Boas Obras — Estudos Bíblicos
BOAS OBRAS
Convém-nos considerar os
pontos abaixo:
1.
Considerações Práticas. O homem
espiritual foi criado a fim de praticar boas obras (Efésios 2:10). Essas são
expressões da operação da lei do amor em nós, e resultam do fato de termos
nascido de Deus (I João 4:7,11). As boas obras, de todas as variedades,
são recomendadas aos crentes (Efé. 2:10; Tito 2:14). Elas resultam
do uso apropriado das Escrituras (II Tim. 3:17). Por intermédio delas,
os homens glorificam a Deus (Mateus 5:16). Há uma recompensa à
espera daqueles que praticarem boas obras (I Cor. 3:14 e Apo. 22:12).
As boas obras devem ser tanto sociais quanto individuais,
porquanto, quando expressamos amor, devemos fazê-lo tanto em favor de
indivíduos isolados como devemos ter em mira toda a sociedade humana. Fazem bem
as igrejas locais que promovem programas de bem-estar social, hospitais,
orfanatos e cursos práticos de instrução, que ajudam as pessoas a obterem
empregos, etc. Não basta evangelizar. Nesse particular, a Igreja Católica
Romana tem-se mostrado mais ativa que os evangélicos, porquanto essa
igreja tem promovido caridade, escolas, hospitais, etc., e algumas de suas
ordens religiosas existem com o propósito explicito de praticar boas
obras. Precisamos dar-lhe o crédito por essas atividades. Deveríamos
imitá-la, não nos mostrando tão pouco ativos nas boas obras sociais,
somente porque não somos justificados pelas boas obras, mas pela fé. A
epístola de Tiago, no seu segundo capitulo, instrui-nos quanto a essa
questão. Os políticos que, com honestidade, e sem interesses egoístas,
promovem o bem-estar social, estão cumprindo a vontade de Deus, e nessa
medida, são servos de Deus.
2.
Um dos Aspectos do Pragmatismo (que vide). Em certo sentido, a verdade pode ser equiparada às
boas obras, porquanto a verdade é aquilo que produz benefícios e opera em
beneficio dos homens. Se não exagerarmos quanto a isso, não a
transformando em uma teoria da verdade (ver sobre as Teorias da
Verdade), então seremos possuidores de uma compreensão útil. A verdade
não pode jamais ser apenas um conceito. E necessário que a verdade
tenha manifestações práticas. Uma dessas manifestações consiste em
boas obras práticas.
3.
A Boa Vontade. Alguns
filósofos pensam que a única coisa verdadeiramente boa é a vontade (Kant).
Os atos bons que podemos realizar não serão tão bons se, por detrás dos
mesmos, houver motivos egoístas. Além disso, quase sempre os próprios atos são
corrompidos por motivos ulteriores, que geralmente assumem
formas egoístas. Portanto, a bondade, quando pura e simples, reside
na vontade de se fazer o bem. Seja como for, a boa vontade é a
mola impulsionadora de onde fluem os atos bons. No sentido cristão,
o Espirito Santo transforma-nos para que sejamos dotados de boa vontade, a
fim de podermos praticar o bem.
4.
Considerações Teológicas:
a. Em primeiro lugar, temos
o conflito em tomo da causa da justificação. Algumas denominações
cristãs e, na realidade, a maioria das religiões, misturam o que é divino
com o que é humano, presumindo que a justificação vem através da combinação da
fé e das boas obras. Essa era a posição dos hebreus, refletida no
Antigo Testamento. Os primitivos cristãos, conforme vemos no décimo quinto
capitulo do livro de Atos, tiveram de enfrentar esse ponto de vista em
suas próprias fileiras, o que suscitou forte controvérsia. Além disso, o
livro de Tiago reflete essa posição parecendo uma força opositora à
doutrina paulina da justificação exclusivamente pela fé. Não podemos
divorciar o livro de Tiago do décimo quinto capitulo do livro de Atos,
interpretando-o não-historicamente. A história da Igreja primitiva envolve
essa controvérsia, — não nos devendo maravilhar que um dos livros do Novo
Testamento assuma uma posição não paulina sobre a questão. Precisamos
reconhecer que uma contribuição tipicamente paulina para a compreensão da
doutrina cristã é o seu princípio da graça divina. Há indícios dessa doutrina
fora de Paulo, mas é inútil tentar encontrar qualquer apresentação clara
da mesma antes das epístolas paulinas. Não obstante, é errônea a aplicação
do princípio das boas obras dentro do sistema de merecimento humano,
segundo o qual, mediante o acúmulo de atos corretos e feitos úteis ao
próximo, uma pessoa vai acumulando crédito diante de Deus até que chegue a
merecer a salvação de sua alma, através de suas boas obras.
