Apocalipse 14 — Comentário Literário da Bíblia
Apocalipse 14
O capítulo 14 mostra a contrapartida piedosa dos adoradores da besta do capítulo 13: os 144 mil seguidores do Cordeiro, símbolo dos santos espiritualmente fiéis a Deus. Esses fiéis assistirão à queda do dissimulado reino da besta e à destruição de todos os que se apegarem a esse engano. No capítulo 15, eles celebram o triunfo do Reino de Deus, assim como os filhos de Israel celebraram a libertação do Êxodo, o primeiro como um desenvolvimento antitípico do segundo.No AT, o termo “Sião” ocorre cerca de 155 vezes e em poucas ocasiões se refere a um local de pecado e juízo. “Jerusalém ” é o termo geralmente reservado a essa referência e pode indicar a habitação de Deus no Templo ou simbolizar o povo de Deus. No entanto, o termo quase sempre se refere à cidade que Deus vai estabelecer e na qual vai reinar no final dos tempos, o que abrange e expande as duas ideias anteriores (TDNT 7:300, 312- 7). Aqui o termo simboliza o local onde o povo da nova aliança de Deus recebe essa promessa escatológica. O nome mais completo “monte Sião”, distinto de “Sião”, ocorre apenas dezenove vezes no AT, e em pelo menos nove faz alusão a um remanescente que está sendo salvo, em conexão com o nome de Deus ou com seu governo soberano ou, às vezes, a ambos (2Rs 19.31; Sl 48.2,10,11; 74.2,7; Is 4.2,3; 10.12,20; 37.30-32; J1 2.32 [3.5 TM]; Ob 17,21; Mq 4.5-8).
Não é simples coincidência que um “novo nome” esteja muitas vezes associado à Sião escatológica. A cidade receberá vários nomes novos (Is 62.2; 65.15; cf. 56.5), todos os quais expressam a nova natureza do povo e da cidade restaurados — por exemplo, observe os nomes: “o Senhor se agrada de ti” (Is 62.4); “cidade não desamparada” (Is 62.12); “o trono do Senhor ” (Jr 3.17); “O Senhor, Nossa Justiça” (Jr 33.16); “O Senhor Está Aqui” (Ez 48.35) (para mais referências ao AT, v. TDNT 7:315).
Apocalipse 14.4a — A palavra “virgem ” é muitas vezes aplicada à nação de Israel no AT (v. “virgem de Israel” e expressões semelhantes em 2Rs 19.21; Is 37.22; Jr 14.17; 18.13; 31.4,13,21; Lm 1.15; 2.13; Am 5.2). Na maioria dessas passagens, o termo hebraico para “virgem ” é traduzido na LXX por parthenós. Como é usual em Apocalipse, essa descrição de Israel é agora aplicada à igreja. No AT, a idolatria de Israel e até suas práticas políticas e econômicas são retratadas com o “prostituição” (Ez 23; Jr 3.1-10; cf. Os 1.2). A adoração aos ídolos também foi classificada com o “contaminação” (Is 65.4; Jr 23.15; 44.4; lE d 8.83). A ideia de evitar a “contaminação” já foi vista em passagens anteriores de Apocalipse, com respeito aos cristãos que não aderiram às instituições idólatras, com o culto ao imperador, ou à idolatria das associações de comércio (cf. 3.4 com 14.4; v. comentário de 2.14,20; 3.4,5). A mesma ideia é transmitida aqui.
Apocalipse 14:5 — A expressão da pureza dos santos é também um a alusão a Sofonias 3, que pode ser um a alusão a Isaías 53 (v. Fekkes 1994, p. 191-2):
Isaías 53.9: “embora nunca tivesse cometido injustiça, nem houvesse engano na sua boca”.
Sofonias 3.13: “não se achará língua enganosa na sua boca”
Apocalipse 14.5: “Mentira algum a saiu de sua boca”.
