Estudo sobre Apocalipse 14:1

Estudo sobre Apocalipse 14:1


Visivelmente comovido, João recomeça: Olhei, e eis. Depois da visão deprimente da assembleia de adoração perante a besta dominadora do mundo lhe é concedida uma vigorosa imagem oposta. Bengel observa sobre a passagem: “Agora também podemos ver novamente algo de bom”. O Cordeiro (estava) em pé sobre o monte Sião. Este personagem central das visões dos selos estava como que esquecido desde Ap 8.1. Somente no apêndice, a partir do cap. 12, os atributos do Cordeiro657 voltaram à tona e agora o próprio Cordeiro retorna.658

Constatamos que, ao contrário do cap. 5, João não vê o Cordeiro no céu, mas sobre a terra. Pelo menos o v. 4 pressupõe que o Cordeiro vai à frente da igreja terrena. Antes de mais nada, porém, cabe elucidar a indicação geográfica sobre o monte Sião.

Originalmente “monte Sião”659 designava a parte mais antiga de Jerusalém, portanto, aquele elevado sobre o qual estava erguida a fortaleza dos jebuseus. Quando Jerusalém foi ampliada no decorrer dos anos, essa cidade velha recebeu o nome de “cidade de Davi”, enquanto “Sião” se referia a toda a Jerusalém, às vezes até a todo Israel.660 Principalmente, porém, o nome está relacionado ao monte do Templo enquanto moradia de Deus. “Subir a Sião” significa deslocar-se até Deus no Templo, para dar-lhe culto.661 Deus mora em Sião, motivo pelo qual ali também as pessoas podem morar com segurança. Sião é a zona da soberania de Deus, tornando-se uma expressão de salvação desvinculada da geografia, e conceito central para a salvação escatológica entre os profetas. Esse lugar de esperança é anunciado no NT como tempo atual: “Vocês chegaram ao monte Sião e à cidade do Deus vivo” (Hb 12.22 [BLH]). É assim que o escritor saúda os fiéis de seu tempo.

Em comparação com as profecias do AT sobre o “Sião“ salta à vista a enorme simplificação no presente texto do Ap. O AT ilustra o templo do Sião, seus átrios, portões, torres, altares, sua altura e formosura, seus ornamentos e sua riqueza, bem como a multidão de crianças e animais, e do mesmo modo os visitantes que se achegam com seus presentes, e finalmente as belas celebrações, refeições festivas e cânticos de louvor. Também vislumbra-se o assédio dos inimigos contra esse monte de Deus.662 Diante dessa abundância de conteúdos, apenas duas impressões predominantes contrapõem-se aqui! Sião é o lugar da comunhão com o Cordeiro e, como tal, simplesmente “monte”, i. é, abrigo: “O Senhor brama de Sião… e os céus e a terra tremerão; mas o Senhor será o refúgio do seu povo e a fortaleza dos filhos de Israel” (Jl 3.16),663 e “porque, no monte Sião e em Jerusalém, estarão os que forem salvos, como o Senhor prometeu; e, entre os sobreviventes” (Jl 2.32).664

Retomou-se, portanto, o motivo da preservação, de Ap 7.3–11.1 e 12.6,14, embora naturalmente através de uma nova ilustração. Em meio à torrente anticristã sobressai-se, inexpugnável, o monte Sião. Esse lugar seguro forma-se pela fuga para a comunhão com Jesus, o Cordeiro, bem como pelo serviço para Jesus, no discipulado. Martim Buber traduz da seguinte forma o Sl 125.1: “Os que buscam segurança nele, são como o monte de Sião, jamais ele cambaleia”. Contudo, quem afrouxa essa comunhão e abandona o serviço de testemunha sucumbe. Também Paulo tinha ciência de somente uma única desgraça e tragédia, a saber, deixar de anunciar o evangelho (1Co 9.16).

