Comentário de Romanos 11:1-36 (J. W. Scott)

Comentário de Romanos 11:1-36 (J. W. Scott)

Comentário de Romanos 11


Romanos 11

1. A REJEIÇÃO DOS JUDEUS É PARCIAL, NÃO TOTAL (Rm 11.1-10) – Terá Deus rejeitado seu povo? De modo nenhum (1). O apóstolo calorosamente repudia a ideia de que a desobediência de Israel equivalia a Deus rejeitar seu próprio povo. Pode ter parecido que era esta de fato a conclusão do argumento de Paulo, mas ele a rejeita numa linguagem forte. A própria ideia de uma rejeição total do povo escolhido e favorecido por Deus é tão blasfema para ele como para os judaizantes. Deus não o rejeitara de todo. Esse desfecho de um abandono total, que a situação histórica até parecia corroborar, foi evitado por uma referência ao passado. Paulo escolhe o caso de Elias (1Rs 19). É fato paralelo à presente situação. O profeta tivera bom motivo de condenar Israel e desesperar do destino desse povo; porém Deus corrigiu esse pessimismo com a revelação do remanescente. Por obstinado que algum povo seja em qualquer tempo, sempre há lugar para um restante escolhido por Deus. O Senhor ainda queria ser gracioso com Israel. A eleição provém da graça. Se proviesse das obras, não podia haver graça. A eleição o alcançou, e os mais foram endurecidos (7). Israel, no seu conjunto, falhou em ajustar suas relações com Deus, mas a verdadeira eleição alcançou de Deus essa justiça. Os demais foram endurecidos, segundo o propósito divino (cfr. Rm 9.18); isto é, foi-lhes dado um “espírito de entorpecimento” (8; cfr. Is 29.10), espécie de insensibilidade espiritual. Citando o Sl 69.22-23, Paulo coloca-os no mesmo plano dos adversários de Davi (9-10).

2. A REJEIÇÃO DOS JUDEUS E SÓ TEMPORÁRIA, NÃO FINAL (Rm 11.11-15) - Outra vez, fazendo pressão sobre a elevada predestinação de Deus, o impugnador parece perguntar: “Foi o propósito de Deus fazer que os judeus tropeçassem para cair? O Onipotente causou essa irreparável tragédia?” (11). Mais uma vez, Paulo protesta: De modo nenhum. A queda não foi um fim em si mesma, porém tinha em vista um resultado maior. A ruína de Israel não foi final. Um grande resultado de sua defecção é a salvação dos gentios, que é, por sua vez, um acicate para os ciúmes dos judeus (11). O apóstolo ainda repudiou qualquer dogmatismo fácil que os seus adversários pudessem extorquir da situação. Recorre ainda a uma última justificação de Deus contra simples aparências. Se a queda de Israel é a riqueza do mundo, e a sua perda é ganho dos gentios, então, a fortiori, uma bênção muito maior pode ser antecipada da recuperação deles. A palavra queda (gr. paraptoma) é um conceito moral, sugerindo transgressão; daí plenitude (gr. pleroma) deve ter também um sentido ético, embora o termo grego seja neutro, significando “perfeição”. O contexto sugere uma perfeita consumação da fé, um alvo espiritual que não exclui sucesso material. O que Paulo diz dirige-se aos gentios. Quer, todavia, que compreendam que uma das razões pelas quais ele faz o mais possível de sua comissão especial como apóstolo é que seus irmãos se encham de ciúmes e, por essa forma, encontrem eles mesmos a salvação. Os vers. 13-15 repetem assim o pensamento dos vers. 11 e 12. Esta ideia de ação recíproca, entre judeus e gentios, é ainda mais ampliada por uma ilustração.

3. A FIGURA DA OLIVEIRA (Rm 11.16-24) - Paulo começa com duas metáforas em mente: a parte da massa oferecida como oferta alçada (Nm 15.19-21) consagrando a massa inteira, e a raiz santa consagrando os ramos. Deixa de lado, entretanto, a primeira e desenvolve a segunda (cfr. Jr 11.16; Os 14.6). A figura da oliveira serve ao duplo propósito de avisar os gentios contra a soberba e de fundamentar o otimismo judaico de Paulo. Os gentios inclinam-se a adotar uma atitude arrogante para com os judeus, por causa do dom recebido da justiça de Deus pela fé. Paulo, pois aplica a ilustração primeiro a eles. Acontece que se quebram ramos, e galhos de oliveira brava são enxertados em meio deles. Em consequência, as vergônteas enxertadas alimentam-se da seiva das raízes originais. Daí Paulo insistir que os gentios não se “gloriem” como ramos da oliveira (18), visto que os ramos são sustentados pelas raízes, e não vice-versa. A fé não abuse do privilégio. Não te ensoberbeças, mas teme (20). Deus castigou os judeus, os ramos naturais. Portanto o apóstolo adverte os gentios, ramos enxertados, que esta severidade de Deus não tome o lugar da bondade usada para com eles (22). Paulo então aplica sua ilustração aos judeus (23-24). A esperança que nutre pelo futuro deles apresenta-se como perfeitamente natural com o argumento a fortiori de quanto mais (24) podem os ramos naturais, antes cortados, ser de novo enxertados em sua própria oliveira. Se Israel apenas renunciar à sua incredulidade persistente, Deus é poderoso para o enxertar de novo (23). Aqui ele dá a entender uma realidade espiritual, se não hortícola; os ramos originais são mais aparentados da árvore do que as vergônteas da espécie brava e, por conseguinte, mais fáceis de enxertar no tronco do qual foram tiradas.

