Estudo sobre Hebreus 10

Estudo sobre Hebreus 10

Estudo sobre Hebreus 10 

Índice: Hebreus 1 Hebreus 2 Hebreus 3 Hebreus 4 Hebreus 5 Hebreus 6 Hebreus 7 Hebreus 8 Hebreus 9 Hebreus 10 Hebreus 11 Hebreus 12 Hebreus 13

4) O caráter decisivo e final do sacrifício único de Cristo (10.1-18)
Ao destacar o caráter definitivo do sacrifício de Cristo, o autor, como tem sido seu costume, o contrasta com a falta de natureza definitiva encontrada no sistema da lei e sacrifício do AT. A Lei, diz ele, traz apenas uma sombra dos benefícios que hão de vir (v. 1). Não possui em si a verdadeira forma dessas realidades (v. 1). Por consequência, em virtude de sua natureza — sombra e cópia — foi incapaz de aperfeiçoar qualquer adorador por meio de seus sacrifícios (v. 1). Isso quer dizer que nunca um adorador foi conduzido “a uma verdadeira e duradoura comunhão com Deus”, pois nenhum deles realmente se livrou dos seus sentimentos de culpado de seus pecados (v. 2). Para o autor de Hebreus, o simples fato de que as ofertas pelos pecados eram feitas continuamente, ano após ano (v. 3; cf. Lv 16), era em si prova de que a instituição do antigo sistema, embora ordenado por Deus, não era definitivo. A esse argumento o autor acrescenta que até a razão ensina que é impossível que o sangue de touros e bodes, a morte involuntária de animais irracionais, tire pecados (v. 4); na melhor das hipóteses, eram apenas símbolos visíveis de algo melhor que estava por vir.
Contudo, o único sacrifício com que Deus se satisfez, como a voz profética do AT destacou repetidas vezes, foi o da dedicação consciente e voluntária da vida total de um homem à vontade de Deus. Por isso, quando Cristo veio ao mundo, disse: “Sacrifício e oferta não quiseste, mas um corpo me preparaste [...] Aqui estou [...] vim para fazer a tua vontade, ó Deus (v. 5-7). O autor está citando SI 40.6,7, usando a LXX, que difere do texto hebraico, ao dizer: “um corpo me preparaste” em vez de “abriste os meus ouvidos”. Como tem sido o seu costume, agora ele põe essas palavras, originariamente faladas por outro, na boca de Cristo, pois no pensamento desse autor, “se algo foi escrito de um homem, que nenhum homem comum pode satisfazer, então há algo subjacente que se refere a Um que não é um simples homem” (Vaughan, Comm., p. 190). Aqui, então, as palavras do salmista se tornam palavras do Filho encarnado, ouvidas quando foram faladas ao Pai. Esse salmo sugere que sacrifícios (ofertas pacíficas), ofertas (ofertas de cereais), holocaustos e ofertas pelo pecado (v. 5,6) — ofertas de todo tipo — nunca foram ordenadas por Deus. [Observação: A expressão não quiseste, do v. 5, na verdade significa que esses sacrifícios “não eram da tua vontade ou do teu propósito”. Cf. B. W. Bacon, Journal of Biblical Literature, v. 16 (1897), p. 136ss, acerca do significado de “desejou”, gr. eudokein. Ê significativo em associação com isso que o autor de Hebreus mude o termo êitèsas de SI 40.6, “pediste”, para esse verbo expressando a vontade ou o propósito divino — eudokêsas.]
Foram somente uma medida tapa-buracos desenvolvida como resultado da rebeldia do homem. O que Deus sempre desejou foi a obediência e lealdade para com a sua vontade. Agora finalmente esse desejo divino foi satisfeito. O Filho preexistente se tornou encarnado em concordância com a voz da profecia (i.e., como foi escrito acerca dele no livro, v. 7) e anunciou a “sua resolução de substituir” os sacrifícios antigos por sua própria obediência. Por seu ato de bondade, ele se identificou voluntariamente com a humanidade em tal medida que sua vida de total obediência ao Pai, até o ponto de morrer na cruz (cf. Fp 2.8), se torna o ato definitivo de obediência por todos que reconhecerem a sua identificação com ele. Por isso, visto que a obediência é o que Deus sempre quis, sendo a introdução dos sacrifícios somente uma medida interina por conta da desobediência do homem, e porque o homem agora foi tornado obediente em virtude de sua identificação com Cristo (ou o contrário), todo o sistema de sacrifícios, portanto, foi abolido por meio da realização da verdadeira vontade de Deus (v. 9). Isso é afirmado claramente no v. 10, em que o autor diz explicitamente: Pelo cumprimento dessa vontade fomos santificados, por meio do sacrifício do corpo de Jesus Cristo, oferecido uma vez por todas. Isso significa que fomos “separados” (“feitos santos”) ”para a verdadeira condição por nos aproximarmos de Deus” — i.e., a obediência — por meio da dedicação de Jesus Cristo à vontade de Deus, uma dedicação que atingiu o seu clímax na morte dele e foi assim demonstrada de forma suprema, sendo a morte a oferta do seu corpo de uma vez por todas. O cristão agora é aperfeiçoado por meio da perfeita obediência de Jesus Cristo (cf. Rm 5.18,19; Hb 5.8,9).
A natureza definitiva desse sacrifício supremo é exaltada ainda mais por outros contrastes que existem entre Cristo e os sacerdotes antigos. Estes se apresentam (v. 11), indicando que ainda há serviço a ser feito; Cristo, por outro lado, assentou-se à direita de Deus (v. 12), significando que sua tarefa foi concluída. O antigo sacerdote repetidamente oferece os mesmos sacrifícios, que nunca podem remover os pecados (v. 11); Cristo, no entanto, ofereceu um único sacrifício pelos pecados (v. 12). Assim, Cristo aperfeiçoou para sempre os que estão sendo santificados, isto é, ele purificou a consciência do cristão do sentimento de culpa e o levou como adorador à presença de Deus (v. 14). Que isso é verdade é demonstrado pelo Espírito Santo testemunhando por meio de Jeremias que a nova aliança e o perdão dos pecados foram prometidos a nós, cristãos (v. 15-17). Por isso, Onde esses pecados foram perdoados, não há mais necessidade de sacrifício por eles (v. 18). As exigências básicas para o completo desfrutar do relacionamento de aliança foram satisfeitas completamente — perdão de pecados e uma consciência purificada.

