Significado de 1 Pedro 1
1 Pedro 1
Pedro louva a Deus pela viva esperança e herança que os crentes têm através da ressurreição de Jesus Cristo. Apesar de enfrentar provações, sua fé em Cristo leva a uma alegria genuína que supera as circunstâncias temporárias. O autor ressalta o valor da fé em meio às provações, afirmando que a fé é testada para resultar em louvor, glória e honra na revelação de Jesus Cristo. Ele também discute o conceito de salvação, indicando que os profetas e anjos ansiavam por compreender a graça concedida aos crentes.
O capítulo encoraja os crentes a colocarem sua esperança totalmente na graça que será revelada na revelação de Jesus Cristo. Pedro os exorta a viver em santidade, evitando a conformidade com a ignorância anterior e seguindo o exemplo de Deus que é santo. O autor enfatiza a preciosidade do sangue de Cristo, descrevendo-o como um cordeiro sem defeito ou mácula. Através do sacrifício de Cristo, a fé e a esperança dos crentes estão em Deus.
1 Pedro 1 aborda temas de salvação, fé, esperança e santidade. O capítulo encoraja os crentes a suportar as provações com fé, resultando em alegria e na revelação de Jesus Cristo. Enfatiza o valor de viver em santidade e estabelece uma base para os temas que serão desenvolvidos nos capítulos subsequentes da epístola.
III. Explicação de 1 Pedro 1
1 Pedro 1:1
Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos eleitos peregrinos da Dispersão, no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia (Gr.: “Petros apostolos Iēsou Christou eklektois parepidēmois diasporas Pontou Galatias Kappadokias Asias kai Bithynias” — Tradução literal: “Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos eleitos, forasteiros residentes da Dispersão: do Ponto, da Galácia, da Capadócia, da Ásia e da Bitínia”.) Na abertura, apostolos (“enviado; comissionado”) carrega, já no próprio corpo da palavra, a ideia de missão derivada do verbo “enviar”, e faz do remetente não um escritor privado, mas uma voz com selo de autoridade; eklektos (“eleito”) nomeia a identidade a partir do ato seletivo de Deus; parepidēmos (“peregrino; residente temporário”) diz a condição de quem habita sem possuir, como quem vive com a mala feita; diaspora (“dispersão”) vem do campo de “espalhar sementes”, e por isso pinta o povo como grãos lançados ao vento, não como ruínas sem sentido, mas como semeadura em lugares diversos.
Na morfologia, não há verbo finito a ser tratado aqui: trata-se de construção nominal típica de abertura epistolar, com elipse da cópula (“Pedro [é] apóstolo…”), em que Petros é substantivo próprio, nominativo, masculino, singular, funcionando como sujeito explícito; apostolos, também nominativo, masculino, singular, opera como predicativo/aposto identificador; Iēsou e Christou são genitivos, masculinos, singulares, amarrando “apóstolo” por genitivo de relação/pertencimento (“apóstolo de…”). O destinatário entra em dativo: eklektois (adjetivo, dativo, masculino, plural, substantivado) e parepidēmois (adjetivo, dativo, masculino, plural, substantivado) funcionam como dativo de endereçamento, isto é, o “a quem” da carta; diasporas é substantivo, genitivo, feminino, singular, qualificando essa condição de peregrinação como pertencente à esfera da “Dispersão”. Os topônimos (Pontou, Galatias, Kappadokias, Asias, Bithynias) aparecem em genitivo e se encadeiam como delimitações geográficas ligadas a diasporas; kai é conjunção coordenativa (“e”), unindo os dois últimos nomes e fechando a cadência regional.
