II. AS DUAS BESTAS
(13.1-18)
1) A besta do mar (13.1-10)
v. 1. Vi uma besta que
saía do mar. Essa besta é o Império Romano perseguidor da igreja.
Podemos imaginá-lo surgindo em sua casa, na cidade de Roma, longe de
Patmos, do outro lado do mar Mediterrâneo; mas mar significa
mais do que isso. A “besta do Abismo”, como é chamada em 11.7, é
vomitada, como as outras forças caóticas do mal, pela profundeza
cósmica (cf. Dn 7.2,3). Tinha dez chifres e sete cabeças: Os dez
chifres (cf. 12.3) são extraídos de Dn 7.7, em que o quarto
animal da visão de Daniel é assim caracterizado. Os chifres do quarto
animal de Daniel (Dn 7.24) são dez governantes helenísticos, entre Alexandre,
o Grande (332-323 a.C.), e An tio co IV (175-163 a.C.); acerca do seu
significado em Apocalipse, cf. 17.12-14. As sete cabeças são
derivadas do dragão (12.3), significando que a autoridade da besta provém
dele (v. 2); mas são explicadas mais detalhadamente em termos das
sete colinas de Roma (17.9) e dos sete imperadores romanos (17.10). com
dez coroas, uma sobre cada chifre: Indicando as reivindicações de
honras divinas feitas pelos imperadores romanos ou a favor deles. v.
2. A besta que vi era semelhante a um leopardo-. Como o
terceiro animal de Dn 7.6. mas tinha pés como os de urso: O segundo
animal de Dn
7.5 “tinha a aparência de
um urso”, boca como a de leão: O primeiro animal de Dn 7.4 “parecia
um leão”. Assim, a besta de João, enquanto é principalmente uma
representação do quarto animal de Daniel, tem características extraídas
dos três primeiros animais de Daniel, v. 3. Uma das cabeças [...] parecia
ter sofrido um ferimento: Provavelmente uma referência a Nero, que
cometeu suicídio em 9 de junho de 68 d.G. o ferimento mortal
foi curado: Quando Nero, deposto pelo senado em 68 d.C., cometeu
suicídio para escapar da morte ignominiosa à qual aquele grupo o
tinha condenado, muitos dos seus súditos orientais (entre os quais
desfrutava de grande popularidade) se negaram a crer que ele estivesse
realmente morto. Durante uns vinte anos após a sua morte, portanto,
persistiu a crença de que ele não havia realmente morrido mas fugido para
seu esconderijo além do Eufrates, e que voltaria um dia à frente
de um exército de partos para recuperar o seu domínio e governar mais
uma vez como imperador. Diversos oportunistas se beneficiaram dessa crença
muito difundida para se levantar como supostos Neros. Depois de
88 d.G., o último ano de que se tem notícia de ter se levantado um
desses embusteiros, a crença de que Nero ainda estivesse vivo tinha
sido em geral abandonada; mas foi substituída pela crença de que um dia Nero
voltaria dos mortos e recuperaria o poder. Essa crença posterior num Nero
redivivus, que pode ser seguida até quase o final do século II,
era não somente um elemento de esperança para os pagãos no império do
oriente, mas também um elemento de ameaça para os cristãos, que identificavam o
Nero redivivus com o último anticristo. O ódio perseguidor
do império já tinha sido experimentado por João e seus irmãos
cristãos, mas, quando a besta imperial for incorporada no governante
ressuscitado que anteriormente sofreu um ferimento mortal — uma
incorporação ainda futura para o vidente —, esse ódio perseguidor vai atingir
uma intensidade sem precedentes. v. 5. uma boca para falar
palavras arrogantes e blasfemas: Cf. Dn 7.8; 11.36. quarenta e dois
meses: A duração da autoridade do “pequeno chifre” de Dn 7.25. v. 7. Foi-lhe dado
poder para guerrear contra os santos e vencê-los: Um eco de Dn 7.21 (cf. Ap
11.7); essa vitória consiste na inflicção da morte física a eles, mas
a vitória final será deles (15.2). Poder mundial é exercido pela besta, e
adoração mundial lhe é oferecida. Cf. 2Ts 2.3,4, em que o “homem do pecado
[...] se opõe e se exalta acima de tudo o que se chama Deus ou é
objeto de adoração (cf. Dn 11.37), chegando até a assentar-se no santuário de
Deus, proclamando que ele mesmo é Deus”, v. 8. Todos os habitantes
da terra (cf. 3.10) são identificados aqui como todos aqueles que não
tiveram seus nomes escritos no livro da vida do Cordeiro que foi morto
desde a criação do mundo. E melhor seguir a leitura da nota
textual (NVI) em que desde a criação do mundo é uma referência
a escritos, e não a foi morto (cf. 17.8; tb. 3.5; 20.12,15).
v. 10. K perseverança e a fidelidade dos santos estão arraigadas no seu
reconhecimento da soberania de Deus sobre o mundo da humanidade; sua justa
retribuição e recompensa certamente vão ser manifestas no devido
tempo (cf. Hc 2.3,4; tb. Mt 26.52).
