Estudo sobre Apocalipse 22:12-15
Apocalipse 22:12-15
Como impulso para o arrependimento (excurso 1d) a exclamação E eis que venho sem demora (“numa rapidez!”) ressoa no presente contexto. Em contraposição, a afirmação: “Meu Senhor ainda demorará muito tempo” extirparia toda a força espiritual e deixaria a pessoa afundar-se, sem esperança, em si própria. Isto acontece porque com a vinda de Jesus também vem seu galardão (“recompensa”) que tenho para retribuir a cada um segundo as suas obras (“segundo a sua obra” [rc]). Depois que o Ap apregoou incansavelmente o parâmetro das obras (por último em Ap 20.12), segue-se aqui uma expressão de síntese. Em lugar de “obras” Jesus fala da obra no singular (cf. rc e bj), da prática da vida toda. Não interessa a vida intencionada ou ideologicamente transfigurada, mas sim a vida vivida. Cristo entrará como advogado da realidade e dará fim ao domínio das aparências.
Por diversas vezes já abordamos que a recompensa de modo algum é paga por obrigação, mas muito antes por graça (Rm 4.4). Essa conclusão surge logo que consideramos de que consiste a recompensa, de acordo com a Bíblia. Uma referência especialmente clara é Gn 15.1: “Eu sou o teu escudo, e teu galardão será sobremodo grande”. Portanto, recompensa não é um acerto com isso ou aquilo, depois do qual as pessoas se separam pacificamente, mas pelo contrário, é a comunhão profunda e plena com Deus como um eterno permanecer em convivência. Contudo, já entre seres humanos a comunhão não é uma moeda com a qual se paga. Ela é doação, e precisamente a forma final da comunhão com Deus será um presente puro.
O “eu” do Juiz vindouro do v. 12 é preenchido pelas mais solenes formulações. Eu sou o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim. De Ap 1.8; 21.6 já conhecemos essas três expressões duplas como afirmações da realidade de Deus. Aqui elas servem para anunciar a majestade do Cristo vindouro. Ele e o Pai são um só.
Como em Ap 21.6, agregam-se a essa confissão palavras de promessa e advertência. Bem-aventurados aqueles que lavam as suas vestiduras, começa a última das sete bem-aventuranças (nota 103). O nexo do pensamento evoca fortemente 1Jo 3.2,3: “Haveremos de vê-lo como ele é. E a si mesmo se purifica todo o que nele tem esta esperança, assim como ele é puro.” Se estiver tudo em ordem com nossa esperança, não podemos simplesmente aguardar o senhorio vindouro de Cristo. Quem tem esperança se purifica. Purifica-se da paz falsa que porventura tenha acordado com a realidade e a situação vigente. Na fé em Jesus ele renova a cordial descrença em todas as promessas que não procedem da boca de Deus. Torna a respeitar o fato de que o mundo foi cruzado pela cruz de Cristo, nos termos de Gl 6.14.
No Ap é usada sob diversos aspectos a metáfora das roupas limpas. Uma vez as roupas estão limpas pelo fato de que são lavadas no sangue do Cordeiro (Ap 7.14), outra vez pelo fato de que nem chegam a ser manchadas (Ap 3.4). De acordo com Ap 3.18, roupas limpas são recebidas no arrependimento, e conforme Ap 6.11 além da linha divisória da morte (cf. Ap 19.8).
O bem de salvação prometido, que faz recordar os prêmios estabelecidos nas mensagens às igrejas, consiste de uma dupla “autoridade” (segundo o v. 19, um duplo “quinhão”): para que lhes assista o direito à árvore da vida, e entrem na cidade pelas portas (“Pois sua autoridade será sobre a madeira da vida, e entrarão pelos portões na cidade” [tradução do autor]) (para os detalhes, cf. o exposto sobre Ap 21.9–22.5).
No entanto, ao lado da promessa encontra-se novamente a palavra de advertência. Fora ficam (“lá fora estão”) os cães, os feiticeiros, os impuros (“imorais”), os assassinos, os idólatras e todo aquele que ama e pratica a mentira. Também Ap 18.4 falou de uma cidade, sendo que, de um lado, havia os que a habitavam e, do outro, os que tinham de ficar fora dela. Aqui, porém, está tudo ao contrário. Os que foram expulsos daquela cidade estão em casa nesta cidade (cf. Ap 3.12), enquanto os que a habitavam agora estão do lado de fora. Não somente estão fora dos muros da cidade, mas, segundo certa expressão corrente, estão “lá fora, nas trevas” (Mt 25.30).
Leia mais:
À semelhança de Ap 21.8,27, os expulsos estão marcados de muitas maneiras, sendo que as expressões novamente se sobrepõem. O sentido simbólico de cães poderia ser coincidente com o de impuros (“imorais”). Rapazes e homens, que em templos gentílicos se entregavam a outros homens como honra aos ídolos, a troco de um “salário de cachorro” (Dt 23.18), às vezes eram chamados de cães.1103 Num sentido genérico, no entanto, as pessoas de orientação carnal e que viviam sem respeitar prescrições alimentares, sobretudo pessoas gentílicas em Israel (Mt 7.6; 15.26; Fp 3.2; 2Pe 2.22) também eram chamadas com desprezo de “cães”. Na origem da expressão está o cão vira-lata da Palestina, que vagueia sem dono e come carniça. Desse modo o termo se aproxima da expressão “os hediondos” em Ap 21.8,27. As referências dadas já evidenciam que nesse versículo não aparecem seis grupos distintos, uma vez que as características se fundem.
A última expressão vale novamente para todos os expulsos (cf. Ap 21.8). Todos eles haviam optado pela mentira, a saber, pela ilusão da idolatria ao invés da verdade do Deus vivo. Fizeram-no de todo coração, de toda a alma e com todas as forças. Uma pessoa assim não apenas pratica a mentira, mas também a ama. Não somente a ama nos outros, mas também a pratica.
Na verdade essa profundidade de perdição pressupõe um contato com Cristo. “O julgamento é este: que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz” (Jo 3.19). É por isso que temos de tremer menos por aqueles aos quais a verdade de Jesus nunca brilhou um segundo sequer, e mais por nós mesmos.
Índice:
Apocalipse 22:12-15
Notas:
103 Ap 1.3; 14.13; 16.15; 19.9; 20.6; 22.7,14. Contrapostas a elas aparecem catorze exclamações de ai (Ap 8.13; 9.12; 11.14; 12.12; 18.10,16,19).
1103 A deusa de fertilidade Ísis, p. ex., era representada como montada num cachorro. “A falta de vergonha de estar sempre se acasalando em público fazia do cachorro símbolo da amante”, Bachofen, citado por Halver, p. 181; cf. também no presente comentário a segunda citação da nota 211.