Em 1 Pedro 1:1, a frase é nominal e epistolar, com elipse de cópula: Petros (“Pedro”) vem como nominativo, sujeito explícito; apostolos (“apóstolo”) também em nominativo, funcionando como predicativo/aposto identificador do sujeito, e o vínculo “de” é formalizado por dois genitivos dependentes de apostolos, Iēsou (“Jesus”) e Christou (“Cristo”), formando um genitivo de relação/pertencimento (“apóstolo de…”). O foco então se desloca para os destinatários em dativo: eklektois (“aos eleitos”) e parepidēmois (“aos peregrinos/forasteiros”) são dativos masculinos plurais substantivados, coordenados por justaposição como um único bloco de endereçamento (“aos eleitos, [isto é,] peregrinos”), e esse bloco é qualificado por diasporas (“da dispersão”), genitivo feminino singular que funciona como genitivo de especificação (“peregrinos da Dispersão”). A seguir, a série de genitivos geográficos (Pontou (“do Ponto”), Galatias (“da Galácia”), Kappadokias (“da Capadócia”), Asias (“da Ásia”) kai (“e”) Bithynias (“da Bitínia”)) está em relação de aposto/enumeração com diasporas (“da dispersão”), como se “Dispersão” fosse o título e os genitivos regionais fossem as entradas do índice, detalhando onde essa dispersão se dá; a conjunção kai (“e”) fecha a coordenação do último par, mantendo o mesmo regime de genitivo para todos os topônimos.
O versículo planta uma teologia em forma de endereço: a comunidade é chamada de parepidēmos (“peregrino”) e situada na diaspora (“dispersão”), e isso ecoa o uso de diaspora na tradução grega do Antigo Testamento ligada a dispersões sob juízo e também sob promessa de reunião, especialmente em Deuteronômio; assim, a carta lê a geografia como pedagogia: viver espalhado não anula o pacto, antes o torna visível, porque a fé passa a ser “pátria portátil”. No Novo Testamento, o mesmo vocabulário de peregrinação reaparece quando a fé é descrita como existir “como estrangeiros e peregrinos” e quando a esperança é narrada como caminhada sem posse definitiva, como em Hebreus; por isso, “eleitos” não é elogio abstrato, mas nome de aliança que sustenta gente real em províncias reais.
1 Pedro 1:2
...segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo; graça e paz vos sejam multiplicadas! (Gr.: “kata prognōsin Theou Patros, en hagiasmō Pneumatos, eis hypakoēn kai rhantismon haimatos Iēsou Christou; charis hymin kai eirēnē plēthyntheiē” — Tradução literal: “segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo; graça a vós e paz sejam multiplicadas”.) Na etimologia, prognōsis (“presciência; preordenamento”) é “conhecimento de antemão”, não como curiosidade, mas como direção intencional; hagiasmos (“santificação; consagração”) traz a ideia de separar para Deus e formar uma vida marcada por essa separação; hypakoē (“obediência”) nasce do verbo “ouvir” com o prefixo que sugere “ouvir sob”, isto é, escuta que se curva; rhantismos (“aspersão”) remete ao gesto ritual de borrifar, e por isso carrega memórias do culto: sangue não como ornamento do discurso, mas como sinal de aliança; charis (“graça; favor”) e eirēnē (“paz; inteireza”) são o par de bênção que não deseja apenas ausência de conflito, mas integridade restaurada, e plēthynō (“multiplicar”) pede abundância que cresce como colheita.
A morfologia grega aqui se organiza ao redor de um único gesto verbal e de três colunas preposicionais. O período corre sem verbo finito até o fecho, e é ali que aparece o pulso da frase: plēthyntheiē (“seja multiplicada”) é verbo, aoristo, optativo, voz passiva, terceira pessoa do singular, e por ser optativo ele não descreve um fato, mas formula um voto, uma bênção desejada sobre os destinatários; por isso o sujeito dessa forma verbal vem em nominativo como duas dádivas emparelhadas, charis (“graça”), substantivo, feminino, singular, nominativo, e eirēnē (“paz”), substantivo, feminino, singular, nominativo, ligadas por kai (“e”), conjunção coordenativa, enquanto hymin (“a vós”) é pronome pessoal, segunda pessoa do plural, dativo, funcionando como dativo de destinatário, o lugar humano onde essa multiplicação deve cair como chuva. Antes desse fecho votivo, a frase se sustenta em três preposições que não apenas “traduzem”, mas governam casos e amarram funções: kata (“segundo”) rege prognōsin (“presciência”), substantivo, feminino, singular, acusativo, e estabelece critério/fundamento; essa “presciência” é determinada por um genitivo duplo, theou (“de Deus”), substantivo, masculino, singular, genitivo, e patros (“Pai”), substantivo, masculino, singular, genitivo, que funcionam como genitivo de relação/pertencimento (“presciência de Deus Pai”), sem precisar de verbo, porque o genitivo já cola a ideia ao seu autor.