Além do paralelo com Apocalipse, Sofonias 3.11-14 diz que Deus nos últimos dias salvará um remanescente identificado com seu “santo monte” e com “Sião”. Essa profecia se tornou realidade no remanescente fiel cristão. Também relevante é Salmos 15.1-3 (14.1-3 LXX), em que os convidados a habitar no monte santo de Deus são os “íntegros” (amõmos), que falam a verdade no coração e não mentem com a língua. Aqueles que sustentam um testem unho fiel viverão com Deus.
Apocalipse 14.8 — “Caiu! Caiu a grande Babilônia” (NVI) é um a frase derivada de Isaías 21.9 e é equivalente à declaração seguinte ali de que os ídolos da Babilônia serão destruídos. A destruição do sistema idólatra do mundo também está em vista aqui, assim com o capítulo 13 e 14.9,11 confirmam. A alusão a Isaías é combinada com outra referência ao AT. O título “a grande Babilônia” é baseado no nome idêntico da cidade em Daniel 4.30 (LXX [4.27 TM]). Em Daniel 4, o nome faz parte de uma expressão de autoglorificação do rei, pela qual ele está prestes a ser julgado. Em Apocalipse 14.8, a Babilônia dos últimos dias chega ao fim. Assim como a Babilônia destruiu o primeiro Templo e enviou Israel para o exílio, Roma veio a ser chamada Babilônia em alguns setores do judaísmo, pois também destruiu o Templo em Jerusalém e exilou Israel (cf. Midr. Rab. de Nm 7.10; Midr. de SI 137.8; v. Hunzinger 1965). Na verdade, fontes judaicas antigas e tardias equipararam o nome “Babilônia” com Roma (v. 2 B r 11.1; 33.2; 67.7; 79.1; Or. Sib. 5.140-143, 156-161, 434; lP e 5.13; Midr. Ríib. de Lv 6.6; M idr. R ab. de Ct 1.6, 4; cf. lQ pH ab II, 11-12; b. Sanh. 21b). “Babilônia” é um nome simbólico para Roma também em 4Esdras 3.2, 31, especialmente em relação a 4Esdras 12.10-39, em que a metáfora da águia para a Babilônia, de Daniel 7.4, é aplicada a Roma, como o “quarto reino”. A metáfora da embriaguez vem de Jeremias 51.7,8: “A Babilônia era um copo de ouro na mão do Senhor e embriagava toda a terra; as nações beberam do seu vinho e por isso estão fora de si. A Babilônia caiu de repente e ficou arruinada”. A loucura intoxicante aqui parece resultar do terror das medidas opressivas da Babilônia (assim Hc 2.15,16). Isso é apoiado por Jeremias 25.15,16, que também está incluído na alusão de João: “Toma da minha mão este cálice do vinho do meu furor e faze que o bebam todas as nações [...]. Beberão e cambalearão, e enlouquecerão por causa da espada que enviarei entre elas”. Uma vez que Jeremias 25.15 (32.15 LXX) é aludido também em 14.10, sua linguagem provavelmente foi em prestada aqui. A intoxicação das nações pode se referir à atividade econômica idólatra de Roma/Babilônia, que continuará a se expressar em todos os sistemas políticos e econômicos malignos até o retorno de Cristo. Essa interpretação de 14.8 é apoiada por Isaías 23.15-18, em que o domínio econômico de Tiro sobre as nações é retratado como “imoralidade”. Os benefícios de Tiro a partir da riqueza das nações são retratados com uma “prostituta” recebendo o “lucro e ganho de prostituta” (v. Is 23.1-18; Nínive também é chamada assim em Na 3.4). De modo semelhante, Ezequiel 16.1-36 retrata como prostituição a dependência política e econômica de Israel de outras nações, como também a idolatria dessas nações, que os infectava (v. 16.33,34).
