Apocalipse 20 — Comentário Literário da Bíblia

Comentário Literário da Bíblia




Apocalipse 20

O triunfo dos santos é retratado em cores vividas na visão do Milênio, que é seguido por outra descrição da batalha final. O céu e a terra fogem da presença do Senhor assentado em seu glorioso trono, dando lugar para o novo céu e a nova terra do capítulo 21. Discute-se muito se o capítulo 20 segue o capítulo 19 em termos cronológicos e históricos ou se recapitula a batalha final narrada em 19.17-21 e, assim , também narra em 20.1-7 os acontecimentos que culminam nessa batalha. O uso generalizado de Ezequiel 38—48 nos capítulos de 19 a 22 merece menção especial. Em 20.8-10, há um a repetida alusão a Ezequiel 38 e 39, a batalha de Gogue e Magogue contra a com unidade da aliança. Esta repetida alusão aponta para à possibilidade de 20.8-10 ser u m a recapitulação da mesma b atalha narrada em 19.17-21, em que são feitas alusões à mesma batalha de Ezequiel 38 e 39, juntam ente com a expressão quase idêntica “reuni-los para a batalha” (v. comentário de 20.8; 20.9,10 adiante p ara um a corroboração; v. tb. White 1989, p. 326-8). Na verdade, 19.17-21 e 20.8-10 narram a mesma batalha de 16.12-16, destacada pela mesma expressão “reuni-los para a batalha ” (cf. 16.14; 19.19). Se 20.1-6 ocorre antes de 20.7-10 e se 19.17-21 é temporalmente simultâneo à batalha de 20.7-10, então 20.1-6 é temporalmente anterior à batalha de 19.17-21. João tem em m ente u m a conexão específica do cumprimento da profecia com Ezequiel 38 e 39, ideia corroborada pelo contexto mais amplo dos capítulos 20 e 21, em que um quádruplo desfecho do livro reflete o final de Ezequiel 37—48: a ressurreição do povo de Deus (Ap 20.4a; Ez 37.1-14); o reino messiânico (Ap 20.4b-6; Ez 37.15-28); a batalha final contra Gogue e Magogue (Ap 20.7-10; Ez 38 e 39); a visão final do novo Templo e da Nova Jerusalém , descrita como um Éden restaurado e assentado sobre um monte muito alto (Ap 21.1—22.5; Ez 40—48) (para referências aos estudiosos que notam esse padrão, v. Lust 1980, p. 179; de m odo semelhante, White 1994, p. 543-4). Observe também que Ezequiel 39 recapitula a mesma batalha narrada em Ezequiel 38. Isso sugere que, se João está seguindo algum modelo em 19.17-21 e 20.7-10, deve ser o reconhecido padrão de recapitulação de Ezequiel 38 e 39. Na verdade, a recapitulação é usual em outras partes de Ezequiel, assim com o nos outros livros proféticos do AT (para argumentos adicionais a favor da recapitulação nesse ponto de Apocalipse, v. Beale 1999a, p. 972-1026). Parte da tese desta seção (em bora não haja espaço suficiente para u m a discussão ampla) é que a “prisão” de Satanás, em 20.1-3, não é absoluta em todos os sentidos, m as se refere principalmente à incapacidade de enganar as nações para induzi-las a preparar um ataque a fim de aniquilar a comunidade da aliança. Esse ataque, na verdade, será organizado logo após o “milênio”, mas esse esforço será frustrado (20.8-10). Assim, Satanás ainda poderá enganar durante o “milênio”, m as não com o propósito de destruir a com unidade da fé e sua expansão. 

