Estudo sobre Gênesis 15

Gênesis 15: A promessa a Abrão

A narrativa recomeça com outra promessa divina de que o Senhor protegerá Abrão e lhe dará uma grande recompensa. O primeiro anúncio, no versículo 1, é vago comparado aos anteriores, mas a resposta de Abrão articula o profundo problema prefigurado acima: o Senhor promete descendência, mas a esposa de Abrão é estéril. A conversa tem um tom profético. A frase “a palavra do Senhor veio a. . .” aparece frequentemente nos livros proféticos, assim como o contexto de uma visão. A expressão “Não temas” também ocorre frequentemente nos livros proféticos, quando o Senhor oferece garantias ao profeta sobre um problema urgente, e o profeta, por sua vez, tranquiliza o povo. Esta linguagem profética nas palavras do Senhor a Abrão fala do relacionamento especial que Abrão desfruta com o Senhor. Além disso, embora Abrão ainda não tenha filhos, o discurso divino prenuncia uma mudança pela qual Abrão terá muitos descendentes.

A troca também se assemelha a outras formas bíblicas: os versículos 1-6 lembram uma narrativa de chamado e os versículos 7-21 incluem elementos de um ritual de aliança. Analisaremos a narrativa a partir desses dois pontos de vista individualmente. Primeiro, um chamado consiste em uma teofania ou aparição de Deus, uma comissão de Deus para realizar uma tarefa específica, uma pergunta ou objeção por parte de quem recebe o chamado e uma reiteração do chamado seguida de um sinal de confirmação. Aqui Abrão tem uma visão (v. 1) na qual o Senhor lhe faz uma promessa. Abrão questiona a promessa alegando que não tem filhos (vv. 2-3). O Senhor repete a promessa, ampliando-a e acrescentando o sinal dos céus: os descendentes de Abrão serão tão numerosos como as estrelas do céu (vv. 4-5). O texto então afirma que a fé de Abrão em Deus é um ato justo; isto é, Abrão está em um relacionamento correto com o Senhor.

No versículo 7 a comissão parece começar tudo de novo na forma de um ritual de aliança. A passagem inclui uma introdução histórica, uma enumeração dos termos da aliança, um sinal confirmando-a, uma lista das bênçãos e maldições que seguem a obediência ou desobediência e um arranjo para promulgar a aliança. Os versículos 7-21 incluem a maioria desses elementos. A introdução histórica anuncia que o mesmo Senhor que primeiro tirou Abrão de Ur está agora lhe dando a terra. Em 12:1, quando o Senhor instruiu Abrão pela primeira vez a iniciar sua jornada, ele já estava em Harã. Aqui o texto estende a orientação divina desde a partida da família de Ur (11:31), sugerindo que foi o Senhor quem levou Terá a mudar sua família para Canaã. Então, como nas narrativas por telefone, Abrão responde com uma pergunta. (Veja, por exemplo, Êxodo 3:11; Jeremias 1:6).

A resposta divina é um chamado para um ritual de aliança. Esta antiga cerimônia do Oriente Próximo envolvia cortar animais prescritos em dois; então as duas partes da aliança caminharam entre pedaços, vinculando-se aos termos da aliança sob pena de um destino semelhante ao dos animais abatidos. O significado preciso das aves de rapina não é conhecido; pode ser entendido como uma forma de expressar a vontade de Abrão de cumprir os termos do acordo mesmo quando o perigo ameaça. Da mesma forma, a luz liminar do pôr do sol destaca a dimensão desconhecida do acordo de Abrão com o Senhor.

No versículo 13, o texto interrompe a descrição da cerimônia da aliança para reiterar e elaborar a promessa de terra do Senhor. Além disso, alude a um período de escravidão que antecipa o êxodo. Por fim, um sinal em forma de fogo testemunha e confirma o acordo sagrado que o Senhor fez com Abrão. Esta cerimônia em particular não inclui uma lista de bênçãos e maldições ou um acordo para promulgar o tratado, pois Abrão ainda não tem uma família entre quem possa divulgá-lo. O ritual da aliança soleniza a promessa divina a Abrão e também prepara o cenário para o próximo episódio dos esforços do casal para ter filhos.

Aqui aparece a cena tipo da mãe estéril. Esse tipo de história envolve uma mulher sem filhos que dá à luz um filho por intervenção divina. Ela toma medidas específicas para garantir que o filho terá sucesso, e muitas vezes o filho se torna um líder em momentos de transição ou crise. A cena do tipo mãe estéril tem três modelos: promessa, competição e pedido. Segundo o modelo da promessa, um mensageiro divino aparece e promete um filho. Essa promessa é confirmada, mesmo que o destinatário não acredite nela. O filho nasce e recebe um nome que traz algum significado para sua vida e obra.

A Bíblia inclui esse tipo de promessa nas histórias de Sarai aqui em Gênesis, e também na história de Ana em 1 Samuel 1–2. As promessas de filhos a Zacarias e Maria no Evangelho de Lucas também seguem este modelo (Lucas 1–2). Aqui a promessa inicial não é específica, apenas que o Senhor dará a Abrão uma grande recompensa. A pergunta de Abrão responde às promessas anteriores em 12:2-3 e 12:7 que se refere aos descendentes. Na seção formal da aliança que se segue (v. 13), a resposta divina confirma a promessa inicial de descendentes biológicos a Abrão. Mais tarde na narrativa aparecem os elementos restantes do modelo de promessa.

