Significado de Romanos 4
Romanos 4
Romanos 4 continua o tema da justificação pela fé introduzido nos capítulos anteriores. Neste capítulo, o apóstolo Paulo usa o exemplo de Abraão para ilustrar como a fé sempre foi o meio de justificação.
Paulo começa enfatizando que Abraão não foi justificado por suas obras, mas por sua fé em Deus. Ele cita Gênesis 15:6, que diz: “Abraão creu em Deus, e isso lhe foi creditado como justiça”. Paulo argumenta que esse princípio de justificação pela fé foi estabelecido muito antes de a lei ser dada e, portanto, aplicável a todas as pessoas, não apenas aos judeus.
Em Romanos 4, Paulo também aborda a questão de saber se a circuncisão é necessária para a salvação. Ele argumenta que a circuncisão era um sinal da fé que Abraão já havia demonstrado, e não um requisito para a salvação. Paulo enfatiza que é a fé, não a circuncisão ou qualquer outro sinal externo, que traz justificação e salvação.
Finalmente, Paulo conclui Romanos 4 enfatizando o significado da morte e ressurreição de Cristo para nossa justificação. Ele diz que Jesus foi entregue à morte por nossos pecados e ressuscitado para nossa justificação. Pela fé em Jesus, somos declarados justos diante de Deus e temos a certeza da vida eterna.
Romanos 4 usa o exemplo de Abraão para ilustrar o princípio da justificação pela fé. Paulo enfatiza que a fé, não obras ou sinais externos como a circuncisão, é o meio de justificação e salvação. Ele também destaca o significado da morte e ressurreição de Cristo para nossa justificação. A mensagem de Romanos 4 é uma mensagem de esperança e certeza para todos os que colocam sua fé em Jesus Cristo.
I. Hebraísmos e o Texto Grego
Em Romanos 4, Paulo constrói em grego um argumento totalmente nutrido pelo léxico, pela sintaxe e pela teologia do hebraico bíblico. O eixo semântico decisivo é o de crer (ʾāman), imputar/considerar (ḥāšav) e justiça (ṣĕdāqâ), explicitamente ancorado em Gênesis 15:6, que ele cita para mostrar que Abraão foi declarado justo antes de qualquer obra ou rito. O texto hebraico reza: “וְהֶאֱמִן בַּיהוָה וַיַּחְשְׁבֶהָ לּוֹ צְדָקָה” (weheʾĕmîn baYHWH wayyaḥšebehā lô ṣĕdāqâ, “ele creu no SENHOR, e isso lhe foi imputado por justiça”). A escolha grega de episteusen / elogisthē / dikaiosynē verte, sem traduzir o pensamento, a mesma trilogia hebraica: confiança leal que Deus considera como justiça da aliança. O próprio verbo ḥāšav (“imputar, computar”) aparece noutra matriz veterotestamentária que Paulo tem à vista, quando o zelo de Finéias é “contado por justiça” em Salmos 106:31: “וַתֵּחָשֶׁב לוֹ לִצְדָקָה” (wattēḥāšeb lô liṣdāqâ, “foi-lhe imputado por justiça”). Assim, o núcleo de Romanos 4 não é um neologismo paulino, mas a reapropriação, em koiné, do mecanismo semítico pelo qual Deus conta algo ao seu povo.
Ao confrontar “salário” e “graça” (4:4–5), Paulo não importa categorias econômicas helênicas; ele dramatiza, com outro vocabulário, a oposição bíblica entre mérito e perdão coberto. É por isso que, ao lado de Abraão, ele convoca Davi (4:6–8) e faz aflorar o Saltério como gramática do perdão: “אַשְׁרֵי נְשׂוּי־פֶּשַׁע כְּסוּי חֲטָאָה. אַשְׁרֵי אָדָם לֹא־יַחְשֹׁב יְהוָה לוֹ עָוֹן” (ʾašrê nĕśûy-pešaʿ, kĕsûy ḥăṭṭāʾâ. ʾašrê ʾādām lōʾ-yaḥšōb YHWH lô ʿāwōn, “bem-aventurado aquele cuja transgressão foi levantada, cujo pecado está coberto. Bem-aventurado o homem a quem o SENHOR não imputa iniquidade”, Salmos 32:1–2). A dupla “cobrir” (kāsâ) e “não imputar” (lōʾ yaḥšōb) explica o gesto gratuito de Deus que Paulo descreve com charis e logizetai: o perdão não paga uma dívida; ele a cobre e deixa de computá-la.
