Significado de “adoção” na Bíblia
ADOÇÃO (υἱοθεσία, huiothesı́a, colocar como filho). Baseia-se num outro termo grego com o mesmo significado. O ato da adoção é a conclusão de qualquer ação pela qual uma pessoa, em geral um filho, é levada a um novo relacionamento familiar, no qual tem novos privilégios e responsabilidades como membro da família e ao mesmo tempo perde todos os direitos prévios e é despojado de todas as obrigações prévias de sua família anterior. Dependendo da simplicidade ou da complexidade da sociedade na qual a provisão para a adoção é feita, o processo legal pode ser mais ou menos simples. Tal processo tem sido descoberto em praticamente iodas as culturas e tem sido adaptado numa ampla variedade de formas em quase todas as sociedades contemporâneas.
1. Pano de fundo do mundo antigo.
As práticas empregadas na Grécia e em Roma são relevantes na compreensão do emprego bíblico. Às vezes a adoção era extensiva aos escravos, como no caso de Moisés no Egito (Êx 2.10), mas na Grécia e em Roma era principalmente aplicada aos cidadãos. Na prática grega, o pai adotivo, devido à falta de descendentes naturais e o desejo de perpetuar sua linhagem familiar, ou por causa da afeição profunda que desenvolveu por alguém que conheceu em outros relacionamentos, ou até mesmo por razões religiosas, podia, durante seu tempo de vida, ou por meio de testamento, estender ao membro de outra família os privilégios de sua própria família. No entanto, a condição era que a pessoa adotada aceitasse as obrigações legais e religiosas do novo pai. Na prática romana, o relacionamento entre o pai e o filho era mais severo e mais coeso, devido ao entendimento da autoridade paterna (patria potestas). A ênfase era no poder do pai, e o relacionamento do filho era quase o de um escravo. Assim, na adoção a pessoa adotada era transferida do poder e do controle do seu pai natural para o poder e o controle do pai adotivo. Entendendo este tipo de transferência, deve-se considerá-la mais em termos de uma “compra”, num certo sentido semelhante a um ato de redenção, ou mais exatamente, de resgate.
2. Pano de fundo hebraico. O termo não era conhecido na Palestina, desde que a vida ali refletia as práticas hebraicas, mais do que as práticas pagãs. O código de Lei, judaico, não fazia nenhuma menção ao processo de adoção. O termo grego não é encontrado na LXX e de fato, não existe nenhum termo na língua hebraica correspondente a υἱοθεσία. O substituto da adoção na cultura hebraica dependia das leis peculiares e minuciosas concernentes às posses tribais (Nm 27.8-11'). O risco da falta de descendentes era parcialmente resolvido pela Lei do Levirato (q.v.), pela poligamia ou, em alguns períodos da história, pela facilidade do divórcio. Podemos ver os exemplos de Sara e Hagar, Raquel e Bila, Lia e Zilpa (Gn 16.2; 30.4-9). Pode-se inferir, a partir da herança de Efraim e Manassés, filhos de José, que num certo sentido Jacó “adotou” os próprios netos (Gn 48.5), embora mais provavelmente tenha sido a forma de Jacó dar a José uma porção dobrada da herança que seria distribuída por Josué. Também pode ter sido a transferência dos direitos de Rúben para José, por causa do seu pecado (Gn 49.4,22,26). Outros exemplos de adoção no AT são os de Moisés, pela princesa egípcia (Ex 2.10). possivelmente Genubate (lRs 11.20) e Ester, adotada por Mordecai (Et 2.7,15). E interessante notar que todos esses casos ocorreram fora da Palestina e fora das operações normais da Lei Mosaica.
3. Emprego paulino. A adoção é um conceito teológico do NT, presente somente nas epístolas de Paulo (Rm 8.15,23; 9.4; G1 4.5; Ef 1.5). A palavra “adoção” é usada primeiramente em Gálatas 4.5: “a fim de que recebêssemos a adoção de filhos”. Em Efésios 1.5, a ideia é claramente apresentada: “nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo”. Nas passagens em Romanos, Paulo fala sobre o conceito, mais por meio de circunlóquios: “filhos de Deus” (Rm 8.16); com referência a Israel, diz: “a eles pertence a adoção” (9:4); além disso, derrama uma nova luz sobre a palavra em Romanos 8.23: “aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo”. Embora fosse judeu, Paulo conhecia os costumes da Grécia e de Roma. Até onde podemos inferir, ele nào tinha em mente nenhuma forma de adoção em particular. Achou oportuna a ideia romana da patria potestas quando estava enfatizando o livramento, do homem, da escravidão do pecado; a ideia grega era análoga à ênfase dos relacionamentos e dons da filiação; assim, temos a liberação dos débitos e a liberdade dos filhos. De modo geral, Paulo fez as seguintes afirmações: (1) 0 processo baseia-se na livre ação de Deus, que adota o homem, o que toma o ato cheio de graça; (2) os homens são redimidos ou “comprados” da escravidão precedente, para uma nova vida como filhos de Deus; (3) pela operação do Espírito de Deus, os homens têm a segurança desse novo relacionamento e, na experiência da filiação, podem afirmar junto com Cristo: “Aba, Pai” (Mc 14.36; Rm 8.15). Toda a ideia da adoção ou filiação é apresentada por Paulo, de tal forma que podemos ver que o novo relacionamento com Deus é diametralmente oposto ao espírito de escravidão (8.15). O suporte desta experiência é estritamente cristão. Com a adoção, o Espírito desperta e confirma a experiência da filiação dentro de nós. Somente aqueles que foram verdadeiramente adotados por Deus sabem que são “filhos de Deus”. É na certeza desta experiência que podemos falar com Deus como Cristo falou, em plena confiança, no tipo de aproximação que somente aquele que sabe que é parte da família pode ter.
