Andar sobre as águas
Ver
Mat. 14:22-27, Mar. 6:45,46 e João 6:15-21. As diversidades
contidas nos relatos provavelmente indicam que a história foi preservada em
mais do que uma fonte na tradição primitiva evangélica, antes da formação dos
Evangelhos canônicos. Tanto em Marcos quanto em João, a história está vinculada
na sequência com a multiplicação miraculosa; e disso obtemos a impressão de que
o grande Cristo, que pode multiplicar pães, também pode vencer a força da
gravidade, e andar por sobre a água. Não há motivo para duvidarmos disso, pois
até hoje, entre os fenômenos psíquicos, tal fenômeno não é de todo
desconhecido.
O homem Jesus, por ser
altamente espiritualizado, devido às operações do Espírito Santo, na realidade
prática nem pertencia a este mundo, tão grande era o seu desenvolvimento, que
ele demonstrou ocasionalmente. Interpretações céticas também são apresentadas
neste ponto, por aqueles que ignoram o que pode ser feito mediante o desenvolvimento
espiritual, ou por aqueles que estão cegos para a significação de tal
desenvolvimento. Jesus teria andado “através” da água e não “sobre” a água; mas
os discípulos se equivocaram sobre o que sucedeu. Tais ideias não merecem nossa
consideração, e refletem a ignorância do ceticismo quanto às realidades
espirituais. Agostinho dizia que somente na “fé”, é que uma mente está em
condição de acolher a verdade espiritual, pois o ceticismo resulta do fato de
que a verdade espiritual foi amortecida para os céticos. Por isso é que ele
dizia: Creio, para que possa entender. Sem dúvida temos nisso grande verdade espiritual.
A experiência humana demonstra tal coisa. Os místicos que podem ver a aura
humana (a qual atualmente pode ser fotografada por um tipo de radiografia)
dizem-nos que as auras dos céticos são manchadas com máculas negras e sem cor,
ilustrando o fato de que suas faculdades espirituais foram prejudicadas. Quão
certo estava Agostinho, mesmo sem qualquer prova científica.
Este milagre, tal como
o da multiplicação dos pães, tem atraído muita atenção, bem como grande número de
interpretações. As principais são representadas pelas seguintes ideias:
1. Interpretação às
vezes denominada monofisista, porque os monofisistas ensinavam que Cristo
possuía apenas um a natureza, com posta da divina e da humana. Parte da igreja
cóptica manteve essa crença. Essa interpretação diz que o Filho de Deus exercia
controle sobre os elementos da natureza por ser Deus e homem. Essa doutrina não
dá muita importância à natureza humana de Jesus, e pode incluir a ideia de docetismo
(palavra que vem do verbo grego que significa “perecer”), que indica que o
corpo de Cristo, nessa aparição, era apenas uma miragem, e não um autêntico
corpo humano. Mas o texto indica, aqui, que Jesus não somente tinha poder sobre
as forças da natureza, mas também sobre o seu próprio corpo. As Escrituras
ensinam que Jesus foi homem verdadeiro, dotado de um corpo humano.
2. Alguns interpretam
que Jesus realmente não andou sobre a superfície do mar, mas que somente dava
aos discípulos a impressão de andar sobre o mar, quando a realidade é que
andava sobre a terra, à beira-mar, ou então em água muito rasa. Mas o próprio
texto impossibilita essa interpretação. O grego diz que ele andou “sobre” o mar,
e seria impossível fazer isso significar sobre a terra ou em água de pouca
profundidade. Por semelhante modo, o incidente da tentativa de Pedro em fazer a
mesma coisa, e o fato de que eles conversaram, ilustra a impossibilidade de se
crer que essa conversa, e a atitude de Pedro, tivessem lugar enquanto Jesus ficava
em terra, ao passo que Pedro estava a “muitos estádios” da terra.
3. Outros pensam que a
ocorrência foi modificada pelo autor do evangelho, e que representa um acontecimento
comum, onde não houve qualquer milagre, mas que a tradição floreou o incidente.
