouro representa a glória de Deus. Um candelabro destina-se a espalhar a luz. Portanto, o fato de as igrejas serem comparadas com candelabros de ouro significa que é intenção das igrejas locais espalhar a luz divina.

Cada igreja local deve mostrar em seu ambiente Quem é Deus. Ela só pode fazer isso levando em consideração a Sua Palavra. Ao ouvir a verdade da Palavra de Deus e obedecê-la, a luz se espalhará na escuridão. As trevas governam em todo o mundo e cobrem cada vez mais lugares no Cristianismo. Você verá como aconteceu que a luz do candelabro está ficando cada vez mais fraca e até mesmo pode surgir uma situação em que um candelabro é retirado.

Apocalipse 1:7-12

João em Patmos

Apocalipse 1:7. Com um “eis” João chama a atenção para Aquele que aparecerá pessoalmente. Este é um grande evento para o qual todo o livro trabalha. É contado de uma forma que não só daqui a pouco, mas agora já temos que estar ansiosos por isso. Você pode chamá-lo de ‘tempo presente profético’. Indica como os eventos são reais e próximos, não apenas para João naqueles dias, mas também para você hoje.

O Senhor Jesus aparecerá “com as nuvens do céu” (Dan 7:13) e também “nas nuvens do céu” (Mateus 24:30) que por assim dizer formará Seu trono. Portanto, não se trata de Sua vinda para assumir a igreja, que você pode chamar de Sua primeira vinda, pois isso acontecerá “nas nuvens do céu” e não será visível para todos (1 Tessalonicenses 4:17; cf. Atos 1:9; Lucas 21:27). Esse certamente será o caso em Sua segunda vinda. Todos serão levados face a face com Ele, sem exceção.

De todas essas pessoas, João menciona uma certa categoria, a saber, “aqueles que o traspassaram”. Isso se refere principalmente aos judeus (Zacarias 12:10), mas também se refere aos gentios, pois um soldado romano o traspassou (João 19:34). Aqueles que cometeram este ato de desprezo ficarão cheios de medo quando o virem. Causará um enorme luto entre os judeus (Zc 12,10-14), que será o início de sua conversão. É assim que deve acontecer, “assim é para ser. Amém”. ‘Assim é’ ou ‘sim’ é a confirmação grega e ‘amém’ a versão hebraica dela, através da qual tanto para gentios quanto para judeus é indicado que a Palavra de Deus é determinada.

Apocalipse 1:8. Então Aquele que há de vir se faz ouvir. Ele diz Quem Ele é: “Eu sou o Alfa e o Ômega”. O alfa e o ômega são a primeira e a última letra do alfabeto grego. Nessas duas letras todas as outras letras estão embutidas. Neste nome você também vê que Ele é ‘a Palavra de Deus’. O que Ele começou como o Alfa, Ele realizará como o Ômega. Aquele que virá e está falando aqui é o Senhor Jesus. Ele é ‘o primeiro e o último’ (Ap 1:17; Ap 2:8; Ap 22:13). Isso também é o que Jahweh, o nome de Deus no Antigo Testamento, diz de Si mesmo (Is 41:4; Is 44:6; Is 48:12), o que é novamente outra prova de que o Senhor Jesus é Jahweh.

Aquele que está falando é ‘Jahweh Elohim’ ou “o Senhor Deus”, que é o Senhor Jesus. Ele é Aquele “quem é”, o eterno Ser Um. Ele “foi” e sempre será. Ele é também Aquele “que há de vir”. Ele é o Todo-Poderoso que realizará todas as Suas promessas e planos. Aquele que foi traspassado, quando Ele, como o fraco de Deus, estava pendurado na cruz, é o próprio Jahweh, “o Todo-Poderoso” que tem todo o poder no universo e que está prestes a aceitar esse poder. Isso é um consolo para o Seu povo, porque Ele os carrega e sustenta com Sua onipotência. Ao mesmo tempo, é uma ameaça para Seus inimigos, porque Ele os julgará e retribuirá a cada um de acordo com suas obras.

Apocalipse 1:9. Ninguém além de João se dirige a seus leitores. Ele não se apresenta como um apóstolo, mas como um “irmão” entre os irmãos (no seu evangelho ele se autodenomina um “discípulo”, Jo 21:24, e nas suas cartas um “ancião”, 2Jo 1:1; 3Jo 1:1). Ele também se autodenomina “companheiro na tribulação”, de onde derivamos que ele compartilha o mesmo destino de seus companheiros crentes que também tiveram que suportar o sofrimento sob o imperador de Roma. A tribulação anda junto com a fé. É o caminho que você deve seguir para entrar no reino de Deus (Atos 14:22).

A hora de reinar ainda não chegou. Você ainda tem que perseverar, através de todos os tipos de tribulações e testes, até que chegue o momento de reinar. Quando o Senhor Jesus voltar, será o momento. Ao considerar isso, você também pode ter em mente que o Senhor Jesus também está esperando pelo estabelecimento do reino.

João fala sobre “Jesus” aqui, que é o Nome de Sua humilhação e um lembrete de Sua permanência na terra. Quando Ele estava na terra, Ele também mostrou essa perseverança. Seu testemunho perante Pilatos, quando Lhe pergunta se Ele é o Rei dos Judeus, soa assim: “Mas o meu reino não é deste reino” (João 18:36). Preste atenção às palavras ‘mas como é’. Isso mostra que durante Sua presença na terra Ele não estabeleceu Seu reino. Isso foi e ainda é agora também, por vir.

João testificou da Palavra de Deus daquele reino. O governante romano viu isso como uma ameaça para seu próprio reino e posição e não aprovou isso (cf. Atos 17:7) e, portanto, o expulsou para “a ilha chamada Patmos”. João não falava o que os homens gostavam de ouvir, caso contrário, ele não estaria no cativeiro agora. Ele era ‘analfabeto’ (Atos 4:13), mas falava a Palavra de Deus com poder e autoridade. Em sua pregação, ele testificou de Jesus, que é o centro de todos os pensamentos e planos de Deus.