A seção sobre a circuncisão (4:9–12) mantém o argumento no leito semítico. Paulo sublinha que Abraão foi justificado antes da circuncisão para que se tornasse “pai de todos os que creem” (incircuncisos e circuncisos), e então descreve a circuncisão como “sinal” e “selo”. Em Gênesis 17:11, a ordenança é definida como sinal: “וּנְמַלְתֶּם אֵת בְּשַׂר עָרְלַתְכֶם... וְהָיָה לְאוֹת בְּרִית” (ûnĕmaltĕm ʾet bĕśar ʿorlatkem... wehāyâ leʾôt bĕrît, “circundareis a carne do vosso prepúcio... e será por sinal da aliança”). Quando Paulo fala de “selo” (sphragís), ele traduz para o koiné a categoria hebraica de ḥōtām (“selo”), que marca autenticidade e pertença (cf. “כְּחוֹתָם עַל־יַד יְמִינִי”, kĕḥōtām ʿal-yad yemînî, “como um selo na mão direita”, Jeremias 22:24). A sintaxe de Paulo — rito como sinal e selo de uma justiça recebida pela fé — é, portanto, a maneira grega de reapresentar o lugar bíblico dos ʾōtōt (sinais) na economia da aliança.
Quando avança para a promessa (4:13–17), Paulo reafirma que ela não veio “pela Lei”, mas “pela justiça da fé”. Isso não desvaloriza a Torá; antes, reencena a ordem veterotestamentária em que a promessa a Abraão é anterior e soberana. A teologia da “Lei que produz ira” (ho nómos orgēn katergázetai, 4:15) não invoca um estoicismo jurídico, mas a própria maldição da aliança quando a Lei é transgredida: “אָרוּר אֲשֶׁר לֹא־יָקִים... לַעֲשׂוֹת אֶת־דִּבְרֵי הַתּוֹרָה” (ʾārûr ʾăšer lōʾ-yāqîm... laʿăśōt ʾet-divrê hattôrâ, “maldito aquele que não confirmar... para cumprir as palavras da Torá”, Deuteronômio 27:26). Ao dizer que “onde não há lei não há transgressão”, Paulo pensa em pešaʿ como violação de limites revelados; e volta, com Davi, ao campo semântico de “não imputar pecado” (Salmos 32) para mostrar que a bem-aventurança prometida não se funda num fazer meritório, mas num status concedido pelo pacto gracioso.
O versículo-charneira 4:17 adensa o semitismo: Deus é “aquele que vivifica os mortos e chama as coisas que não são como se fossem”. A primeira cláusula ecoa o credo da soberania vital de YHWH: “יְהוָה מֵמִית וּמְחַיֶּה” (YHWH mēmît ûmeḥayyeh, “o SENHOR mata e dá vida”, 1 Samuel 2:6). A segunda remete tanto ao ato criador pela palavra (“יְהִי... וַיְהִי”, yehî... wayĕhî, “haja... e houve”, Gênesis 1) quanto ao poder nomeador que traz à história o que Deus decreta (“וַיִּקְרָא”, wayyiqrāʾ, “e chamou”). Esse Deus é precisamente o que renomeia Abraão e o constitui pai universal: “כִּי אַב־הֲמוֹן גּוֹיִם נְתַתִּיךָ” (kî ʾav-hamôn gôyim nĕtatîkā, “porque por pai de muitas nações te fiz”, Gênesis 17:5). Em Paulo, a ontology da promessa é hebraica: a palavra eficaz do Criador reconfigura a realidade histórica.
Os vv. 18–22 seguem a mesma trilha, descrevendo a fé de Abraão como esperança contra a esperança, “sem enfraquecer na fé”, “dando glória a Deus”. Cada expressão tem lastro veterotestamentário: a tiqwâ da aliança enfrentando a esterilidade (cf. a promessa da vida a partir do impossível: “הֲיִפָּלֵא מֵיְהוָה דָּבָר”, hăyippālēʾ mēYHWH dābār, “acaso é demasiada alguma coisa para o SENHOR?”, Gênesis 18:14), e o ato de “dar glória” a Deus como reconhecimento confiante do seu poder (“תְּן־נָא כָבוֹד לַיהוָה”, ten-nāʾ kāvôd laYHWH, Josué 7:19). Em outras palavras, o que Paulo chama de pistis é a forma grega da ʾĕmûnâ de Abraão: uma confiança que toma Deus por veraz, apesar da experiência sensível do “corpo amortecido”.
