Significado de Atos 4
Atos 4
Atos 4 continua a história de Pedro e João e sua ousada proclamação da mensagem do evangelho em Jerusalém. O capítulo começa com a prisão de Pedro e João pelos líderes religiosos, que ficam perturbados com o ensino deles sobre Jesus Cristo e a ressurreição.
Apesar de enfrentar oposição e ameaças, Pedro e João testificam corajosamente a verdade do evangelho perante os líderes religiosos, enfatizando que a salvação não é encontrada em ninguém mais senão em Jesus Cristo. O capítulo também inclui a oração da comunidade cristã primitiva, na qual eles pedem a Deus ousadia e que sinais e prodígios sejam realizados em nome de Jesus Cristo.
Atos 4 é um capítulo que enfatiza a coragem e a convicção da comunidade cristã primitiva diante da perseguição e oposição. O capítulo destaca a importância de permanecer firme na fé e continuar a proclamar a mensagem do evangelho, mesmo quando for impopular ou perigoso fazê-lo. O capítulo também enfatiza o poder da oração e a necessidade do Espírito Santo capacitar os crentes para um testemunho eficaz.
I. Intertextualidade com o Antigo e Novo Testamento
Atos 4 inscreve a jovem comunidade no mesmo enredo que moldou o caminho de Jesus: anúncio do reino, sinais que restauram, oposição das autoridades religiosas e testemunho inspirado diante de tribunais. O incômodo dos saduceus com a proclamação da ressurreição (Atos 4:1–2) reativa a controvérsia que Jesus travara com esse grupo (Mateus 22:23–33; Lucas 20:27–40) e recoloca, no coração da fé apostólica, as promessas veterotestamentárias de vida após a morte (Isaías 26:19; Daniel 12:2). O número dos que creram chega a “cerca de cinco mil” (Atos 4:4), expandindo a sequência de “acrescentar” inaugurada em Pentecostes (Atos 2:41, 47) e confirmando que o derramamento do Espírito realiza a peregrinação dos povos ao ensinamento do Senhor (Isaías 2:2–3).
Conduzidos ao Sinédrio, Pedro e João enfrentam a mesma constelação de autoridades que julgara Jesus (Atos 4:5–7; cf. Lucas 22:66–71), mas agora se cumpre a promessa do Mestre: “Quando vos conduzirem às sinagogas e aos magistrados... não vos preocupeis... porque o Espírito Santo vos ensinará” (Lucas 12:11–12; 21:12–15). “Cheio do Espírito Santo”, Pedro fala com parrésia e interpreta o sinal da cura pelo “Nome” de Jesus (Atos 4:8–10), retomando a hermenêutica de Joel 2:32 já aplicada em Atos 2:21: invocar o Nome do Senhor é invocar o Nome de Jesus (Romanos 10:9–13). O contraste entre a “iletrice” dos apóstolos e sua sabedoria (Atos 4:13) ecoa o padrão bíblico no qual a autoridade vem de Deus, não de credenciais humanas (Jeremias 1:6–9; 1 Coríntios 1:26–31), e faz lembrar o reconhecimento dos guardas: “Nunca homem algum falou como este” (João 7:46).
O cerne cristológico do testemunho aparece quando Pedro lê o drama de Jesus à luz do Salmo 118:22: “A pedra que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra” (Atos 4:11). Essa leitura prolonga a exegese do próprio Cristo contra o Sinédrio (Mateus 21:42; Marcos 12:10; Lucas 20:17) e abre o feixe de textos de pedra que o Novo Testamento vai entrelaçar: o tropeço anunciado por Isaías 8:14, o fundamento firme prometido em Isaías 28:16 e a edificação apostólica sobre Cristo como pedra angular (Efésios 2:20; 1 Pedro 2:4–8). Na sequência, a afirmação de que “não há salvação em nenhum outro” e de que “não há debaixo do céu outro nome dado entre os homens pelo qual devamos ser salvos” (Atos 4:12) vincula a soteriologia apostólica às autodeclarações exclusivas de Deus: “fora de mim não há salvador” (Isaías 43:11; Oseias 13:4) e “Voltai-vos para mim e sereis salvos... por mim jurou meu próprio Nome: diante de mim se dobrará todo joelho” (Isaías 45:22–25), o que o Novo Testamento lerá cristologicamente quando confessa que Deus deu a Jesus “o Nome que está acima de todo nome” (Filipenses 2:9–11).
