Estudo sobre Apocalipse 18:4-5
Estudo sobre Apocalipse 18:4-5
Ouvi outra voz do céu, dizendo. Considerando que um anjo não poderia dizer: “povo meu”, Bengel e Stokmann pensam que deve tratar-se aqui da voz de Jesus. No entanto, um anjo poderia muito bem falar assim em nome de Deus,864 e dificilmente essa “outra voz” sem maior destaque poderia ser de Deus ou de Cristo no presente livro (cf. também Ap 8.3).
A voz do outro anjo, que não se torna visível, diz: Retirai-vos dela, povo meu. Algo semelhante foi anunciado no passado ao povo de Israel deportado para a Babilônia. O motivo do êxodo faz parte das ideias sustentadoras da história de Israel. O primeiro foi Abraão que saiu de Harã confiando no chamado de Deus (Gn 12.1-4), depois Ló recebeu ordem para retirar-se de Sodoma e Gomorra (Gn 19.14), e finalmente Deus chamou seu povo do Egito. Quanto às repercussões entre os profetas, cf. nota 864. Também a pregação do cristianismo primitivo está permeada dessa mensagem.865 Em termos concretos trata-se constantemente da impureza e de riqueza pecaminosa, ou seja, daquilo que aqui é chamado de “Babilônia”.
Nesse ponto, pois, cai totalmente por terra a ideia da Babilônia geográfica. Do contrário a exortação seria um absurdo, já que naquele tempo não havia mais uma Babilônia habitada, e mesmo na hipótese de uma Babilônia futura reconstruída (Merz) a exortação pressuporia o deslocamento de fiéis de todos os quadrantes para residirem nessa cidade.
Entretanto, também fracassa a interpretação histórica contemporânea de que a cidade seria Roma. De acordo com o Ap o povo de Deus se encontra entre todas as nações da terra inteira, e não concentrada em Roma. Logo, a exortação não pode ser obedecida por meio de um êxodo geográfico. Independente do lugar para o qual os fiéis migrassem, novamente estariam na Babilônia.866 A Babilônia tem dimensões mundiais. A melhor explicação da exortação de Ap 18.4 é trazida, por isso, pelas palavras de aconselhamento pastoral do primeiro cristianismo, citadas na nota 865. Em termos positivos, trata-se, nessa saída, da fuga para dentro da prática da vontade de Deus. Quem cumpre a vontade de Deus não desaparece com a Babilônia, mas permanece eternamente (cf. 1Jo 2.15-17).
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Segue-se uma dupla finalidade desse êxodo. Primeiro afirma-se: para não serdes cúmplices em seus pecados. No entanto, essa atitude de que alguém faz de tudo para se manter puro, ao invés de “sujar as mãos” em favor do próximo, não constitui um condenável “egoísmo dos salvos”? Obviamente temos de estar atentos para o perigo do egoísmo dos salvos, bem como para a contingência de que ele faz mau uso de passagens da Bíblia. Contudo, quem, por conta de um suposto senso comunitário, pensa em participar do pecado, ou seja, da “prostituição” e “luxúria” do v. 3, engana-se. O pecado jamais gera comunhão, antes mera comunhão aparente. O pecado em si já constitui decadência de comunhão, por maior que seja o companheirismo no pecado. Por isso, ninguém queira pecar por amor a outras pessoas! Quando José se separou tão abruptamente da esposa de Potifar [Gn 39.12], ele o fez seguramente por amor a Deus, porém em última análise também a partir de um amor, corretamente entendido, por essa irmã humana.
A segunda finalidade dessa retirada é referida como segue: para não participardes dos seus flagelos. Participar da Babilônia significa afundar com a Babilônia (cf. Jr 51.6,45). Contudo, quem foge para longe permanece eternamente. Novamente essa atitude não significa querer sobreviver de forma egoísta, pois permanecer significa, nessas correlações: permanecer cristão, permanecer como igreja e, em consequência, também permanecer no serviço. Não prestaremos serviço a ninguém se deixarmos de ser cristãos.
Mais uma vez o anjo justifica o juízo contra a Babilônia. Porque os seus pecados se acumularam como uma montanha até ao céu. Essa metáfora foi alvo de diversas interpretações. Porventura o grito dos pecados deles atingiu o céu, de sorte que ficaram grudados lá,867 não mais podendo ser ignorados e obrigando à intervenção? Ou será que os próprios pecados se afixaram no céu, ou seja, atingiram tamanho grau de publicidade desavergonhada que Deus não as pode mais ignorar?868 Preferimos pensar numa montanha de pecados que se amontoa até o céu, talvez como associação de ideias com a construção da Torre de Babel em Gn 11.4. No presente contexto o “céu“ constitui o limite colocado ao ser humano. Da mesma forma como nos tempos iniciais, também no tempo escatológico a vaidade humana passa a atacar a última barreira, a atacar o céu.869 Contudo, o orgulho precede a queda. Deus responde. E Deus se lembrou dos atos iníquos que ela praticou (para essa questão, cf. o exposto sobre Ap 16.19).
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Apocalipse 18:4-5
Notas:
864 Justamente no presente texto parece que o anjo traz à memória do povo um oráculo de Deus, cf. Is 48.20; 52.11; Jr 50.6; 51.6,9,45; Zc 2.10,11.
865 At 2.40: “Salvai-vos desta geração perversa”; 1Co 6.18: “Fugi da impureza”; 1Co 10.14: “fugi da idolatria”; 2Co 6.17: “retirai-vos do meio deles, separai-vos”; 1Tm 6.11: “Tu, porém, ó homem de Deus, foge destas coisas (i. é, da ganância)”; 2Tm 2.22: “Foge, outrossim, das paixões da mocidade”. De acordo com 2Pe 1.4 os cristãos escaparam do prazer pernicioso, e conforme 2Pe 2.20, das contaminações do mundo.
866 À igreja em Pérgamo, onde se encontra o “trono de Satanás”, não se recomenda uma relocação (Ap 2.13).
867 O termo traduzido por “acumular” é derivado de “colar”, “coligar”. Para fundamentar a interpretação apresentada, cf. Gn 18.20 e Jn 1.2.
868 É o que defende Schlatter, cf. Sl 73.9: “Abrem a boca até o céu” (teb).
869 Cf. Jr 51.53; Dn 4.11; 8.10; Ap 13.6.