Em seguida, en (“em”) rege hagiasmō (“santificação”), substantivo, masculino, singular, dativo, e marca esfera/meio, isto é, o “ambiente efetivo” onde a eleição se realiza; o termo é qualificado por pneumatos (“Espírito”), substantivo, neutro, singular, genitivo, que funciona como genitivo de origem/agente (“santificação do Espírito”), mantendo a santificação como obra que vem dele. Por fim, eis (“para”) rege dois acusativos coordenados e declara finalidade: hypakoēn (“obediência”), substantivo, feminino, singular, acusativo, e rhantismon (“aspersão”), substantivo, masculino, singular, acusativo, unidos por kai (“e”); esse segundo fim é imediatamente especificado por uma cadeia genitiva que cola o rito ao seu conteúdo e ao seu portador, haimatos (“sangue”), substantivo, neutro, singular, genitivo, determinado por Iēsou (“Jesus”) e Christou (“Cristo”), ambos nomes próprios, masculinos, singulares, genitivos, de modo que “aspersão” não paira no ar: ela está gramaticalmente presa ao “sangue de Jesus Cristo”. Assim, a morfologia inteira funciona como carpintaria: critério (kata + acusativo) → esfera (en + dativo) → finalidade (eis + acusativo) → bênção (plēthyntheiē optativo) sobre “graça e paz” como sujeito e “a vós” como alvo.
A sintaxe do v. 2 é uma cadeia preposicional rigorosa, em que cada preposição determina o caso e, com ele, a função. Kata (“segundo”) governa o acusativo prognōsin (“presciência”), e Theou (“de Deus”) Patros (“Pai”) em genitivo especificam o conteúdo dessa presciência, de modo que “segundo” não é comentário solto, mas padrão/fundamento do endereçamento; en (“em”) governa o dativo hagiasmō (“santificação”), e o genitivo Pneumatos (“Espírito”) determina a origem/agente dessa santificação, marcando esfera/meio em que os destinatários se encontram; eis (“para”) governa dois acusativos coordenados, hypakoēn (“obediência”) kai (“e”) rhantismon (“aspersão”), declarando finalidade/resultado, e o genitivo haimatos (“sangue”) com o genitivo composto Iēsou (“Jesus”) Christou (“Cristo”) prende “aspersão” ao seu referente cultual. Então vem a bênção em forma de voto: charis (“graça”) hymin (“a vós”) kai (“e”) eirēnē (“paz”) organizam-se com charis e eirēnē em nominativo como sujeito do desejo e hymin em dativo como destinatário, e o verbo plēthyntheiē (“seja multiplicada”) em aoristo, optativo, voz passiva, terceira pessoa do singular, dá à frase a modalidade de súplica/benção (não mandamento), deixando “graça e paz” como aquilo que se deseja ver crescer sobre os leitores.
A abertura “segundo a presciência” traduz o núcleo de prognōsin (“presciência”), e com isso indica que a condição de “eleitos” (retomando a ideia do versículo anterior) não nasce de um acaso sociológico da diáspora, mas de um horizonte anterior, deliberado, no qual o Pai conhece e determina em fidelidade ao seu propósito; a noção de “conhecer de antemão” tem parentesco natural com o emprego do mesmo campo em Atos 2:23 e Romanos 8:29, e ganha eco interno na própria carta quando o Cristo é dito “conhecido antes” (1 Pedro 1:20), de modo que “presciência” aqui opera menos como curiosidade sobre o futuro e mais como linguagem de aliança: Deus conhece, escolhe e assume compromisso com um povo, como o “conhecer” pactual do Antigo Testamento sugere em passagens como Amós 3:2. Para o valor semântico básico do termo, ver o verbete grego “percepção prévia” em recursos lexicais abertos.
