Apocalipse 16 — Comentário Literário da Bíblia

Apocalipse 16

O capítulo 16 conclui a série de juízos dos selos, das trombetas e das taças com o derramamento das sete taças, que representam o juízo consumado de Deus com relação aos ímpios. A sexta taça apresenta a batalha decisiva do Armagedom (sobre a natureza predominantemente simbólica das visões das taças, v. Beale 1999a, p. 50-5). As taças, como as trombetas, seguem o padrão das pragas do Êxodo, as quais João considera tipológicas dos acontecimentos descritos nas taças. Algumas dessas pragas ocorrem em toda a era da igreja (taças 1-5), e as outras, somente no final da história (taças 6 e 7) (6.1) Assim confirma-se que é Deus quem fala em 16.1 pelo fato de que acaba de ser mencionado que ele está em seu templo celestial (15.5-8) e pela alusão a Isaías 66.6 (assim Holtz 1971, p. 132): “Uma voz do templo; é a voz do Senhor, que dá a recompensa aos seus inimigos” (texto aplicado ao juízo de Roma, em Midr. de S I 18.11). A frase “derramai a ira de Deus” (ekcheõ + thymos) na LXX é usada para indicar juízo contra os que violam a aliança ou contra os que perseguiram o povo de Deus (cf. Ez 14.19; Jr 10.25; de modo semelhante, SI 68.25 [69.24 T P ]; Sf 3.8 [em concordância substancial com Kraft 1974, p. 204-5; Prigent 1981, p. 243; Roloff 1993, p. 161]). Às vezes, a fórmula inclui o “fogo” para ilustrar o efeito destrutivo do derramamento, o que reforça uma interpretação simbólica das taças (e.g., Jr 7.20; Lm 2.4; 4.11; Ez 22.21,22; 30.15,16; Sf 3.8; assim SI 78.5,6 [79.5,6 TP]; Ez 21.36,37 [21.31,32 TP]). Também presente no pano de fundo dessa passagem está o “derramamento” do sangue dos sacrifícios sobre a base do altar, pelo sacerdote, em dupla conexão com o ato de aspergir o sangue “sete vezes [...] diante do véu do santuário” (Lv 4.6,7,17,18 [v. J. M. Ford 1975, p. 265]). Assim como o derramamento do sangue sacrifical representava a purificação do Tabernáculo da contaminação do pecado, assim o derramamento das taças purifica a terra da contaminação do pecado por meio do juízo.

16.2 A descrição do efeito da primeira taça está baseada na praga egípcia dos tumores (Êx 9.9-11), resumida em Deuteronômio 28.27,35 como um a ferida maligna (helkos ponêros). O castigo corresponde ao crime: os que recebem um a marca idólatra serão castigados com um a marca penal (v. Beasley-Murray 1974, p. 240).

16.6 Observe o eco de Salmos 79.3,10,12: “Derramaram o sangue deles [de Israel] com o água [...]. Perante nossa vista, mostra às nações a vingança do sangue derramado dos teus servos. [...] Senhor, retribui aos nossos vizinhos sete vezes a ofensa que fizeram a ti”. A mesma verdade é aplicada ao povo de Deus na era entre os adventos.

16.12 O “ai” sexta taça é retratado de acordo com a descrição da cena do juízo de Deus sobre a Babilônia e da restauração de Israel, que por sua vez segue o padrão do secamento do mar Vermelho, no Êxodo (cf. Êx 14.21,22 com Is 11.15; 44.27; 50.2; 51.10; cf. tb. Js 3.16; 4.23). As profecias do AT anunciam que esse juízo inclui o secamento do rio Eufrates (Is 11.15; 44.27; Jr 50.38; 51.36; cf. Zc 10.11). A profecia foi cumprida por Ciro, que desviou as águas do Eufrates (cf. Is 44.27,28). A manobra permitiu que seu exército atravessasse as águas rasas do rio, entrasse na cidade de surpresa e derrotasse os babilônios (Heródoto, Hisl. 1.190-191; Xenofonte, C yr. 7.5.1-36 [v. tb. Tg. de Jr 51.36, 41-44; 4Q169 frgs. 1 + 2, 3-9]). Com base nesse contexto, percebe-se que a batalha de Apocalipse acabará com a destruição total de todos os adversários de Deus.