VII. EXORTAÇÕES FINAIS PARA A PERSEVERANÇA E ADVERTÊNCIAS ACERCA DA INDIFERENÇA (10.19—12.29)
1) Exortação para a participação nos cultos de adoração (10.19-25)
Tendo concluído a sua grande seção teológica acerca do sacerdócio de Jesus Cristo, o autor se volta novamente para o verdadeiro propósito da sua homilia — exortação e advertência.
A primeira exortação estimula o cristão a aproveitar todas as vantagens do privilégio da adoração — de se aproximar (v. 22) — que agora está disponível a ele (v. 19-22). As razões dadas pelo autor para a sua exortação são duas: (a) a confiança que agora temos para entrar no Santo dos Santos (v. 19), e (b) o grande sacerdote que temos sobre a casa de Deus (v. 21). Aqui “confiança” (gr. parrhêsia, lit. ”franqueza”, “abertura”) transmite a ideia de uma ousadia exultante, um sentimento vívido de liberdade de todo o medo quando se trata de entrar na área sagrada da presença de Deus. Esse “acesso livre” foi provido pelo sangue de Jesus (v. 19),por um novo e vivo caminho que ele abriu por meio do véu, isto ê, do seu corpo (v. 20). Nessas palavras, o autor está dizendo que todas as barreiras para a presença de Deus foram derrubadas para sempre por meio do sangue e do corpo (v. “carne e sangue” em 2.14) de Jesus, i.e., por meio das verdadeiras experiências humanas históricas, incluindo a morte, do Filho eterno, que é o grande sacerdote sobre a casa de Deus (v. 21, cf. 3.6) para o cristão. Ele não somente rasgou o véu que separava, mas está aí pessoalmente para escoltar o adorador para o santuário. A verdadeira adoração de Deus, portanto, é realizada somente por meio de Jesus Cristo e seu sacrifício expiatório (v. 20,21).
Tendo esboçado as razões para que o cristão aproveite as vantagens do direito que ele tem à adoração, o autor agora passa a descrever a maneira em que isso deve ser feito: (a) O cristão deve adorar com um coração sincero (v. 22), ou seja, deve se aproximar com sinceridade no íntimo do seu ser, lembrando as habilidades críticas da palavra de Deus (4.12). (b) Deve adorar com plena convicção de fé (v. 22), “tendo resolvido toda a dúvida e apreensão”, refletindo continuamente, com base na sua fé, a pessoa e obra de Cristo (c) Deve adorar com o seu coração aspergido para purificá-lo de uma consciência culpada (v. 22) e com (d) o seu corpo lavado com água pura (v. 22), isto é, se reunir para a adoração somente depois de ter obtido a consciência do perdão dos seus pecados por meio da fé na obra expiatória de Cristo e de ter participado no batismo cristão (cf. IPe 3.21,22). Essas últimas duas exigências para a adoração são formuladas em linguagem que sugere o antigo ritual realizado na ordenação dos levitas para o seu serviço sacerdotal (cf. Lv 8.30; Êx 29.4; 30.20; 40.30) e têm o propósito de mostrar que o cristão está sim na posição de ser sacerdote ordenado para o ministério de adoração a Deus.
A segunda admoestação exorta o cristão a se apegar com firmeza à esperança (v. 23) que ele professou publicamente no seu batismo (cf. Justino, I Apol. ól.lss). O forte apelo para tal perseverança pode ser encontrado na grande fidelidade de Deus, que tornou as suas promessas irrevogáveis (v. esse mesmo conceito em 6.17; 11.11; 13.5).
Por último, os cristãos são exortados a considerar como eles podem se animar uns aos outros para se incentivarem ao amor e às boas obras (v. 24). Essas coisas pertencem à essência do cristianismo. Visto que a sua manutenção depende da interação mútua da comunidade cristã, é absolutamente essencial que a pessoa se reúna com outros cristãos se ela quer ser encorajada ao desenvolvimento espiritual constante. Qualquer tipo de cristianismo solitário é impensável para o autor de Hebreus, que lamenta o fato de que, apesar do Dia estar se aproximando (v. 25), há os que negligenciam os seus encontros (v. 25). Aqui nessas exortações se encontra a trindade paulina da fé (v. 22), esperança (v.23) e amor (v. 24).
2) Advertência contra a deserção (10.26-39)