Quando Pedro acrescenta “em santificação do Espírito”, ele desloca o olhar do decreto para a execução histórica: hagiastmō (“santificação”), substantivo masculino, singular, dativo, descreve o âmbito em que a eleição se torna realidade experienciada, e o genitivo “do Espírito” qualifica o agente dessa separação, aproximando esta fórmula da linguagem de 2 Tessalonicenses 2:13, onde a “santificação do Espírito” marca o modo pelo qual Deus efetiva a salvação no tempo. A sintaxe é elegantemente direcional: a primeira relação estabelece o padrão (“segundo a presciência”); a segunda, o meio/ambiente (“em santificação”); a terceira, a finalidade (“para…”). Assim, “para a obediência e a aspersão” é a cláusula teleológica: hypakoēn (“obediência”), substantivo feminino, singular, acusativo, e rhantismon (“aspersão”), substantivo masculino, singular, acusativo, são colocados como destinos da obra santificadora, e o genitivo “de sangue” amarra o segundo termo ao mundo ritual do Antigo Testamento, onde a aspersão é ato sacerdotal de consagração e purificação. Para os campos semânticos de “santificação” e “aspersão”, com registro explícito do uso em 1 Pedro 1:2, ver os verbetes lexicais correspondentes.
Nesse ponto, a hermenêutica se ilumina quando a imagem deixa de ser abstrata: “aspersão do sangue” não é metáfora genérica de perdão, mas cena de aliança, como em Êxodo 24:8, quando Moisés asperge o sangue do pacto sobre o povo, selando pertença e obrigação. Pedro toma essa gramática do Sinai e a reinscreve em Jesus Cristo: a comunidade é marcada, não por sangue animal, mas pelo sangue do Messias; e a obediência que segue não é condição para entrar na aliança, mas fruto de ter sido alcançado por ela, o que coincide com o uso petrino posterior ao falar de “filhos da obediência” e de “obediência à verdade” (1 Pedro 1:14, 22). Ao ler Êxodo 24:8, comentaristas judaicos clássicos preservam precisamente a ideia de que o gesto é “aspersão” ritual (não mero arremesso), reforçando a densidade cultual do pano de fundo que torna a escolha de Pedro teologicamente carregada: a nova comunidade do pacto é “salpicada” para pertencer e, por pertencer, obedecer.
A comparação de versões deixa claro como esse encadeamento trinitário e pactual é percebido na tradução. Na YLT lê-se: “according to a foreknowledge of God the Father, in sanctification of the Spirit, to obedience and sprinkling of the blood of Jesus Christ: Grace to you and peace be multiplied!”; na KJV: “Elect according to the foreknowledge of God the Father, through sanctification of the Spirit, unto obedience and sprinkling of the blood of Jesus Christ: Grace unto you, and peace, be multiplied”; na ARA: “eleitos, segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e a aspersão do sangue de Jesus Cristo, graça e paz vos sejam multiplicadas”; na ACF: “Eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo: Graça e paz vos sejam multiplicadas”; na NVI: “escolhidos de acordo com a presciência de Deus Pai, pela obra santificadora do Espírito, para a obediência a Jesus Cristo e a aspersão do seu sangue: Graça e paz sejam multiplicadas a vocês.”; e na NVT: “Deus, o Pai, os conhecia de antemão e os escolheu, e o Espírito os santificou para a obediência e a purificação pelo sangue de Jesus Cristo. Que vocês tenham cada vez mais graça e paz.” Repare como NVI e NVT explicitam com mais força o valor direcional (“para a obediência a Jesus Cristo”) e como a NVT verte “aspersão” por “purificação”, decisão interpretativa que aproxima rhantismon (“aspersão”) do seu efeito cultual, enquanto ARA/ACF preservam a imagem sacrificial em sua concretude.)
