Qual o Significado da Páscoa?

Qual o Significado da Páscoa?

Quando você ouve a palavra “páscoa”, qual é a primeira coisa que lhe vem à mente? Pode me corrigir nos comentários, mas eu diria que você pensou em ovos de chocolate. Se eu tiver acertado, não se sinta triste, pois eu, assim como você, passei pelo mesmo processo social que terminou por desvirtuar por completo o significado da páscoa.

Etimologia

Se você já tirou um pouco do seu tempo para saber o significado da palavra “Páscoa”, verá que não há muito acordo entre os especialistas. Alguns traçam as origens do hebraico, depois entrando no grego, depois no latim e depois em português.

Outros procuram as origens na língua egípcia. Particularmente, eu vejo o caminho etimológico da palavra como sendo uma bifurcação que se originou em hebraico (pesah), a chamada páscoa judaica que não tem absolutamente nada a ver com ovos de chocolate, e esta páscoa foi incorporada pelos discípulos de Jesus que, assim como ele, eram todos judeus. Mesmo que o Cristianismo tenha “ressignificado” a páscoa judaica, como sendo um evento de salvação que se tipificou na pessoa de Cristo, muito posteriormente conceitos pagãos foram introduzidos e talvez nesse período possa ter surgido alguma palavra que se misturou no contexto etimológico.

É muito comum vermos em inglês dois termos para Páscoa. Um é “Passover” que literalmente significa “passar por”. O outro é “Easter”. E é aqui que encontramos um pouco deste traço histórico. Ao passo que “Passover” traduz muito bem o hebraico פֶּסַח pesaḥ, já a palavra “Easter” relaciona-se à “deusa anglo-saxônica da primavera.” (Fahlbusch, E., & Bromiley, G. W. (1999-2003). The Encyclopedia of Christianity, vol. 2:6). Os dicionários modernos de língua inglesa sugerem que a palavra se originou de uma raiz alemã que significa “leste”, e isso dá para ver bem na palavra moderna inglesa “East”, quase o mesmo que “Easter”. E o ponto cardeal leste sempre foi relacionado com as deusas maternas de morte e renascimento (Collins, Paul (1994). “The Sumerian Goddess Inanna (3400-2200 BC)”. Papers of from the Institute of Archaeology. 5. UCL. pp. 110–111.)

Creio que nesse período deve ter ocorrido alguma bifurcação quando alguém tentou, talvez, criar um sincretismo entre a ideia pagã deificada de morte e renascimento da vegetação, como é bem tipificado das deusas-mãe, talvez facilitando a conversão de pagãos. Outro traço de que isso ocorreu é justamente o uso dos ovos de páscoa, que é símbolo de fertilidades das deuses-mãe e também de morte e renascimento. (Newall, Venetia. (1967) “Easter Eggs,” The Journal of American Folklore, Vol 80 (315):3-32.)

Estou usando o termo “renascimento” para evitar o termo “ressurreição”, já que muitos veem diferenças.

Ovos no Paganismo
O Ovos como Símbolo no
Paganismo de Morte e Renascimento

Contexto

A Páscoa é a mais antiga das festas judaicas, originada há mais de três mil anos. A Páscoa parece ter originalmente fundido dois festivais de primavera separados. Um ritual envolvia pão sem fermento, o outro, um cordeiro sacrificial. O AT (Êxodo 34:18, 25) distingue os festivais usando os termos “Festa dos Pães Ázimos” (ḥag̱ hammaṣṣôṯ) e “Festa da Páscoa” (ḥag̱ happāsaḥ). O NT (Mt 26:17; Mc 14:1; Lc 22:1) refere-se a ambos como “a Páscoa” (tó páscha) e a “Festa dos Pães Ázimos” (tá ázyma ou hē heortḗ tṓn azýmōn). Esses festivais foram realizados um atrás do outro. A Páscoa era celebrada no crepúsculo do dia 14 do mês (Êxodo 12:6) e a Festa dos Pães sem fermento nos sete dias seguintes, ou seja, do dia 15 ao dia 21 (Êxo 12:15; Lev 23:5ss; Num 28: 16f; 2Cro 35:1, 17). No final da era do NT, no entanto, o termo “Páscoa” era geralmente usado para designar a celebração integrada do que havia começado como dois festivais. Embora, naquela época, o título “Festa dos Pães Ázimos” não tivesse desaparecido, Josefo (Ant. xiv 2.1 [21]; xvii. 9.3 [213f]) indica que o termo “Páscoa” era comumente usado para se referir a ambos os festivais.

O Êxodo foi o evento redentor por excelência na vida do povo judeu. A Páscoa reencena anualmente o maior milagre que Yahweh realizou para os Seus escolhidos; era para se tornar o ponto focal da história judaica. A celebração da Páscoa recontou a história da liberdade depois de mais de quatrocentos anos de escravidão egípcia. As frequentes alusões do AT a essa libertação indicam que era uma fonte de esperança para a redenção futura da nação.