O fecho (4:23–25) explicita a hermenêutica da Escritura: “não foi por causa dele somente que está escrito... mas também por nossa causa”. Ou seja, a sentença de Gênesis é paradigma de todo aquele a quem Deus “imputa justiça” pela fé. E a referência ao Deus que “ressuscitou Jesus dentre os mortos” é, de novo, moldada pela gramática veterotestamentária em que o Senhor é o Vivente que ergue e sustém: “מֵמִית וּמְחַיֶּה... וְמוֹרִיד שְׁאוֹל וַיַּעַל” (mēmît ûmeḥayyeh... wĕmôrîd šĕʾôl wayyaʿal, “mata e vivifica... faz descer à sepultura e faz subir”, 1 Samuel 2:6). O Cristo “entregue por causa de nossas transgressões e ressuscitado para nossa justificação” é, portanto, a atualização histórica daquela ṣĕdāqâ que Deus “imputou” a Abraão: não uma qualidade ontológica humana, mas um veredito gracioso ancorado na ação fiel do Deus da aliança.
Assim, a fraseologia de Romanos 4 — logizetai eis dikaiosynēn, “sinal e selo”, “promessa”, “lei que produz ira”, “Deus que vivifica e chama” — é a roupagem grega de um raciocínio hebraico: ḥāšav como imputação, ʾāman / ʾĕmûnâ como confiança obediente, ṣĕdāqâ como justiça fiel de Deus, ʾôt e ḥōtām como marcas do pacto, pešaʿ / ʿāwōn / ḥăṭṭāʾâ como léxico do pecado que Deus decide não contabilizar. Paulo escreve em grego, mas pensa em hebraico; e, por isso, seu capítulo sobre Abraão é menos uma inovação conceitual e mais a transliteração — agora para as nações — da própria lógica da Torá e dos Salmos.
II. Comentário de Romanos 4
Romanos 4.1-25 Este capítulo é central para a afirmação de que a justificação ocorre apenas pela graça de Deus, mediante a fé. Os versículos 1 a 8 demonstram que a justificação é um presente, não algo que se obtém pela realização de obras. Os versículos 9 a 12 afirmam que Abraão estava justificado antes mesmo de ter sido circuncidado, o que implica em dizer que a circuncisão não é o fundamento da justificação. Os versículos 13 a 17 provam que a justificação existe desde a época de Abraão; ou seja, centenas de anos antes da Lei de Moisés, já havia justificação. Logo é impossível que a justificação esteja baseada na Lei. Os versículos 18 e 25 resumem o argumento de Paulo, concluindo que Abraão foi justificado pela fé e não pelas obras.
Romanos 4.1 A declaração nosso pai segundo a carne significa de acordo com o seu próprio labor. Como indica o versículo seguinte, Paulo levanta esta questão: Abraão foi justificado diante de Deus pelas suas obras?
Romanos 4.2, 3 Paulo cita Gn 15.6 para provar que Abraão não foi justificado pelas obras que praticava. Deus fez uma promessa a Abraão, e Abraão confiou em Deus para o seu cumprimento. Por causa da fé deste patriarca, Deus creditou a ele a justiça. Para receber de Deus a condição de justo, Abraão não teve de obedecer qualquer lei ou executar qualquer circuncisão ritual; ele simplesmente creu em Deus.
Romanos 4.4, 5 Imputado. A justiça foi imputada a Abraão. Isso significa que o patriarca não precisou trabalhar para ganhar essa justiça. Deus justifica aqueles que creem (v. 3). Todo aquele que vem a Deus pela fé, é considerado justo. Não é necessário praticar obras e rituais, ou ser um seguidor das leis judaicas, para ser justificado. Paulo continua construindo o conceito de que a justificação está apartada das obras da Lei.
Romanos 4.6-8 Conforme a lei judaica, uma questão deve ser decidida através do testemunho de duas ou três pessoas. Paulo convoca duas personagens do Antigo Testamento para testemunhar a favor da justificação pela fé: uma é mencionada nos livros da Lei (Rm 4.1-5) e a outra no dos Profetas (Rm 4.6-8; Rm 3.21; e Atos 2.29,30 onde Davi é chamado de profeta).
Romanos 4.9, 10 Como é bastante conveniente às pessoas que elas possam ser justificadas somente pela fé, sem a necessidade de obedecerem à Lei judaica, surge a pergunta: Essa justificação está atualmente disponível à incircuncisão! Muitos judeus do tempo de Paulo entendiam que a bênção e o perdão de Deus são aplicáveis somente aos que haviam sido circuncidados, os judeus. Porém, Abraão recebeu a justiça de Deus antes mesmo de ser circuncidado. Esse fato abre espaço para uma nova compreensão da graça de Deus. A graça está disponível a todas as pessoas, sejam judeus ou gentios.
