FILHO DO HOMEM — Terreno

FILHO DO HOMEM — Terreno


FILHO DO HOMEM — Terreno


Há um padrão que pode ser detectado no Evangelho de Marcos. Cesareia de Filipo e o reconhecimento que Pedro fez do messiado de Jesus marcam um ponto de mudança que se constitui uma nova direção da auto-revelação de Jesus aos seus discípulos. Antes de Cesareia de Filipo, Ele só dizia, a respeito de si mesmo, que era o Filho do Homem terreno. Depois do evento em Cesareia de Filipo são introduzidas duas novas observações: o Filho do Homem deve sofrer e morrer, mas posteriormente viria como o Filho do Homem escatológico para julgar e governar no Reino escatológico de Deus. Marcos registra dois usos do título no início do ministério de Jesus.

Quando criticado por perdoar os pecados do paralítico, Jesus declarou: “...O Filho do Homem tem na terra poder para perdoar pecados” (Mc. 2:10). A expressão nesta declaração é muitas vezes interpretada como um sinônimo para a humanidade, e não como um título messiânico, mas no contexto dificilmente tal interpretação seria possível. A prerrogativa de perdoar pecados deve permanecer exclusivamente como vinda de Deus, e não dos homens. De fato, Jesus foi acusado aqui de blasfêmia, uma vez que somente Deus poderia perdoar pecados (v. 7). Jesus, no episódio, como Filho do Homem, reivindica ter autoridade para perdoar pecados. Além do mais, a expressão “sobre a terra” não pode ser negligenciada. Um contraste entre os céus e a terra está envolvido, mas o contraste não pode ser colocado entre a prerrogativa divina exercida nos céus, como se esta estivesse se contrapondo à autoridade de Jesus sobre a terra.3° Antes, o contraste pode sugerir duas esferas da autoridade de Jesus.

Ele possui esta autoridade como o filho do homem divino; e agora, ele trouxera esta autoridade à terra e a estava exercendo entre os seres humanos.(Veja a interpretação sugestiva de Maddox, de que o julgamento escatológico já havia começado na missão de Jesus. NTS 15 (1968), 57.)

Jesus contrastou sua própria conduta com a de João Batista. João veio como um ascético; Jesus, por outro lado, como o Filho do Homem, veio como um ser humano normal, comendo e bebendo (Mt. 11:19 e Lc. 7:34).

Novamente, Jesus foi condenado pelos fariseus por deixar de observar as tradições dos escribas com referência à guarda do sábado. Defendendo sua conduta, Jesus declarou: “O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem, por causa do sábado. Assim, o Filho do Homem até do sábado é senhor” (Mc. 2:27, 28). Qualquer que seja a implicação dessa afirmação, ela não pode sugerir que o ser humano como tal é soberano sobre o sábado, e, por conseguinte, cada indivíduo possa fazer seus próprios regulamentos para a guarda do sábado. Jesus reivindica autoridade como o Filho do Homem para interpretar os regulamentos dos escribas concernentes ao sábado. O princípio envolvido aqui é que o sábado não é um fim em si mesmo, mas foi feito para os seres humanos. Neste contexto, o título “Filho do Homem” envolve certas implicações com referência à natureza humana de Jesus. O ofício messiânico de Jesus envolve a participação na natureza humana; e tudo quanto concerne aos seres humanos como tais, encontra-se sob a autoridade do Filho do Homem. É impossível que Jesus tivesse con¬siderado que a humanidade como tal fosse soberana sobre o sábado. Além disto, é mais significativo que Jesus tenha declarado que o Filho do Homem é Senhor até mesmo do sábado. A autoridade que o Filho do Homem possui é manifestada nesse ponto particular, englobando até mesmo o sábado.

Falando da blasfêmia contra o Espírito Santo, Jesus associou-se com o poder que estava em operação em sua pessoa. O indivíduo pode falar contra o Filho do Homem e ser perdoado; mas quando um homem é tão espiritualmente cego a ponto de não poder distinguir entre o Espírito de Deus e o poder satânico, atribuindo o poder em ação em Jesus ao diabo, atingiu um estado de obstinação que nunca poderá ser perdoado (Mt. 12:31, 32). Jesus não pretendeu aqui contrastar sua própria obra como Filho do Homem com a realizada pelo Espírito Santo; Ele descreve, antes, dois estágios no endurecimento progressivo dos corações dos homens. Os homens podem falar uma palavra contra Jesus, o Filho do Homem, e ainda assim serem perdoados. Jesus reconheceu que sua importância messiânica era tal que seria fácil as pessoas cometerem ofensas contra Ele (Mt. 11:6). Mas quando uma pessoa vai além do ponto de falar contra Jesus, para afirmar que o poder messiânico de Jesus é de origem satânica, essa pessoa está além da salvação.

Uma outra declaração que apresenta grande dificuldade de localização cronológica é mais bem entendida em termos da dignidade messiânica. Jesus replicou a um escriba que desejava segui-lo: “As raposas têm covis, e as aves do céu têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” (Mt. 8:20; Lc. 9:58). Esta afirmação fica quase sem colorido particular, se o “Filho do Homem” for somente um sinônimo para “Eu”; mas quando as conotações divinas do título são reconhecidas, esta declaração fica plena de significado. “Eu que possuo a dignidade messiânica do Filho do Homem estou sujeito a uma vida de humilhação que não se coaduna com a dignidade do Filho do Homem”.

A consciência da missão messiânica está refletida na declaração: “Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o que se havia perdido” (Lucas 19:10). Todas essas declarações terrenas causavam perplexidade aos ouvintes judaicos de Jesus. Quer as Similitudes de Enoque representem o pensamento judaico contemporâneo quer não, eles conheciam a visão de Daniel a respeito de um semelhante a um Filho do Homem. Logo, se Jesus usou este título para designar a si mesmo em seu ministério terreno, o mesmo incorpora uma reivindicação implícita de ser Ele um ser divino, preexistente, semelhante ao homem. Neste contexto, o uso do título incorporou uma reivindicação surpreendente, pois expressava uma reivindicação à divindade.(Veja A. W. Argyle, “The Evidence for the Belief That Our Lord Himself Claimed to Be Divine,” ET 61 (1949-50), 231) Ao mesmo tempo foi algo que nunca fora escutado antes, de que o Filho do Homem deveria aparecer sobre a terra como homem entre os seres humanos. A essência do segredo messiânico resume-se em como Jesus poderia ser o Filho do Homem divino em humildade e limitação e, ao mesmo tempo, ser o homem divino preexistente.


FONTE: Teologia Do Novo Testamento de George Eldon Ladd.