Apocalipse 1:10. Lá, João estava sentado, isolado e solitário em uma ilha. Ele não está lá voluntariamente, para fazer uma pausa, mas como um cativo. Ele foi exilado para aquele lugar, sem qualquer perspectiva de libertação. Não parece que ele poderia esperar uma visita de vez em quando. Mas isso não significa que o Senhor não estava com ele e que o Espírito não poderia usá-lo. No dia do Senhor (literalmente: o dia pertencente ao Senhor, o domingo, cf. 1Co 11:20) ele foi arrebatado em uma visão pelo poder do Espírito Santo (cf. Atos 10:10; Ato 22 :17). O dia do Senhor é o primeiro dia da semana, o dia de Sua ressurreição (João 20:1; João 20:19, Atos 20:7; 1Co 16:2). Neste dia João recebe todas as informações e visões que estão escritas neste livro.

Mas antes que ele veja algo, ele ouve algo atrás dele. É como se ele estivesse de costas para as igrejas, enquanto olha para o reino na expectativa de que ele virá. Mas o Senhor ainda não terminou com Sua igreja na terra. Ele tem que lidar com isso primeiro. Ele chama João para olhar, para que ele se volte e preste atenção ao que o Senhor está prestando atenção.

O que ele ouve é “uma voz alta como [o som] de uma trombeta”. Não é a voz do bom pastor, que chama pelo nome as suas ovelhas. Ele ouviu aquela voz quando andou com o Senhor Jesus através de Israel (João 10:11; João 10:14). Mas agora ele ouve a voz de um Juiz ameaçador, de Alguém que fala e executa o julgamento.

Apocalipse 1:11. A voz do Juiz ordena a João que escreva em um livro tudo o que vê. Isso implica que ele deve observar e assimilar com atenção. Em seguida, ele deve registrar todas as suas observações por escrito, para que sejam preservadas para as próximas gerações. No entanto, o livro não é significativo apenas para as próximas gerações, mas também para as sete igrejas, mencionadas nominalmente na Ásia Menor, na parte ocidental da atual Turquia.

Ainda havia mais igrejas na Ásia Menor. Mas o Espírito Santo de Deus elegeu esses sete porque eles são, na verdade, um reflexo da igreja como um todo através dos tempos. É por isso que você lê “as” sete igrejas. São as sete igrejas certas para as quais este livro deve ser enviado. O fato de serem sete mostra que se trata de algo completo. É sobre a história completa da igreja na terra. Também a ordem não é aleatória, mas de certa importância. Você verá isso quando examinarmos mais de perto essas sete igrejas nos próximos dois capítulos (Ap 2-3). Ao mesmo tempo, cada igreja também é mencionada separadamente, o que você pode derivar da palavra “para” que fica antes do nome de cada igreja.

Apocalipse 1:12 Quando João ouviu a voz e o que ela disse, ele se virou. Ele quer ver a voz que falou com ele. Claro que você não pode ver uma voz, mas a voz é de uma pessoa. Essa Pessoa é o Senhor Jesus. Ele é a Palavra. Quando João se vira, ele primeiro vê “sete candelabros de ouro” e somente então ele vê o Filho do Homem. Não é como acontece hoje, que primeiro vemos os crentes e depois, como se fosse por meio deles, o Senhor Jesus?

João percebe que os candelabros são de ouro. O ouro representa a glória de Deus. Um candelabro destina-se a espalhar a luz. Portanto, o fato de as igrejas serem comparadas com candelabros de ouro significa que é intenção das igrejas locais espalhar a luz divina.

Cada igreja local deve mostrar em seu ambiente Quem é Deus. Ela só pode fazer isso levando em consideração a Sua Palavra. Ao ouvir a verdade da Palavra de Deus e obedecê-la, a luz se espalhará na escuridão. As trevas governam em todo o mundo e cobrem cada vez mais lugares no Cristianismo. Você verá como aconteceu que a luz do candelabro está ficando cada vez mais fraca e até mesmo pode surgir uma situação em que um candelabro é retirado.

Apocalipse 1:13-20

No meio dos candelabros

Ap 1:13. Depois de ter visto os candelabros de ouro, João vê que Alguém está de pé no meio deles. João O reconhece como ninguém mais que o “Filho do Homem”, isto é, o Senhor Jesus (cf. Dn 7,9-13). Ele está aqui – figurativamente – no meio das igrejas, para julgá-las. Isso deve ser derivado das características que estão sendo observadas por João. Você encontra essas características também em Daniel 7, mas então como visões do Ancião de dias, que é o próprio Deus. Isso prova mais uma vez que o Senhor Jesus é Deus. O homem cansado no poço em Sicar (João 4:6) e o Criador que “não se cansa nem se cansa” (Is 40:28) é a mesma pessoa.

A primeira característica do Filho do Homem é que Ele está “vestido com um manto que chega aos pés”. Ele não é o Servo aqui que depõe Suas vestes para servir Seus discípulos como um humilde servo (João 13:4; cf. Lucas 12:35). É a vestimenta do Juiz. O Senhor Jesus julga a igreja em relação à sua responsabilidade que ela tem como testemunho na terra (cf. 1Pe 4:17).

A segunda característica é que Ele está “cingido no peito com uma faixa de ouro”. Seu “peito” fala de amor. ‘Ouro’ fala da glória divina. A “faixa” fala de servir. Disto você pode derivar que Ele também como Juiz serve com amor.

Apocalipse 1.13 Semelhante ao Filho do Homem é uma referência a Daniel 7.13. Comparando-se essas duas passagens, além do uso da expressão Filho do Homem por Jesus (Mt 20.28) em relação a si mesmo, notamos que Cristo é o sujeito dos versículos de 12 a 18 de Apocalipse 1. Jesus tem uma natureza completamente humana e completamente divina. A veste comprida e o cinto de ouro indicam que o Cristo glorificado está vestido como um sumo sacerdote (Ex 28.4)

Apocalipse 1.14 A aparência branca da cabeça e dos cabelos é um paralelo à descrição do ancião de dias, em Daniel 7.9, e à aparência gloriosa do Cristo transfigurado no monte (Mt 17.2). As descrições demonstram a pureza e imortalidade, tanto de Deus-Pai como do Deus-Filho. Adicionalmente, o cristão vencedor será vestido de vestes brancas (Ap 3.5; 19.8), um símbolo de pureza, e estará na presença de Cristo. Os olhos de Cristo são como chama de fogo. Isso indica Sua justiça, assim como Seu juízo sobre todas as coisas impuras (Dn 10.6; 1 Co 3.13).

