Significado de Atos 23

Atos 23

Em Atos 23, Paulo é levado a julgamento perante o Sinédrio, o conselho judaico em Jerusalém. Ele habilmente divide o conselho apelando para suas diferenças sectárias, levando a um confronto violento. O comandante romano intervém e leva Paulo sob custódia para protegê-lo da turba.

No julgamento perante o concílio, Paulo professa sua inocência, o que leva a uma disputa entre fariseus e saduceus a respeito da ressurreição dos mortos. Paulo usa essa disputa a seu favor e habilmente desvia a atenção de si mesmo. O Senhor aparece a Paulo e o encoraja, dizendo-lhe que também testemunhará em Roma.

O capítulo termina com uma trama dos judeus para assassinar Paulo, que é frustrada pelo sobrinho de Paulo, que revela a trama ao comandante romano. O comandante faz com que Paulo seja escoltado até Cesareia para ser julgado perante o governador Félix.

Atos 23 mostra a continuação das provações e tribulações de Paulo enquanto ele pregava o evangelho e enfrentava oposição tanto de judeus quanto de gentios. Também destaca a habilidade de Paulo em lidar com situações difíceis e seu compromisso inabalável com sua fé, mesmo diante do perigo.

I. Hebraísmos e o Texto Grego

Em Atos dos Apóstolos 23, o grego lucano pulsa com sotaque semita. Logo na abertura, Paulo se dirige ao Sinédrio com andres adelphoi e afirma: “tenho vivido (pepoliteumai) diante de Deus com boa consciência”, ecoando o hebraico do caminhar “perante” Deus — hithallēk lefanay — que estrutura a piedade veterotestamentária (Gênesis 17:1; cf. Salmos 56:13; Salmos 116:9). No tecido grego, isso surge na típica locução “andar/viver diante de Deus”, comum na Septuaginta, de modo que a autodefesa de Paulo é fraseologicamente hebraica ainda que redigida em koiné.

O embate com Ananias expõe um hebraísmo lexical e imagético de primeira ordem. Ao ser mandado golpear “segundo a lei”, Paulo retruca: “Deus te ferirá, toichos kekoniamenos (parede caiada)”, imagem profética de Ezequiel contra falsários que rebocam um muro com konia para disfarçar sua fragilidade. A metáfora vem de Ezequiel 13:10–15 e Ezequiel 22:28, e o termo “caiar” (LXX) ilumina a escolha de kekoniamenos em Atos, revelando transferência direta de fraseologia hebraica para o grego. Além disso, Paulo denuncia a ordem como “paranomon” por violar a Torá: segundo Deuteronômio 25:1–2, só depois do julgamento e condenação o juiz manda aplicar açoites, jamais em audiência preliminar — princípio reiterado por Levítico 19:15. Assim, a sintaxe judiciária de Atos 23:3 está ancorada em categorias legais da Bíblia Hebraica.

Quando os presentes reprovam sua fala, Paulo recua citando literalmente a Escritura grega: “está escrito: ‘Não falarás mal de um chefe do teu povo’”, isto é, archonta tou laou sou (Êxodo 22:28). A forma da citação coincide com a LXX (e ressalta a oscilação hebraica entre ʾĕlōhîm “Deus/deuses/juízes” e “chefe”), mostrando como o texto de Atos deixa impressa a cadência jurídico-sapiencial do Pentateuco na própria tessitura do grego.

A seguir, o narrador descreve o efeito da estratégia de Paulo com a construção estereotipada egeneto stasis megalē (“deu-se grande dissensão”), um giro sintático clássico de Lucas-Atos que replica o hebraico narrativo wayehi (“e aconteceu que…”). Esse calque semítico — o egeneto + complemento — é reconhecido pela pesquisa como hebraísmo recorrente no estilo lucano, e aqui colore a cena do Sinédrio.