4. A PLENITUDE DE JUDEUS E GENTIOS (Rm 11.25-32) - Assim, continua Paulo, pode-se ver o propósito divino operando para o bem através de uma aparente severidade, a fim de produzir a restauração de todos. Chama atenção para este mistério (25). Na época de Paulo, a era das “religiões de mistérios”, o sentido desta palavra era o de segredo só conhecido dos iniciados. Todavia, por esse termo aplicado à fé cristã, Paulo quer dizer um segredo, oculto no passado, mas agora revelado de todo (cfr. Rm 16.25; 1Co 2.7; Ef 6.19; Cl 2.2; 1Tm 3.9). Aqui o sentido particular do mistério é a nova luz projetada na incredulidade dos judeus. A situação histórica devia ser agora encarada com uma interpretação diferente. Esta falta de Israel não devia ser sua última condição, porque sua restauração era da vontade divina. O apóstolo deseja que os judeus tomem nota deste ponto, para que no orgulho de sua própria sabedoria não cheguem a uma conclusão errada. Endurecimento em parte a Israel (25). O grego tem porosis, de poros, pedra, donde “revestir-se de uma calosidade”. Não se menciona o agente do endurecimento. É apenas um fato histórico interpretado moralmente. O endurecimento parcial de Israel resultará finalmente em sua salvação, como foi decretado na eternidade. Até que haja entrado a plenitude dos gentios (25); isto é, até que se complete a “grande multidão” de Ap 7.9. Sugere-se com isso que haverá pouca correspondência ao evangelho por parte dos judeus enquanto os gentios estão sendo trazidos ao reino. E assim todo o Israel será salvo (26). Esta conclusão, tomada com o vers. 32, a fim de usar de misericórdia para com todos, não raro se interpreta como universalismo paulino. Em que sentido usa o apóstolo esses termos? No vers. 32, a palavra todos refere-se evidentemente aos judeus incrédulos, e aos gentios incrédulos que agora estão chegando ao reino por seu arrependimento e fé. No vers. 26, todo o Israel podia significar ou o verdadeiro Israel espiritual, ou o povo considerado como raça. Alguns comentadores, tendo em mente declarações tais como as de Rm 9.6-8, nas quais Paulo dá ênfase à natureza espiritual do verdadeiro Israel, interpretam a palavra aqui como se referindo à verdadeira e eterna semente de Abraão, a qual inclui, naturalmente, tanto judeus como gentios (cfr. Gl 6.16). Outros acentuam que nos versos seguintes Paulo parece ter claro na mente os judeus como raça, e julgam que “Israel” deve portanto ser interpretado neste sentido no vers. 26. Nesse caso Paulo, colocado “no tempo de hoje” (vers. 5), está mirando um futuro, até que o Israel histórico seja salvo. Outros interpretam isto do povo judaico como um todo. Outros acham que a frase não deve ser considerada assim com tanta elasticidade, e que ela tem o mesmo sentido em relação aos judeus, como o termo “plenitude dos gentios” relativamente aos não judeus; isto é, todos significa “todos aqueles que, no propósito de Deus, se voltem a Cristo pela fé”. Interpretar a frase como se referindo a uma salvação universal outorgada aos homens e mulheres, à vista do seu nascimento físico, independente de sua fé, seria contraditar o ensino claro de Paulo em outros lugares (ver v. g. Rm 2.28-29). Os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis (29); isto é, o Deus imutável nunca sente pesar por Suas promessas, nem vacila em Seu propósito, fato este que nos vers. 26 e 27 Paulo corrobora citando Is 59.20-21 e Is 37.9. Do ponto de vista do evangelho, os judeus são objeto da hostilidade de Deus, são inimigos (28); mas, do ponto de vista da “eleição”, são amados (28). Ativamente e “no tempo de hoje”, os judeus são contrários a Cristo, para vantagem dos gentios; passivamente, isto é, sob considerações históricas, são amados, no sentido do pacto. A desobediência caracteriza judeus e gentios à vista de Deus, e até nisso há um propósito; é assim para que Deus tenha misericórdia de uns e de outros, visto como ninguém pode judeus ou gentios.

5. DOXOLOGIA (Rm 11.33-36) - O apóstolo acabou de argumentar. Vindicou a justiça e a misericórdia de Deus na rejeição dos judeus e na eleição dos gentios sobre a base do propósito misericordioso de Deus. Mostrou como até a incredulidade e o pecado são dirigidos para o bem. Paulo deixa de arrazoar e termina com uma palavra de louvor. Os decretos eternos de Deus estão além da compreensão do homem, contudo são sábios e bons. Os atos divinos são todos misteriosos. Se Deus condena, quem é que discutirá ou anulará o Seu decreto? Contemplamos Suas obras na redenção, todavia são baldados de todo os esforços por descobrir “como” se executam elas; porque, depois de tudo, Deus é insondável, inescrutável. Tudo tem nEle sua origem, mantém-se por Ele, e para Ele chega à consumação, para a Sua glória. Este ato de louvor parte do coração do apóstolo; esta nobre doxologia “ergue-se em singela grandeza como uma das colunas dos patriarcas (cfr. Gn 28.18; Gn 35.14), erigidas em memória de alguma revelação especial da bondade e majestade de Deus.”

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