Ele realiza Seu serviço como Juiz com honra e sabedoria e de acordo com a pureza do céu. É a isso que a próxima característica se refere: “Sua cabeça e seus cabelos eram brancos como alva lã” (Pv 16:31; Pv 20:29).

A seguinte característica, “Seus olhos eram como chama de fogo”, indica que Ele vê através de tudo e testa tudo o que não está de acordo com Sua santidade. Nada pode ficar escondido desta chama de fogo. É assim que Ele testa todo o Cristianismo do qual as sete igrejas são uma imagem.

Apocalipse 1.15 Seus pés, semelhantes a latão reluzente podem significar respeito ou poder, assim como domínio sobre todas as coisas, já que tudo está debaixo de Seus pés (1 Co 15.25).

Que “Seus pés [eram] como bronze polido” significa que o padrão de Seu julgamento é Seu próprio andar. O que Ele pode esperar da condição espiritual da igreja é que ela corresponda ao que Ele mostrou na terra em Sua caminhada e devoção a Deus. “Bronze” é uma imagem de uma justiça que pode suportar o fogo do julgamento de Deus (Nm 16:37-39), porque não há nada que deva ser consumido pelo fogo. Tudo está de acordo com Deus.

Enquanto Ele Se expõe assim “Sua voz [era] como o som de muitas águas” (Ez 43:2; Sl 93:4). Nela, o poder de Sua palavra está sendo revelado, com o qual Ele pronunciará o veredicto. O poder de Sua voz impedirá qualquer resposta possível. Ninguém ousará contestar Seu veredicto.


Apocalipse 1.16 As sete estrelas são os anjos das sete igrejas (v. 20). Esses anjos podem designar literalmente seres espirituais, guardiões daquelas igrejas. Uma aguda espada de dois fios era uma espada longa e afiada dos dois lados, a qual, saindo da boca de Cristo, simboliza o poder e o juízo que a Palavra de Deus promove ao penetrar no profundo do coração humano (Is 49.2; Hb 4.12).

O significado das sete estrelas é explicado em Ap 1:20. Eles são os sete anjos, o que significa os responsáveis em cada uma das sete igrejas. O Senhor Jesus os tem em Sua mão direita, que é a mão de Seu poder. Isso indica que Ele tem o controle sobre eles.

A “espada afiada de dois gumes” que saiu “da Sua boca” (Is 11:4; Ap 2:12; Ap 2:16; Ap 19:15; Ap 19:21), é uma imagem da Palavra de Deus (Hb 4:12; Ef 6:17). Cristo julga as igrejas com base nesta Palavra, que eles conheceram, mas ignoraram de muitas maneiras. A Palavra Divinamente revelada é o padrão segundo o qual todos serão julgados (João 12:48). Terá que ser reconhecido por todos.

A descrição de Sua Pessoa é concluída com uma descrição de “Seu rosto”. Isso é “como o sol brilhando em sua força” (Mateus 17:2; Atos 26:13; Mal 4:2). O sol coloca tudo na luz, nada fica escondido. Seu semblante é o mesmo semblante no qual as pessoas cuspiram (Mateus 26:67).

Apocalipse 1.17, 18 Quando Cristo fala de si mesmo como aquele que vive, foi morto e viverá para todo o sempre, Ele está referindo-se à Sua existência eterna, à Sua vinda como homem, à Sua morte na cruz e à Sua condição gloriosa de ressurreto. As chaves da morte e do inferno apontam para a autoridade de Cristo sobre aqueles que morreram fisicamente e sobre os seus lugares atuais de descanso, os quais serão esvaziados na época do juízo do grande trono branco (Ap 20.11-15).

Apocalipse 1:17. Quando João O viu em toda a Sua majestade, caiu “aos Seus pés como um morto”. A visão é tão horrível que ele quase morre. Quando o Senhor estava na terra, João conhecia a relação familiar com Ele e estava reclinado em Seu seio (João 13:23-25). Mas agora ele vê o Senhor como nunca o viu antes.

Então o Senhor “pôs a mão direita” sobre ele. Essa expressão não significa apenas que o Senhor o toca e assim o conforta e encoraja. O toque da mão tem poder de dar vida. Para João é uma lembrança de que este Juiz é Seu Redentor. Para você, isso implica o encorajamento de que você não tem nada a temer dEle, que julgará o Cristianismo, se você O conhecer e amar.

Isso também é dito pelo Senhor. As palavras “não temas” de Sua boca têm sido um grande conforto e encorajamento para os crentes de todas as épocas. Ele aponta para Si mesmo como “o primeiro e o último”. Como “o primeiro” Ele é antes de tudo e acima de tudo e a origem de todas as coisas; tudo vem Dele. Como “o último” Ele terá a última palavra. Por que você deveria temer? Ele é a rocha de força para os pés cansados e para os fardos mais pesados da vida.

Apocalipse 1:18. Ele também é “o vivo”. Esta é a grande distinção entre o Deus verdadeiro e todos os deuses falsos. Ele tem vida em Si mesmo. Ele é capaz de dar a outros também (João 5:21; João 5:24-26). Para poder fazer isso, Ele esteve na morte. Portanto João não precisava tornar-se como um morto. A morte não pôde segurá-Lo, pois em Sua morte Ele tirou tudo pelo qual a morte tinha poder.

A morte perdeu seu poder e direito e nunca será capaz de ter qualquer controle sobre Ele. Ele está “vivo para todo o sempre”. A vitória é completa e eterna. Por meio de Sua vitória, Ele também tem pleno poder sobre “a morte e … Hades”, o que é demonstrado na posse das “chaves”. O Senhor Jesus pode dispor da morte e do inferno como bem entender (Hb 2:14; Ap 20:14).

