Tradição Oral – Origem e Desenvolvimento


Tradição Oral – Origem e Desenvolvimento
Tradição Oral – Origem e Desenvolvimento

O início desse processo de interpretação deve ser encontrado no soferismo que procurou levar adiante os alvos de Esdras, o grande “fundador da Lei”. Esdras é descrito como um “escriba versado na lei de Moisés” (Esdras 7.6) que havia “disposto o coração para buscar a lei do Senhor e para a cumprir” (Esdras 7.10). Ele não apenas lia “no Livro, na lei de Deus, claramente”, como também dava “explicações, de maneira que se entendesse o que se lia” (Neemias 8.8). Isso é exatamente o que o soferismo também buscava fazer. Eles se propuseram à tarefa de não apenas fazer da Torah uma possessão do povo, mas também de descobrir e interpretar seu significado de modo que os homens pudessem aplicá-la a sua vida cotidiana. Para eles, a Torah era muito mais que a sobrevivência de um passado glorioso com um valor apenas arcaico; era um oráculo vivo por meio do qual a palavra de Deus podia ser transmitida de geração a geração. Sua palavra não era estática mas dinâmica, capaz de novas interpretações para cada era subseqüente e capaz de aplicação renovada para cada aspecto da vida humana.

O método que eles usavam em seus ensinamentos era o tipo de uma narração (uma descrição oral) das palavras das Escrituras. O costume ou prática ou preceito particular que eles buscavam elucidar era relacionado com um texto ou passagem das Escrituras que era então explanado e recebia sua interpretação . Esse método era conhecido como a forma Midrash (do hebraico darash, interpretar) e era uma característica do ensino das Escrituras.

Em muitos lugares, o ensino da Torah, por preceito e julgamento, era perfeitamente claro, tanto em seu significado ético como legal; em tais exemplos, era dever dos soferins e seus sucessores imprimir esse ensino nas mentes das pessoas. Em outros lugares, contudo, a regra da Torah não era clara; então seu significado devia ser explicado e sua verdade aplicada. Às vezes, é verdade, as leis que surgem dos costumes prevalecentes podem se estabelecer, as quais talvez não encontrem justificação na Torah, mas adquiriam autoridade com base no fato de que elas formavam uma “cerca em redor da Torah” (Pirke Aboth 1.1).

Essa “cerca” consistia em regras cautelares, tais como as que proíbem não apenas o uso, mas até mesmo o manuseio de ferramentas no dia do sábado. Assim, um homem seria detido antes que ele se encontrasse perto de uma brecha da lei de Deus. Desse modo, a Torah foi alçada cada vez mais ao centro da vida das pessoas.

Essa tarefa, tão bem iniciada pelos soferins, foi continuada e desenvolvida pelos mestres, que depois se tornaram os rabinos, cujo trabalho fez muito mais do que moldar e determinar a forma do judaísmo dos anos que viriam. Registra-se que a tradição dos soferins foi transmitida por Simão, o Justo, a um certo Antígono de Socho, e que depois disso foi transmitida a uma série de mestres cujos nomes são citados em pares de José ben Joezer e José ben Joanan, que viveram em cerca de 160 a.C, seguindo a linha de sucessão até Hillel e Shammai, no tempo de Jesus (cf. Pirke Aboth 1.1-12). Como os soferins antes deles, esses mestres se propuseram a tarefa de interpretar a Torah para o povo e de regular suas vidas de acordo com essa orientação.

Mas durante esse período, houve um desenvolvimento em conexão com o status de leis extra-escriturísticas, que passariam a ter efeitos de longo alcance. Como vimos, os costumes e tradições, principalmente de natureza religiosa, que haviam surgido no decurso dos anos, passaram a ser aceitos como autoridade na prática do judaísmo, muito embora não houvesse nenhuma justificação para tal na Torah. No devido tempo, surgiu a pergunta concernente à relação entre a autoridade da tradição e a autoridade da Torah escrita. Estava claro que não poderia haver duas autoridades independentes. E assim surgiu a importantíssima crença de que a Torah era mais do que simplesmente a palavra escrita das Escrituras, mas incluía também a tradição que havia sido passada de geração a geração. A Torah de Deus era dividida em duas partes, escrita e oraL e cada uma delas tinha igual autoridade. E não apenas isso; cada parte era de igual antiguidade, porque o próprio Moisés havia recebido a Torah, escrita e oral no Sinal a partir de onde a lei tem sido transmitida através das sucessivas gerações de homens fiéis (Pirke Aboth 1.1). Foi, sem dúvida, a formulação dessa convicção que levou à cisão no Sinédrio no tempo de João Hircano (134-104 a.C.) e ao aparecimento dos dois partidos dos fariseus e saduceus. Os fariseus eram firmes defensores da autoridade da tradição oral ao que os saduceus eram amargamente contrários. Estes, por sua vez, embora tivessem suas próprias ordenanças a respeito das questões dos sacrifícios e outros rituais, consideravam a Torah escrita como a única autoridade.

Os perigos inerentes em tal desenvolvimento da Torah não-escrita são óbvios, especialmente quando ela se dissociou do texto da Torah escrita e não mais requeria base justificativa nas Escrituras. Mas deve-se reconhecer que isso livrou o judaísmo daquele estado moribundo que deveria ter sido seu destino, se a nação tivesse seguido a orientação dos conservadores saduceus. Por meio da Torah não-escrita, a religião e a vida, o trabalho e a adoração, foram integrados de um modoque seria antes impossível, e Deus e seus mandamentos foram apresentados como reais na vida comum das pessoas comuns.


Fonte: Between the Testaments: From Malachi to Matthew, de Richard Neitzel Holzapfel.