Apocalipse 14.10 — O retrato do vinho despejado que resulta em inebriamento indica o desencadear da ira de Deus no Juízo Final (Sl 60.3; 75.8; Is 51.17,21- 23; 63.6; Jr 25.15-18; 51.7; cf. Jó 21.20; Ob 16). Às vezes, o estupor resultante da embriaguez termina em morte física e destruição (Jr 25.27-33; Ob 16; Ap 18.6-9). Esse quadro é inspirado principalmente pelas expressões de Salmos 75.8 e Jr 25.15 e 51.7, pois as três passagens são agrupadas e aplicadas pela tradição exegética judaica aos ímpios que irão “beber no tempo por vir” [Midr Rab. de Gn 88.5; Midr. de Sl 11.5; 75.4; cf. Midr. Rab. de Gn 16.4). O efeito profundo e duradouro do juízo é expresso na figura do beber da bebida divina “prepara da [...] sem mistura”, um a alusão a Jeremias 32.15 LXX (cf. Sl 74.8 LXX [75.8 TP]; l. Sal. 8.14; 3M c 5.2). A crença apocalíptica era que os ímpios seriam punidos, muitas vezes por meio do fogo, na presença dos justos (l E n 48.9; 62.12; 108.14-15; Sb 5.1-14; 4 E d 7.93; Tg. de Is 33.17) para sempre (Is 66.22-24; l En 27.2,3 [cf. com ?Em 21)
Apocalipse 14:11 — Juntamente com o final de 14.10, o quadro de 14.11a é extraído de Isaías 34.9,10, que retrata o juízo de Deus sobre Edom. Isaías descreve a histórica aniquilação de Edom por causa do seu pecado. Uma vez destruído pelo juízo de Deus, Edom jamais se levantaria outra vez. Da mesma forma, o juízo dos incrédulos no final dos tempos será definitivo.
Apocalipse 14.17-20 — A cena da colheita é desenvolvida a partir de Joel 3.13: “Lançai a foice, porque a colheita já está madura. Vinde, descei, porque o lagar está cheio, os vasos dos lagares transbordam, pois a sua maldade é grande”. A passagem de Joel é a única no AT em que ocorrem as cenas da colheita e do esmagamento das uvas no lagar, e ali conotam juízo. Assim, o juízo definitivo das forças terrenas do mal é retratado em 14.1-20. Uma vez que Joel 3.13 é uma profecia do juízo de Deus sobre as nações ímpias, o mesmo tem a de julgamento é expresso em ambas as metáforas aqui (assim Kiddle &; Ross 1940, p. 285-95; contra Swete [1906, p. 190], que acredita que João transformou a conotação punitiva da colheita de Joel num ato redentor; cf. Midr. Rab. de Ct 8.14, que também entende J1 4.13 LXX de maneira positiva, com o uma referência à redenção de Israel). “Colher” é um a imagem associada ao juízo em outras passagens, embora nem Deus nem seus agentes sejam especificados com o ceifeiros (Jó 4.8; Pv 22.8; Jr 12.13; Os 8.7; G1 6.7,8). Da mesma forma, “ceifar” pode ser uma metáfora do juízo (Jr 51.33; Mq 4.12,13; MT 3.12/Lc 3.17). Subentende-se que a destruição das nações ocorre fora da cidade santa, não dentro dela. Fora de Sião haverá apenas destruição, com o predito pelos profetas (Zc 14.2-5,12-16 afirma que as nações rebeldes serão derrotadas nas imediações de Jerusalém, com o também outros textos [e.g., Dn 11.45; 4 E d 13.34-39; 2 Br 40.1-3; Sib. 3.667-697; 1QM VII, 3-4; Midr. Rab. de Ct 2.2,5]). Talvez Joel 3.2,11,12,14, esteja em primeiro plano aqui, onde se lê que Deus entrará em juízo com as “nações vizinhas” (NVI) de Jerusalém , nas proximidades do “vale de Josafá”.
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