Ele não foi deixado na sepultura e Seu corpo não teve permissão para ver a corrupção (Atos 2:27-28). A glória do Pai O ressuscitou (Rm 6:4), porque o Pai foi glorificado por Cristo e Sua obra e assim todas as santas exigências de Deus foram cumpridas. Portanto, nessa base, a morte e o inferno não têm mais poder sobre todo aquele que crê (Mateus 16:18).

Apocalipse 1.19 A frase escreve as coisas que tens visto engrandece e esclarece a ordem anterior de Cristo: o que vês, escreve-o (v. 11). Aparentemente, a expressão as coisas que tens visto se refere à visão relatada nos versículos 10-18. A frase as que são, e as que depois destas hão de acontecer pode referir-se à condição das igrejas na Ásia (Ap 2—3), seguida das visões do futuro (Ap 4—22). O uso de depois em combinação com a visão de um semelhante ao Filho do Homem (v.13) é um empréstimo do texto em Daniel 2.29,45.

Após as palavras encorajadoras do Senhor, João recebe a ordem de escrever algumas coisas. É uma ordem em três partes. Nessas três partes você tem a divisão básica do livro ao mesmo tempo. Ele teve que escrever as coisas que viu e as coisas que são e as coisas que acontecerão depois dessas coisas.

1. “As coisas que viste”, já lestes nos versículos anteriores: o Senhor Jesus como Juiz no meio dos sete castiçais.

2. “As coisas que são”, refere-se aos capítulos 2 e 3. Ali é descrita a situação das sete igrejas na Ásia mencionadas em Ap 1:11. Esse foi o tempo presente para João. No sentido mais amplo, é todo o período de tempo da igreja que começou no dia de Pentecostes em Atos 2 e que terminará no arrebatamento da igreja.

3. “As coisas que acontecerão depois destas coisas”, começa com o capítulo 4 (Ap 4:1) e termina com o último versículo do livro. Esta terceira parte está totalmente no futuro. Essas são coisas que acontecerão depois das coisas que ainda vivenciamos na presente dispensação.

Apocalipse 1:20. Antes de o Senhor Jesus se dirigir às sete igrejas, Ele primeiro dá uma explicação sobre “as sete estrelas” e “os sete candelabros de ouro”. Isso é necessário, pois se refere a um “mistério”. Um ‘mistério’ é algo que é um segredo e está escondido até que seja revelado. O mistério agora é revelado pelo Senhor Jesus.

As estrelas estão em Sua mão direita aqui, como estão em Ap 1:16. Ele os apóia com Seu poder e os mostra como se estivessem em seu relacionamento aberto com Ele. As estrelas brilham na noite. Eles são um símbolo para os anjos das sete igrejas. A palavra ‘anjo’ significa literalmente ‘mensageiro’ ou ‘representante’. Você também pode usá-lo de uma forma mais ampla para representar as pessoas. Os anjos não são querubins ou outras criaturas espirituais aqui, mas pessoas que são representantes das igrejas.

Assim como as estrelas, os candelabros também servem para espalhar luz na escuridão. Os candelabros são um símbolo do todo de cada igreja local, enquanto as estrelas são mais um símbolo do indivíduo, do qual as igrejas existem. Você também vê que tanto o indivíduo quanto o todo são responsáveis por espalhar a luz. Nos dois capítulos seguintes você verá o julgamento desta tarefa pelo Senhor Jesus.

Apocalipse 1.20 Os anjos das sete igrejas têm sido entendidos algumas vezes como mensageiros celestiais. O significado usual da palavra anjo no Novo Testamento e em Apocalipse é o de seres espirituais que ministram aos que herdarão a salvação (Hb 1.14). As sete igrejas têm o Filho do Homem glorificado em seu meio (v.12,13), lembrando a promessa de Cristo que diz: Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles (Mt 18.20).

Lições para a Igreja

Situação: João escreveu o Apocalipse para encorajar os cristãos a resistir ao culto do imperador e a permanecer firmes durante a perseguição.

Observação: Jesus, o Poderoso, cuida de nós e está conosco. Não importa o que enfrentemos, ele nos dá seu amor e poder.

Inspiração: Enquanto o cristão com a Bíblia na mão examina o cenário mundial, ele está ciente de que não adoramos um Deus ausente. Ele sabe que Deus está nas sombras da história e que Ele tem um plano. O cristão não deve ser perturbado pelo caos, violência, conflito, derramamento de sangue e ameaça de guerra que enchem as páginas de nossos jornais diários. Sabemos que essas coisas são consequências do pecado e da ganância. Todos os dias vemos mil evidências do cumprimento da profecia bíblica. Todos os dias, ao ler meu jornal, digo: “A Bíblia é verdadeira.”

Não importa o quão agourento seja o futuro, o cristão conhece o final da história. Estamos caminhando para um clímax glorioso. Todo escritor do Novo Testamento acredita que “o melhor ainda está por vir”.

Como disse João Baillie: “A Bíblia indica que o futuro está nas mãos de Deus. Se estivesse em nossas mãos, faríamos uma bagunça. O futuro não está nas mãos do diabo, pois assim ele nos levaria à destruição. O futuro não está à mercê de nenhum determinismo histórico que nos leve adiante cegamente, pois então a vida não teria sentido. Mas o futuro está nas mãos daquele que está preparando algo melhor do que o olho viu, ou ouvido ouviu, ou entrou no coração do homem para conceber”. … (De Unto the Hills por Billy Graham)

Análise Crítico-Literário de Apocalipse 1

O livro do Apocalipse se apresenta no capítulo 1 como uma “revelação de Jesus Cristo”, ao passo que a saudação de João às igrejas o caracteriza como uma carta. O capítulo culmina com João na ilha de Patmos, onde o apóstolo recebe a primeira visão do Cristo ressuscitado e glorificado. A palavra apokalypsis (“apocalipse”) faz alusão a Daniel 2, pois a totalidade de Apocalipse 1.1 é modelada de acordo com a estrutura mais ampla de Daniel 2.28-30,45-47 (cf. Θ), em que apokalyptõ (“revelar”) aparece cinco vezes (cf. também 2.19,22), ha dei genesthai (“o que deve acontecer”), três vezes, e sêmainõ (“significar”) duas vezes (cf. também 2.23 LXX). A expressão en tachei (“em breve”) é uma substituição consciente da frase “nos últimos dias” de Daniel (Dn 2.28) e conota a época definitiva e iminente de seu cumprimento.