No miolo do capítulo, a autodefesa paulina “é por causa da esperança e da ressurreição dos mortos” (peri elpidos kai anastaseōs nekrōn, Atos 23:6–8) aciona um léxico e um horizonte semítico: a “ressurreição” (anastasis) que divide fariseus e saduceus é articulada pela LXX quando verte as promessas de reerguimento dos mortos (Daniel 12:2; Isaías 26:19). Na mesma fala, “anjo” (angelos) e “espírito” (pneuma) retomam categorias hebraicas malʾāḵ e rûaḥ, amplamente atestadas nas Escrituras (por exemplo, Gênesis 16:7; Gênesis 1:2). O resultado é um parágrafo grego que pensa em hebraico: os termos de controvérsia no Sinédrio são semitas em conceito e vocabulário, mesmo quando veiculados em koiné.

A seção conspiratória (Atos 23:12–21) intensifica a coloração semita por meio de escolhas lexicais com rastro veterotestamentário. Os mais de quarenta “se ligam por maldição” (anethematisan heautous) a não “comer nem beber” até matar Paulo. O verbo anathematizō e o substantivo correlato anathema são a forma grega consagrada para o hebraico ḥērem (“coisa votada/consagrada ao banimento”), como atestam Levítico 27:28–29 e o uso narrativo em Números 21:2–3 e Josué 6:17. Além do campo semântico de ḥērem, a fórmula do voto com jejum remete diretamente a padrões bíblicos: Ester 4:16 (“não comais nem bebais por três dias”) e a autoimprecação de Saul em 1 Samuel 14:24 (“maldito quem comer antes da tarde”). Assim, o grego de Atos 23 preserva tanto a técnica jurídica hebraica do voto maldito quanto a retórica ascética dos jejuns de emergência.

Ainda na trama, o substantivo enedra (“emboscada”) em Atos 23:16.21 está em perfeita continuidade com a terminologia tática da LXX para ʾōrēḇ/maʾărv (“emboscada”), usada, por exemplo, em Josué 8 nas manobras contra Ai. A cena é narrada em grego jurídico-militar, mas o vocabulário remete diretamente ao hebraico da guerra santa, reforçando a marca semita na narrativa lucana.

Por fim, até os fios narrativos mais discretos mantêm a textura hebraica. A fórmula de consolo divino a Paulo, “tharsei… é necessário (dei) que dês testemunho também em Roma” (Atos 23:11), junta um imperativo profético típico da LXX com a noção semita de necessidade teológica (ṣārîaḥ/ḥōḇāh), levando adiante a teia de “testemunho” (martyria) que nasce na Torá (a exigência de ʿēdîm, “testemunhas”, em Deuteronômio 19:15) e que Lucas verte sistematicamente para seu grego. Mesmo quando o cenário é romano, o pensamento é hebraico. (Para a moldura “e aconteceu que…”, ver novamente o uso lucano de egeneto como calque de wayehi.)

Em suma, Atos 23 evidencia como um autor que escreve excelente koiné faz o grego pensar, soar e decidir “hebraicamente”: fraseologia narrativa (egeneto), sintaxe forense (apelo direto à Torá para o devido processo), metáforas proféticas (toichos kekoniamenos), léxico de teologia bíblica (anastasis, angelos, pneuma) e categorias de voto e maldição (anathema/ḥērem). Tudo isso comprova que, mesmo em um capítulo de tribunais e tropas, a marca semita permeia morfologia, sintaxe e escolhas lexicais do texto.

II. Comentário de Atos 23

Atos 23:1-3 Deus te ferirá, parede branqueada! A parede branqueada é aquela que leva uma fina camada de tinta para esconder a sujeira e parecer mais limpa. O fato de Ananias ter mandado alguém fazer seu trabalho sujo não o absolveu da culpa do seu ato. Ananias mereceu essa repreensão porque não podia ter mandado alguém esbofetear Paulo. Nenhum israelita podia ferir o outro na face (Lv 19.15).