16.13 A menção a uma praga de rãs outra vez recorda as pragas do Êxodo. Na verdade, as únicas passagens em que ocorre a palavra batrachos (“rã”) na literatura bíblica são: na LXX, Êxodo 8.2-13 e Salmos 77.45 (78.45 TP) e 104.30 (105.30 TP); Sabedoria de Salomão 19.10 — e todas se referem à praga do Êxodo (assim também os relatos do Êxodo em Josefo, Ant. 2.296-298; Filo, Sacrifícios 69; Migração 83; Moisés 1.103-106, 144). Aqui em Apocalipse é dito expressamente que as rãs simbolizam os espíritos demoníacos enganadores (16.14) que afligem a humanidade descrente.

16.14 Nesse caso, o engano tem “os reis” com o alvo. De igual modo, nas pragas do Êxodo as rãs deveriam afetar primeiramente o rei (Êx 8.3, 4), e Salmos 104.30 LXX (105.30 TP) registra apenas que os “reis” do Egito foram atacados pelas rãs. As três expressões sinônimas, em 16.14; 19.19 e 20.8, “reuni para a batalha”, com pequenas variações, baseiam-se na profecia do AT, especialmente Zacarias 12—14 e talvez Sofonias 3, que profetizou que Deus reuniria as nações em Israel para a última guerra da história (surpreendentemente, Zc 13.2 LXX afirma que “falsos profetas” e o “espírito imundo” estarão ativos em Israel enquanto as nações se reunirem). A passagem de Apocalipse 16.14 dá continuidade a essa previsão profética. A expressão “batalha do grande dia do Deus todo-poderoso” indica a ocasião em que Deus julgará os ímpios de maneira definitiva nessa batalha. Esse é o significado da expressão “o grande dia do Senhor”, de Sofonias 1.14 e Joel 2.11, e especialmente da profecia escatológica de Joel 2.31 sobre o juízo. As nações são enganadas ao pensar que estão sendo reunidas para exterminar os santos porque, em última instância, foram agrupadas por Deus para que sofram o juízo pelas mãos de Jesus (19.11-21) (v. Beasley-Murray 1974, p. 244-45). Um paralelo notável é I Reis 22.22, 23, 30, 31, em que um espírito demoníaco diante do trono celeste diz: “Eu sairei e serei um espírito mentiroso na boca de todos os seus profetas [de Acabe]”. Como resultado, o rei “entrou na batalha” e foi morto.