Contudo, enquanto Daniel esperava que esse cumprimento ocorresse num futuro distante, nos “últimos dias”, João espera o início desse cumprimento ainda em sua geração. Na verdade, já começou a acontecer, como atestam as referências à fase inicial do cumprimento das profecias do Antigo Testamento no capítulo 1 (cf. 1.5,7,13,16). O uso de sêmainõ em Daniel 2.45 LXX mostra a natureza simbólica do sonho do rei da Babilônia (uma estátua que simboliza quatro impérios mundiais, uma espécie de cartum político). O apelo a essa passagem de Daniel no título e na declaração de conteúdo do livro todo demonstra que essa visão simbólica fará parte da estrutura subjacente dos meios de comunicação por todo o livro de Apocalipse. Assim, em vez de produzir a expectativa de que a maior parte do livro é “literal” por natureza, esse versículo indica que a maior parte do material deve ser entendida de maneira simbólica (sobre o qual, v. Beale 1999b, p. 295-9). Essa é uma das várias razões pelas quais os capítulos de 4 a 21, em especial, devem ser vistos como predominantemente simbólicos (especialmente as visões dos selos, das trombetas e das taças [sobre isso, v. Beale 1999a, p. 50-69]).

Em Apocalipse 1.4a, o número “sete” é o que mais se destaca. No Antigo Testamento, ele denotava “completude” (e.g., Lv 4 — 16; 26.18-28), ideia que se origina do relato da Criação, em Gênesis 1, onde os seis dias da Criação são seguidos pela consumação. Assim, é provável que as sete igrejas da Ásia representem toda a igreja. A identificação de Deus como “aquele que é, que era e que há de vir” é uma interpretação do nome “YHWH” baseada na reflexão sobre Êxodo 3.14 e sobre a dupla e a tríplice identificação temporal de Deus em Isaías (cf. Is 41.4; 43.10; 44.6; 48.12), as quais provavelmente refletem o nome divino de Êxodo 3.14. O nome de Êxodo 3.14 também foi ampliado de forma tríplice pela tradição judaica mais tardia, notadamente em Targum de Pseudo-Jônatas sobre Deuteronômio 32.39: “Eu sou aquele que é, que era e que será”.

O primeiro elemento, “aquele que é” (ho õn), deriva de Êxodo 3.14 LXX (egõ eimi ho õn) e, embora a preposição grega apo (“de”, “da parte de”) peça o genitivo, João mantém ho õn no nominativo, a fim de destacá-lo como alusão ao Êxodo (para um relato completo da expressão, v. McDonough 1999). É possível que João empregue tais construções aqui e em outras passagens como hebraísmos — em hebraico, o substantivo não é flexionado nos casos indiretos (v. Charles 1920, 1:13), a fim de criar um efeito “bíblico” no leitor e, assim, mostrar a solidariedade de sua obra com a obra da revelação de Deus no Antigo Testamento (para outros exemplos de tais tipos de solecismos pretendidos, v. comentário de 1.5; 2.20; 3.12; 9.14 em Beale 1999a; v. também Beale 1997b). (1.4b) Essa epístola profética também é oriunda dos “sete espíritos que estão diante do seu trono”.

O segmento de frase provavelmente é uma designação coloquial do Espírito Santo, a qual expressa a diversidade da obra de Deus na igreja e no mundo. A expressão “sete espíritos” é parte de uma parafraseada alusão a Zacarias 4.2-7 (como evidenciam 4.5 e 5.6), que identificava as “sete lâmpadas” como o Espírito de Deus, cujo papel era ser canal da graça de Deus (cf. Zc 4.7: “Graça! Graça!”) para Israel, se houvesse êxito na reconstrução do Templo (v. comentário de 1.12; 4.5; 5.6 adiante). É possível que Isaías 11.2-10 LXX esteja incluído com Zacarias no contexto dos “sete espíritos”, já que 5.5,6 faz alusão a esse texto (cf. a “raiz”, de Is 11.1, em 5.5; cf. também a menção aos “sete espíritos de Deus”, em 5.6 [v. Farrer 1964, p. 61]; observe ainda o uso de Is 11.4 em 1.16 [para um esclarecimento sobre a presença de ambas as influências do Antigo Testamento, v. Skrinjar 1935, p. 114-36]).

Em Apocalipse 1.5, o texto de Salmos 88.28,38 LXX (89.27,37 TP) serve de base para a afirmação de que Cristo é a “fiel testemunha”, o “primogênito” e o “Príncipe dos reis da terra”, uma vez que as três expressões ocorrem apenas ali (cf. Is 55.4). O contexto imediato do salmo refere-se a Davi como rei “ungido” que reinará sobre todos os inimigos e cuja semente será estabelecida em seu trono para sempre (Sl 88.20-38 LXX [89.19-37 TP]; o judaísmo interpretava Salmos 89.28 de forma messiânica [Midr. Rab. de Êx 19.7; talvez Pesiq. Rab. 34.2]). Embora a “fiel testemunha” em Salmos 88.38 LXX se refira ao testemunho perene da Lua, em comparação ao reinado perpétuo da semente de Davi no trono, a expressão aqui é aplicada adequadamente a Cristo (sobre a “fiel testemunha”, v. também Is 43.10-13). Assim, João vê Jesus como o rei davídico ideal, cuja morte e ressurreição resultaram em seu reinado eterno e no reinado de seus filhos “amados” (cf. 5.5b).

