Interpretação de Habacuque 1
Habacuque 1
1:1. Sentença. Muitos pronunciamentos proféticos são descritos como “sentença”, particularmente quando há denúncia de caráter sinistro ou ameaçador. Aqui o profeta deplora a iminente subjugação e devastação do seu próprio povo, de modo que há um aspecto agourento no que se lhe refere. Ao mesmo tempo a sentença é contra os orgulhosos caldeus, cuja força está no seu deus (1:11). Revelada. A palavra hazâ, “ver”, um termo mais ou menos técnico, indica que esta é uma revelação. O Espírito de Deus imprime a mensagem no âmago da consciência dos profetas com tanta força e clareza como se tivessem visto algo com os olhos físicos. Em I Reis 22:17 Micaías diz: “Eu vi todo Israel disperso...”.O Profeta se Queixa de Violência Incontrolada em Judá. 1:2-4.
1:2. Até quando. Ao que parece, o profeta se angustiava por causa da situação reinante em Judá. Pela experiência constatara que o povo parecia não ter consciência e sem dúvida já tinha pedido a Deus que corrigisse tal impiedade, pois ele declara que clamou ao Senhor. Tu não me escutarás. Não devemos presumir que o profeta duvidasse de que o Senhor não tivesse ouvido o seu clamor (no sentido de tomar conhecimento). Ele tinha por certo que se Deus ouvisse, também responderia. Como se a sua oração fosse infrutífera (cons. Sl. 22:1, 2). Violência. A referência é à perversidade violenta e cruel. A pergunta é: Quem é o responsável? Presume-se aqui que seja a dolência dos judeus. Há os que creem que, tendo sido usada a mesma palavra em 2:8 e 2:17 para descrever os caldeus, a violência da qual o profeta se queixa era a dos caldeus. Contudo, considerando que seriam o instrumento do castigo que logo seria suscitado, não podiam ser considerados os perpetradores da violência. Ela também não pode se referir ao senhor assírio que já controlava Judá há algum tempo, uma vez que parte da queixa do profeta se prende ao fato da lei ter sido afrouxada e a justiça pervertida (v. 4). Estas duas palavras costumam se referir no V.T. ao código mosaico, e parece, portanto, que a dolência consistia nos atos de crueldade e injustiça que permeavam a vida pública e privada de Judá.
1:3. Por que me mostras a iniquidade, e me fazes ver a opressão? A aparente indiferença do Senhor com a situação desesperadora era desnorteante para o profeta. Além de Deus ter permitido que o profeta presenciasse a iniquidade, Ele mesmo tinha visto e aparentemente permanecido indiferente ou inativo. O que preocupava Habacuque era que, considerando que Deus é santo, ele não podia entender como Deus podia olhar complacentemente para a malícia. A forte expostulação do profeta, portanto, é na realidade uma expressão de fé. Sua indignação fora despertada à vista da abundância do pecado e sua confiança em um Deus santo file dizia que Deus tinha de fazer alguma coisa a respeito. A destruição e a violência. Esses termos apontam para a animosidade entre os membros da comunidade judia. Os senhores assírios não se misturavam com os habitantes locais. Eles apenas exigiam submissão política e um imposto, que era recolhido do rei. Essas duas palavras, portanto, apoiam a conclusão de que a maldade da qual o profeta se queixava era a do seu próprio povo.
1:4. A lei se afrouxa. A lei aqui é a lei divina conforme expressa no código mosaico. A lei, como diz Delitzsch, é a “lei revelada em toda a sua substância que deveria ser a alma e o coração da vida política, religiosa e doméstica”. Os dois verbos hebraicos traduzidos para afrouxa e se manifesta indicam que a discórdia em Judá era tal que a lei e a ordem estavam paralisadas. As regras divinas eram um assunto morto. Justiça. A justiça se faz através de decisões legais baseadas sobre precedentes ou leis já em vigor. Equivale, portanto, à lei em nossa língua. A questão é que a justiça praticamente não existia e aquilo que recebia tal nome era uma perversão dela. Não havia segurança na vida pública para as pessoas ou propriedades. Que tal estado de coisas existiu durante o reinado de Jeoaquim pode ser verificado em Jr. 26:1–27:11. O perverso cerca o justo. O homem justo vê-se rodeado de maldade e de gente ímpia. Era uma condição triste essa que se descortinava diante do profeta. A lei de Deus era desprezada por toda parte. Até aqueles que deveriam defender a causa da justiça e da verdade entregavam-se eles mesmos à desonestidade. Os piedosos se achavam desesperadamente em minoria e sobrepujados, de modo que o seu testemunho tinha pouca importância. É claro que Deus não poderia suportar por muito tempo tais coisas entre o Seu povo!
