Hegel e Kant: Diferenças e Semelhanças
Kant não se fixa no problema do ser, mas do conhecimento. Distingue os universais sensíveis dos puros
universais. Mas usa outra terminologia. O que até aqui
chamamos de universais, ele chama de categorias. Há,
para Kant, categorias que resultam da experiência. São
sensitivas, já que toda nossa experiência é através da
aplicação dos sentidos. “Cor”, “som”, “odor”, são
exemplos destas categorias. Mas categorias como “totalidade”, “unidade”, “pluralidade” etc. são destituídas da
marca de sensibilidade. Kant acredita que elas não nascem em nossa mente como resultado de nossa experiência sensível. Elas são anteriores à experiência. E o que
ele chama a priori. E a expressão latina a priori significa exatamente isto: “anterior a”, “antes de”. Os puros
universais de Hegel são as categorias a priori de Kant.
A distinção portanto que Platão não fez, Kant e Hegel
tiveram o cuidado de fazê-la.
Mas entre Kant e Hegel há uma diferença ainda:
Para Hegel estes universais puros (sem mistura de percepção sensível) são as razões de onde brota todo ser.
São condições de existir. Para Kant são a aplicação do
conhecer, são as condições do conhecimento. Nossa
mente, segundo Kant, tem determinadas estruturas sob
as quais percebe o Universo: são as categorias a priori, supraditas. Como uma pessoa que coloca óculos azuis e vê tudo azulado, também a mente já traz em si,
anterior a qualquer experiência, estas categorias, pelas
quais forçosamente percebe o mundo, sob as categorias
de “unidade”, “pluralidade” etc. (Também não pretendemos dar aqui a relação completa das categorias a priori de Kant.)
Se estou de óculos azuis e vejo tudo azulado, este
“azulado” não está na natureza. Meus olhos não o colhem, pela experiência, nos objetos que enxergam. Está em mim, projeto-o sobre os objetos. E se toma a única
maneira inevitável de perceber os objetos. Assim também, se as categorias a priori estão em minha mente,
sob elas percebo o mundo, embora não esteja nos objetos, mas na minha mente, o que a eles aplico. E não tenho condição de me furtar a esta necessidade.
Mas voltando aos óculos azulados, me pergunto: então não percebo os objetos como eles são? Percebo
como eles me aparecem através destas lentes?
Sim.
E
assim também, segundo Kant, é o próprio conhecimento: não percebo as coisas como elas são. Aplico a elas as
categorias que estruturam a minha mente. Do mundo,
percebo, portanto, só as aparências. Nunca as coisas
como são em si.
É tempo de notar que aqui Platão e Kant estão concordando. As “sombras” de Platão são as “aparências”
das realidades que estão em outro mundo. E a mente se
encontra na dificuldade, tanto num como no outro, de
apreender, diretamente, o real como é em si mesmo. Aí está em que Hegel e Kant concordaram: nas distinções entre puros universais e universais sensoriais. (A distinção que Platão não fez.) E aí está em que Kant e Hegel
discordam: para Kant, estes universais são condições do conhecer. São subjetivos, portanto, para Hegel são fontes do
ser, são objetivos, portanto. Esta observação é feita para se
entender melhor alguns detalhes. Mais tarde veremos que a
distinção entre ser e conhecer existe em Kant mas em Hegel, não. No pensamento hegeliano - veremos no número
33 - ideia e coisas, conhecer e ser, se identificam.
Fonte: Compreender Hegel, de Francisco Pereira Nóbrega, pp. 24-26.