O termo “primogênito” refere-se à posição privilegiada de Cristo conquistada como resultado da ressurreição dos mortos (Sl 89.27-37, desenvolvendo a ideia de 2Sm 7.13-16; Sl 2.7,8). Em Apocalipse 1.5, encontra-se também uma alusão à função sacerdotal de Cristo (“nos libertou dos nossos pecados pelo seu sangue”), visto que os sacerdotes do Antigo Testamento obtinham a santificação e a expiação de Israel pela aspersão do sangue de animais sacrificados (cf. Êx 24.8; Lv 16.14-19; v. Loenertz 1947, p. 43). Esse pode ser um cumprimento tipológico da redenção do Israel escravo do Egito pelo sangue do cordeiro pascal, como demonstra a clara alusão a Êxodo 19.6 em Apocalipse 1.6. Aqui, como em Hebreus, Cristo é retratado simultaneamente como sacerdote e sacrifício.

A expressão “reino e sacerdotes” em Apocalipse 1.6 baseia-se numa expressão semelhante de Êxodo 19.6 (basileiou hierateuma [cf. TM]). Existe alguma discussão sobre se a expressão de Êxodo deve ser entendida como “sacerdócio real” ou como “reino sacerdotal”, mas a diferença é insignificante, visto que ambas podem incluir a referência aos elementos real e sacerdotal (para a discussão de significados alternativos em Êx 19.6 e Ap 1.6, v. Gelston 1959; Dumbrell 1985, p. 124-6, 159-60). A expressão de Êxodo é um resumo do propósito de Deus para Israel, essencialmente significando que Israel deveria ser uma nação real e sacerdotal a mediar a luz da revelação salvífica de Yahweh por meio do testemunho aos gentios (e.g., Is 43.10-13), propósito que os profetas do Antigo Testamento relembravam continuamente e que Israel não cumprira (e.g., Is 40—55).

A natureza sacerdotal de toda a nação de Israel também fora demonstrada pelo fato de Moisés tê-los consagrado exatamente da mesma forma que Arão e seus filhos, pela aspersão do sangue do sacrifício (cf. Êx 29.10-21 com Êx 24.4-8). É provável que a designação de todos os santos como sacerdotes, em Apocalipse 1.6, tenha origem nesse contexto (assim Düsterdieck 1980, p. 124). À semelhança dos sacerdotes do Antigo Testamento, todo o povo de Deus agora tem acesso direto à divina presença (I. T. Beckwith 1919, p. 430), porque Cristo removeu o obstáculo do pecado pelo seu sangue vicário (Vanhoye 1986, p. 289). Tal acesso sem intermediários recebe algumas qualificações em outras passagens do Novo Testamento, principalmente no sentido de que Cristo é o sumo sacerdote mediador no templo celestial para todo o povo de Deus (cf., e.g., Hb 8— 10; para outras qualificações desse “acesso sem intermediários”, v. Beale 2004 [os cap. sobre o templo do NT]).

Apocalipse 1.7 é composto por duas citações do Antigo Testamento. A primeira é de Daniel 7.13, que no contexto do Antigo Testamento se refere à entronização do “filho de homem” sobre todas as nações (cf. Dn 7.14) após o juízo de Deus sobre os impérios do mal (Dn 7.9-12). A citação seguinte é de Zacarias 12.10, que em seu contexto diz respeito ao final dos tempos, quando Deus derrotará as nações inimigas ao redor de Israel e quando Israel for redimido depois que se arrepender da pecaminosa rejeição a Deus e ao seu Mensageiro (i.e., “aqueles que o traspassaram”). A combinação idêntica de Daniel 7 e Zacarias 12 em Mateus 24.30 pode ter influenciado João a reuni-las aqui também (a mesma combinação ocorre ainda em Justino, o Mártir, Dial. 14.8; Mt 24.30 pode se referir também ao arrependimento, à luz de 24.31). A comparação entre aquele pelo qual “lamentarão” e o “primogênito” de Zacarias 12.10 também não é coincidência, uma vez que a mesma palavra (prõtotokos) descreve o rei em Salmos 88.28 LXX (89.27 TP) e Jesus em Apocalipse 1.5.

O texto de Zacarias sofreu duas alterações significativas: “todo o olho” e “da terra” (cf. Zc 14.17) foram adicionados para universalizar o significado original. Trata-se provavelmente de uma referência não a todas as pessoas, sem exceção, mas sim a todas as pessoas entre as nações que creem, como mostram claramente 5.9 e 7.9 (cf. o pl. “tribos”, como referência universal aos incrédulos: 11.9; 13.7; 14.6). A palavra (“terra”; “solo”) não pode ser uma referência limitada à terra de Israel, pois denota universalidade, já que esse é o único significado da expressão pasai hai phylai tês gês (“todas as tribos da terra”) no Antigo Testamento (LXX: Gn 12.3; 28.14; Sl 71.17; Zc 14.17). A expressão “todas as tribos de Israel” é recorrente no Antigo Testamento (c. 25 vezes) e realça a expressão diferente de Apocalipse 1.7b. Isso implica uma extensão do conceito veterotestamentário de Israel, uma vez que aquilo que outrora foi aplicado àquela nação em Zacarias 12 é agora transferido aos povos da terra que assumiram o papel do Israel arrependido.

Alguns estudiosos acreditam que a citação de Zacarias é utilizada de forma oposta à intenção original, para designar o sofrimento das nações sob juízo iminente. No entanto, João normalmente adere e, de modo consistente, desenvolve as ideias contextuais de suas referências ao Antigo Testamento, por isso as exceções propostas a essa regra devem conter o ônus da prova. As nações de Apocalipse 1.7b lamentam não por si mesmas, mas por Jesus, o que se encaixa melhor na ideia de arrependimento do que na de juízo. É bastante apropriado que a figura do “filho de homem” seja aplicada duas vezes a Jesus no espaço de apenas sete versículos (1.7,13), pois o “filho de homem”, de Daniel 7, era uma representação coletiva dos santos no que diz respeito a sofrer e governar, e esse título era usado por Jesus nos Evangelhos para indicar seu reinado revelado e inaugurado em meio ao sofrimento. No Midrash de Salmos 2.9, Daniel 7.13,14 é interpretado como uma referência coletiva à nação de Israel, embora outros setores do judaísmo o apliquem a uma figura messiânica individual (e.g., 4Ed 13.1-39; 1En 37-71; 2Br 36-40). A identificação de Jesus como “filho de homem” (1.13) e a natureza progressiva do tempo presente em Apocalipse 1.7a (“ele vem”) sugere que o cumprimento da profecia de Daniel 7.13 é visto aqui como iniciando no primeiro século, continuando por toda a era da igreja e culminando no final da história.