Atos 23:4, 5 Não sabia, irmãos, que era o sumo sacerdote. Veja que Paulo não justificou sua atitude (v. 3), mas se arrependeu do que disse. Não sabia. Há muitas razões para explicar por que Paulo não sabia que Ananias era o sumo sacerdote. É possível que sua visão não estivesse boa e, por isso, ele não conseguiu vê-lo direito. Ou talvez essa não fosse uma assembleia formal do Sinédrio, e o sumo sacerdote talvez não estivesse usando suas vestes sacerdotais ou sentado no lugar habitual. Já se havia passado 20 anos que Paulo não fazia mais parte daquele conselho. E bem provável que ele não soubesse quem era o sumo sacerdote naquela ocasião.

Atos 23:6-8 Os saduceus não criam na ressurreição dos mortos, em milagres, na vida após a morte e na existência dos anjos. Os fariseus, por outro lado, criam nas coisas sobrenaturais e aceitavam tudo que os saduceus negavam.

Atos 23:9, 10 Não resistamos a Deus. Eles devem ter-se lembrado do conselho do famoso mestre Gamaliel (At 5.39).

Atos 23:11 Testifiques também em Roma. Avisado por seus amigos para não ir a Jerusalém, Paulo deve ter colocado em dúvida sua decisão. Mas o Senhor o encorajou a não temer porque ele estava sob o cuidado soberano de Deus. Assim como Paulo tinha dado testemunho de Jesus como prisioneiro em Jerusalém, ele o faria em Roma. As prisões de Paulo o levariam a glorificar a Deus de uma maneira impossível de se fazer sem elas.

Atos 23:12-15 A disposição do conselho judaico de ajudar na trama de assassinato de Paulo mostra que eles sabiam que o argumento empregado para acusá-lo era muito fraco.

Atos 23:16-24 Paulo foi tirado da cidade na calada da noite escoltado por centenas de soldados. Ao que parece, o tribuno percebeu que a trama para assassinar Paulo era algo tão sério que usou quase metade da tropa da Fortaleza Antônia para escoltar o apóstolo por pelo menos parte do caminho para Roma.

Atos 23:25-30 E escreveu uma carta que continha isto: Cláudio Lísias a Félix, potentíssimo governador, saúde. A lei romana requeria que o oficial subordinado enviasse uma carta com o prisioneiro declarando o caso quando ele era enviado ao seu superior.

Atos 23:31, 32 Ao deixar Jerusalém quando toda a cidade estava dormindo, os soldados a pé e a cavalo atraíram pouca atenção. Cerca de 65 km à frente estava Antipátride, onde um desfiladeiro rochoso ao longo da estrada era o lugar perfeito para emboscadas. Antipátride era uma cidade usada pelos romanos como base de suas tropas. O restante da viagem seria por um caminho plano, onde não seria necessário grande número de soldados. Os soldados que estavam a pé retornaram a Jerusalém, deixando a cargo de 70 soldados a cavalo a escolta de Paulo até Cesareia, a capital da Judéia. Podemos ver nessa proteção extraordinária que Deus providenciou o quanto a vida de Paulo estava em Suas mãos.

Atos 23:33, 34 O governador. António Félix governou a Judeia de 52 a 60 d. C. Félix havia sido escravo, mas ganhou do imperador Cláudio a condição de homem livre. Como o irmão de Félix era amigo do imperador, sua carreira política despontou, embora ele não fosse muito popular entre seus pares. Félix era conhecido por se envolver com todo tipo de libertinagem, tanto que o escritor Tácito o descreveu como alguém que exercia o poder de um rei com o caráter de um escravo. Ele era da Cilicia. Depois de ler a carta que recebeu de Jerusalém, Félix quis saber de que província era Paulo. E quando soube que Paulo era da Cilicia, ele decidiu ouvir o caso, porque a lei civil da Cilicia não exigia que seus cidadãos fossem enviados para serem julgados lá.

Atos 23:35 O pretório de Herodes, o Grande, fora construído para ser sua residência oficial, mas tinha celas para prisioneiros (Jo 18.28; Fp 1.13).

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