Instruções sobre a observância da Páscoa são encontradas principalmente no Pentateuco. Em Êxodo 12:1–13:16 se descreve o cenário histórico e as ordenanças que governam a última refeição no Egito: (1) A celebração devia ocorrer na lua cheia (Êxodo 12:6) no “primeiro mês” (Êxodo 12:2) da primavera (isto é, Abibe; cf. Êx 13:3s; Deuteronômio 16:1; mais tarde chamado de nisã). Isso marcou o início da colheita da cevada. (2) No 10º dia do mês, um cordeiro ou cabrito, sem defeito, de um ano de idade deveria ser selecionado de acordo com o tamanho da casa (Êxodo 12:3-5). (3) No dia 14 do mês ao crepúsculo o cordeiro deveria ser morto (12:6). (4) O sangue de uma bacia devia ser aplicado por hissopo (uma planta frondosa) nas ombreiras das portas e vergas das casas onde as pessoas se reuniram para comer os cordeiros (vv 7, 22). (5) O cordeiro deveria ser assado - cabeça, pernas e partes internas, sem ossos quebrados (vv 9, 46). (6) Ervas amargas (merōrîm) e pão feito sem fermento (maṣṣôṯ) também deveriam ser comidos (v 8). (7) Quaisquer restos da refeição não consumida deveriam ser queimados (v 10). (8) A refeição devia ser comida com pressa, com manto dobrado no cinto, sandálias nos pés e cajado na mão (v 11). (9) Todas as futuras gerações de israelitas celebrariam a Páscoa como uma ordenança duradoura (vv 14, 24, 42, 47). (10) Os escravos e estrangeiros residentes eram escolhidos para se juntarem à refeição, desde que fossem circuncidados (vv 44, 48).

No dia seguinte, o dia 15 de Abibe (Nisã), a Festa dos Pães Ázimos começava. Essa observância, distinta da Páscoa, duraria sete dias. Durante este tempo todo pão feito com fermento deveria ser destruído e somente pão sem fermento era comido (12:15, 17-20; 13:6s). O primeiro e o sétimo dia foram para a realização de assembleias sagradas; nenhum trabalho deveria ser feito, exceto preparar comida (12:16).

A Páscoa deveria ser uma oportunidade para o pai ensinar seus filhos. Ele (e não um substituto) era obrigado a explicar o significado da cerimônia quando seus filhos o indagassem (12:26; 13:8, 14). A partir dessa prática de questionamento ritual, o termo Hagadá adquiriu maior importância na vida da comunidade. Hoje o termo é usado para o livro que explica o significado da celebração na refeição da Páscoa.

Outras importantes referências à Páscoa (Lev 23:5-8; Núm. 28:16-25; Dt 16:1-8) indicam que a Festa dos Pães Ázimos estava intimamente integrada a ela. Várias ofertas eram especificadas ao longo da semana (Nu. 28:19–24). Maṣṣôṯ é agora referido como o “pão da aflição” (Dt. 16:3). Embora a Páscoa tinha começado como um festival familiar do lar (Êxodo 12:21-23, 46), Deuteronômio antecipa o tempo em que as peregrinações pelo deserto conduziriam à residência permanente em Canaã, com adoração em um santuário central (Deuteronômio 16:26s). As circunstâncias mudaram a transmutação da Páscoa em um festival de peregrinação em que todos os machos adultos deveriam comparecer (cf. Êxo 23:14-17; 34:23). A lei de Moisés também prevê uma segunda Páscoa, ou “Páscoa menor”, como era chamada no período rabínico. Esta foi celebrada um mês depois (dia 14 do segundo mês) para qualquer um que estivesse cerimonialmente impuro ou ausente em uma viagem no horário regular (Nu. 9:1-14; cf. 2Cr 30:2).

Várias celebrações da Páscoa são registradas no AT, a partir do momento em que Israel entrou em Canaã. Nas planícies de Jericó, antes da conquista, a Páscoa era conduzida sob a liderança de Josué (Jos 5:10-12). Salomão celebrou os três festivais de peregrinação (2 Cro. 8:13). A partir de então, a Páscoa concentrou-se em um santuário central permanente, o sangue do cordeiro pascal agora aspergido pelos sacerdotes no altar do holocausto. Sendo mais uma cerimônia pública, a Páscoa às vezes recebia forte apoio de líderes nacionais.

O cronista registra duas grandes celebrações da Páscoa no templo em Jerusalém (2Cr 30:1-27; 35:1-19; cf. 2 Rs. 23:21-23). Estes seguiram reavivamentos durante os reinados do rei Ezequias (716-687 aC) e do rei Josias (640–609 aC). A magnitude dessas observâncias foi incomparável em Israel durante séculos (2Cro 30:26; 35:18). O último texto histórico a mencionar o festival da Páscoa é Esdras. Após a reconstrução do templo, logo depois do retorno do exílio.