Em Apocalipse 1.8, o merisma “Alfa e Ômega” talvez tenha sido formulado por meio de uma reflexão sobre expressões semelhantes encontradas em Isaías 41—48, sendo que “o primeiro e o último” (1.17b) se baseia no mesmo vocabulário de Isaías (cf. Is 41.4; 44.6; 48.12) e, uma vez que a tripla identificação de 1.8b também remete a Isaías (v. comentário de 1.4 [“aquele que é, que era e que há de vir”]). Deus, que transcende o tempo, guia todo o curso da história, porque permanece soberano desde o início dela até o fim. A expressão “diz o Senhor Deus, o Todo-Poderoso” (pantokratõr), bastante comum nos Profetas (e.g., Ageu; Zacarias; Malaquias), também aqui representa a soberania divina.

A introdução à comissão de João em Apocalipse 1.10-11 é cunhada na linguagem repetida do profeta Ezequiel, ser “levantado” pelo Espírito, o que identifica a revelação de João com a dos profetas do Antigo Testamento (cf. Ez 2.2; 3.12,14,24; 11.1; 43.5). Sua autoridade profética é reforçada pela voz que Moisés ouviu quando Yahweh se revelou a ele no monte Sinai (Êx 19.16,19,20). Essa ideia é ainda mais enfatizada pela ordem: “Escreve em um livro”, que é reflexo da incumbência dada por Yahweh aos seus servos profetas, de comunicar a Israel a revelação que haviam recebido (LXX: Êx 17.14; Is 30.8; 37.2; 39.44; Tb 12.20). É importante observar que em todas as comissões dadas aos profetas, os escritos eram testamentos de juízo contra Israel (LXX: Is 30.8; Jr 37.2; 39.44; cf. também na LXX: Êx 34.27; Is 8.1; Jr 43.2; Hc 2.2). A primeira imagem que João vê em sua visão inicial é a dos “sete candelabros de ouro” (Ap 1.12b), que tem seu contexto geral em Êxodo 25 e 37 e Números 8, mas que é extraída mais especificamente de Zacarias 4.2,10.

Essa afirmação é corroborada por três observações: 1) a menção aos “sete espíritos”, em Apocalipse 1.4 (cf. Zc 4.6); 2) a visão dos candelabros, em Apocalipse 1.12b, é interpretada em Apocalipse 1.20, que segue o mesmo padrão de interpretação das visões de Zacarias 4.2,10; 3) alusões claras a Zacarias 4.2,10 são encontradas em Apocalipse 4.5 e 5.6, em estreita associação com as alusões a Daniel. Os “sete candelabros” representam a igreja (cf. Ap 1.20). Em Zacarias 4.2-6, o candelabro com sete lâmpadas é uma sinédoque, em que parte do mobiliário do Templo representa o Templo inteiro. Este, por extensão, também representa o Israel fiel (cf. Zc 4.6-9), de quem se exige que viva “não por força nem por poder [terrenos], mas pelo meu Espírito, diz o Senhor” (Zc 4.6). Tanto o candelabro do Tabernáculo quanto o do Templo eram colocados diante do lugar santíssimo, que continha a gloriosa presença de Deus, e a luz que deles emanava aparentemente representava a presença divina (v. Nm 8.1-4; em Êx 25.30,31, o candelabro é mencionado logo após os “pães consagrados”; v. também 40.4; 1Rs 7.48,49). De igual modo, as lâmpadas do candelabro de Zacarias 4.2-5 são interpretadas em 4.6 como uma representação da presença de Deus ou do Espírito, que iria capacitar Israel (= “o candelabro”) a concluir a reconstrução do Templo, apesar da resistência (cf. Zc 4.6-9). Assim, o novo Israel, a igreja, como “candelabro”, é parte do templo e deve obter seu poder do Espírito, a santa presença diante do trono de Deus, em seu esforço contra a resistência do mundo. Isso é realçado em Apocalipse 1.4 e no capítulo 4. A expressão incomum “ver a voz”, do texto grego, pode estar relacionada com Êxodo 20.18, em que “todo o povo viu a voz [...] a voz da trombeta” (cf. na LXX: Ez 3.12,13; 43.5,6; Dn 7.11).

Uma análise das alusões ao Antigo Testamento em Apocalipse 1.13-16 mostra que as características predominantes do “Filho de homem” são extraídas de Daniel 7 e 10, e outros textos contribuem para a descrição. A maioria dos comentaristas concorda que a importância disso se encontra no fato de Cristo ser retratado como uma figura régia e sacerdotal, sendo que nos dois textos de Daniel são vistas as mesmas características. Embora as vestes em Apocalipse 1.13 também se assemelhem à vestimenta real, sua utilização aqui evoca a imagem de um sacerdote por causa da atmosfera dos candelabros do templo de Apocalipse 1.12 e também porque os anjos que saem do templo celestial usam os mesmos trajes (Ap 15.5-8). A ambiguidade talvez se deva à possibilidade de que se esteja pensando num rei e num sacerdote, cujos precedentes são as duas figuras de Zacarias 4.3,11-14 (v. comentário de 11.4 adiante; cf. 1Me 10.88,89; 14.30,32-47).