A benção final confirma que o foco é obra divina do começo ao fim: charis (“graça”) e eirēnē (“paz”) aparecem como sujeitos desejados, e plēthyntheiē (“seja multiplicada”), verbo aoristo, optativo, passivo, terceira pessoa do singular, funciona como fórmula de voto — não simples constatação —, ecoando o tom de saudações apostólicas paralelas (como 2 Pedro 1:2) e deixando a comunidade sob um pedido de incremento contínuo. No conjunto, o versículo é uma miniatura de teologia bíblica trinitária com linguagem de aliança: o Pai enquadra a história pela “presciência” pactual, o Espírito realiza a separação eficaz que torna o povo santo no mundo, e o Filho é o centro sacrificial do novo pacto cujo sangue aspergido inaugura uma obediência de pertença; assim, a igreja exilada no Império aprende a ler sua identidade não como acidente da dispersão, mas como cumprimento de um padrão antigo — Deus forma um povo por aliança e o marca com sangue — agora transfigurado e consumado em Jesus Cristo, em diálogo direto com o Sinai e em continuidade com a lógica do Novo Testamento que liga “sangue aspergido” à mediação do pacto e à purificação da consciência (Hebreus 9:19–22; 12:24).
1 Pedro 1:3
Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a grandeza da sua misericórdia, nos gerou de novo para uma esperança viva, pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, … (Gr.: Eulogētos ho theos kai patēr tou kyriou hēmōn Iēsou Christou ho kata to poly autou eleos anagennēsas hēmas eis elpida zōsan di’ anastaseōs Iēsou Christou ek nekrōn — Tradução literal: “Bendito [seja] o Deus e Pai do nosso Senhor Jesus Cristo, o qual, segundo a grandeza da sua misericórdia, tendo-nos gerado de novo, [nos levou] para esperança viva, por meio da ressurreição de Jesus Cristo dentre mortos.”). Em anagennaō (“gerar de novo”), a etimologia é transparente na própria composição: o verbo é formado por ana- (“de novo; para cima/para trás”, como prefixo produtivo em grego) + gennaō (“gerar, dar à luz”). Essa decomposição aparece explicitamente em léxicos bíblicos que registram a origem do termo como combinação de ana- e gennaō, e é também reconhecida em literatura acadêmica especializada em 1 Pedro ao descrever o verbo como composto por esses dois elementos.
O substantivo anastasis (“ressurreição”) deriva do verbo anistēmi (“levantar-se”) com o sufixo nominal -sis (formador de nomes de ação/processo), resultando na ideia de “ato de levantar/erguer”. Essa formação “verbo + -sis” é indicada diretamente em recursos lexicais voltados à morfologia histórica da palavra. Em elpis (“esperança”), o que pode ser afirmado com segurança é a derivação interna grega: elpis está ligada ao verbo primário elpō (“esperar/antever”), como registram dicionários de base bíblica ao explicarem a família lexical (elpis a partir de elpō). Sobre uma raiz indo-europeia específica, há propostas em repertórios abertos, mas isso já entra no terreno do “possivelmente”, e só deve ser dito como hipótese, não como fato duro.
Já o termo eulogētos (“bendito”), a própria família lexical aponta a construção: ela se relaciona ao verbo eulogeō (“falar bem de; abençoar”), e este é explicado por léxicos como composto de elementos equivalentes a “bem” + “dizer/falar”, isto é, a base de “elogiar/abençoar” como “falar bem”. O ponto etimológico seguro aqui é essa pertença à família eu- + log- que os léxicos explicitam ao descrever eulogeō e derivar eulogētos dele. A palavra eleos (“misericórdia”) se registra no campo semântico e nos usos clássicos/áticos, mas nem sempre com uma etimologia “quebrável” em prefixo+raiz como ocorre com anagennaō e anastasis é fácil de encontrar. O que dá para ancorar, com honestidade, é o valor antigo de “piedade/compaixão” bem atestado em uso e a continuidade desse valor no grego posterior; quando um recurso declara “origem incerta” (ou não oferece etimologia), isso é, por si, um dado: não se deve fabricar uma raiz só para preencher o espaço.