Parece que seria melhor dizer (pelo menos haveria mais razão nisso) que a
ocorrência foi invenção do autor (ou dos três autores, ou pelo menos que isso
foi aceito por três pessoas, Mateus, Marcos e João), pois é difícil entender
como é que um acontecimento sem qualquer elemento fora do comum poderia
provocar tantas modificações ao ponto de transformar-se em um dos milagres
notáveis de Jesus.
4. Um intérprete sugere
que Jesus apenas nadou! Mas essa interpretação refuta a si mesma.
5. Outros oferecem a
interpretação mitológica, uma história
marinha, como muitas outras, com possíveis reflexos de II Reis 2:14; 6:6 e Jó.
9:8, além de certos mitos estrangeiros.
6. Alguns pensam que
Cristo manifestou poderes especiais, inerentes à natureza superior de sua corporalidade. Mas as Escrituras nunca indicam que Jesus
tivesse um corpo diferente do homem comum, e a sua morte parece deixar isso bem
patente.
7. Alguns expositores
interpretam a história como se fora uma alegoria que apenas anota certas lições
espirituais, sem aceitar a narrativa como acontecimento histórico.
8. Sabemos, por
incidentes modernos de pessoas chamadas sonâmbulas que andam pelas vizinhanças,
em estado de sono ou transe, que andar sobre a água não é algo impossível p ara
a natureza humana. Outros, mesmo não estando em estado de transe', têm demonstrado
essa habilidade, e isso deve ser incluído nas manifestações psíquicas, sobre as
quais até hoje não sabem os muito. Pelo menos parece que essa façanha não é
impossível à natureza humana, sob determinadas condições.
Alguns expositores não aceitam
essa ação como algo possível à natureza humana, mas pensam que tais pessoas
devem contar com a ajuda de algum poder externo, como o dos demônios, etc. Mas, quando entram
os nessas discussões, entram os na esfera das especulações, porque simplesmente
não temos conhecimento suficiente sobre a questão para afirmar muitas coisas. Porém,
é errôneo atribuir ao diabo tudo quanto não entendemos. Lembremo-nos que os
antigos atribuíam o relâmpago e o trovão a deuses bons ou maus. Em geral, os
estudos psíquicos ilustram o fato de que a personalidade humana é muito mais
poderosa do que se tem pensado até hoje e que parecem quase não ter limites as
possibilidades da personalidade humana. Isso seria ainda mais evidente não fora
o peso e os efeitos do pecado, dos quais Jesus estava isento. E quem pode negar
que, na transformação à imagem de Cristo, o homem adquirirá muito maior poder
do que a capacidade de caminhar sobre a água? Também precisamos lembrar que o
Cristo estava em processo de transformação espiritual, sendo homem, e assim ia adquirindo
maior poder, dia-a-dia. Não nos olvidemos, ainda, que os poderes por ele
adquiridos tornavam-se expressões permanentes de sua personalidade. (Ver Heb.
5:8,9).
Por outro lado, a
verdade é que esse desenvolvimento era espiritual, mediante a participação no
poder do Espírito Santo. Através do conhecimento que tem os até o presente,
talvez possamos asseverar que o milagre aqui realizado por Jesus foi resultado
direto da influência divina sobre ele (talvez o uso direto desses poderes de
sua própria natureza como Deus), mas é verdade, igualmente, que a transformação
do ser humano, pelo poder de Deus, enquanto o homem está no processo do retomo a
ele, fará com que o homem se tome mais e mais uma pessoa capaz de fazer tais
maravilhas. Ler notas sobre Romanos 8:29 no NTI. Ver comentários sobre a nossa participação
na divindade em II Ped. 1:4 no NTI. Também notamos que dois dos evangelhos sinóticos, Mateus e Marcos, têm a mesma história em conjunto com o evangelho
de João. Assim sendo, a suposição de alguns intérpretes, que dizem que somente
João exagerou os elementos miraculosos na vida de Jesus, não têm base. Talvez a
diferença entre os evangelhos, nesse sentido, não seja tão grande como alguns
têm imaginado.