Teologia de Rute 2

Teologia de Rute 2

Teologia de Rute 2

Por David W. Smith

Índice: Rute 1 Rute 2 Rute 3 Rute 4


Rute 2 está emoldurado pelas conversas entre a Rute e Noemi de manhã (2.2) e à noite (2.17-22), a introdução de Boaz em 2.1 e a explicação de como Rute trabalhou nos seus campos em 2.23. Dentro desse quadro, Rute conhece Boaz, é abençoada por ele e trabalha duro para prover alimento para si própria e Noemi. Essa parte do relato inicia a resolução dos problemas enfrentados pelas mulheres, explicando como elas serão alimentadas e sugerindo que um marido provedor pode estar disponível para uma delas. Como se verificou em Rute 1, também o capítulo 2 é marcado por declarações de orientação teológica que enriquecem a descrição de eventos. Habilmente, o narrador indica que Boaz é um parente de Elimeleque, o falecido marido de Noemi, e que ele é rico (2.1). E admirável que sem especificamente conhecer essa informação, Rute colhe no seu campo (2.3). O texto diz que ela “casualmente entrou” (2.3) naquela plantação para trabalhar, uma frase que tem chamado a atenção de alguns estudiosos. Ronald M. Hals escreve, “Para Rute e Boaz foi uma casualidade, mas não para Deus. O teor de toda a história deixa claro que o narrador vê a mão de Deus em tudo”. Jack Murad Sasson avalia que Hals interpreta demais esse texto, notando que o autor do livro não hesita em mencionar a atividade divina direta em outros pontos na história. Ele acredita que o encontro simplesmente economiza tempo. Murray D. Gow discorda de Sasson por considerar a omissão do nome de Deus secundário para o fato de que o encontro de Boaz com Rute é muito parecido com outras apresentações providenciais entre homem e mulher (v. Gn 24). Todos esses intérpretes concordam que o livro afirma a soberania de Deus sobre os fatos, assim não se precisa considerar que ele está ausente quando as coisas, simplesmente, funcionam bem sem nenhuma menção a acontecimentos determinados diretamente por Deus. 

A soberania divina ainda vigora, mesmo quando o texto usa expressões humanas comuns para descrever os eventos.  As descrições de Boaz e Rute em 2.4-7 também possuem um significado teológico. Rute é descrita trabalhando sempre de maneira diligente, sendo é notada e elogiada pelos outros. Ela encarna o trabalho moral, central à descrição do justo em Provérbios. A boa vontade de Boaz em deixar o pobre e a viúva colher em seus campos revela que ele guarda a Lei (v. Lv 19.9,10; 23.22; Dt 24.19-22). Ele é o tipo de pessoa que coloca a necessidade humana acima do mero ganho financeiro. Ambos os personagens são fiéis e justos por qualquer padrão canônico. Quando eles se encontram, Boaz abençoa Rute em inquestionáveis termos da aliança. Ele promete que ela estará segura enquanto trabalha, ao que ela humildemente pergunta por que ele a favorece desse modo (2.8-10). Boaz diz que a está ajudando devido à sua bondade com Noemi. A misericórdia está sendo recompensada com misericórdia (2.11), exatamente como em 1.8,9.16 Notando sua identificação com Israel, ele espera que Rute encontre refúgio em Yahweh (2.12). A teologia pessoal de Boaz pode ser resumida nessa bênção. Ele acredita que Deus recompensa a todos os que buscam refugio no Senhor. Wilhelm Rudolph e Hans Wilhelm Hertzberg consideram essa convicção o tema principal do livro e um tema central em todo o AT.

Eles estão corretos ao concluir que a misericórdia de Deus está expressa em 2.12. Boaz sinceramente deseja que Rute seja abençoada tanto quanto qualquer um do povo de Deus. Seu desejo de que ela participe integralmente da aliança e receba o melhor de Deus representa uma misericórdia pessoal que transcende as barreiras nacionais e raciais. Certamente os acontecimentos em 2.1-16 afetam Rute e Boaz. Para o momento, entretanto, eles produzem maior efeito em Noemi. Ao ouvir falar da atenção de Boaz, ela emerge da sua amargura para abençoar Yahweh pela bondade incessante, ou misericórdia (2.20). Noemi revela que Boaz é mais que um parente ou conhecido (2.1). Ele é um parente próximo, um dos “resgatadores” (2.20). Assim, ele é quem a Lei diz poder se casar com a viúva, resgatar a terra do falecido, gerar uma criança e dar-lhe a propriedade. O processo mantém as terras dos ancestrais dentro de um clã e provê um herdeiro para sustentar a viúva (v. Gn 38; Dt 25.5-10). Também é possível ao resgatador gerar a criança sem se casar com a mulher, caso em que os benefícios para a criança e a mulher são mantidos.

A excitação de Noemi é justificável, considerando que tal matrimônio resolveria os problemas financeiros das mulheres. Que ela atribua a reviravolta nos acontecimentos a Deus demonstra sua fé. Que Deus trabalhe desse modo mostra que Yahweh intercede por todos os crentes aflitos, até mesmo por aqueles cuja fé na soberania divina converte-se em amargura. As conexões entre Rute 2 e os textos canônicos anteriores têm o efeito de realçar a misericórdia incessante de Deus e a importância do viver sensato baseado nos princípios da aliança. Deus cuidou do sofrimento dos necessitados nessa história tão certamente quanto nos livros anteriores. Noemi, Rute e Boaz vivem de um modo que Deuteronômio 27 e 28 e Provérbios prometem que resultará em graça divina, não em punição. Todo o teor do relato sublinha até aqui que a Lei e as Escrituras podem sobreviver nos que escolhem (1.16,17), confessam (2.11,12) e louvam (2.20) o Deus que age misericordiosamente.