Estudo sobre Hebreus 12
Índice: Hebreus 1 Hebreus 2 Hebreus 3 Hebreus 4 Hebreus 5 Hebreus 6 Hebreus 7 Hebreus 8 Hebreus 9 Hebreus 10 Hebreus 11 Hebreus 12 Hebreus 13
4) Aplicação do princípio da fé à vida (12.1-24)
a) A vida como uma corrida (12.1-4)
Os muitos heróis da fé
listados no cap. 11 se tornam para o autor um anfiteatro de espectadores
torcendo pelo corredor cristão que está indo em direção ao alvo. Aliás,
eles são mais do que espectadores; são testemunhas (gr. martyres)
interpretando o significado da vida para ele. Eles encorajam o cristão
por meio da vida deles, que torna claro o sucesso garantido da
participação persistente, para se livrar de tudo o que [...] atrapalha,
e do pecado que [...] atrapalha (v. 1) o cristão. Esta
expressão traduz a palavra grega euperistatos, que é dificultada
pelo fato de que pouco resultou do estudo etimológico do seu
significado. Como está na NVI, descreve os efeitos obstruidores de um
manto que se apega ao corpo (e assim atrapalha os movimentos), o
que pode ser uma referência aos pecados de se afastar da fé, da
frouxidão espiritual, da falta de exercício espiritual, da imaturidade, que podem
levar a pessoa a perder a corrida da vida. O manuscrito grego mais antigo
de Hebreus que possuímos traz uma palavra diferente, euperispastos,
que significa “distrair-se facilmente”. Essa palavra se encaixa
bem com a imagem de um corredor cujos olhos devem estar fixos somente
no alvo. Esse alvo é Jesus (v. 2), que participou das nossas
experiências humanas. Ele não é somente o objeto da visão da fé, mas é também o
seu maior encorajador, pois é seu autor e consumador (v. 2).
Como autor, ele mesmo participou nesse crer (cf. 2.13). Ele abriu a trilha
da fé para que os cristãos a seguissem, pois a sua experiência humana foi
conduzida pela fé, e não pela visão. Mas ele é também o aperfeiçoador
da fé, pois tudo pelo que a fé espera encontra a sua consumação nele.
Jesus é também um exemplo do encorajamento para a fé no fato de que
suportar a cruz foi o preço que ele pagou voluntariamente pela (gr.
antí) alegria que lhe fora proposta (v. 2; cf. v. 16, em que
o autor cita o fato de que o direito de primogenitura de Esaú foi o preço
que ele pagou por \anti\ uma simples refeição). Assim, os crentes
são encorajados a considerar seus sofrimentos (menores, evidentemente, que os
de Cristo) como um pequeno preço a pagar pelo galardão a ser
garantido no final da corrida proposta para eles. A escolha da cruz, no
entanto, resultou na exaltação de Cristo à direita do trono de Deus
(v. 2). Por causa da sua vida exemplar, portanto, que incluiu aceitar a oposição
dos pecadores, os cristãos são encorajados a pensar naquele que suportou
tal oposição (v. 3), a observar cuidadosamente a sua vida de
perseverança inabalável para que assim, na sua experiência, eles estejam
capacitados a decidir pelo mesmo caminho de sofrimento, se a lealdade a
Deus exigir isso, em vez do caminho do alívio fácil (v. 3,4). Assim,
eles vão terminar a corrida, embora o cansaço os tente a desistir e
parar. A vida de Jesus, portanto, é um chamado à perseverança, pois
a corrida “não é uma arremetida rápida para a glória, mas uma corrida
longa que exige perseverança” (A. C. Purdy, Comm., p. 739).
b) À vida como
educação (12.5-24)
Na seção seguinte (v.
5-24), o autor explica o significado dos sofrimentos e tribulações como a
disciplina (não “castigo” ou “punição”) de um Pai amoroso (cf. v. 6),
cujo propósito com isso é educar (gr. paideuein) seu filho.
Assim, no caso do cristão, o sofrimento é o processo educativo de Deus
pelo qual ele é forjado a se tornar participante da santidade de Deus
(v. 10). E um elemento necessário no relacionamento de Pai—filho como
o autor demonstra com base no seu livro de evidências — o AT (Pv
3.11,12), e com base na analogia da paternidade humana (v. 8,9). Se você
não está sendo educado e disciplinado, não é filho legítimo (v. 8). Sendo
esse o caso, a atitude adequada a adotar em relação ao sofrimento é a de
submissão: ... devemos submeter-nos ao Pai dos espíritos (uma
expressão que contrasta com pais humanos e que significa o “Pai
espiritual”),para assim vivermos! (v. 9). A disciplina,
embora dolorida, mais tarde produz fruto de justiça e paz (v.
11), mas somente para aqueles que se exercitam por meio dela, isto é, “aqueles
que pela prática adquiriram a capacidade de reagir de forma correta à
aflição” (Narborough, Comm., p. 143; cf. 5.14). Estes entendem
que as circunstâncias da sua vida são ditadas pelo Deus que dirige
seu destino por meio da sua infalível onisciência, e cuja natureza
toda amorosa promove ativamente o seu mais elevado bem-estar.
Junto com a disciplina de
Deus, no entanto, o autor encoraja à autodisciplina e à disciplina que vem por
meio do poder da ”mútua influência” (v. 12-17): fortaleçam as mãos
enfraquecidas e os joelhos vacilantes. Façam caminhos retos... (v. 12ss).