Essa foi a idéia que os
reformadores combateram, e com toda a razão. Os escritos de Paulo são
radicalmente contrários a tal noção. Ver Romanos 3-5, quanto a uma
prolongada declaração cristã a esse respeito. Ver também Gál. 2:16-21 e
3:1 ss. Ver o artigo sobre os Méntos Humanos. A posição protestante
é que as boas obras são o resultado natural da conversão e da
justificação, e jamais a sua causa. A ordem de coisas, em Efésios
2:8-10, sen/e de apoio a essa contenção. O ponto de vista paulino é
que o indivíduo, por si mesmo, é incapaz de agradar a Deus, pelo que suas
boas obras não lhe servem de mérito. O terceiro capitulo da epístola aos
Romanos é uma extensa declaração a esse respeito. O Espirito nos foi dado
mediante o ouvir com fé (Gal. 3:2), e não através das obras da lei. A
operação do Espirito é a nossa motivação e o nosso poder, e não a nossa
tentativa, mediante as nossas próprias forças e através de nossos próprios
recursos, de acumular merecimento diante de Deus. Ver o artigo sobre a Justificação,
para uma discussão mais completa sobre esse ponto.
b. Reconciliação.
Há uma maneira de reconciliar os princípios das boas obras e da fé, como
porções integrais da justificação. Se considerarmos que as obras realizadas são
frutos e labores do Espirito em, e através de nós, então as obras
tornam-se um termo para indicar a sua obra transformadora em nós,
juntamente com os resultados práticos dessa transformação. Isso é algo
necessário à justificação, porque o termo não é apenas uma expressão
verbal. Inclui aquilo que é feito na vida do crente pelo Espirito de Deus.
A justificação, em uma definição mais ampla, tanto é transformação
moral e espiritual quanto é santificação. Se não fosse assim, como Paulo
poderia falar sobre a justificação da vida? (Romanos 5:18). Portanto,
insisto aqui que a descrição paulina da justificação é mais ampla do que a
definição dos reformadores a respeito. É precisamente isso que nos ensina
a epístola de Tiago! Mas, segundo a definição protestante tradicional, a
justificação exclui os aspectos posteriores da santificação e da transformação do
caráter do crente.
A justificação não é uma
categoria isolada das demais operações do Espírito. Somente como concepção
mental podemos isolá-la desse modo. Na prática, as operações do Espírito em nós
são reais e simultâneas; e essa realidade e simultaneidade fazem parte da
justificação. Nesse sentido, a justificação depende tanto da fé quanto
das obras da fé. Não obstante, essas obras não devem ser
entendidas como meritórias, como se fossem fruto da bondade humana.
Antes, trata-se da atuação do Espírito de Deus em nós.
c. O Acolhimento Humano. A chamada ao arrependimento mostra que o homem é capaz de
arrepender-se; de outro modo, tal chamada seria uma zombaria. O homem caiu
no pecado, mas continua havendo uma — graça geral — que o capacita a reagir —
favoravelmente — a Deus. Se não adotarmos essa posição,
perderemos inteiramente o aspecto do livre-arbítrio (que vide),—e tal
perda é intolerável. Sem livre-arbitrio, não podem haver requisitos
éticos, e nem responsabilidade humana. Em todos os homens resta
bondade suficiente para sentirem a força de atração da bondade de Deus
e corresponderem à mesma. Porém, a salvação (que vide) é um
ato divino, e tanto a fé quanto as obras da fé são resultantes das
operações do Espírito. Contudo, o homem caracteriza-se pela inércia espiritual,
e para corresponder aos reclamos do Espírito, é mister que receba o
influxo da graça divina capacitadora. Desse modo o homem chega a crer e a
agir em consonância com a sua fé, embora suas boas obras não sejam
meritórias para a salvação.