20.1-3 A passagem de Isaías 24.21,22 é a base para 20.2,3 (v. Kraft 1974, p. 256) e encontra seu cumprimento aqui: “Naquele dia, o Senhor castigará os exércitos celestiais nas alturas, e os seus reis na terra. Eles serão reunidos como presos num a cova e trancados num a prisão. Depois de muito tempo serão punidos”. Esse cumprimento foi inaugurado por ocasião da morte e ressurreição de Cristo e culminará com sua vinda no clímax da história. A conexão profética de Isaías 24 com Apocalipse 20 é sugerida também por Isaías 27.1, que parece ser um a explicação adicional para o castigo de 24.21,22 (o hebraico “naquele dia Yahweh visitará” ocorre apenas em 24.21 e 27.1): “N aquele dia o Senhor visitará o monstro do m ar [...] com a sua [...] espada” (27.1 LXX traz “o dragão, a serpente”, que é quase idêntico a Ap 20.2: “o dragão, a antiga serpente”). O judaísmo m ais antigo habitualmente falava de maus espíritos — não de Satanás — presos de maneira absoluta, quer no momento do Dilúvio de Noé ou antes disso, ou mais tarde, n a época do AT (cf. lE n 10.4-16; 18.11— 19.3; Jb 5.6-14; lE n 88.1-3; 2Pe 2.4; Tb 8.3; v. tb. Jd 6). Mesmo o NT vê os espíritos demoníacos com o aprisionados de forma absoluta, enquanto Satanás e outros espíritos estão à solta (e.g., cf. 2Pe 2.4; Jd 6 com lP e 5.8). Em lEnoque 54 está descrito o fim da era, quando os anjos bons “lançarão no abismo da condenação total” para sempre (53.2) os súditos humanos e possivelmente demoníacos de Satanás que “desviam os que habitam sobre a terra”. As únicas referências aparentem ente explícitas à prisão de Satanás no judaísmo mencionam um a “prisão ” que não é absoluta, uma vez que, logo após o aprisionamento, os “maus espíritos” continuam a existir opondo-se de algum a forma aos santos. Observe Testamento de Levi 18.12: “Beliar deverá ser preso por ele [o Messias], e ele dará autoridade a seus filhos para pisar os maus espíritos”. Esse texto guarda tantas semelhanças com Lucas 10.18-20 que os dois provavelmente estão, de algum a forma, organicamente relacionados. A esse respeito, ambos os textos parecem desenvolver a profecia em Gênesis 3.15, segundo a qual a “semente” de Eva “ferirá” de morte a “serpente ” (v. T. Levi 18.9-14; NA27 de Lc 10.19mg.). Nesse sentido, não deve ser coincidência que Apocalipse 20.2 faça alusão à mesma “antiga serpente”, de m odo que a “prisão” é parte do cumprimento da promessa primitiva de Gênesis 3.15 (sobre a qual, v. Beale 1999a, p. 994, 998). Em Jubileu s 48.15-17, Mastema, o príncipe dos demônios, é restringido apenas para que não possa acusar os israelitas n a época da saída do Egito: “Mastema foi amarrado e preso atrás dos filhos de Israel, de modo que não pudesse acusá-los”. Então, ele “foi solto” para que mais uma vez pudesse trabalhar contra Israel e acusá-lo. Assim também 48.18: Mastema foi “amarrado [...] para que não pudesse acusar os filhos de Israel” (v. tb. 48.9-11). Uma vez que o tem a do Êxodo domina grande parte do livro de Apocalipse (e.g., a série das pragas das trombetas e taças), talvez haja aqui também um reflexo similar da incapacidade de Satanás em manter Israel no cativeiro do Egito, agora aplicada a um a prisão limitada de Satanás, em 20.1-3. Assim, ele não pode interromper o êxodo dos últimos dias e sua expansão durante a era da igreja. Que a presença do conceito de “prisão” como incapacidade de “acusar” possa estar em vista aqui é evidente, pois o relato paralelo da derrota de Satanás, em serpente”. De algum a forma (o espaço limitado não permite expandir a discussão aqui), a incapacidade de Satanás para “acusar” por causa da morte e ressurreição de Cristo faz parte de sua “prisão ” (sobre paralelos com o cap. 12, v. Beale 1999a, p. 992-4). Uma referência ao cumprimento da promessa de Gênesis 3.15 também ocorre em 13.3, outra vez associada à noção de um a atividade contínua do Diabo após s a derrota decisiva e incluindo ainda um a alusão à profecia de Isaías 27.1, sobre a morte do “dragão do mar” pela “espada ” (à qual, com o já vim os, 20.1,2 também pode fazer alusão [sobre o significado de 13.3 em relação a Gn 3.15 e Is 27.1 e outras questões associadas, v. Beale 1999a, p. 677-80, 688-93; para uma discussão completa sobre 20.1-9, v. Beale 1999a, p. 972-1028]). Em termos muito semelhantes aos de Apocalipse 20.2,3, Oração de Manassés 3 diz que Deus restringiu os poderes malignos do caos no início da criação: “Ele prendeu o mar e [...] fechou e selou o abismo”. No en­tanto, talvez não esteja em vista um a restrição completa, uma vez que no AT o monstro do mar ainda é capaz de causar estragos às nações ao longo da história (v. comentário de 12.3; 13.1). E, se os “anjos” que foram acorrentados nos “abismos de trevas” no início da história ou no Dilúvio de Noé (2Pe 2.4; Jd 6) foram m ais tarde autorizados a ser ativos na terra (incluindo Satanás, presumivelmente), então a prisão de Apocalipse 20 também pode ser assim qualificada. 

