Estudo sobre Apocalipse 20:5-6

Estudo sobre Apocalipse 20:3-4



O v. 5 traz uma intercalação explicativa do v. 4. Os restantes dos mortos não reviveram até que se completassem os mil anos. Ao comentarmos o v. 3 já abordamos a pergunta se no reino dos mil anos as nações continuariam vivas. O presente versículo responde: então não haverá pessoas que continuam vivas, porém unicamente ressuscitadas ou mortas. Na parusia há somente três coisas reservadas para toda a humanidade fora de Cristo: clamar de pavor (Ap 1.7), rebelar-se pela última vez (Ap 19.19) e a morte (Ap 19.21). Para a igreja testemunha de todos os tempos – não somente na última geração! – soará então a hora da ressurreição.975

Esta é a primeira ressurreição. Esse conceito, que também continua determinando o versículo seguinte e que faz parte da plenitude de sentido do reino dos mil anos segundo o Ap, produz uma diferença decisiva em relação à doutrina judaica do milênio. Os judeus dos séculos i e ii esperavam esse reino basicamente antes da ressurreição dos mortos, e por isso, antes da virada das eras. Logo, esperavam-no também apenas para os israelitas que vivessem na última geração. E mesmo para aqueles eles ainda contavam com a morte, sim, até o Messias ainda morreria.976 Em contrapartida, o Ap enfatiza que esse reino é independente do início da ressurreição dos mortos e vê nele somente pessoas ressuscitadas. Logo não representa um período intra-histórico. Isso decorre também da constatação de que esse trecho é dependente de Ap 19.11-16 (parusia do Senhor). No NT a parusia constitui o limite e a virada das eras.
 
Parece que a expressão primeira ressurreição foi preparada por Ap 14.4, onde os seguidores do Cordeiro são chamados de “oferta de primícias a Deus” (tradução do autor). São, portanto, os primeiros da nova humanidade. Entre outras coisas isso traz a consequência de que também cheguem à ressurreição como primeiro batalhão da humanidade.977 Não precisam esperar pelo juízo diante do trono branco conforme Ap 20.11-15, porque há muito tempo o Juiz foi ao seu encontro (cap. 2,3).


No presente texto a primeira ressurreição tem um significado similar à primogenitura, a saber, o direito de governar (cf. o comentário a Ap 1.5). Por meio desse dado torna-se evidente que a menção da primeira ressurreição integra essencialmente a visão dos que estão entronizados e que governam com Cristo.
 
O versículo de encerramento, de cunho pastoral, evidencia que de modo algum se está ministrando um ensino objetivo sobre a história da salvação. A primeira linha, ou seja, a bem-aventurança propriamente dita, provavelmente foi intencionalmente dimensionada para o leitor individual, enquanto a explicação subsequente volta a aparecer no plural e ostenta um cunho de ensino geral.

Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte na primeira ressurreição. Inicialmente a própria expressão dupla bem-aventurado e santo destaca essa bem-aventurança dentre todas as demais desse livro. Além disso chama a atenção a forma santo no singular (ainda em Ap 22.11) no contexto do nt, que não conhece o santo individual do catolicismo, mas que fala de uma comunhão dos santos. Pelo que se constata, parece de fato haver, como expressão de felicidade máxima, uma espécie de canonização de indivíduos. Essas pessoas declaradas santas são as participantes da primeira ressurreição. Contudo, de que natureza é esse conceito de santidade?
 
Primeiramente uma definição negativa: sobre esses a segunda morte não tem autoridade. Na verdade os participantes da primeira ressurreição não entram em juízo diante do trono branco, no qual a segunda morte pode ser infligida (cf. o comentário a Ap 2.11 e também a Ap 20.14).978

Por outro lado, serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele (“governarão com ele como reis”) os mil anos. O participante da primeira ressurreição ouve, por ocasião de sua “canonização” – alegria sobre alegria! – que sua vida individual verdadeiramente se tornou útil para Deus e o Cristo (cf. também o comentário a Ap 22.3-5).
 
O versículo marcou um vigoroso ponto final para o trecho e formulou mais uma vez o ponto de vista dominante. Todas as formulações importantes estão reunidas mais uma vez: “primeira ressurreição”, “mil anos”, “com o Messias” e “sacerdócio real”.
 
Finalizando, constatamos no presente versículo que também o reino dos mil anos está colocado sob a fórmula básica “Deus e o Cordeiro”. Ela não será desfeita de eternidade a eternidade. No milênio não haverá, p. ex., uma soberania exclusiva de Cristo. Conforme o Ap, quem diz Cristo tem de dizer também Deus e vice-versa.



Notas:

975 Em 1Ts 4.17 Paulo se preocupa com a questão da última geração viva. Considerando que para ela a morte não acontece, Paulo também não fala, no caso dela, de ressurreição, mas de transformação e, em 2Co 5.4 de revestir-se. O efeito, porém, dessa transformação iguala-se à superação da corruptibilidade e, consequentemente, à ressurreição.

976 Assim lê-se em 4Esdras 7.28,29: “Revela-se meu filho, Messias, com todos os que estão com ele, e ele reanima os sobreviventes por cerca de quatrocentos anos. Depois desses anos falecem meu filho, Messias, e todos que têm fôlego humano.” Ademais, o judaísmo daquele tempo não conhece a expressão “primeira ressurreição”. Somente no século iii surgem ideias com uma certa semelhança (Bill iii, pág. 827).

977 Usamos o termo “batalhão” por lembrarmos 1Co 15.23, onde aparece, nesse contexto, uma expressão militar (em grego tagma, que Almeida traduz com “ordem”).

978 Também o evangelho de João diferencia entre a morte absoluta (Jo 8.51) e a morte condicional (Jo 11.25), que “não é mais um encontro com a morte, mas sim um encontro com Jesus” (Werner de Boor, WStB, Johannesevangelium, pág. 285).