Estudo sobre Apocalipse 18:1-3

Estudo sobre Apocalipse 18:1-3



Depois da visão a respeito do fim da Babilônia, João recebe, pelo mesmo processo, uma poderosa mensagem falada (Ap 18.1–19.10). Se essa segunda unidade sobre a Babilônia não tivesse sido relegada a um plano secundário pela pesquisa, talvez não teria havido tantas divergências de opinião sobre o sentido da Babilônia. A imagem da prostituta Babilônia passa, em grande medida, para um segundo plano, para dar destaque à grande cidade Babilônia dos comerciantes. Enquanto prostituta ela contracenou com a mulher celestial no cap. 12, ou com a noiva celestial do cap. 19. Enquanto cidade ela é imagem oposta à Jerusalém celestial (cap. 21). Ambas as figuras da Babilônia já se encontram lado a lado no AT.
 
Pelo que parece, o cap. 18 não apresenta o acontecimento do juízo propriamente dito. Embora os primeiros versículos anunciem: “Caiu! Caiu Babilônia!”, no v. 4 a igreja é conclamada a deixar a Babilônia ainda antes do juízo. O pretérito perfeito “caiu”, portanto, constitui, do mesmo modo como em Ap 14.8, uma forma de certeza profética sobre eventos ainda futuros. Também os v. 6,7 são somente solicitação para que se execute o juízo, e os v. 8-24 contêm repetidamente um nítido estilo de anúncio, combinado no v. 21 com uma ação simbólica, à maneira do at. Contudo o cap. 19 começa com um “depois”. No Ap isso indica uma mudança de cenário. Em seguida a destruição da Babilônia é pressuposta inequivocamente como fato consumado. Por isso devemos imaginar a destruição da Babilônia entre os dois capítulos. Falta uma descrição palpável. Essa reserva espiritual evoca Ap 10.4 (cf. lá o comentário).
 
A nova seção volta a mostrar intensa saturação com expressões da profecia do at. Ressoam no texto, de forma singularmente impressionante, Is 47 e Jr 50,51. Cerca de quarenta versículos desses capítulos do at recebem um paralelo em Ap 18.855 Não obstante, o cap. 18 não dá a impressão de ser artificialmente remendado, mas antes de ser integralmente coeso, contendo até, sob certos aspectos, pontos altos do livro. Três anjos apresentam-se com sua mensagem de juízo, um dado que no aspecto formal já estabelece uma conexão com o cap. 14. 

O depois de certa forma distancia do precedente. Nesse ponto a visão muda, e o autor passa a ouvir (cf. a observação preliminar ao trecho). Depois destas coisas, vi descer do céu outro anjo. Ele faz lembrar o mensageiro especialmente majestoso de Ap 10.1. Ele tinha grande autoridade, e a terra se iluminou com a sua glória. Sua extraordinária autoridade de emissário, que anuncia fatos importantes, torna-se perceptível aos sentidos por sua glória que ilumina a terra inteira.857

Então, exclamou com potente voz. A força858 da voz do arauto constitui uma indicação de seu alcance. Ele falou: Caiu! Caiu a grande Babilônia. A queda pressupõe o lançamento do v. 21. Não obstante, aqui o juízo está sendo apenas anunciado. O mesmo estilo de linguagem encontra-se em Is 21.9; Jr 51.8.

 
Parece mais plausível que antes caia o céu do que a Babilônia. Será que essa cidade orgulhosa não foi construída para todas as eternidades? Contudo, o inacreditável acontecerá. Essa cidade, que se aliou de forma tão insolente e eficaz à besta, experimentará que um dia essa besta dirigirá seus dez chifres (= dez reis, cf. Ap 17.12859) contra sua cavaleira. Pois a besta representa a excrescência de Satanás (Ap 13.1), e Satanás é mentiroso e traidor. Assim edifica sobre a traição todo aquele que se apoia sobre a besta ao invés do Cordeiro.
 