20:4 É bastante debatido se esse versículo prevê que os santos ressuscitados fisicamente reinarão na terra durante o Milênio (“pré-milenarismo”) ou se ele entende o reinado dos santos como espiritual, no céu (parte de um reinado milenarista inaugurado, normalmente conhecido como “amilenarismo”) (para um a análise mais aprofundada sobre o assunto, v. Beale 1999, p. 972-1031). O contexto do AT para 20.4 parece ser relevante para essa questão. Os “tronos” e os “que nele se assentara m ” parecem representar a corte angelical de Daniel 7, que declara o juízo definitivo contra o ser satânico com o vindicação dos santos, a quem ele oprimiu. Isso estaria em conformidade com Daniel 7.9-11: “Foram postos uns tronos, assentou-se o tribunal [...] o animal foi morto ” (cf. Dn 7.26; Midr. de SI 4.4 identifica a corte com o angélica, m as v. tb. SI 122.5, em que os tronos são reservados a juízes hum anos: “Lá estão os tronos de justiça, os tronos da casa de Davi” [ARA]). O juízo inaugurado contra Satanás (20.1-3) foi executado em prol do povo de Deus e presumivelmente já havia sido aprovado pela corte divina no céu. Esse fato é sugerido por Daniel 7.9-27, em que a corte celestial parece ser distinta dos santos, em prol de quem ela declara o juízo. A vindicação em Daniel 7 é um a condição necessária para que os santos possam assumir o reinado com o “filho de ho­mem” (cf. 7.13,14,18,27). O juízo dos reinos do mal abre caminho para o reinado do “filho de homem ” e de seus santos (7.11-14,18,27). Em Apocalipse 20.4, com o em Daniel 7.22, o “juízo” é seguido pela informação de que os santos “tomaram posse do reino” (NVI). O mesmo padrão de Daniel 7 é evidente em Apocalipse 20.1-4, em que o lançamento de Satanás no abismo é o juízo que se inaugura e permite aos santos iniciar seu reinado, num incipiente cumprimento de Daniel 7.22. Em bora em Daniel 7 a corte celeste possa ser distinta dos santos, em cujo favor ela anuncia o juízo, o reinado inaugurado dos santos em Apocalipse 20.4 parece também ocorrer no céu, uma vez que essa corte provavelmente inclui crentes exaltados juntam ente com os anjos e que a mesma cena com as personagens (“anciãos”) assentadas em tronos celestiais, em 4.4, inclui anjos, os quais coletivamente representam os santos exaltados (cf. 4.4; 11.16). Isso encontra apoio no fato de que as únicas passagens no livro, à exceção de 20.4, em que o plural “tronos” (pl. de tlironos) ocorre são 4.4 e 11.16, em que os anciãos é que se assentam nos tronos. Na verdade, a localização dos tronos no céu, em 20.4, é evidente pelo fato de que em 42 das 46 ocorrências de “trono[s]” (thronos) em outras passagens do livro a localização sem dúvida é o céu (assim Hendriksen 1962, p. 230; Morris 1987, p. 236 [em bora o trono em 22.1,3 esteja situado no novo céu e nova terra]). As três ocorrências restantes referem-se ao trono de Satanás ou ao trono da besta, que também não é terreno, pois está localizado num a dimensão espiritual. Além disso, os “tronos” de Daniel 7.9 também estão claramente no céu (cf. b. Sanh. 38b, em que a corte de Dn 7.9,10 é formada por Deus, pelos anjos e pelo o Messias davídico, enquanto b. Hag. 14a vê apenas Deus e o Messias sentados nos tronos). O destaque aos santos assentados no trono é evidente a partir da terceira oração de 20.4: "... e foi dado o poder de julgar aos [autois] que neles se assentaram”, em que “aos” refere-se aos santos (v. acima a alusão a Dn 7.22). O antecedente de “aos”, em 20.4, precisa estar em “assentaram”, que obviam ente põe os santos sobre os “tronos”. É improvável que a palavra “aos” tenha aparecido de forma abrupta, sem nenhum antecedente. Um dos argumentos mais substanciais a favor da interpretação pré-milenarista está baseado na observação de que a ressurreição “dos outros mortos”, mencionada em 20.5, é sem dúvida u m a ressurreição física (sobre a qual parece haver