Ordenados a calar-se, os apóstolos respondem com o princípio que logo será formulado de modo explícito: “Julgai se é justo diante de Deus ouvir-vos antes a vós do que a Deus” (Atos 4:19; cf. Atos 5:29). A impossibilidade de silenciar o testemunho (“não podemos deixar de falar do que vimos e ouvimos”, Atos 4:20) ressoa a compulsão profética de Jeremias: “no meu coração havia como fogo ardente... e não podia conter” (Jeremias 20:9), e faz par com a lealdade a Deus mesmo sob ameaça que marca Daniel e seus companheiros (Daniel 3:16–18; 6:10). A presença do homem curado, com “mais de quarenta anos” (Atos 4:22), dá ao sinal a espessura simbólica do “quarenta” bíblico (êxodo, provação e virada geracional; Êxodo 16:35; Números 14:33–34), consolidando-o como obra pública de Deus, “contra a qual nada podiam dizer” (Atos 4:14–16).
Soltos, os apóstolos conduzem a igreja a orar, e a oração torna-se uma exegese canônica da paixão e da missão. Ao invocar o Criador “que fez o céu, a terra e o mar e tudo o que neles há” (Atos 4:24; Salmo 146:6), a assembleia situa sua causa no Senhor da história e cita o Salmo 2:1–2 para interpretar a coalizão de Herodes, Pôncio Pilatos, gentios e o povo de Israel contra “o teu Santo Servo Jesus” (Atos 4:25–28): “Por que se enfurecem as nações... reúnem-se os reis da terra contra o Senhor e contra o seu Ungido?”. O eco do Salmo 2, tão caro à cristologia real do Novo Testamento (Atos 13:33; Hebreus 1:5; Hebreus 5:5), entrelaça a soberania divina (“para fazerem tudo o que a tua mão e o teu conselho predeterminaram”) com a responsabilidade das nações, e confessa Jesus como o “Ungido” régio prometido a Davi (2 Samuel 7:12–16; Salmo 2:7; Salmo 110:1). Chamar Jesus de “teu Santo Servo” retoma Isaías 52:13–53:12 e a linguagem lucana de entronização pela via do Servo (Atos 3:13, 26), enquanto o pedido para que Deus “estenda a mão para curar e para que se façam sinais e prodígios” (Atos 4:30) reaviva a memória do Êxodo, quando o Senhor libertou “com mão poderosa e braço estendido” (Êxodo 6:6; Deuteronômio 4:34).
A resposta divina é teofânica: “tremeu o lugar onde estavam reunidos, e todos foram cheios do Espírito Santo e anunciavam com ousadia a palavra de Deus” (Atos 4:31). O tremor do lugar evoca Sinai, quando “todo o monte tremia grandemente” ao descer o Senhor (Êxodo 19:18), e prepara outros marcos em Atos em que terremotos assinalam a intervenção do Altíssimo (Atos 16:26). A plenitude renovada do Espírito reencena Pentecostes (Atos 2:4) e atende ao pedido paulino por ousadia no anúncio (Efésios 6:19–20), confirmando que a parrésia da igreja é dom do Espírito prometido por Jesus (João 14:16–17, 26; 15:26–27).
