Estudo sobre Apocalipse 22:1

Apocalipse 22:1

A repetição da introdução do anjo (“o anjo também me mostrou” [BLH]) anuncia algo especial. A parte principal do livro desde o cap. 4 chega ao alvo. Assim como ela foi iniciada por uma visão do trono, assim ela também é encerrada por uma visão do trono. De fato esse trono é o elemento constante no tempo e na eternidade, a figura central do Ap (cf. o exposto sobre Ap 3.21). De acordo com essa constância, Ap 22.1-5 não retorna simplesmente aos cap. 4,5, por mais que os paralelos devam ser observados, pois o trono aparece ao vidente agora não mais no céu, mas sobre a nova terra. Também hão de se evidenciar outras mudanças.
 
No mais, o novo trecho trata sem mudança do tema da nova Jerusalém.1077 Embora falte o termo “cidade”, sem dúvida os pronomes no v. 2 (“sua rua”) e no v. 3 (“trono de Deus nela”) a pressupõem. Igualmente o número doze volta a reger as afirmações (v. 2). O avanço substancial das ideias consiste meramente no fato de que agora os conceitos da luz e da santidade são completados pelo da vida. Conforme a teologia de João, luz e vida formam um conjunto. “A vida estava nele e a vida era a luz dos homens” (Jo 1.4). Contudo, de que maneira João haveria de contemplar essa “vida” numa visão? Isso acontece por meio das figuras paradisíacas da água da vida e da árvore da vida.1078

Dessa forma a antiga expectativa do paraíso no fim dos tempos desemboca na expectativa da nova Jerusalém (não, p. ex., na expectativa do milênio!). Há muito ambas haviam sido fundidas profundamente no mundo ao redor de João, de modo que essa visão convergente não causava mais espécie. Ambas as grandezas da salvação – o paraíso e Jerusalém – significam a comunhão perfeita entre Deus e o ser humano, ou que o ser humano, sem qualquer perturbação, está em casa junto de Deus. É por isso que o judaísmo descrevia o paraíso, p. ex., com as qualidades características de uma cidade, a saber, com muralhas e portões.1079 Até o próprio Ezequiel já conjuga Jerusalém e o paraíso, um fato que forçosamente exercia uma influência justamente sobre os pensamentos de João.
 
De forma análoga como em Ap 21.1-8 ou 21.22-27, o presente trecho subdivide-se em descrição da visão (v. 1,2) e interpretação profética (v. 3-5). Então, me mostrou o rio da água da vida. O termo rio intensifica à plenitude máxima a expressão já conhecida do livro, da água da vida (Ap 7.17; 21.6). Justamente no Oriente, que é quente e pobre de lagos e rios, o valor inestimável da água era algo diretamente evidente. Água significava oásis e constituía a condição básica para a vida vegetal, animal e humana. A riqueza de água é o fundamento do paraíso. Em Gn 2.10-14 o profeta dos tempos iniciais vê quatro potentes rios paradisíacos brotarem do jardim de Deus para todos os quadrantes, abraçando e regando a criação. Em decorrência, a riqueza de água também faz parte da esperança escatológica (nota 1046). Além disso, o leitor do Ap, ao ouvir o som da palavra rio, podia lembrar-se do dilúvio destruidor de Ap 12.15, ao qual agora é contraposta a imagem contrária.

 
A expressão rio da água da vida tem um único paralelo em Jo 7.38. Também na presente passagem ela nos leva a pensar no Espírito Santo, de forma que essa visão final adquire um enorme peso trinitário: Deus e o Cordeiro e, saindo de ambos, o Espírito Santo,1080 como portador da vida. O aspecto da água, brilhante como cristal, evoca o mar de vidro que conforme Ap 4.6 se estende diante do trono de Deus. Ao que parece, agora ele começou a fluir.
 
Conforme o AT, a fonte da água da vida é o templo em Jerusalém (Ez 47.1; Jl 3.18; Zc 13.1; 14.8). Aqui, porém, refuta-se, de acordo com Ap 21.1,2, qualquer equívoco relativo à profecia do AT: essas passagens não nos dizem que devemos esperar por um novo culto no templo, mas pela pessoa salvadora do próprio Deus, pois essa água sai do trono de Deus e do Cordeiro. Em Ap 4.5 raios e trovões, a saber, juízos, partiam desse trono. Isso está no passado. Os juízos foram cumpridos, e incessantemente Deus faz jorrar vida para dentro de seu mundo.
 
