IGREJA — Enciclopédia Bíblica
IGREJA — Enciclopédia Bíblica
IGREJA
A palavra “igreja” é uma tradução da palavra grega ekklesía, que nunca se refere a um lugar de adoração, mas tem em vista uma reunião de pessoas. Na maioria esmagadora dos casos, ekklesia indica uma associação local de crentes. Não se tem certeza das circunstâncias sob as quais ekklesia tomou-se a palavra aceita para as congregações cristãs. A palavra aparece no Novo Testamento na declaração de Jesus registrada em Mateus 16.18 e Mateus 18.17. No entanto, a menos que Jesus tenha falado grego nessas duas ocasiões (uma possibilidade muito remota), é mais provável que ekklesia, nesse texto, reflita a terminologia de Mateus e da igreja primitiva, Além disso, não há como determinar quais palavras hebraicas ou aramaicas Jesus poderia ter usado, pois ekklesia poderia ser usada para traduzir pelo menos três palavras semitas diferentes. Tampouco é provável que ekklesia deva sua origem aos primeiros fiéis de Jerusalém. Em Atos, existe uma variedade do que parecem ser autodenominações dos membros dessa comunidade, tais como “os irmãos”, “os discípulos”, “seguidores do caminho”, ou “os santos”; mas não existe evidência de que eles se chamassem de “a igreja”.
E mais que provável que tenha sido entre os cristãos judeus que falavam grego e os seus partidários gentios que a palavra tenha aparecido pela primeira vez, e no contexto da sua própria tradição cultural. No mundo grego, a palavra ekklesia normalmente se refere a uma reunião. Também era usada tecnicamente para referir-se às assembleias regularmente agendadas dos cidadãos de uma cidade grega. Em Atos 19.39, é fornecido um exemplo desse uso, quando o escrivão da cidade de Efeso disse ao povo que eles deveríam encaminhar qualquer ação contra os companheiros de Paulo em um legítimo ajuntamento, ou ekklesia. Também é possível que os cristãos judeus no mundo helênico tenham introduzido a palavra ekklesia, porque essa era uma das duas expressões básicas usadas na Septuaginta (LXX) para designar o povo de Deus. A palavra ekklesia traduz quase 100 vezes a palavra hebraica qahal, que significa “assembléia”. A outra palavra usada para traduzir qahal era synagoge, mas esse termo já havia sido incorporado pela comunidade judia que falava grego para designar os seus lugares de reunião. Veja Assembleia.
Qualquer que tenha sido a maneira como ekklesia veio a chamar a atenção dos cristãos, seu rápido progresso, passando a ter um uso geral, e sua predominância sobre outros termos concorrentes não podem ser vistos como acidentais. Dois fatores parecem ser responsáveis por isso. O primeiro em importância é a consciência, por parte dos cristãos, do desenvolvimento paralelo que eles mantinham com o povo de Deus do Antigo Testamento. A “assembléia” do Antigo Testamento foi estabelecida quando Deus convocou Israel no monte Sinai (Dt 5.22; 9.10; 10.4; 18.16) e pela sua própria Palavra e por seus atos foi criada a comunidade da aliança. Daquela época em diante, os israelitas tomaram-se a qahal (ekklesia) de Deus, “ativamente engajada nos pronósitos da revelação e da salvação concedidas por Deus, expressas pelos poderosos acontecimentos através dos quais Deus intervém na história de uma forma redentora, e impulsiona a aliança em direção ao seu cumprimento final e universal” (T. F. Torrance, “The Israel of God”, Interpretation, X, 306), Da mesma maneira, a qahal ou ekklesia do Novo Testamento foi convocada por Deus ela Palavra divina, o Eterno Logos. Ela tamém foi criada como uma comunidade de “aliança”, e tendo recebido uma nova aliança por meio do sangue de Jesus, foi “alcançada” pelo grande programa redentor de Deus. Assim, os cristãos, pelo uso do nome de Jesus, dão testemunho de que são os sucessores diretos de Israel como herdeiros da esperança de Israel. O uso que os cristãos faziam de outras expressões que tradicionalmente se referiam a Israel confirma essa argumentação.
Os primeiros cristãos são chamados, no Novo Testamento, de “os eleitos”, “a semente de Abraão”, “as doze tribos”, “estrangeiros da dispersão”, e “Israel de Deus”. O nascimento da Igreja foi reconhecido pelos cristãos como um cumprimento de parte da aliança feita com Abraão e Moisés. Deus tinha feito um pacto com os israelitas pelo qual Ele iria estabelecer um povo que seria seu, e que iria receber as suas promessas. Esse povo seria sua “propriedade peculiar”, um “reino de sacerdotes”, uma “nação santa”, aquele que levaria sua luz às nações (Êxodo 19.5,6). E exatamente nesses termos que Pedro dirige-se à comunidade do Novo Testamento em sua primeira carta. Eles são “eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo... que... nos gerou de novo para uma viva esperança, pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma herança incorruptível, incontaminável e que se não pode murchar” (1.2-4). Eles são preciosos “... como pedras que vivem... edificados casa espiritual” para serem “sacerdócio santo”, a fim de oferecerem “sacrifícios espirituais” (2.4,5). Eles tornaram-se “a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido”, para anunciarem “as virtudes” daquele que os chamou “das trevas para a sua maravilhosa luz” (2.9). O segundo fator para a escolha final do termo ekklesia pela comunidade cristã está relacionado com a rejeição do Messias pelos judeus. Um novo povo de Deus havia sido estabelecido. Para esse povo era adequada a escolha de uma palavra da versão LXX que historicamente se referisse ao povo de Deus, um nome familiar pelo seu uso e pelas suas associações, sagrado por fazer parte do Livro Divino, do qual a oposição judaica ainda não tivesse se apropriado.
O que seria mais natural do que a escolha da palavra ekklesia, uma palavra suficientemente neutra para ser adaptada às muitas e novas compreensões que pertencem à nova esperança?