A transposição dos atributos da figura judicial do Ancião de Dias (ARA; cf. Dn 7.9-12) para Cristo evoca também sua função de juiz divino do último dia, o que Apocalipse 19.12 deixa evidente. Isso é acentuado ainda mais pela observação de que Daniel 10 também esteja por trás da imagem do “Filho de homem”: o propósito primordial do homem celestial em Daniel 10 é revelar o decreto divino de juízo contra os perseguidores de Israel (v. 10.21—12.13). A passagem de Daniel 10.6 chega a retratar o “filho de homem” com “olhos [...] como tochas de fogo”. A aplicação dos atributos do Ancião de Dias a Cristo também aponta para a vida eterna que ele tem com o Pai (assim Sickenberger 1942, p. 49). A descrição da cabeça e dos cabelos do “filho de homem” (Ap 1.14a) é obtida do Ancião de Dias, de Daniel 7.9, enquanto a descrição dos olhos e dos pés mais uma vez segue Daniel 10.6 LXX. A menção a uma “fornalha” (Ap 1.15b), logo em seguida, ecoa a descrição de Daniel 3.26 (3.93), embora Ezequiel 1.27 talvez também esteja em vista. A conclusão de Apocalipse 1.15 menciona a voz do “Filho de homem” da mesma forma que em Daniel 10.6, embora os termos que descrevem a voz sejam extraídos de Ezequiel 1.24 e 43.2 TM, em que a voz de Deus é comparada com o rugido de muitas águas, e isso reforça o retrato de Cristo até agora como ser divino. Como os sete candelabros, o número de “sete estrelas” também pode ter se originado em parte das “sete lâmpadas” de Zacarias 4.

De acordo com o judaísmo tardio, o candelabro de Zacarias 4.2 simbolizava os justos em Israel e é equiparado aos sábios que brilharão como as estrelas, de Daniel 12.3 (Midr. Rab. de Lv 30.2; Sipre de Dt Piska 10; Pesiq. Rab. Kah. Piska 27.2; Pesiq. Rab. Piska 51.4). McNamara (1966, p. 197-9) vê o Targum palestino de Êxodo 40.4 como contexto de Apocalipse 1.20a, em que as “sete lâmpadas” do Tabernáculo “correspondem a sete estrelas, que se assemelham aos justos que brilham até a eternidade em sua justiça”, e a última expressão é uma clara alusão a Daniel 12.3. O fato de as estrelas serem identificadas explicitamente como anjos em Apocalipse 1.20a (cf. a evidente identificação das estrelas como anjos em, e.g., Jz 5.20) não exclui a influência de Daniel. Os anjos podem ser vistos como representantes do povo de Deus, de acordo com textos como Daniel 10.13 e 12.1. A “espada afiada de dois gumes” que sai da boca de Jesus baseia-se nas profecias de Isaías 11.4 e 49.2, o que reforça essa descrição dele como cumprimento do juiz escatológico. A última descrição do “filho de homem”, o rosto, que “brilhava como o sol no seu fulgor” (Ap 1.16c) ainda segue o esboço de Daniel 10, embora a própria formulação seja derivada de Juízes 5.31 LXX (B). A conexão com o livro de Juízes pode estar nas descrições da aparência brilhante do vitorioso guerreiro israelita de Juízes 5.31 e do “filho de homem” de Daniel 10, relacionadas com a descrição imediatamente anterior de Jesus como um guerreiro com uma espada.

Em Apocalipse 1.17, percebe-se o mesmo padrão encontrado quatro vezes em Daniel 10.8-20, por exemplo: 1) o profeta observa uma visão; 2) cai com o rosto em terra, atemorizado; 3) mais tarde, é fortalecido por um ser celestial; 4) em seguida, recebe dele uma revelação adicional, introduzida por uma forma de laleõ (“falar”). Esse é outro indício de que João e sua mensagem se identificam com a autoridade profética do Antigo Testamento (cf. Ap 1.10). O “filho de homem” chama a si mesmo “o primeiro e o último”, uma clara referência às autoafirmações do próprio Yahweh em Isaías 41.4, 44.6 e 48.12. Esses textos estão ligados por “expressões-chave” e imagens comuns: 1) o contexto de Isaías 41.4 contém a imagem do servo de Deus derrotando o inimigo com uma espada (41.2) e a expressão-chave “não temas” seguida imediatamente por divinas palavras de conforto, segundo as quais Deus vai “fortalecer” e “sustentar” o justo com a mão direita (41.10); 2) o contexto de Isaías 44.6 também apresenta a expressão “não temas” (cf. 44.2); 3) o texto de Isaías 48.12 é seguido por uma representação semelhante à de Isaías 41.10, Daniel 12.6,7 e Apocalipse 1.17: “A minha mão fundou a terra, e a minha mão direita estendeu os céus” (48.13). Esses elementos comuns estabelecem a ponte que liga o quadro de conforto profético de Daniel 10 às imagens do conforto de Yahweh a Israel nas três passagens de Isaías. Se, como alguns comentaristas, conectarmos “o que vive” (hozõn [cf. a expressão muito semelhante ho õn, em Ap 1.4]), de Apocalipse 1.18, com “o primeiro e o último”, de Apocalipse 1.17, temos uma fórmula tripartida paralela à que é usada para Deus em Apocalipse 1.4. Isso dá ainda maior realce ao status divino de Cristo (v. também a expressão “vivo para todo sempre”, em Ap 1.18, utilizada muitas vezes por Deus no Antigo Testamento [Dt 32.40; Dn 4.34; 12.7; Ez 18.1]).

A terceira parte da fórmula de Apocalipse 1.19, como em Apocalipse 1.1a, foi composta com a terminologia de Daniel 2 e não deve ser vista como a última parte de uma tripla cronologia literal ou sequencial do livro. A expressão meta tauta (“depois destas coisas”) pode conter uma nuança relativa ao final dos tempos, uma vez que Daniel 2 emprega a mesma expressão como sinônimo de eschaton tõn hêmerõn (“últimos dias” [cf. o uso semelhante de Jl 3.1 em At 2.17]). Os “últimos dias” provavelmente devem ser vistos como iniciados já na época de João (para esse argumento, v. Beale 1999a, p. 152-70). A expressão to mystêrion (“o mistério”) (Ap 1.20) ocorre no Antigo Testamento apenas em Daniel e doze vezes nos Apócrifos. Uma vez que o termo “mistério” ocorre com sentido escatológico apenas em Daniel, o fato de ele constar em Apocalipse 1.20 nesse contexto confirma a ligação com aquele livro do Antigo Testamento. A visão de João retrata o cumprimento das profecias de Daniel a respeito dos últimos dias (sobre o significado de “mistério” aqui, v. Beale 1999b, p. 255-9).


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