16:16 É evidente que “Armagedom ” (hebr., harmegiddô [“monte de Megido”]) não é literal, pelo fato de que as profecias do AT situam a última batalha da história, sem exceção, nas imediações da cidade de Jerusalém, do monte Sião ou das montanhas ao redor. No entanto, a planície de Megido dista cerca de dois dias de caminhada ao norte de Jerusalém. Além disso, o próprio João a situa imediatamente fora de Jerusalém (14.20; 20.8,9), embora universalize as referências ao AT e fale da perspectiva espiritual, não em termos literais geográficos. O sentido figurado de “Armagedom” é evidenciado também pelo fato de que nunca existiu um a “montanha” de Megido, embora até na época do AT a cidade de Megido estivesse em sua maior parte estabelecida sobre um morro. É possível que o hebraico har se refira a um tell (“morro”), um a vez que a palavra às vezes indica o assentamento sobre um morro. Contudo, é predominante o sentido de “montanha” no emprego usual da palavra (v. TDOT 3:429-34). É provável que o uso do termo “montanha” tenha a intenção de instigar a associação com a destruição dos inimigos de Israel nas montanhas (e.g., Ez 38.21; Zc 14.4). Megido é o lugar onde israelitas justos form a atacados p o r nações ímpias (Jz 5.19; 2Rs 23.29; 2Cr 35.20-22; as duas últimas passagens estão em conexão com o rio Eufrates [cf. 2Rs 9.27]). A passagem de Juízes 5 oferece o padrão tipológico do AT mais provável para Apocalipse 16.16, já que ali Deus derrota um inimigo incrivelmente poderoso que previamente oprimia o indefeso Israel (cf. Jz 4.3; 5.8; v. Düsterdieck 1980, p. 423; Hendriksen 1962, p. 196; Morris 1987, p. 200); ver Apocalipse 16.12-14,16; Jz 4.7, em que Deus profetiza que fará com que “Sísera, chefe do exército de Jabim, te a Laque com os seus carros de guerra e suas tropas [...]; e o entregarei nas tuas mãos”, e com pare Jz 5.19: “Os reis de Canaã guerrearam [...], junto às águas de Megido”; cf. tb. Midr. Rab. de Nm 23.7). Da mesma forma, veja o texto impressionante de 2 Crônicas 35.20-22 LXX: “Faraó, subiu [...] ao rio Eufrates [...]. E [Josias] veio com batê-lo [tou polemêsai] na planície de Megido”. O ataque do final dos tempos por parte das nações contra Jerusalém é também com parado de algum a forma ao incidente da derrota de Josias em Megido (Zc 12.1-14), um rei que, em associação com a derrota de Acabe, na mesma região, tornou -se quase proverbial no judaísmo (Lm 1.18; Tg. de Zc 12.11; b. Meg. 3a; b. Mo ‘ed Qat. 28b). E, se o Armagedom está associado com o vizinho monte Carmelo, então pode incluir também uma alusão à derrota dos profetas de Baal diante de Elias, durante o reinado de A cabe e Jezabel (lRs 18.19-46; assim Shea 1980). Todas as passagens mencionadas que registram acontecimentos ocorridos nas proximidades de Megido podem estar por trás da referência em 16.16, de modo que a menção de João ao nome desse lugar talvez reverbere as seguintes associações tipológicas e proféticas: a derrota dos reis que oprimem o povo de Deus (Jz 5.19-21); a destruição dos falsos profetas (lRs 18.40); a morte de um rei desencaminhado, que resultou em lamento (2Rs 23.29; 2Cr 35.20-25); a expectativa futura de que, em conexão direta com “aquele a quem traspassaram”, serão destruídas “todas as nações que atacarem Jerusalém” e um lamento de todas as tribos de Israel (Zc 12.9-12) (assim D. Ford 1979, p. 303; LaRondelle 1989, seguindo Farrer 1964, p. 178). Para uma discussão mais aprofundada e uma visão geral da história da interpretação do Armagedom, veja Paulien 1992 e Day 1994.

16.17 A sétima taça descreve a destruição final do sistema mundial corrupto, que se segue à batalha do Armagedom. A taça derramada “no ar” deve ser entendida como parte do quadro da praga do Êxodo, já vista nas trombetas e nas taças anteriores e mencionada com referência à “praga do granizo”, em 16.21. Consequentemente, 16.21 faz alusão à praga do “granizo”, de Êxodo 9.22-34. Da mesma forma, Filo (Moisés 1.129) chama o granizo do Egito, em associação com outras tribulações, “pragas do céu e do ar” (v. tb. Moisés 1.114, 119-120).

16.21 Por que o granizo aparece por último na representação das pragas das taças? Bauckham (1977, p. 228) apresenta o plausível argumento de que a praga das pedras, de Êxodo 9, está sendo associada com os fenômenos cósmicos em torno da teofania do Sinai, de Êxodo 19, a que Apocalipse 16.18 faz alusão. Além disso, o fato de aparecer no final é por influência de Ezequiel 38.19-22, em que o granizo e um terremoto marcam o estágio final do juízo sobre o inimigo do final dos tempos. A identificação dessa praga com o granizo enviado sobre o Egito é evidenciada ainda pelo fato de que tanto Apocalipse 16.21 quanto o relato do Êxodo enfatizam a severidade e o tamanho descomunal das pedras de granizo. Se Êxodo 9 e Ezequiel 38 estão em vista, Ezequiel aponta para os acontecimentos de Apocalipse 16.21, e a última profecia destaca algo que ainda acontecerá.

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