III. A Resposta do Senhor: Os Caldeus São o Seu Instrumento de Castigo 1:5-11.
1:5. Vede entre as nações (AV, pagãos). O profeta expressou assombro por Deus permitir há tanto tempo que as faltas de Judá ficassem sem castigo. A resposta do Senhor é que há um instrumento na Sua mão que pretende usar imediatamente. Será ainda mais espantoso que a sua indulgência. As palavras estão no plural, uma vez que Deus está falando, não ao profeta sozinho, mas através dele a todo o povo.
O Apóstolo Paulo, citando este versículo da LXX, aplica o princípio da conduta divina no tempo de Habacuque à situação na igreja do seu próprio tempo (Atos 13:41). Sem dúvida a obra de Deus em chamar os gentios para a sua igreja seria exatamente tão espantosa quanto a obra dEle usar os exércitos da Babilônia para punir Judá. A linguagem do versículo justifica a conclusão de que no tempo da profecia a Babilônia não era considerada um grande poder mundial. Os ouvintes do profeta deviam olhar para as nações porque era do meio delas que se levantaria a obra de Deus que seria a recompensa justa para urna gente pecadora. Maravilhai-vos, e desvanecei (maravilhai-vos e admirai-vos, E.R.C.). Poucas justificativas haveriam para aqueles que não prestassem atenção, pois, conforme Calvino observa: “Ele lhes diz duas vezes que olhem e duas vezes os exorta a que se maravilhem”. Vós não crereis, quando vos for contada. Eles não creriam que a catástrofe lhes poderia sobrevir por determinação divina. Eles tinham um falso senso de segurança, achando que ser o povo escolhido de Deus era simplesmente uma questão de relacionamento externo. Sob o reinado de Josias houvera um retorno às prescritas cerimônias do Templo, mas não necessariamente um retorno ao Senhor que habitava no Templo. O cerimonialismo logo se transforma em um inimigo da verdadeira espiritualidade. Israel sempre estava pronto a dizer: “Templo do Senhor, templo do Senhor, templo do Senhor é este” (Jr. 7:4).
1:6. Agora Deus começa descrevendo detalhadamente a nação através da qual vai punir Judá, os caldeus. Embora esta palavra geralmente se refira ao império neo-babilônico, que alcançou o seu zênite sob o reinado de Nabucodonosor, no século sexto A.C., há indicações de que, como um grupo, os caldeus eram um povo muito antigo. Jeremias 5:15 os descreve como um povo primevo ou nação antiga. Provavelmente eles tinham uma organização tribal frouxamente consolidada no começo, como acontecia com muitos grupos semitas, e gradualmente se infiltraram na Babilônia vindos das orlas externas do Vale da Mesopotâmia. Finalmente obtiveram ascendência na cidade de Babilônia. E Merodaque-Baladã, que tentou estabelecer a independência da Babilônia, libertando-a da Assíria, no tempo de Ezequias, era um caldeu. O Império Neo-Babilônico ou Caldeu foi estabelecido sob a liderança de Nabopolassar, um general caldeu no exército assírio. O mais ilustre monarca dos caldeus foi Nabucodonosor, que é chamado em Esdras 5:12, “o caldeu”. Eis que suscito. Os caldeus estavam para serem suscitados, não apenas como um poder político, mas para execução de uma parte especial no plano divino. Esta é a resposta à pergunta do profeta: “Até quando? “ Nação amarga e impetuosa.* As duas palavras apontam para uma campanha feroz e rápida. Os caldeus não perderam essas características no tempo de Daniel, pois ele viu o império babilônico como um leão com asas de águia (Dn. 7:4).
1:7. Cria ela mesma... a sua dignidade. O conquistador futuro seria arrogante e imperioso. Não reconheceria nenhuma autoridade acima da sua e, com efeito, negaria a Deus. Em caráter e aspecto o império caldeu se pareceria com todos os impérios mundiais posteriores.
1:8. Os lobos ao anoitecer. Esta expressão se encontra várias vezes no V.T. (veja Gn. 49:27; Jr. 5:6; Sf. 3:3). Os lobos ao anoitecer são provavelmente aqueles que caçaram o dia todo sem sucesso e são os mais vorazes quando caem as sombras da noite. A guerra é para o invasor como o apanhar da presa para um animal selvagem – um prazer selvagem. Voam como águia, ou melhor, talvez, como abutre. Há alguma evidência de que uma distinção cuidadosa nem sempre tem sido feita entre uma águia e um abutre. Em Mt. 24:28 as palavras de Jesus são traduzidas assim: “Onde estiver o cadáver, aí se ajuntarão as águias”. A águia não é uma ave necrófaga, mas o abutre é. Os abutres são também conhecidos por sua capacidade de ver ou sentir o alimento de grandes distâncias. Voam rapidamente para se apoderar dele e quando o comem, rasgam-no vorazmente.