Romanos 4.11, 12 Abraão é pai dos que creem, sejam eles circuncisos ou incircuncisos. A circuncisão é sinal e selo. Como sinal, ela apontava para o fato de que Abraão foi justificado. Como selo, ela atestava que Abraão era justo. Tecnicamente, a circuncisão foi um sinal e um selo da aliança que Deus fez com Abraão e, por extensão, com todo o que crê. Deus não faria uma aliança com um injusto. Note que a promessa de Gn 12.1-3 se torna uma aliança incondicional em Gn 15.18. Deus declarou a Sua aliança incondicional com Abraão depois de declarar que ele fora justificado por causa da sua fé (Gn 15.6).
Romanos 4.13 A promessa feita a Abraão não era proveniente da circuncisão (v. 9-12) ou da Lei (v. 13-16), mas da justiça da fé. Herdeiro do mundo significa que Abraão e a sua posteridade, em particular, Cristo, herdarão a terra; essa promessa se cumprirá no reino que será estabelecido por ocasião da volta de Cristo.
Romanos 4.14 Pois, se os que são da Lei. Essa não é uma referência ao povo judeu, mas a qualquer indivíduo que dependa da Lei para obter a sua justiça.
Romanos 4.15 Transgressão significa andar sobre. A Lei desenha a linha que não deveria ser cruzada.
Romanos 4.16 Portanto, é pela fé. Paulo conclui que as promessas de Deus feitas a Abraão estavam fundamentadas apenas na fé. Assim, fica estabelecido que a salvação só é possível pela graça, ou seja, pelo favor de Deus. Já que a promessa não se baseia na observância de qualquer lei ou na execução de qualquer ritual, como, por exemplo, a circuncisão, Abraão é o precursor de todos os que creem.
Romanos 4.17 Deus, o qual vivifica os mortos. E uma referência ao nascimento de Isaque do corpo amortecido de Abraão e do ventre amortecido de Sara; ambos já haviam passado da idade de ter filhos (v. 19).
Romanos 4.18 Quando Abraão estava fisicamente impossibilitado e sem qualquer esperança de ter um filho, ele baseou sua esperança nas alternativas provenientes das promessas que recebera de Deus. Ele creu que sua descendência seria tão numerosa quanto as estrelas dos céus, porque o Senhor Deus todo-poderoso havia prometido.
Romanos 4.19 Amortecimento do ventre. Enquanto era jovem, Sara não tinha gerado filhos, até que Deus lhe prometeu um herdeiro quando ela já havia passado da idade para engravidar.
Romanos 4.20 Dando glória a Deus. Ou seja, declarando quem Deus é. Pela fé, Abraão reconheceu que Deus era fiel e suficientemente poderoso para cumprir Sua promessa.
Romanos 4.21 Abraão não estava apenas desejoso de que Deus o fizesse o pai de muitas nações. Ele também estava certíssimo de que o que ele tinha prometido também era poderoso para o fazer. A história nos ensina uma preciosa lição: aquilo que Deus promete, ele também executa.
Romanos 4.22 A fé de Abraão foi imputada a ele como justiça (veja nota do versículo 3).
Romanos 4.23, 24 Deus teve a fé de Abraão registrada na Bíblia não para imortalizá-lo, mas para que ele fosse um modelo para os outros. Que dos mortos ressuscitou a Jesus. A fé de Abraão é um modelo porque ele creu em um Deus que pode ressuscitar mortos. Nós seguimos o exemplo de Abraão quando exercitamos nossa fé; quando cremos que o Deus que ressuscitou a Jesus dentre os mortos também nos concederá vida eterna. A convicção da ressurreição de Jesus, e da nossa, é central para o evangelho (1 Co 15.4)
Romanos 4:25 Jesus foi entregue à morte, tomando para si o castigo decorrente dos nossos pecados. Da mesma maneira que Deus vivificou o corpo de Abraão e Sara quando eles pensaram que não podiam mais ter filhos, Deus ressuscitou Jesus, trazendo-o novamente à vida, para nunca mais morrer. Quando Deus ressuscitou Cristo, ficou claro que o Pai havia aceitado o sacrifício de Seu Filho. A ressurreição de Jesus nos trouxe a justificação diante de Deus.
Índice: Romanos 1 Romanos 2 Romanos 3 Romanos 4 Romanos 5 Romanos 6 Romanos 7 Romanos 8 Romanos 9 Romanos 10 Romanos 11 Romanos 12 Romanos 13 Romanos 14 Romanos 15 Romanos 16