Notas Adicionais

15.1-21
Após a digressão no cap. 14, a história volta ao tema das promessas de Deus a Abrão; a nova promessa de agir como escudo de Abrão (v. 1) pode muito bem refletir os perigos militares exemplificados no cap. 14. Todas as promessas que Abrão havia recebido, no entanto, dependiam totalmente do fato de ele ter um herdeiro; mas Sarai continuava estéril (11.30). Entrementes, a adequada provisão legal tinha de ser feita, e parece que Abrão já dera os passos comuns para essa situação nessa parte do mundo da época. Ele havia “adotado” um escravo para ser o seu herdeiro (v. 3). (Cf. J. A. Thompson, The Bible and Archaeology, cap. 2.) O nome desse escravo era Eliézer, mas, em vista das dificuldades e incertezas do texto hebraico, a sua posição exata (administrador?) na casa de Abrão não é clara, e a referência a Damasco é ambígua. Teoricamente, de qualquer maneira, Eliézer poderia ter providenciado herdeiros para Abrão, mas podemos entender prontamente o clamor do coração de Abrão: O Soberano Senhor, que me darás...? Em outras palavras, “de que me vale a tua recompensa?” (NTLH). A resposta generosa de Deus deu paz à sua mente; o seu herdeiro seria da sua própria carne e sangue (v. 4). Mas observe que não se menciona nada acerca da identidade da mãe.

O v. 6 é um versículo-chave, chamando atenção para a fé e a confiança de Abrão e para a resposta de Deus a essa fé. Os três termos-chave são creu, creditado e justiça. A linguagem usada lembra a do sacrifício e da aceitação (cf. Lv 7.18; 17.4, como a paráfrase da GNB tenta expressar). Mas a base para a aceitação de Abrão não são os seus sacrifícios e altares, mas a sua fé, que significa no contexto o “consentimento com os planos de Deus na história” (G. von Rad). Para entender as implicações mais abrangentes, v. Rm 4, G1 3 e Tg 2.14-26. E a aceitação tranquila e obediente dos planos de Deus (da história e da salvação) que coloca o homem num relacionamento correto com Deus.

v. 7-21. Assim como Abrão tinha buscado ter segurança acerca do herdeiro, ele agora procura ter segurança em relação a seu território, pedindo algum sinal de Deus. Podemos pressupor com alguma certeza que ele havia retornado a Manre, e provavelmente tinha horizontes limitados, procurando alguma propriedade territorial naquela região. A palavra hebraica, traduzida por terra (v. 7) é tão vaga quanto a nossa palavra “território”. Mais tarde, Abrão iria adquirir um pequeno pedaço de terra próximo de Manre por meio de uma compra habitual (23.16-20); o contraste aqui é surpreendente. Ele e seus descendentes receberão (dei) a terra — não vão comprá-la — um território vasto desde o ribeiro do Egito até o grande rio, o Eufrates (v. 18). A longa lista de povos a serem conquistados ou desalojados (v. 19ss) destaca o tamanho e a maravilha da promessa. Foi somente no reinado de Davi que essa promessa se cumpriu. Devemos destacar que o ribeiro do Egito (v. 18) deve ser um uádi demarcando a divisa (provavelmente o uádi El-Arish), e não o Nilo. A área total é a do império de Davi, e não somente a pátria de Israel.

Essa era, então, a promessa; mas qual era o sinal? Foi providenciado por uma aliança (v. 18), e isso significa que era um acordo legal solene, no qual Deus entrou voluntariamente. Os detalhes bem trabalhados da cerimônia (v. 8-11, 17), que têm paralelos em grande variedade de documentos do Antigo Oriente Médio, destacam tanto a solenidade do empreendimento quanto a condescendência de Deus, cuja presença deve ser reconhecida nos v. 12 e 17. Depois disso, essa aliança sempre serviria de segurança e inspiração para os israelitas e judeus (também no sionismo do século XX). O “como” e o “quando” da promessa, no entanto, estão completamente debaixo do controle de Deus, como é demonstrado logo a seguir nos v. 13 a 16. Antes de serem estabelecidas as dimensões da terra prometida, a perspectiva histórica tem prioridade. Os descendentes de Abrão enfrentam uma espera longa, além de opressão e escravidão, antes de receberem a posse da terra. A razão é digna de nota; não se fala nada aqui dos méritos ou das falhas de Israel, mas somente dos deméritos dos amorreus (v. 16), a população pré-israelita da região. Eles só serão derrotados quando merecerem o castigo radical e completo.

A extensão de tempo considerado é um enigma, porque quatro gerações (cf. v. 16) abarcam um período muito mais curto do que quatrocentos anos (v. 13). A palavra hebraica dôr geralmente significa geração, mas, nesse contexto, “tempo de vida” (i.e., de dimensões patriarcais) parece mais apropriado. V. o comentário em Ex 12.40.

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