O quadro comunitário que se segue traduz em vida a oração por poder e graça: “um só coração e uma só alma” (Atos 4:32) realiza a promessa pactual de um coração único (Jeremias 32:39; Ezequiel 11:19; 36:26) e torna o povo de Deus sinal antecipado da restauração escatológica. “Com grande poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em todos eles havia grande graça” (Atos 4:33), linguagem que costura Lucas 24:46–49 (testemunho na força do Espírito) com a nota lucana da “graça” que repousa sobre o Messias (Lucas 2:40, 52). A comunhão de bens, com venda de propriedades e distribuição “conforme a necessidade de cada um” (Atos 4:34–35), cumpre o ideal de Deuteronômio 15:4 (“entre ti não haverá pobre”) e ecoa a economia do maná em que ninguém tinha demais nem de menos (Êxodo 16:18), princípio que Paulo aplicará às coletas intereclesiais (2 Coríntios 8:13–15). O exemplo de Barnabé, “filho da consolação/exortação”, levita, que vende um campo e deposita aos pés dos apóstolos (Atos 4:36–37), antecipa sua missão de encorajar e mediar (Atos 9:27; 11:22–26) e sutilmente convoca o horizonte da paráklēsis prometida por Deus ao seu povo (Isaías 40:1) e personificada no Paráclito (João 14:16).
Assim, Atos 4 entrelaça o fio do Salmo 118 (pedra rejeitada e agora angular), o Salmo 2 (rebelde conjuração das nações contra o Ungido), as promessas de Isaías (Servo, exclusividade do Salvador e consolação), a sabedoria do êxodo (mão estendida, tremor, provisão sem falta) e a esperança pactual de um só coração em torno do Cristo entronizado. O capítulo mostra que o “Nome” pelo qual o coxo foi curado (Atos 3) é o mesmo Nome exclusivo de salvação (Atos 4:12), que suscita ousadia diante de tribunais, sustenta a oração que lê a história com as Escrituras e gera uma comunidade cuja unidade, generosidade e testemunho funcionam como primícias do reino que Deus estabeleceu no seu Ungido e no poder do Espírito, “até aos confins da terra” (Atos 1:8).
II. Comentário de Atos 4
Atos 4.1-4 Os saduceus estavam doendo-se muito por duas razões. Primeiro, os saduceus eram céticos, rejeitavam todo o Antigo Testamento, à exceção do Pentateuco, ou seja, os cinco livros de Moisés. Eles também não acreditavam na ressurreição. O ensinamento de Pedro acerca da ressurreição desafiou as crenças e os ensinamentos deles. Segundo, os saduceus eram os líderes dos judeus naquele tempo. Eles eram provenientes de famílias abastadas, ligadas ao governo romano. Eles se vincularam ao poder vigente para manter sua posição, influência e riqueza. A última coisa que os saduceus queriam era uma dupla de judeus declarando a ressurreição de um rei. Lançaram mão deles e os encarceraram [...] muitos, porém [...] creram. A tentativa de silenciar a verdade de Deus prendendo as testemunhas de Jesus não foi capaz de reprimir a ação divina. Embora servos de Deus sejam encarcerados, a Palavra dele nunca é lançada em prisões (2 Tm 2.9). O resultado do aprisionamento de Pedro e João pelos saduceus foi a conversão de cinco mil pessoas à mensagem do evangelho.
Atos 4.5, 6 Reunirem-se em Jerusalém os seus principais. O Sinédrio, formado por 70 membros do sexo masculino e mais o sumo sacerdote, era a mais alta corte dos judeus. O grupo consistia dos mais ricos, mais bem-educados e mais poderosos homens de Israel.
Anás, o sumo sacerdote, ocupara o cargo de sumo sacerdote até 14 d.C., quando foi destituído pelos romanos. No tempo de Jesus, os sumos sacerdotes eram designados pelos governadores romanos. Aparentemente, Anás tinha-se tornado uma ameaça política para Roma. Entretanto, os judeus tendiam a rejeitar a autoridade romana em seus assuntos religiosos. Por essa razão, embora Anás tivesse sido oficialmente afastado do cargo, os judeus ainda o consideravam sumo sacerdote. Caifás, genro de Anás, foi o sumo sacerdote oficial no período de 18 d.C. a 36 d.C. João provavelmente foi o filho de Anás, que sucedeu Caifás em 37 d.C.
Atos 4.7 Pondo-os no meio, perguntaram. A cura do coxo era inquestionável (At 3.1-10), de forma que a questão não era se o homem havia sido ou não curado, mas pela autoridade ou pelo nome de quem o milagre tinha sido operado.
Atos 4.8-10 Pedro, cheio com o Espírito Santo. A referência feita à condição do apóstolo Pedro nessa passagem é a segunda menção no livro de Atos de alguém estar cheio do Espírito Santo (v. 31; At 2.4; 9.17; 13.9).