A menção da vinda do dia do julgamento e da necessidade de edificação mútua constante dá ao autor os meios necessários para a transição da exortação para a advertência severa, muito semelhante à de 6.4ss (v. 26-31). De novo, aparentemente é uma advertência contra a possibilidade de a pessoa se afastar de sua confissão de fé. Não há evidência objetiva de que alguém que tenha sido batizado seja de fato cristão, a não ser pela perseverança diária em amor e boas obras — uma persistência na exata essência do que sua confissão implica (cf. 23,24). Para o autor de Hebreus, o verdadeiro cristão é, por definição, alguém que manifesta uma “lealdade vitalícia a Cristo” (cf. Jo 15.2,5; 10.27; Rm 11.22). É possível, sugere o autor, que alguém que recebeu o conhecimento (gr. epignõsis, “conhecimento completo”) da verdade continue pecando deliberadamente (v. 26, hekousiõs — uma palavra que na realidade significa ”propositadamente”, “sem compulsão”). E possível para o “cristão batizado”, que foi completamente instruído na verdade do cristianismo antes do seu batismo, atingir esse ponto na sua experiência em que, por meio do seu pecar contínuo (gr. hamartanontõn), sua atitude se torna a de resistência contínua e consciente a tudo que lhe foi ensinado.
Então, porque se tornou psicologicamente endurecido (cf. 3.13) a ponto de não enxergar mais o valor redentor da morte de Cristo, tratando o sangue da aliança pelo qual ele foi santificado (i.e., o cristão professo, ou talvez o próprio Cristo) como uma coisa comum (v. 29), aí, para ele, não há mais sacrifício pelos pecados (v. 26). Ele rejeitou a única possibilidade de expiação. A única coisa que ele pode esperar é um tipo de juízo mais temeroso do que o que foi infligido ao homem que intencionalmente rejeitou a aliança antiga (v. 27). O juízo mais severo se deve ao fato de que a aliança que ele rejeitou é maior, pois nesse ato ele pisou aos pés o Filho de Deus (observe o título), profanou o sangue da aliança e insultou o Espírito da graça (v. 29). O autor conclui essa advertência sombria com um lembrete de que o Deus vivo (v. 31) não ameaça em vão: eu retribuirei, diz o Senhor, e as Escrituras (que não podem falhar) prometem que 0 Senhor julgará o seu povo (v. 30).
Mesmo assim, de maneira idêntica à de 6.9ss, o autor se anima ao informar a seus leitores que a experiência passada que eles tiveram de perseverança na perseguição é em si prova objetiva da realidade de sua confissão cristã (v. 32-39). Em todo lugar e sempre que essa perseguição aconteceu, ela não resultou em martírio. Foi, antes, o tormento de serem expostos a insultos e tribulações (v. 33), à aflição do encarceramento e da perda de propriedades (v. 34), que, muitas vezes, é mais difícil de suportar do que a própria morte. Eles haviam perseverado em todos esses maus-tratos por causa da certeza que tinham de bens superiores e permanentes (v. 34; cf. 12.26,27).
Tendo perseverado sob perseguição, eles não podem se deixar abater na monotonia das atividades do dia-a-dia. A rotina normal da vida, não interrompida pela perseguição, com frequência é o teste real da genuinidade da experiência cristã de uma pessoa, pois é exatamente a ausência de tribulações e dificuldades que tende a causar o desvio espiritual (2.1), a preguiça e letargia moral (5.11), o endurecimento lento e imperceptível da atitude (3.13). Para exatamente essa situação, vem a “palavra de exortação” do autor, a fim de despertar do sono os seus leitores e adverti-los de que precisam perseverar (ou ser pacientes) ainda mais agora, de modo que quando tiverem feito a vontade de Deus, recebam o que ele prometeu (v. 36). Quanto eles vão ter de esperar para receber o cumprimento dessa promessa? Não muito. Pois em breve, muito em breve “Aquele que vem virá e não demorará” além do tempo designado (v. 37). Com essas palavras, citadas livremente de Is 26.20 e Hc 2.3,4 (LXX), o autor lhes dá a segurança da profecia da volta breve do seu Senhor (“Aquele que vem”) e da realização da sua esperança. Além disso, ele mudou a sequên-cia de Hc 2.4 para destacar o fato de que aquele que é feito justo por Deus vive pela fé, e como que para deixar até o final aquela parte que aponta para o perigo de não perseverar (v. 38), como se ele estivesse relutante em mencionar isso novamente.