E se tornou morada de demônios. Em meio aos palácios em ruínas, aos barracos em cinzas, às paredes semi-caídas com suas chaminés que dão a impressão de ser as lápides de um gigantesco e sombrio cemitério, habitam os espíritos, e os fantasmas assombram. Nenhuma alma humana desejará permanecer ali. Paralelamente a essa revelação, o anjo prossegue que a Babilônia se tornou como um covil, i. é, um abrigo860 de toda espécie de espírito imundo e esconderijo de todo gênero de ave imunda e detestável. Ezequiel fala metaforicamente da descida ao Hades realizada pela cidade de Tiro (Ez 26.19-21; 28.8); pelo Egito (Ez 31.14-18; 32.17,18). Talvez também seja esse o sentido do presente texto: a Babilônia tornou-se terra dos mortos, partiu da “terra dos viventes”.
 
Os antigos profetas receberam frequentemente, como expressão do juízo total, visões de um lugar despovoado em ruínas.861 No passado a Babilônia era o mercado do mundo, “repleta de gente como de gafanhotos” (Jr 51.14) e cheia de júbilo, agitação, e jovialidade – e agora o contrário! Como Deus falou poderosamente! Seu juízo tornou-se palpável nesse “objeto de espanto” (Jr 50.23; 51.37,41).
 
Para justificar essa punição grave o v. 3 cita primeiramente o aspecto religioso do pecado da Babilônia. Pois todas as nações têm bebido do vinho do furor da sua prostituição. Com ela se prostituíram os reis da terra. Quanto a pormenores, cf. o comentário a Ap 14.8. Estreitamente ligada a isso está a faceta social de sua culpa. Também os mercadores da terra se enriqueceram à custa da sua luxúria. Em Ap 18.23 os mercadores862 são chamados de “os grandes”, e conforme Ap 6.15 eles, como os expoentes civis da sociedade, integram, ao lado dos reis, a camada dominante.863 São verdadeiros senhores mercantis e plutocratas, homens do palco internacional.
 
Alude-se à exuberância ilimitada e transbordante da Babilônia. A Babilônia havia desenvolvido um luxo que era insolente e realmente pecaminoso. Visto que uma riqueza dessas proporções sempre é acumulada às custas de outras pessoas e nações, ninguém tem o direito de desfrutar dela. Existe uma riqueza anti-social (cf. outra vez a nota 389). Obviamente não se pode negar que esse luxo pode tornar-se um fator econômico de primeira grandeza. No caso da Babilônia ele proporcionava encomendas a centenas de artesãos até os mais remotos cantos do país, ativava a circulação da moeda e significava um mercado insaciável. Uma torrente de dinheiro e ouro se derramava para todos os lados, e muitos enriqueceram. Ao menos parecia que cada pessoa que não fosse ignorante ou preguiçosa demais podia haurir riqueza.
 
Contudo uma civilização edificada sobre prostituição e ganância não pode persistir. Certo dia se ouvirá: “Caiu! Caiu a Babilônia!”



Notas:
855 Jr 50.2 (Babilônia foi tomada); v. 3 (deserto sem gente nem gado); v. 8 (fugi da Babilônia); v. 12,13 (Babilônia devastada); v. 14 (o pecado da Babilônia); v. 15 (vingança); v. 23 (imagem de assombro); v. 27 (ai!); v. 28 (fuga da Babilônia); v. 29 (retaliação); v. 32 (fogo); v. 39,40 (terra inóspita); v. 46 (Babilônia tomada, lamentação); Jr 51.5 (Babilônia viúva); v. 6 (fuga da Babilônia); v. 7 (embriagou); v. 8 (queda súbita e lamentação); v. 9 (culpa até ao céu); v. 11 (retaliação); v. 13 (grandes tesouros); v. 24 (retaliação); v. 25 (incineração); v. 26,29 (deserto); v. 30,32 (fogo); v. 35 (sangue das vítimas); v. 37 (morada de animais impuros); v. 41 (imagem do pavor); v. 43,53-55 (desolação); v. 45 (saída); v. 48 (alegria no céu); v. 50 (os que escaparam); v. 49 (ruína da Babilônia para a expiação); v. 58 (fogo); v. 62 (despovoamento).