No âmbito do Ap, somente os versículos 1 e 3 trazem a locução completa trono de Deus e do Cordeiro. Tecnicamente, no cap. 5 o trono de Deus já havia se tornado também trono do Cordeiro (cf. Ap 3.21), mas agora essa verdade se manifesta com clareza máxima. Esse trono é o centro do qual jorra tudo. É nele que o mundo encontra sua essência, não em si próprio.
 
João observa o rio junto do trono de Deus, a saber, brotando no meio da sua praça (“rua principal” [blh]).1081 A posição central sempre é muito significativa no Ap (cf. o comentário a Ap 4.6; 5.6). Aqui ela se refere ao trono de Deus com sua emanação de salvação e vida. O meio provavelmente é marcado pelo ponto de cruzamento dos doze acessos ao trono, que levam à cidade através dos doze portões. Então teríamos uma única via diante do trono (cf. o exposto sobre Ap 21.21).



Notas:
1077 Discordamos de Rissi que, diferenciando os versículos de Ap 21.9-27 (“visão da nova Jerusalém”), intitula-os de: “A visão do paraíso”. Rissi demonstra um interesse extraordinário nessa distinção. De acordo com sua posição, a última visão aponta “para um futuro que supera e completa o evento de Ap 21.9-27”, trazendo uma “nova mensagem”. Entre Ap 21.27 e 22.1 deve-se imaginar a nova criação total de Ap 21.5. O que destaca essa última imagem de visão “muito acima de todas as anteriores, é o universalismo da salvação”. As restrições de Ap 21.8,27 teriam sido postas de lado. Todos os ocupantes do lago de fogo, também os poderes mais sobre-humanos teriam marchado para dentro da cidade. Então não haveria mais um “dentro” nem um “lá fora” (Die Zukunft der WeIt, pág. 62-63,97-99).

1078 Do fato de que aqui o mesmo objeto é visto uma segunda vez, embora sob um novo enfoque, explicam-se também as “duplicações”, encontradas por Bousset, ou as “repetições”, das quais fala Strathmann, em Ki-ThW, vol. vi, pág. 532.

1079 J. Schneider, Ki-ThW, vol. v, pág. 40. Versículos como Ap 22.14,19 também revelam com que intensidade João sente as figuras de Jerusalém e do paraíso como paralelos.

1046 Is 43.19,20; 49.10; 55.1; Jr 2.13; Jl 3.18; Zc 13.1; Sl 36.8; Ez 47.3-5.

1080 Em Jo 15.26 também se diz que o Espírito Santo “emana” de Deus e do Filho. De “água e Espírito” fala Jo 3.5, apoiado em larga base do at. A figura de que o Espírito “sai” de Deus talvez também seja uma contraposição ao “sair” dos espíritos em Ap 16.13,14.

1081 As importantes edições inglesas e norte-americanas da Bíblia (p. ex., Westcott e Hort, desde 1681, até a New English Bible, New Testament, de 1961) incluem as primeiras palavras do v. 2 na frase começada no v. 1. Visto que o texto original ainda não continha pontuação, a questão precisa ser decidida a partir do conteúdo. A favor da solução inglesa depõem: a. A circunstância de que João tem grande predileção de começar suas frase com “e”, como resulta agora: “E (vi) em cada lado do rio madeira da vida…”; b. Dificilmente é possível explicar a versão oposta. Como alguém poderá compreender a ideia de que por um lado as árvores estavam entre a rua e o rio, e por outro, em ambos os lados do rio? Os comentários tentam com afinco explicar essa situação e imaginam duas ruas laterais ao rio, uma ilha com árvore etc.; c. A posição central é tão importante para o Ap que seria difícil supor que ela se referiria a outra coisa senão ao trono de Deus, ou seja, de forma alguma às árvores. É verdade que em Gn 2.9 a árvore da vida está situada “no meio do jardim”, porém segundo a continuação do presente texto a ideia não deve ser determinada a partir de Gn 2, mas sim de Ez 47. Já com esta não combina uma só árvore no centro.