d. A Questão
dos Galardões. Os galardões ou recompensas incluem aquilo que
recebemos, mas o conceito consiste, essencialmente, naquilo em que nos
tornamos. Se um homem vier a receber a coroa da justiça (II Tim. 4:8),
isso significará que ele adquiriu a natureza moral e santa de Deus. Se ele vier
a receber a coroa da vida (Tia 1:12 e Apo. 2:10), isso significará que ele
veio a compartilhar da vida divina, da vida eterna, da vida celestial. Por
toda a parte, as Escrituras são claras no sentido de que os homens serão
julgados de acordo com as suas obras, recebendo essas coroas em resultado
de um desempenho fiel, e não meramente por haver crido em
certo número de doutrinas acerca de Cristo. Ver Rom. 2:6; Apo. 20:12.
O trecho de I Coríntios 3:10 ss, deixa claro que esse princípio
aplica-se plenamente ao crente. Portanto, podemos concluir somente que
a glorificação, que inclui o princípio das recompensas, dependerá
das nossas obras, e não apenas da nossa fé. Ao mesmo tempo, precisamos
apressar-nos a ajuntar que isso resulta das operações divinas em nós, não
sendo méritos que acumulamos mediante nossos próprios esforços desassistidos.
Não obstante, esse princípio mostra-nos que as obras, nesse sentido, não
são meramente resultados da fé. Elas são, na sua própria essência, aquilo
que o Espírito está operando em nós, em seu processo de transformação do
crente. Quanto a esse aspecto, fé e obras são sinônimos. Paulo declarou
sucintamente esse princípio, ao escrever: «...desenvolvei (efetuai) a
vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto
o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade» (Fil. 2:12,13).
Deveriamos notar que ambos os verbos portugueses, «desenvolver» e
«efetuar», no original grego procedem da mesma raiz. Ninguém, por si mesmo,
pode efetuar a sua salvação. Mas quando alguém, através do Espírito,
torna-se capaz disso, então está na obrigação de fazê-lo.
e. Contra a Crença Fácil. Lamento, mas preciso falar como o estou fazendo. Na Igreja
Católica Romana, os sacramentos tomam conta de tudo, e obtém-se a
impressão de que o homem nada mais precisa fazer, se tiver sido batizado,
se assistir à missa com frequência, se participar da comunhão etc. Tal
doutrina é enganadora. Nas igrejas evangélicas, por sua vez, isso tem sido
substituído pela pública confissão de fé, na qual, presumivelmente, o
indivíduo confessa a Cristo e dá seu assentimento diante de certo número
de doutrinas acerca de sua pessoa e de sua realização, nada mais
faz, e, contudo, supostamente atinge a salvação. Trata-se de uma total insensatez.
Pois contradiz todos os conceitos neotestamentários que dizem respeito ao
que está envolvido na salvação: a nossa transformação segundo a imagem e
a natureza de Cristo (Rom. 8:29), através da contínua operação do Espírito
(II Cor. 3:18), mediante o cultivo em nós das virtudes morais e
espirituais (Gál. 5:22,23). Ninguém obterá alguma coroa espiritual (ver o
artigo sobre as Coroas), a menos que seja digno (Apo. 2:7), e ninguém
verá o Senhor sem a santificação (Heb. 12:14). Todas as promessas das
sete cartas do Apocalipse foram endereçadas aos vencedores. Aos vencedores
é ali prometida a árvore da vida(Apo. 2:14), o escapar da segunda morte
(2:11). o poder comer do maná celestial e o receber de um novo nome (2:17), o
entrar no reino milenar e o receber a estrela da manhã (2:28), o andar de
branco e não ter o seu nome apagado do Livro da Vida (3:5), o tornar-se
uma coluna no templo celestial de Deus e ter o nome de Deus
nele inscrito (3:12), e o sentar-se no trono de Deus (3:21).
f. Essas
são questões sérias, e, em minha opinião, são tratadas com
superficialidade tanto pela Igreja Católica Romana quanto por muitas
igrejas protestantes e evangélicas, embora sob diferentes ângulos. Nada é mais
claro para mim do que isto: A confissão de um crente é a sua vida. Sem
isso, não há confissão válida.