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4. Conceitos paralelos. No tratamento teológico clássico da Ordem da Salvação (Ordo Sahitis), surgem vários termos clássicos — união com Cristo, regeneração, conversão, arrependimento, fé, justificação, santificação, perseverança e glorificação. O entendimento da adoção é clarificado por meio da comparação do termo com alguns desses outros. União com Cristo é conceito inclusivo e abrangente e na adoção há esta ideia de unicidade na família de Deus; aqueles que são adotados são “co-herdeiros com Jesus Cristo”. Na regeneração, supõe-se que se trata da operação secreta do Espírito Santo, trazendo o paralelo da figura, mais popular, do “novo nascimento”, a qual define especialmente a origem e o início da vida cristã e o estabelecimento de um novo princípio de vida. No entanto, a adoção insiste não somente em que há uma nova qualidade de vida, mas também no fato de que esta qualidade de vida carrega consigo uma experiência consciente do novo relacionamento. Mesmo que alguém deva tomar como base o batismo da regeneração, a adoção ainda deve ir além deste evento, com ênfase na segurança pessoal. Alguns autores tratam a adoção como uma variação ou subtítulo da justificação pela fé. Justificação é um termo forense que não tem a ver com os atos de justiça do homem salvo, mas sim com o fato de que Deus o declarou como tal; não resta dúvida de que esse processo ocorre por meio da obra consumada de Cristo. Os homens são declarados justos na presença de Deus, não porque vivem de forma justa, mas por causa da justiça de Cristo. A adoção enfatiza mais exatamente a experiência do relacionamento pai/filho, do que a relação juiz/réu. Trata-se da recepção e restauração do filho pródigo. Não é tanto a analogia do juiz libertando o prisioneiro, mas sim o pai restaurando o filho — o manto, o anel, a festa, a celebração (Lc 15.22ss.). No que diz respeito à santificação, a qual é um conceito válido, que sugere o processo no qual o crente se toma mais santo, devemos enfatizar novamente que a experiência de adoção continua adiante nesta atividade de santificação, em todos os seus níveis. A ênfase na adoção é sempre ética e, embora tenha iniciado e seja sustentada constantemente pela graça de Deus, sempre derrama luz sobre a reação, do crente, de uma experiência consciente. A glorificação será o cumprimento e a complementação daquilo que o crente já está experimentando.
5. A dimensão universal. Duas passagens (Rm 8.l8ss.; Ef 1.5) não são, evidentemente, “universalistas” em qualquer sentido do termo, mas nos levam a ampliar a apreciação do que está envolvido na adoção. “Nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade”. O Cordeiro foi morto desde a fundação do mundo e Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e para sempre. Deus é Pai segundo sua natureza; externamente, a essência do seu amor e graça é a manifestação do seu amor para com suas criaturas. Assim, potencialmente, desde toda a eternidade, Deus destinou o homem para a adoção; o reflexo dessa expressão de sua natureza já foi vista no seu relacionamento com Israel (cp. Rm 9.3; Êx 4.22; Dt 14.1; 32.6; Jr 31.9; Os 11.1). Por sua própria natureza, Deus não poderia sermenos do que Pai; no entanto, somente quando a cruz de Cristo satisfez sua exigência de santidade, foi possível ao Pai receber os homens como filhos. O Espírito testifica sobre esta filiação. Assim, o Deus trino está envolvido na adoção do homem — o Pai, de acordo com sua natureza; o Filho, de acordo com sua obra redentora e o Espírito Santo, em sua presença asseguradora. Paulo afirma com ousadia que toda a criação aguarda “a adoção de filhos de Deus”. Mesmo as faltas da natureza serão redimidas e a própria criação será libertada de todas as cadeias e futilidades que vieram sobre ela em decorrência do pecado do homem. A adoção de filhos é um passo necessário em direção ao novo céu e à nova terra.
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