acordo quase unânime entre os comentaristas). Se a ressurreição física dos ímpios é descrita pelo termo “reviveram” (ezêsan) e a palavra idêntica descreve a ressurreição dos santos em 20.4, então a ressurreição de 20.4 deve ser física também . Mounce (1977, p. 356) observa ainda que se “reviveram ”, em 20.4, “significa u m a ressurreição espiritual [...] então som os confrontados com o desafio de descobrir no contexto um a razão convincente para se interpretar o mesmo verbo de forma diferente dentro de um a unidade concisa. Tal razão não pode ser encontrada”. Um estudo da palavra auastasis (“ressurreição”) é citado para reforçar a interpretação literal da ressurreição de 20.4, que é formalmente chamada de “a primeira ressurreição ” (hê auastasis hc prote) em 20.5,6. A palavra anastasis ocorre 41 vezes no NT e indica sempre a ressurreição física, com duas exceções (Lc 2.34; Jo 11.25). N esse sentido, é provável que o termo possua um significado literal em Apocalipse 20.5,6 (assim Deere 1978, p. 71). De acordo com essa perspectiva, o verbo zaõ (“reviver”/ “viver”), encontrado em 20.4 e 20.5, deve também ser entendido de forma literal. Na verdade, ela também é encontrada com significado literal tanto no com o fora dele. A proposta do presente comentário não permite um a resposta completa aqui, embora possa ser encontrada em outras obras (Beale 1999a, p. 1002-17; para uma argumentação diferente, v. Osborne 2002, p. 703- 9, 718). No entanto, um a resposta resumida será dada aqui, inclusive sobre a forma em que o AT é relevante p ara essa questão. Antes de discutir o contexto do AT, devem os examinar algum as ocorrências relevantes da palavra zaõ no NT e no grego helenístico. O uso de “reviver”/ “viver” (zaõ) ou do substantivo cognato “v ida” (zõe) com referência ao estado celestial intermediário, anterior à ressurreição física, é encontrado em outras passagens do NT e no judaísmo e indica que a gama de significados permite esse sentido em Apocalipse 20.4,6. Em Lucas 20.37,38, Jesus cita Moisés, que “chama o Senhor de Deus de Abraão, Deus de Isaque e Deus de Jacó, [...]. Ele não é Deus de mortos, m as de vivos; porque para ele todos vivem ”. A afirmação de que Deus hoje “não é Deus de mortos” sugere que os patriarcas estão vivendo no presente, desde a morte deles e antes de sua ressurreição física, e que Deus é hoje o seu Deus. Além disso, a última oração — “porque para ele todos vivem ” — está no tempo presente de zaõ (“vivem”), aparentem ente para destacar a realidade de que, se Deus é Deus de todos os crentes mortos, então “para ele todos [os crentes que morreram] vivem [neste momento diante dele]”. Isso é confirmado pelo fato de que a citação é parte do argumento de Jesus contra os saduceus, “que dizem não haver ressurreição” (Lc 20.27). Josefo (Ant. 18.16 [assim G .J. 2.165]) diz que os saduceus não apenas negavam a ressurreição corporal, mas também afirmavam “que a alma morre com o corpo”, de modo que as palavras de Jesus são u m a polêmica contra ambas as heresias dos saduceus (assim Hoekem a 1979, p. 233-4). Se este é o entendimento correto de zaõ (“viver”) em Lucas 20.38, então anastasis (“ressurreição”), em Lucas 20.35,36, inclui também a ideia da ressurreição do corpo bem com o da alma. A passagem de Jubileus 23.27-31 fala da felicidade eterna dos piedosos e em sentido figurado refere-se a ela com o “mil anos”, quando “eles [...] viverão em alegria e [...] ressuscitarão e experimentarão grande paz [...] se regozijarão com alegria para todo o sem pre [...] e seus ossos repousarão na terra, e seus espíritos terão muita alegria”. É significativo que a passagem mencione claramente um a ressurreição do “espírito” (seguindo Charles 1963, p. 240). Como Apocalipse 2.8 e 20.4,5, 4Macabeus descreve a mesma imagem irônica do translado para a vida celestial por meio da morte física utilizando as formas