Aqui novamente ele se volta ao real problema que os seus leitores
estavam enfrentando — a frouxidão espiritual que resulta do afastamento
gradativo do Deus vivo. Somente agora ele usa a imagem da debilitação. O “fracasso
final”, ele adverte, “vem do enfraquecimento contínuo. A força interior é
debilitada pouco a pouco” (Westcott, Comm., p. 398). As admoestações
no v. 14 são dirigidas ao indivíduo e parecem um eco do Sermão do Monte
(cf. Mt 5.8,9). A expressão “ver o Senhor” é uma forma comum no AT de
descrever a “adoração aceitável” (cf. Is 6.1ss, Purdy, Gomm., p.
745).
As exortações dadas nos v.
15ss são para a Igreja. O corpo tem a capacidade de garantir que ninguém se
exclua da graça de Deus (v. 15), ou, para dizer isso de forma mais
correta, que a ninguém falte a graça de Deus, i.e., fique para trás
por “não manter o passo com o movimento da graça de Deus que se ajunta
ao progresso do cristão e o encoraja” (Westcott, Gomm., p.
406). A Igreja deve se resguardar contra o surgimento e crescimento de
qualquer raiz de amargura, uma expressão que, vindo de Dt 29.18,
provavelmente significa uma pessoa cujo coração foi afastado do
Senhor e se torna “uma raiz que produz fruto venenoso e amargo”, assim
causando problemas na comunidade cristã e corrompendo muitos outros
além de si (v. 15). A Igreja também deve se empenhar para que não surja
nenhum segundo Esaú entre eles, um indivíduo imoral ou profano (v.
16), uma pessoa que não valoriza as coisas espirituais (Gn 25.29ss).
O autor adverte que uma decisão como a de Esaú é irrevogável. Esaú não
teve como alterar a sua decisão, embora buscasse a bênção com lágrimas
(v. 17).
Aceitem a disciplina de
Deus, o autor adverte, e disciplinem-se a si mesmos, porque como cristãos vocês
têm vantagens muito maiores do que aqueles que viviam sob a antiga
aliança, e o final deste processo educativo é muito mais glorioso do que o anterior. A
antiga aliança foi inaugurada no monte Sinai, um monte que se podia
tocar (v. 18), um monte material e temporal. A nova aliança foi
posta em vigor no monte Sião, a Jerusalém celestial, a cidade
do Deus vivo, o mundo real, espiritual e eterno (v. 22; cf. Ap 3.12;
21.2ss; G1 4.26ss). A antiga foi estabelecida numa atmosfera de
pavor. Um fogo resplandecente ardia, trevas estavam em todo lugar.
Houve uma tempestade e o som de uma trombeta. O povo
suplicou para não ouvir mais (v. 19; cf. Dt 4.11,12; Êx 20.18; Dt5.23ss;
Êx 19.12,13).
Até Moisés tremeu com temor
(v. 21, mas cf. Dt 9.19 e seu contexto). Mas a nova não é assim; há em
torno dela uma atmosfera de alegria, paz e confiança, embora ao
mesmo tempo de reverência. Aqui há um encontro festivo (gr. panêgpris).
Presentes nele estão os anjos e a assembleia dos santos, dos
primogênitos, cujos nomes estão escritos nos céus (v. 23), ”já não
separados, como no Sinai, por sinais de grande pavor, mas unidos em uma
grande assembleia” (Westcott, Gomm., p. 413). Deus, o juiz
de todos os homens (v. 23), também está lá, como também os espíritos
dos justos aperfeiçoados (v. 23). Jesus está lá também, cujo sangue
aspergido fala melhor do que o sangue de Abel (v. 24). O de Abel
clamou por vingança; o de Cristo suplica por perdão. E para esse encontro
festivo que os cristãos são convidados (gr. proserchesthai, i.e., a
virem como adoradores).
5) Advertência
final contra recusar a Deus (12.25-29)
O contraste entre a antiga
aliança (que para o autor de Hebreus era a expressão mais sublime de
religião) e a nova é tão grande quanto o contraste entre terror e graça.
Assim, se recusar a aliança de Deus feita na terra (por meio de
Moisés) significava a morte (v. 25), recusar a aliança feita no céu (por
meio de Jesus) significa um castigo muito maior. [Observação: A recusa não
é simplesmente a recusa de uma aliança, mas de Deus que convida a pessoa a
se juntar a ele num relacionamento de aliança (v. 25).] No Sinai, sua voz abalou
a terra (v. 26), mas, de acordo com a profecia de Ageu (2.6), Deus
agora planeja abalar o Universo inteiro (cf. Mc 13.31; 2Pe 3.7), de maneira que
somente as coisas que pertencem a uma ordem inabalável possam permanecer
(v. 27; cf. Dn 2.44). Os cristãos pertencem a um reino exatamente
assim, um reino que não pode ser abalado (v. 28). Portanto, é causa
de gratidão e adoração e também de reverência e temor (v. 28), pois
não podemos esquecer que o nosso Deus é um fogo consumidor (v.
29; cf. Dt 4.24; Is 33.14), que “destrói todas as coisas transitórias e
temporais a fim de que o que é atemporal e imutável possa emergir em plena
glória”.