2) A besta da terra
(13.11-18)
v. 11. Então vi outra besta: Assim, a trindade perversa
do dragão, da besta e do falso profeta é completada. Assim como o
verdadeiro Cristo recebeu a sua autoridade do Pai (Mt 11.27; 28.18; Jo
13.3), o anticristo recebe autoridade do dragão (v. 4); assim como
o Espírito Santo glorifica o verdadeiro Cristo (Jo 16.14), o falso
profeta glorifica o anticristo (v. 12). que saía da terra: Em
Patmos, João pode ter em vista a terra firme próxima da Ásia
Menor, onde florescia o culto a Roma e Augusto (cf. 2.13). A segunda besta
é a encarnação desse culto, ou do seu sacerdócio, no seu desenvolvimento
final. Parece tão inofensiva como cordeiro, mas sua
verdadeira natureza é revelada quando abre sua boca, pois fala como
dragão. A adoração imperial que já era fomentada na província da Ásia
se espalharia pelo mundo, e a intensificação final da perseguição
imperial seria acompanhada de pressão mundial de todo tipo, psicológica e
econômica, para que se adorasse a César. As obras poderosas e “os sinais e
[...] maravilhas enganadoras” que, de acordo com Paulo, acompanham a parousia
do anticristo e seduzem os crentes (2Ts 2.9,10) são manipulados por essa
segunda besta, que age como o ministro de propaganda do anticristo.
A imagem em honra à besta (v. 14,15) lembra o “sacrilégio
terrível no lugar onde não deve estar” (Mc 13.14). O boicote econômico
dos não-conformistas (v. 16,17) é quase assustador na sua clareza
profética. A marca, estampada na mão direita ou na testa, lugar
em que os judeus usavam seus fílactérios (cf. Dt 6.8), é o nome da
besta adorada por aqueles que recebem a marca — uma imitação burlesca
e perversa do selo estampado na testa dos servos de Deus (7.3; 14.1; cf.
22.4). v. 18. Aqui há sabedoria-. As profecias de Daniel
foram transmitidas de forma semelhante em termos simbólicos que
exigiam elucidação divina: “Nenhum dos ímpios levará isto em consideração,
mas os sábios [os maskilim] sim” (Dn 12.10). Aquele que tem entendimento calcule o número da besta-.
A besta é personificada no imperador, e é um dos imperadores cujo “número”
deve ser calculado, pois é número de homem-. Lit. “o número de um
homem”, i.e., o valor numérico total das letras do nome de uma
pessoa, soletrado no alfabeto grego, ou talvez no hebraico. Esse cálculo
do valor numérico de palavras e nomes era um jogo de enigmas entre os
gregos e romanos (como na inscrição muito citada de Pompeia: “Eu amo
a moça cujo número é 545”); entre os judeus (que o chamavam de
“gematria”) e alguns dos primeiros cristãos, era tratado como uma
questão de significado místico — como nos Oráculos Sibilinos
(i.328), em que a conveniência de 888 como o valor numérico do nome
de Jesus em grego é destacada. Não há nada de místico acerca do presente trecho;
o uso da gematria por parte do vidente poderia ser uma precaução contra
a acusação de incitação à revolta se o nome do indivíduo fosse
soletrado completamente. Seu número é seiscentos e sessenta e seis-. Tão bem-sucedida foi a precaução do vidente que
a solução do enigma já tinha sido esquecida na época de Ireneu (180
d.C.) e permanece incerta até os dias de hoje.
Devemos imaginar que os
primeiros leitores de Apocalipse entenderam a alusão. Para complicar a
questão, há aqui uma leitura variante de 666, mas isso pode ter sido uma
modificação intencional para identificar a “besta” com Caio
César (soletrado em grego). A tentativa de Caio de erigir sua imagem
no templo de Jerusalém em 40 d.C. o caracterizou como pertencendo à
autêntica sucessão do anticristo. Uma explicação popular da verdadeira leitura,
666, considera o número como o total das letras de “Nero César”,
soletrado em hebraico ou aramaico (a soletração exata e requerida aparece
num documento aramaico do reinado de Nero encontrado no Uádi Murabba‘at,
no Jordão). Outra sugestão atraente é que João tinha em mente um tipo de moeda
que circulava na província da Ásia, na qual o título abreviado de Domidano
em grego (“Imperador César Domidano Germanicus) resulta no total 666. Mas
a certeza completa é inatingível. As “três regras” de George Salmon para
fazer qualquer nome fornecer o total exigido ainda são usadas com muita
seriedade por leitores bíblicos dedicados que imaginam que João estava na
verdade se referindo aos acontecimentos, até os mais triviais,
da política mundial do século XXL As três regras são: “Em primeiro lugar,
se o nome próprio em si não fornecer o número, acrescente um título; em
segundo lugar, se o total não pode ser encontrado em grego, tente
hebraico, ou até mesmo latim; em terceiro lugar, não seja tão
detalhista na soletração” (Introduction to the NT, 1889, p. 253).
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