de zaõ (“viver”). Por haverem perseverado n a fé através do sofrimento até a morte, os mártires macabeus obtiveram “vitória sobre a morte” (7.3), considerada o início da “vida eterna” (17.12). Em bora tenham morrido fisicamente, “para Deus eles não morrem, pois vivem para Deus” no momento da morte física (7.19; assim também 16.25), recebem “almas imortais” e são reunidos aos patriarcas mortos (13.17; 18.23) no céu (17.4-5). Esta “vida” é chamada de “abençoada” e está associada ao ser “coroado” (17.15-18). Em 4Macabeus 17.17-18, é declarado explicitam ente que os incrédulos “admiravam sua perseverança [dos mártires], através da qual também agora estão ao lado do trono divino e vivem um a vida abençoada” (em bora a palavra zaõ não seja usada, o substantivo cognato zõe ocorre em 17.12, que introduz o parágrafo e é equiparado a “perseverança”) (v. tb. 2Mc 7.8- 36; T.Ab. [A] 20.9-15; T. Isaq. 7.1). Enquanto isso, 2Baruque fala dos “tesouros das almas” dos santos, que Deus “preserva” e “sustenta” até que eles sejam reunidos aos respectivos corpos, na última ressurreição (21.9; 30.1-3; 85.11-12). Eles também são identificados com “Abraão, Isaque e Jacó ” (21.23-24). O texto de Sabedoria de Salomão 3.1-8 também atesta claramente a existência da alma após a morte, com os seguintes destaques: “As almas dos justos [...] estão na mão de Deus [...]. Aos olhos dos insensatos [...] pareciam ter morrido; [...] m as agora estão na paz [...]. Deus os examinou e os aceitou com o holocausto [...] [eles] julgarão as nações e terão domínio [...] e o seu Senhor reinará para sempre” (assim 4 E d 7.75-101). Igualmente relevante é a observação feita anteriormente de que o amplo desfecho quádruplo de Apocalipse reflete o final de Ezequiel 37—48: a ressurreição do povo de Deus (Ap 20.4a; Ez 37.1-14); o reino messiânico (Ap 20.4b-6; Ez 37.15-28); a batalha final contra Gogue e Magogue (Ap 20.7-10; Ez 38 e 39); a visão final do novo Templo e da Nova Jerusalém (Ap 21.1—22.5; Ez 40—48). À luz do paralelismo estrutural, o termo czcsan (“eles reviveram ”), em Apocalipse 20.4, deve ser visto como um eco de Ezequiel 37.10, em que um a palavra idêntica é utilizada (assim Ez 37.6,14, em bora o verbo esteja no futuro). Se o paralelismo for intencional, então apoia a ideia de um a ressurreição espiritual em Apocalipse 20.4-6, um a vez que a ressurreição de Ezequiel 36 e 37 é também espiritual, ou pelo menos metafórica (sobre esse argumento, v. Feuillet 1965, p. 121; Brütsch 1970, 2:340; White 1991). O texto de Apocalipse 20.4 refletiria assim o cumprimento “já e ainda não” de Ezequiel 7.10 por toda a era da igreja. O entendimento de 20.4-6 com o um a realidade espiritual é consistente com a visão, refletida em outras passagens no AT e no NT, de que haverá apenas um a ressurreição física, a qual ocorrerá no final da história (v. Is 26.19-21; Dn 12.2; Jo 5.28,29; At 24.15; 2Ts 1.7-10; cf. Jo 6.39,40,44,54; assim lE n 51.1-5; 4 E d 7.32; 14.35; 2 B r 42.8; Or. Sib. 4.179-182; L.A .B . 3.10). Desse modo, a “primeira” ressurreição de 20.4-6 aparentem ente se refere a um a ressurreição espiritual dos santos seguida mais tarde por sua ressurreição física e definitiva. Observe o uso do número “mil”, tanto com o indicador literal quanto não temporal no AT e no NT (v. usos figurativos não temporais em Dt 1.10,11; 32.30; Js 23.10; Jó 9.3; 33.23; SI 50.10; 68.17; Ct 4.4; Is 7.23; 30.17; 60.22; Dn 7.10; Am 5.3; para usos figurativos temporais, v. Dt 7.9; SI 84.10; Ec 6.6; 7.28; J b 30.20). Particularmente notável é lCrônicas 16.15-17 (= SI 105.8-10), em que a “aliança perpétua” de Deus e sua “aliança e terna” são com paradas com a “palavra que prescreveu p ara mil gerações”. No judaísmo, há inúmeras tradições sobre a natureza e a extensão do futuro reinado messiânico. Alguns estudiosos especulavam que não haveria nenhum reinado messiânico, enquanto outros