856 Nesse ponto os textos originais variam muito. Nestle decide-se a favor do texto que tem o sentido de que os povos beberam (cf. acima), Aland, porém, a favor do sentido de que a prostituta deu de beber às nações (cf. Ap 14.8). Essa leitura se insere melhor no contexto, visto que o objetivo é referir a culpa da Babilônia. Contudo, a documentação da variante seguida por Nestle tem um peso esmagador. Depõe a favor dela também a formulação em Jr 28.7; 32.14 segundo a LXX.

857 Como em Ap 21.11 a “glória” está combinada com uma ideia de luz. Cf. nota 131.

858 No mais ocorre sempre no Ap “grande voz”, uma expressão que ressalta o impacto nos ouvintes. Às 80 passagens com “grande” nesse livro contrapõem-se apenas 9 passagens com “forte”, dentre as quais nada menos de quatro no presente capítulo (v. 2,6,10,21). O termo destaca a compleição física do arauto.

859 Nos profetas do AT são citados individualmente determinados povos, por meio de cujo ataque rui a Babilônia. Em geral povos do Norte são as ferramentas de Deus (cf. o comentário a Ap 20.8).

860 A palavra grega phylaké desenvolveu-se com os seguintes significados: inicialmente serviço de guarda, depois a pessoa guardiã, e por fim o local da guarda. Pelo fato de que o local da guarda também era usado como prisão, a palavra chegou adquirir o sentido de presídio (p. ex., em Ap 20.7).

861 Em relação à Babilônia, além de Jr 50 e 51, também Is 13.19-22; 14.22,23; em relação a Edom, Is 

862 Em grego, émporos é o grande comerciante, importador do além-mar, em contraposição ao kapelós, o pequeno comerciante, que vende na praça as mercadorias que ele retira do atacadista.

863 Traduzidos no vol. i com “grandes” [= nobres] (Ap 6.15).

389 Para conseguirmos uma visão sintética de nossa situação, suponhamos que o mundo seria uma aldeia com 1000 habitantes. Dessas 1000 pessoas, 140 seriam norte e sul-americanos, 210 europeus, 85 africanos e 565 asiáticos. Além disso, haveria entre eles cerca de 300 brancos, diante de 700 pessoas de cor. Igualmente haveria entre eles cerca de 300 cristãos e novamente 700 não-cristãos. Do mesmo modo, 300 moradores que sabem ler e escrever, contra 700 analfabetos. Mais de 500 habitantes estariam sofrendo de subnutrição, 800 teriam uma moradia inferior à dignidade humana, e a metade da receita total da aldeia estaria nas mãos dos 40 norte-americanos. Somente agora aparece o dado arrasador: os benefícios e as carências nessa aldeia não se distribuem de forma mais ou menos equitativa entre a população, mas são aqueles que conseguiram usufruir das boas moradias que têm comida de sobra e dispõem de educação. São sempre os mesmos. De um modo geral, são aqueles 300 brancos, os “cristãos”! E nessa situação não se trata de uma deficiência que está melhorando ainda que lentamente, porém o abismo está aumentando. Cresce o número de famintos, mas o nível de vida daqueles 300 se eleva. Tão logo isso não se concretize em um ano, surgem crises entre eles. São sobretudo eles que investem somas astronômicas e realizam comércio de armas com os pobres. Anualmente são gastos 600 bilhões de dólares para fins armamentistas, enquanto 40 milhões de pessoas morrem de fome. E isso acontece literalmente sob os olhares dos famintos e excluídos, pois vivemos na era da televisão. E também acontece sob os olhares de Deus!