Estudo de Apocalipse 15:1-2

Estudo de Apocalipse 15:1-2


Vi no céu outro sinal. O termo “sinal” abrange, no presente texto (cf. Ap 12.1,3), uma visão com seus detalhes e movimentos, ou seja, os acontecimentos até o v. 8.729 O sinal aparece a João como grande e admirável. Já o sinal de Ap 12.1 foi qualificado por ele como “grande”. Agora acrescenta o espanto horrorizado (quanto ao termo, cf. o comentário ao v. 3). Esse traço de intensificação extrema constantemente chamará nossa atenção na série das taças.

No centro do “sinal” estão novamente sete anjos de flagelos: sete anjos tendo… flagelos. Até esse ponto eles poderiam coincidir com os anjos das trombetas no cap. 8. Contudo, a pequena frase desemboca num acréscimo essencial, do qual não pode ser separada. Os flagelos que estes anjos têm a trazer são os últimos. Eles não perpassam todo o tempo escatológico, como os juízos dos selos e das trombetas, mas somente iniciam quando a evolução já está avançada, no “derradeiro trecho antes do fim” (Rissi). É assim que esclarece expressamente a frase seguinte: pois com eles foi consumado730 o furor de Deus. Ele atinge seu ponto-alvo.

Cabe comparar com este texto as passagens da consumação dos “mistérios de Deus” (Ap 10.7) ou das “palavras de Deus” (Ap 17.17). A partir de um determinado momento Deus abandona sua atitude reticente e interfere rápida e definitivamente. É para isto que servem os juízos das taças. Ao estarem terminados, ressoa a notícia da execução: “Está feito!” (Ap 16.17 [teb]).

O número sete novamente expressa: Deus não fica devendo nada em sua ira. Todo e qualquer pecado cometido no cosmos obtém a ação contrária perfeita. Assim como Deus foi inteiramente Deus em seu amor, assim ele também será inteiramente Deus em sua ira.

Apesar de que a série das taças, portanto, não diz respeito ao mesmo período de tempo como a série das trombetas, mas unicamente à última fase, ela faz uso de figuras muito similares, como evidenciou a comparação acima. Disso resulta que o período derradeiro não traz momentos fundamentalmente novos em comparação a todo o fim dos tempos. Contudo condensará os acontecimentos e os intensificará a ponto de que ninguém deixará de notá-los. Agora se impõe à consciência de todas as pessoas, como dado ofuscante, o reconhecimento de que chegou o tempo de decisão e de que os povos jazem na crise. Em nenhuma época anterior o testemunho cristão, como também sua ridicularização, estão tão carregados de responsabilidade.

O primeiro versículo era um título (nota 729). Somente agora João começa a reproduzir de fato sua visão. Vi (algo) como que um mar de vidro. No Ap este fenômeno faz parte das cercanias do trono de Deus (cf. o exposto sobre Ap 4.6). As “águas que estão acima do firmamento” (Gn 1.7 [bj]) já não representam um aspecto ameaçador. Elas se tornaram vítreas, i. é, as ondas agitadas foram controladas num espelho liso da majestade de Deus. Combina com essa imagem o elemento do fogo: mesclado de fogo. Em inúmeras manifestações de Deus o fogo é expressão da sua essência (cf. Ap 4.5). Aqui expressa sua glória de Juiz.731

Obviamente a confrontação do mar de vidro com o trono de Deus resulta, na presente passagem, mais das correlações gerais do que de uma formulação expressa. O próprio texto salienta uma segunda relação: o mar de vidro constitui o posto732 dos vencedores, que entoam ali a nova canção. Deste modo surge um significado adicional dessa aparição, pois um judeu podia ser lembrado, pela constituição vítrea desse mar, do Mar Vermelho,733 em que no passado Israel experimentou a glória do juízo de Deus e em cujas margens o povo libertado entoou o “cântico de Moisés“ (aqui no v. 3).734

A conexão com aquele evento nos primórdios de Israel se torna cada vez mais sólida nas palavras seguintes. João viu os vencedores da besta, da sua imagem e do número do seu nome. Afinal, também o poder de Faraó, sobre quem Israel venceu pelo braço forte de Deus, às vezes era comparado a uma besta do tipo de um dragão.735

Surge, pois, “Israel” na margem salvadora, junto ao (rc, nvi, vfl)736 mar de vidro, e passou pelos perigos e temores do cap. 13. Os rios não puderam afogar nem o fogo pôde queimá-lo, porque Deus o amou tanto (Is 43.2,3).