propunham períodos de um reinado intermediário de 40 a 365 mil anos. Apenas dois rabinos chegaram ao período de mil anos baseados em seus cálculos (o rabino Eliézer ben Hircano, citado em Midr. de SI 90.17; o rabino Eliézer ben José, o Galileu, citado em Pesiq. Rab. Piska 1 [cf. b. Sanh. 97a, em que um reinado de mil anos está implícito no ensinamento do rabino Katina]). O rabino Eliézer ben Hircano (c. 90 d.C.) representa a m ais antiga vertente atestada de um reinado de mil anos, concepção que ele provavelmente aprendeu de tradicionais rabínicas m ais antigas (assim Str-B 3:826-7; cf. b. Sukkah 28a). A tradição samaritana também sustentava um reinado messiânico de mil anos (v. Bailey 1934, p. 179-80). A única outra ocorrência do milênio é claramente figurativa da total perfeição do período eterno de bênçãos para o povo de Deus: “Os dias começarão a se tornar muitos e a aumentar entre os filhos dos homens até que seus dias se aproximem de mil anos, e para um número muito maior de anos do que (antes) era o número dos dias. E não h a ­ verá homem velho [...]. E todos os seus dias, eles haverão de completar e viverão em paz e alegria, p ara todo o sempre” (23.27-30). O número “mil” deriva de uma passagem anterior de Jubileus (4.29-30), que faz alusão a Isaías 65.22 LXX (“Os dias do m eu povo serão como os dias da árvore da vida, eles desfrutarão por muito tempo dos frutos do seu trabalho”.): “Adão morreu [...]. Faltavam -lhe setenta anos para mil anos, pois mil anos são com o um dia [= Sl 90.4] no testem unho dos céus, e, portanto, foi escrito a respeito da árvore do conhecimento: ‘No dia em que dela com eres, com certeza morrerás’. Por esse motivo, ele não completou os anos desse dia, porque morreu durante esse mesmo dia”. O livro de Jubileus entende que a vida ideal do período probatório (“dia”) no Éden deve ter sido de mil anos (assim Midr. Rab. de Gn 19.8; Midr. Rab. de Nm 5.4; Midr. de Sl 25.8 com base em Sl 90). Portanto, o texto de Jubileus conclui que o futuro reinado messiânico deverá alcançar o que Adão não alcançou. A argumentação encontrada em Jubileus baseia-se em três evidências: 1) a idade de Adão quando morreu, que não atingiu bem mil anos; 2) a passagem de Isaías 65.22, que profetiza que a era messiânica vai durar o tempo ideal pretendido para o primeiro Paraíso (tb. T. Levi 18.8-13); 3) o texto de Salmos 90.4 (a tradição dos Jubileus sobre o período ideal do milênio do primeiro Paraíso é refletido em Ireneu [Haer. 5.23.2]). Ao menos em parte, Jubileus 23.27-30 foi influenciado a conceber esse milênio em sentido figurado por causa da fórmula do salmo 90, enquanto os primeiros pais da igreja, com o Justino (Dial. 81), valeram-se do mesmo raciocínio para formular uma perspectiva literal pré-milenarista (tb. Hipólito, Comm. Dau. 2.4-6). 

20.8 A reunião das forças antagônicas ao povo de Deus é vista com o um cumprimento da profecia de Ezequiel 38 e 39, que antevia que “Gogue e Magogue” e as nações se ajuntariam “para a batalha” contra Israel. O texto de Ezequiel 38 e 39 distingue o inimigo “Gogue e M agogue” das outras nações q e se aliam a eles (38.2-7,15,22; 39.4). Em particular, a ideia de “ajuntar” as nações deriva de Ezequiel 38.2-8 e 39.2, juntamen­te com as passagens de Zacarias 12— 14 e Sofonias 3, que está por trás também das expressões paralelas de Apocalipse 16.14 e 19.19. Todos esses textos do AT predizem que Deus iria reunir as nações em Israel para a batalha final da história (v. comentário de 16.14; 19.19; v. tb. a introdução a esta seção [cap. 20]). O fato de o “número ” de nações reunidas ser “com o a areia do mar” ressalta que são inumeráveis e a probabilidade esmagadora a seu favor e contra os santos. Em Josué 11.4, Juízes 7.12 e 1 Samuel 13.5 a mesma metáfora é utilizada para os exércitos numerosos das nações reunidas p ara lutar contra Israel em vários momentos. 