Novo Testamento

Estudiosos debatem se a Última Ceia era uma refeição da Páscoa. Os Evangelhos Sinóticos afirmam que foi (Mt 26:17 par), mas João 19:14 lançou algumas dúvidas sobre isso. A passagem joanina não precisa entrar em conflito com a tradição sinótica, se a expressão “dia da preparação da Páscoa” (RSV) for entendida como “dia da preparação da semana da Páscoa” (NVI). Nesse contexto, “dia de preparação” se referiria à sexta-feira, já que toda sexta-feira era o dia de preparação para o sábado semanal. O termo “Páscoa” seria usado aqui para incluir uma referência à Festa dos Pães Ázimos com duração de uma semana, que por esta época havia se fundido pelo uso popular com a Páscoa em uma longa festa (ver G. Archer, Encyclopedia of Bible Difficulties [1982] pp. 375f).

A partir do registro do NT, parece claro que Jesus instituiu a Ceia do Senhor associando-a com a terceira taça de vinho, que vinha depois da refeição da Páscoa ser consumida (cf. 1 Coríntios 11:25). Era conhecida como a “taça da redenção”, ligada na tradição rabínica à terceira das quatro promessas de redenção em Êxo 6:6s, “Eu te redimi”. Jesus associou esta taça de vinho tinto com Sua morte expiatória ao dizer: “Este cálice que é derramado para vós é a nova aliança em meu sangue” (Lucas 22:20; cf. 1 Coríntios 11:25). De acordo com alguns estudiosos Jesus recusou, no entanto, beber a quarta taça (Mc 14:25), referindo-a como o “copo da consumação” (cf. Ex. 6: 7) baseado na promessa de que Deus levará o Seu próprio povo para estar com Ele. A refeição inacabada de Jesus era uma promessa de que a redenção seria consumada naquele futuro banquete messiânico quando ele ‘beber de novo no reino de Deus’ (Mc 14:25; cf. Mt 26:29; Ap 3:20, 19: 6-9). A Ceia do Senhor concluiu com o canto de um hino (Mt 26:30; Mc 14:26).

Referindo-se à Sua morte como sacrifício, Jesus comparou-se ao cordeiro pascal (cf. Ap 5:12, “Cordeiro que foi morto”). João, o Batizador, chama-lhe “o Cordeiro de Deus” (Jo 1:29, 36). Paulo reflete esse mesmo rico simbolismo, dizendo: “Porque Cristo, nosso cordeiro pascal, foi sacrificado” (1 Co 5:7). Pedro descreve os filhos de Deus como redimidos no “precioso sangue de Cristo, um cordeiro sem mácula ou defeito” (1 Pedro 1:18s). Esta comunidade resgatada por sangue é chamada de um novo pedaço de “massa sem fermento” (1 Co 5:7). O significado profético da morte de Cristo, “nenhum dos seus ossos será quebrado” (João 19:36), é um cumprimento da Escritura que afirma que os ossos do cordeiro da Páscoa não deviam ser quebrados (Êxo 12:46; Nm 9:12, cf. Sl 34:20 [MT 21]).

Conclusão

Quis passar pela parte etimológica para mostrar como isso se afastou do significado original, a tal ponto que não apenas pensamos em páscoa como cognato de ovos de chocolate, como culturas inteiras que é o caso da Ásia, adotaram a Páscoa, bem como o Natal, sem qualquer conotação religiosa. Na China ambas as celebrações são realizadas sem qualquer envolvimento com os conceitos que a originaram.

Isso, penso, empobrecem uma tradição rica, longínqua e que nos leva a cultivar sentimentos nobre de gratidão, fé e esperança.

Independente de qual religião você faça parte, ou mesmo que não faça de nenhum, ou mesmo que se abrace o extremo do ateísmo, todo mundo concordaria que o sentimento de gratidão é uma qualidade a ser cultivada. E a ingratidão é um dos defeitos mais detestáveis.

Em contextos diferentes, Judeus e Cristão demonstram sua gratidão a Deus por meio da celebração da Páscoa. Os Judeus se lembram que o Eterno (YHWH) tirou eles do julgo egípcio, trouxe salvação ao seu povo e os conduziu a uma terra prometida, fazendo antes um pacto de comunhão com eles.

Os evangelhos mostram Jesus comemorando a Páscoa, mas agora ressignificando-a no seu sacrifício redentor, sacrifício que tira os cristãos da escravidão ao pecado, os leva a uma relação com Deus, recebendo uma “nova lei” escrita em seus corações. Tudo isso sendo motivo de extrema gratidão.

A esperança para o judeu se ressalta na expectativa da vinda de seu messias futuro. Para os cristãos, a esperança de que assim como Cristo ressuscitou, vencendo a morte, assim os cristãos podem aguardar que serão igualmente ressuscitados.

Ao invés de ser um período onde os sentimentos de consumo se acentuam, deveria ser um período de reflexão, do sentido da vida, da condição humana, e da esperança de dias melhores.

Como mencionado acima, a Páscoa tornou-se um momento familiar, um período onde as famílias deveriam ficar próximas, os pais e seus filhos, não para comerem ovos de chocolate, mas para relembrar o que Deus fez pelo seu povo.