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Depois que se quebraram as harpas do imperador (cf. o comentário a Ap 14.2), ressoam as harpas de Deus. O texto evoca Ap 5.8 e 14.2, só que não são mais anjos que as tangem, mas sim os vencedores que vieram da tribulação do cap. 13. Essa situação pressupõe um momento diferente, a saber, a hora depois de todos os juízos de Deus.

Ou devemos concordar com Rissi, cuja interpretação cria um paralelo entre este louvor dos vencedores no céu e as perseguições que prosseguem na terra depois do cap. 13? Segundo a sua tese, os mártires chegam individualmente a este coro celestial, cada um imediatamente após a hora de sua morte, ao passo que a comunidade restante continua a lutar duramente.737

É evidente que uma leitura assim perturbaria sensivelmente a comparação com os acontecimentos no Êxodo, pois lá não aconteceu que a ponta da caravana já começara a cantar enquanto a massa ainda passava pelo mar, perseguida pelo enfurecido Faraó. Contudo, essa tese tampouco caberia na mensagem do Ap. Na visão de Ap 6.9-11 os mártires aparecem estreita e enfaticamente congregados com “seus conservos e seus irmãos que iam ser mortos como igualmente eles foram”. Provavelmente eles já se encontram próximos de Deus (junto ao altar), porém ainda participam a seu modo do grande clamor até a redenção completa. E conforme o cap. 7 canta-se somente quando todos podem participar, quando está entre eles também a última voz da grande multidão. Tanto naquele como no presente texto, trata-se de uma antevisão da igreja aperfeiçoada. Agora, ela não está mais a caminho, como em Ap 14.4, mas na outra margem. A nova canção já não está apenas em seu ouvido, como em Ap 14.3, mas também nos lábios.

Finalmente, também o teor da nova canção (cf. o exposto sobre Ap 5.9) depõe contra a ideia de que aqui ainda estejam sendo imaginadas como contínuas a blasfêmia da besta e os juízos de Deus.


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Notas:

729. Parece haver uma dificuldade no entendimento do trecho. Por um lado João já viu os sete anjos no v. 1, por outro o céu se abre apenas no v. 5, e somente então os anjos saem do recinto interior e se tornam visíveis para João com todos os pormenores. A solução se oferece no fato de que o v. 1 possui a característica de um título. Nela João sintetiza, em forma de anúncio, o que passará a descrever mais tarde (assim também pensam Bousset, Hadorn, Stokmann, Wikenhauser, Lilje etc.).

730. A forma verbal no pretérito novamente se explica a partir da viva imaginação daquilo que foi profetizado com convicção (cf. o exposto sobre Ap 14.8).

731. Nesse sentido o judaísmo também falava de um mar de fogo no céu.

732. Como em Ap 1.12; 4.2 e, por último, em Ap 14.14, João volta a descrever primeiro o lugar, e depois as pessoas que nele se encontram.

733. Conforme Schlatter, os judeus pensavam que Deus teria feito a água do mar solidificar-se quando eles passaram pelo Mar Vermelho, de modo que ela se tornou semelhante à louça de vidro (documentado por Bietenhard, pág. 61, nota 4).

734. Nesse texto E. Käsemann vê cristãos parados diante da água batismal (Exegetische Versuche und Besinnungen, vol. i, 3ª ed. 1964, pág. 44). É verdade que 1Co 10.1,2 estabelece uma ligação entre o Mar Vermelho e o batismo, contudo, será que o mesmo está acontecendo aqui?

735. Cf. nota 526. Faraó representou um primeiro tipo do anticristo.

736. Em termos técnicos não é plausível a tradução com “sobre o mar” (p. ex., Wikenhauser, Lohmeyer [bj]), tampouco como, p. ex., em Ap 3.20: “Eis que estou à porta (não ‘sobre’ a porta)…”

737. Com razão posicionam contrariamente Langenberg, Wikenhauser, Hadorn e Bietenhard.