Grande satisfação inicial acompanhou o batismo no Espírito. A plenitude em Deus trouxe coragem aos primeiros cristãos para fazerem o trabalho de Deus. Jesus tinha prometido aos Seus discípulos que eles estariam diante dos governadores e reis, e que o Espírito de Deus colocaria em suas mentes tudo o que eles deveriam dizer (Mt 10.16-20). E interessante comparar as ações de Pedro quando dirigido pelo Espírito Santo de Deus, nesse episódio, e quando esteve assentado no pátio do templo, intimidado diante de duas criadas e outros que o questionaram a respeito de sua fé em Jesus (Mt 26.69-75). Naquela ocasião, Pedro negou a Cristo três vezes. Nessa ocasião (At 4.8-10), ele se levantou com coragem e intrepidez para testemunhar diante do Sinédrio, o mais importante tribunal judeu na terra.
Atos 4.11 A qual foi posta por cabeça de esquina. O Antigo Testamento faz alusão à pedra de esquina ou pedra angular (Jó 38.6); a pedra fundamental em uma fundação (Is 28.16); a pedra que serve para nivelar toda a obra (Jr 51.26); a pedra de esquina (Sl 118.22), ou a lápide (Zc 4.7). Assim, a imagem de uma pedra é usada para se referir tanto ao fundamento como ao nivelamento de uma fundação.
No primeiro século da era cristã, a referência à pedra principal era compreendida como alusiva à pedra colocada no ápice do templo de Jerusalém. A pedra angular era a pedra que unia duas paredes pelas suas extremidades, servindo para mantê-las ligadas uma à outra. Era também a pedra alicerçada em um dos cantos da construção de um edifício, servindo de ponto de partida para a edificação de todo o prédio. Pedro fez uso dessa metáfora para dizer que, quando as pessoas rejeitaram Jesus Cristo, elas rejeitaram o único capaz de levar a cabo o plano de Deus para a humanidade. O significado dessa ilustração era bem compreendido no primeiro século, especialmente entre os rabinos judeus e as pessoas que tinham conhecimento das Escrituras.
Atos 4.12 Nenhum outro nome há salvação. Apenas mediante a fé no Jesus histórico — o Filho de Deus encarnado, que morreu e apareceu redivivo — é possível que alguém seja salvo.
Atos 4.13 Embora Pedro e João fossem pescadores galileus destituídos de educação formal, eles falaram com confiança e liberdade. A apresentação do evangelho feita por esses simples pescadores era poderosa porque eles eram testemunhas oculares de tudo o que falavam (At 1.22).
Atos 4.14-18 Nada tinham que dizer em contrário. O Sinédrio reconheceu a veracidade do milagre operado. Os apóstolos ofereceram a explicação: os milagres eram obra do Cristo ressuscitado. Em vez de crer em Cristo, os membros do Sinédrio apenas demonstraram interesse em fazer um controle efetivo dos danos. Eles tentaram intimidar os apóstolos advertindo-os a não falar ou ensinar no nome de Jesus.
Atos 4.19-22 Julgai vós se é justo [...] ouvir-vos antes a vós do que a Deus. Não há nenhuma autoridade que se compare à autoridade de Deus. Quando a autoridade humana rejeita a autoridade divina, ela perde todo o direito de exigir ou estabelecer normas (At 5.29). Desde o princípio, homens e mulheres de Deus resistiram às autoridades e às ordens que se manifestaram contra a vontade de Deus (por exemplo: as parteiras, Êxodo 1; os pais de Moisés, Hebreus 11.23; Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, Daniel 3).
Atos 4.23-31 A resposta dos companheiros de Pedro e de João diante dos testemunhos dos apóstolos após a libertação deles foi uma manifestação espontânea de louvor, cânticos e oração.
Atos 4.32-37 Lucas observa que, para os cristãos primitivos, estar cheio do Espírito Santo não significava apenas participar da proclamação da Palavra de Deus, mas também compartilhar as posses com todos aqueles que passam por necessidade.
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