20.9,10 A passagem de 20.9,10 prossegue com a alusão a Ezequiel, em que encontram os o único paralelo do inimigo numeroso do final dos tempos (38.15,22) que “subirá” [anabaiuõ] contra a terra ” (38.11 [v. tb. 38.16; 39.2; Tg. de Ez 38.9]) e será julgado pelo “fogo” do céu (39.6) e por “fogo e enxofre” (38.22). Em seu ataque contra Israel, a Babilônia é descrita com o “marchando sobre a extensão da terra, para herdar tabernáculos que não são seus” (Hc 1.6 LXX). A mesma expressão serve de base agora para descrever o ataque inimigo do final dos tempos contra os santos. O primeiro episódio do AT prenuncia o último. Em seguida, na sua visão profética, João vê que as nações inimigas “cercaram o acampamento dos santos e a cidade amada”. No AT, “acampamento” muitas vezes refere-se ao acampamento das tribos israelitas no deserto em torno do Tabernáculo, especialmente em Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Os que permaneciam no acampamento tinham de estar ritualmente purificados, por causa da presença de Deus, que residia no meio deles (e.g., Nm 9.18-23; 2Cr 31.2; v. Hamilton 1980, p. 300). O mais semelhante entre os textos do AT é Deuteronômio 23.14: “O Senhor , teu Deus, anda no meio do teu acampamento, para te livrar e para te entregar os inimigos; por isso, teu acampamento será santo ” (cf. 1QM III, 5-9; 1QMX). As nações agressoras serão destruídas por Deus antes que possam aniquilar os santos: “Desceu fogo do céu e as devorou ”. Segue-se aqui o padrão da profecia de Ezequiel (comentado em Ap 20.9,10), em que o fim do inimigo de Israel se dá pelo fogo, também refletido no judaísmo (cf. Tg. Ps.-J. Nm 11.26, em que a destruição de Magogue pelo fogo é observada, também em alusão a Ezequiel 39; de m odo semelhante, em 1QM XI, 16-17 Deus “lutará contra eles [Gogue] do alto do céu”). O vocabulário utilizado para descrever a impetuosa derrota é extraído de 2Reis 1.10-14, que descreve com o Deus liberta Elias do exército do ímpio rei Acazias. 

20.11 A visão de “um grande trono branco e o que estava assentado sobre ele” remete a 4.2 e a 5.7 (sobre o qual, v. comentário), em que Deus é retratado como “assentado no trono”, que é um a alusão principalmente a Daniel 7.9 e a Ezequiel 1.26-28. Tanto nas duas primeiras passagens quanto aqui em Apocalipse 20.11, Daniel 7 é o foco, um a vez que a “abertura dos livros”, de Daniel 7.10, bem como outras alusões a Daniel, estão presentes nos dois contextos. A expressão “não foi achado lugar para eles” é extraída de Daniel 2.35, em que é descrita a destruição dos reinos ímpios no final dos tempos. A passagem de Apocalipse 12.8 faz a mesma alusão para realçar o início da derrota do Diabo e suas forças pela morte e ressurreição de Cristo. Ora, o mesmo vocabulário de Daniel é aplicado à completa destruição do sistema mundial do mal. Portanto, Apocalipse 20.11 retrata o cumprimento futuro de Daniel 2.39 e 7.9. 

20.12 “Abriram-se alguns livros. Então, abriu-se outro livro, o livro da vida” combina alusões a Daniel 7.10 (“os livros foram abertos”) e Daniel 12.1,2 (“todo aquele cujo nome estiver escrito no livro, será liberto [...] para a vida e terna”). Os livros de Daniel 7 concentram-se nas maldades do perseguidor do povo de Deus no final dos tempos, pelas quais se fará o julgamento do(s) perseguidor(es). O livro citado em Daniel 12.1 também diz respeito ao final dos tempos, porém apresenta um quadro da redenção. Os que têm o nome escrito no livro receberão vida, m as os que não constarem do livro sofrerão o juízo definitivo (12.1,2). As duas profecias de Daniel têm seu cumprimento por ocasião do Juízo Final.

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