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A contagem do número dos seguidores do Cordeiro igualmente faz parte da ideia da preservação: e com ele cento e quarenta e quatro mil (cf. o comentário a Ap 7.4). Apesar das visões no cap. 13, a igreja não aparece dizimada e desgastada, mas como assembleia geral desimpedida e ilesa, cuidadosamente lacrada: tendo na fronte escrito o seu nome e o nome de seu Pai. Qualquer interpretação desta multidão como sendo uma parte da igreja, a saber, a parte já aperfeiçoada no céu, desconhece o sentido básico do número 144.000 e diminui o milagre da preservação relacionado com ele.665

Tampouco João está recebendo uma antevisão sobre a igreja aperfeiçoada. Somente a cena de Ap 15.1-4 mostra-a realmente “no céu”, pressupondo a chegada do Senhor.666 Na atual situação ela ainda vive ameaçada pelos ataques do inimigo, porém conservada e preservada em seu lugar de abrigo. Portanto, não é nem no além nem tampouco apenas no futuro que esses cento e quarenta e quatro se encontram junto do Cordeiro, mas nas tribulações do tempo escatológico. O presente trecho de consolo visa, como o do cap. 7, completar o quadro. Sob o impacto do cap. 13 o leitor precisava perguntar-se: será que ainda existe uma possibilidade de sobrevivência para os “santos” nesse mundo? Ela existe, sim, a saber, em torno do Cordeiro, que vai à frente deles (v. 4) e os abriga, que lhes proporciona uma base de existência como um Sião que os acompanha, uma base que nem as portas do inferno poderão destruir.

Apesar disso o presente trecho não representa, diante do cap. 7, uma repetição e rotação em falso. Primeiro, João não está mais apenas ouvindo os selados, porém pode vê-los. Desse modo forma-se um quadro mais nítido ou, na verdade, apenas agora forma-se um quadro. Agora também há associação com uma definição de lugar. No cap. 7 havia meramente a definição da sua época. Além disso, lá falava-se apenas do equipamento para selar e do seu uso. Agora revela-se a marca deixada pelo selo, de certo modo como revelação oposta a Ap 13.16, de maneira que agora as duas “igrejas” estão nitidamente contrapostas. Finalmente o cap. 7 testemunha meramente a relação dos selados com Deus. Agora se torna visível, no processo de integralização, também a relação com o Cordeiro.667



Notas:
657. Ap 12.11 “sangue do Cordeiro”; Ap 13.8 “livro do Cordeiro” e Ap 13.11 “chifres como um cordeiro”.

658. Também há outros elementos que associam o presente trecho com o bloco dos selos: os “144.000” (Ap 7.4), o “novo cântico” (Ap 5.9), o estilo explicativo “são estes os…” (Ap 7.13,14) e a metáfora do Cordeiro como pastor que vai à frente do rebanho (Ap 7.17).

659. “Sião” aparece no NT apenas 7 vezes, no AT 154 vezes, dos quais vinte vezes como “monte Sião”.

660. Is 46.13; Sf 3.14,15; Sl 149.2.

661. Sl 84.7; Jr 31.6; Is 8.18; 24.23; 31.4; Mq 4.7.

662. Is 29.8; Mq 4.11 e sobretudo Jl 3.

663. É plausível relacionar o presente versículo com Jl 3 porque esse capítulo repercute em detalhes a partir de Ap 14.14.

664. O início do versículo diz: “E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo”, desempenhando um papel fundamental na prédica de Pentecostes (At 2.21,40). De um modo geral também exerceu forte impressão sobre o primeiro cristianismo (p. ex., Rm 10.10). Ser cristão significava “invocar o nome do Senhor” (1Co 1.2; etc.). Desse modo, Ap 14.1-5 concorda com o NT. O tempo de se cumprir Jl 2.28–3.21 teve início por ocasião da primeira vinda de Cristo. Os que creem em Cristo são os salvos sobre o monte Sião.

665. A circunstância de que falta aqui o artigo definido antes de “144.000”, não autoriza a falar de “outros 144.000” (contrapostos aos do cap. 7), o que seria uma contradição em si. Ao lado do povo de Deus completo não pode haver mais um povo de Deus. Por isso não há necessidade do artigo. Em Ap 14.14 consta “Filho do Homem” sem artigo, mas ninguém infere desse fato um Filho do Homem diferente do de Ap 1.13.

666. Lilje discorda: “Tem início o que é totalmente diferente. É o novo mundo de Deus.” Zahn pensa que o “novo cântico” no v. 3 supõe a queda da Babilônia. Cf. o comentário ao texto. T. Flügge modifica um pouco o texto: O Cordeiro “pisa” sobre o Sião (no sentido de sua volta, em: Jesus, Sein Leben und sein Wiederkommen, Berlim, 1956).

667. Ainda chama atenção o particípio feminino échousai (“tendo elas seu nome…”). Talvez isso já seja um prenúncio de que os 144.000 são vistos no v. 4 na sua virgindade e a partir de Ap 19.7 como “noiva”.