1:9. Os seus rostos suspiram por seguir avante (como o vento oriental). Na Palestina o vento oriental sopra vindo do deserto, amontoando areia por onde passa. Tais ventos eram o terror dos habitantes da Palestina porque crestavam as lavouras e eram muito destrutivos.
1:10. Amontoando terra, as tomam, isto é, sem dúvida, uma referência ao levantamento de terra para transpor com facilidade os muros da cidade. Muitas inscrições antigas descrevem tais atividades.
1:11. Então passam como passa o vento (AV, suas ideias mudam). Aqui o profeta retoma a metáfora do versículo 9 e indica que o avanço dos caldeus poderia ser impedido localmente por meio de uma fortaleza. Mas, como o vento, ele rapidamente a transporia, mudada de direção e passaria adiante. Fazem-se culpados esses, cujo poder é o seu deus. Um raio de esperança brilhava através da obscuridade, e, para aqueles que confiavam em Deus, havia uma esperança real. Contudo por mais sucesso que o invasor tivesse, seria culpado diante de Deus, e ainda que fosse o instrumento de Deus para castigar os culpados em Judá, ele mesmo seria no devido tempo julgado por Deus.
1:12. Tem-se sugerido que houve um intervalo de tempo entre a resposta dos versículos 2-11 e a pergunta dos versículos 12-17. Neste intervalo, supõem-se que os caldeus tenham estado em Judá comprovando-se piores que o povo que foram enviados a castigar. Eles infringiram as leis da humanidade. Nada no texto, entretanto, indica que se tenha passado algum período de tempo. O profeta teve uma visão dos caldeus como uma horda veloz reunindo prisioneiros como alguém varre areia. As imagens dos versículos 12-17 dão a ideia de um pescador empregando todos os meios possíveis para apanhar peixes com abundância. Pode ser, então, que a expostulação do profeta brotou do que ele cria com toda a certeza que ia acontecer se tal instrumento de vingança fosse usado por Deus. Sem dúvida Habacuque ficou desesperado não apenas com a destruição de Judá, mas também porque o castigo que estava para ser efetuado contra os perversos em sua própria terra recairia igual e inevitavelmente sobre os fiéis. Desde a eternidade. A eternidade de Deus em sua conduta com o povo da afiança de antigamente é geralmente o alicerce da confiança dos crentes (com. Is. 40:28; Sl. 90:2). A acumulação de vocativos, ó SENHOR meu Deus, ó meu Santo, é semelhante às expressões de profunda confiança que se encontram com tanta frequência nos Salmos. O que se quer dizer com Santo está revelado no versículo.
1:13. Não morreremos. Pusey diz acertadamente que este é o pensamento iluminador da fé. As palavras dos homens em momentos de crise geralmente indicam suas convicções reais e mais íntimas. O uso do pronome nós deve ser entendido em relação ao remanescente, que é chamado de “os justos” (1: 2-13), ou aqueles que vivem pela fé (2:4).
1:13. Tão puro de olhos, que não podes ver o mal. Deus não pode olhar para a iniquidade com complacência ou tolerância, muito menos favorecê-la. Não se refere aqui apenas às atrocidades dos caldeus. Deus é demasiadamente puro de olhos para contemplar qualquer mal. Ele não podia ficar calado, quer diante da violência dos caldeus, quer daquilo que foi encontrado em Judá. Tendo o profeta considerado certo que Deus é puro por natureza, não haveria absolutamente nenhum problema. Alguém que duvida da onipotência do Senhor, ou de quaisquer outros atributos Seus, diria que a justiça de Deus é irreconciliável com esse mal, e portanto, ou Deus não é justo, ou Ele não é onipotente. O profeta, entretanto, fez duas perguntas: Por quê? Até quando? E foi do próprio Deus que buscou uma resposta. Ao mesmo tempo, o problema permaneceu: a porção piedosa da nação sofreria quando os ímpios fossem punidos.
1:14. Fazes os homem como os peixes do mar. Aqui se diz que o Senhor faz o que Ele permite que seja feito pelos outros. Como resultado da aparente indiferença divina diante da destruição, os homens se tornam como peixes apanhados no mar pelo pescador que usa todos os meios concebíveis – anzol, rede, draga (v. 15) – a fim de apanhar o mais possível. Um comentarista diz que este pensamento é o inverso do pensamento de Jesus, que declarou que até os pardais se encontram sob os cuidados de Deus. Entretanto só a crença em uma Providência absolutamente compreensiva pode produzir uma declaração como esta que o profeta faz.
1:16. Oferece sacrifício à sua rede. A referência não é provavelmente a qualquer prática real, embora os citas oferecessem sacrifícios de animais a uma cimitarra em honra do seu deus da guerra. O que se quis dizer é que os babilônios atribuíam honras divinas a suas amuas e, portanto, a eles mesmos. Eles adoravam e serviam à criatura mais que ao Criador.
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