Estudo sobre Atos 1:20-26

Estudo sobre Atos 1:20-26

Foi em vão a tentativa de Judas de assegurar para si uma morada com o “salário da injustiça”! Não, Deus o declarou: “Fique deserta a sua morada; e não haja mais quem habita nela.” De forma correspondente, Deus executou o fim horrível do traidor, provavelmente no terreno recém-adquirido. Então, porém, é preciso compreender igualmente a outra palavra do salmo: “Tome outro seu cargo de supervisão.” E para isso a assembleia fora convocada.

Pedro constata inicialmente as exigências imprescindíveis a um “apóstolo”. Um “apóstolo” é acima de tudo uma “testemunha da ressurreição de Jesus”. A ressurreição de Jesus é – obviamente mediante ligação indissolúvel com sua cruz! – o evento decisivo que realmente faz do evangelho um evangelho. Sem o acontecimento do dia da Páscoa, o “cristianismo” jamais teria surgido no mundo. Não teria significado extremo para nós e para o mundo todo o fato de que o ser humano Jesus de Nazaré viveu, ensinou, curou, amou e sofreu, se esse Jesus não tivesse sido despertado por Deus e transformado em seu “Senhor e Cristo” (cf. At 2.32-36; 3.13-15; 4.10-12; 13.38s; 17.30s). Jesus foi “designado Filho de Deus com poder, segundo o espírito de santidade pela ressurreição dos mortos” (Rm 1.4). Essa ressurreição dentre os mortos, contudo, constitui ao mesmo tempo o “impossível”, o humanamente inconcebível e por isso escandaloso, irritante e ridículo (At 17.32). Por isso o testemunho originário do apostolado, fundador da igreja, somente pode ser prestado nesse mundo alienado de Deus por aquela pessoa que presenciou pessoalmente o fato inaudito da ressurreição de Jesus e que experimentou sua verdade. Essa ressurreição, porém, não é um evento isolado em si. Jesus, e unicamente Jesus, é aquele que ressuscitou dentre os mortos! E precisamente Jesus é, como o Ressuscitado, de fato o Salvador glorioso de que os pecadores precisam. Por isso a testemunha de sua ressurreição igualmente precisa ter conhecido bem a Jesus pessoalmente. No entanto, ele não é “apóstolo” como pessoa isolada e solitária, mas – já falávamos disso – unicamente como membro do grupo de apóstolos. Por isso precisa ter estado em contado desde o início com esse grupo a que deverá pertencer integralmente. Ele deve exercer o ministério “conosco”.

Havia homens com essa qualificação entre os cento e vinte. Dois deles pareciam especialmente dignos de confiança aos que estavam reunidos. Destacaram José, chamado Barsabás, com o cognome Justo33, e Matias. Contudo, nem eles nem os apóstolos queriam tomar pessoalmente a decisão definitiva. Afinal, o Espírito Santo, que mais tarde – p. ex., em At 13.2 – separa e convoca para o ministério, ainda não está presente.


Portanto, tão vivos e múltiplos eram os acontecimentos no começo da igreja! Pedro age a partir de si com sua própria autoridade. Na igreja existem homens que a lideram. Mas então ele convoca a própria igreja para agir, depois que lhe mostrou sobre o que deve dirigir sua atenção. E em oração a igreja entrega a última decisão na mão do Senhor, recorrendo uma vez, aqui no começo, ao método do sorteio.35 Não se implanta nenhum princípio, nem “episcopal”, nem “democrático”, nem tampouco se estabelece um direito de gozar constantemente da maravilhosa direção através do Senhor. De forma livre fez-se justiça a tudo, conforme a respectiva situação demandava.

Às vezes se afirmou que apesar disso a igreja agiu com precipitação. O décimo segundo apóstolo preparado pelo Senhor seria Paulo, por cuja vocação a igreja deveria ter esperado. Porém, será que a igreja podia esperar durante anos por algo incerto? Para isso ela teria necessidade de uma instrução clara do Senhor. Sobretudo, porém, Paulo nunca se considerou entre os “Doze”, aos quais diferencia expressamente de si em 1Co 15.5 como sendo um grupo especial. Em sua característica numérica, os Doze se dirigiam a Israel. Quem desejasse pertencer a eles de fato precisava ter vivenciado, como Pedro está demandando aqui, a história especial de Deus no âmbito de Israel desde o movimento de arrependimento desencadeado por João até o último desfecho na ascensão de Jesus. Nesse sentido, Paulo não podia ser um apóstolo. Em vista disso, Paulo se considerou pessoalmente uma exceção muito peculiar: 1Co 15.8-10. Ele tinha consciência de ser um “apóstolo das nações”, embora, nessa tarefa, fosse plena e integralmente um “apóstolo” – Paulo lutou com todas as forças pelo reconhecimento de seu envio e autoridade apostólicos – mas não como um dos “Doze”, que juntos exerciam seu ministério em Jerusalém, sobretudo em prol de Israel.


Notas:
24 Por isso voltam-se ao que “conhece os corações” e em oração perguntam pela vontade dele.

25 Expõem diante dele a necessidade de suas preces. É o que podemos fazer na oração. Judas se demitiu da “vaga neste ministério e envio”, para ir “para seu próprio lugar”, i. é, para a perdição. O lugar vazio precisa ser preenchido e assumido por outro.

26 O Senhor deve decidir agora através do sorteio. O texto não deixa inequivocamente claro se eles “lançam sortes por eles” (assim traduz A. Schlatter) ou se fazem que os dois tirem a sorte. Seja como for, o sorteio indicou Matias34 como aquele que foi eleito pelo Senhor, e “foi acrescentado aos onze apóstolos” [NVI].

33 Essa designação detalhada o destaca de modo especial; aparentemente ele de fato é o primeiro candidato. Talvez ele seja um irmão de “Judas, chamado Barsabás”, a quem a igreja confia um serviço importante em At 15.22.

34 A esse respeito E. Haenchen observa em sua exposição de At, à p.127: “Os restos mortais de Matias, enviados por Constantino para Trier e enterrados durante o ataque viking, foram milagrosamente redescobertos de acordo com a tradição eclesiástica e novamente sepultados. Matias é o único apóstolo cujos restos mortais (sem o crânio, preservado na Itália) jazem na Alemanha.”

35 Em Israel já se “sorteou” em horas decisivas: Nm 26.55s; 1Sm 10.17-27. Conhecida é a introdução do “sorteio” por Zinzendorf e pela comunhão dos irmãos moravos. Cf. a obra de Beyreuther sobre Zinzendorf (Marburg 1959 e 1961), vol. II, p. 93-96,145s, 176s; vol. III, p. 148-150. Lucas deixa clara a justificativa interior do “sorteio” precisamente nessa eleição suplementar de um apóstolo, ao falar, já no v. 17, do ministério de apóstolo como “sorte” [destino, sina, “parte”]. Do termo grego para “sorte” = “kleros” deriva-se nossa expressão “clero”, referindo-se a toda a “categoria dos religiosos” na igreja. Em consequência, a igreja pode confiar em que o próprio Senhor distribuirá através da “sorte”, a “sorte” de ser “apóstolo”. Porém cabe levar em conta que para a convocação dos sete diáconos em At 6.1-6 não se recorre novamente ao “sorteio”!