Não há verbo finito expresso no v. 3. O período começa com uma predicação nominal, com elipse da cópula (“[é/seja]”), em que eulogētos (“bendito”), adjetivo, nominativo, masculino, singular, ocupa a posição de predicativo e abre a cláusula como louvor. O sujeito desse predicativo vem articulado por ho (“o”), artigo, nominativo, masculino, singular, que determina theos (“Deus”), substantivo, nominativo, masculino, singular, e este núcleo é coordenado por kai (“e”), conjunção coordenativa copulativa, com patēr (“pai”), substantivo, nominativo, masculino, singular, formando um único referente (“Deus e Pai”) sob o mesmo predicativo, de modo que a coordenação não sugere dois sujeitos distintos, mas um sujeito único com dois títulos.
A especificação de quem é esse “Pai” é feita por uma cadeia genitiva dependente de patēr (“pai”), marcada formalmente pelo genitivo: tou (“do”), artigo, genitivo, masculino, singular, introduz kyriou (“Senhor”), substantivo, genitivo, masculino, singular, funcionando como genitivo de relação/pertencimento (“Pai do Senhor”), leitura exigida pelo encaixe “pai de X” e pelo fato de o genitivo aqui não ser regido por preposição, mas pelo substantivo relacional patēr (“pai”). Dentro desse sintagma, hēmōn (“nosso”), pronome pessoal, primeira pessoa do plural, genitivo, atua como genitivo possessivo dependente de kyriou (“Senhor”), restringindo “Senhor” a “nosso Senhor”. Em seguida, Iēsou (“Jesus”), substantivo próprio, genitivo, masculino, singular, e Christou (“Cristo”), substantivo próprio, genitivo, masculino, singular, unem-se ao mesmo bloco genitivo como genitivos em aposição/epexegese a kyriou (“Senhor”), porque, sem novo artigo e em continuidade imediata, eles não introduzem um segundo “senhor” nem um segundo regente, mas identificam quem é “o nosso Senhor”, isto é, “Jesus Cristo”, mantendo a concordância de caso como marca formal de apposição.
O louvor então é expandido por uma caracterização do sujeito por meio de um artigo com particípio, com valor de oração relativa/atributiva: ho (“o qual”), artigo, nominativo, masculino, singular, retoma formalmente o sujeito em nominativo e introduz o bloco participial. A primeira dependência interna desse bloco é preposicional: kata (“segundo”), preposição que rege acusativo, expressa norma/medida (“de acordo com”), e governa o complemento to (“o”), artigo, acusativo, neutro, singular, com poly (“muito”, “grande”), adjetivo, acusativo, neutro, singular, formando a expressão “segundo o grande/abundante…”. O termo que dá conteúdo a essa medida aparece em seguida como eleos (“misericórdia”), substantivo, acusativo, neutro, singular, ligado ao complexo to (“o”) + poly (“muito”, “grande”) como núcleo semântico que esse “muito” qualifica; a ausência de artigo com eleos (“misericórdia”) não enfraquece a ligação, porque a marca formal de caso (acusativo) permanece alinhada ao regime de kata (“segundo”), e a ordem “artigo + adjetivo + substantivo anártrico” funciona aqui como construção atributiva que enfatiza a grandeza da misericórdia. Essa misericórdia é ainda determinada por autou (“dele”), pronome pessoal, terceira pessoa do singular, genitivo, que funciona como genitivo possessivo dependente de eleos (“misericórdia”), fixando a fonte da misericórdia no próprio sujeito retomado por ho (“o qual”).
O núcleo verbal do bloco atributivo é o particípio anagennēsas (“tendo gerado de novo”), verbo em forma de particípio, aoristo (aspecto perfeito/global), voz ativa, nominativo, masculino, singular, sem marca de pessoa por ser não finito, concordando em caso, gênero e número com ho (“o qual”) e, por consequência, com o sujeito “Deus e Pai”; essa concordância é a marca formal que liga a ação ao mesmo referente do louvor. O complemento direto dessa ação é hēmas (“a nós”), pronome pessoal, primeira pessoa do plural, acusativo, funcionando como objeto direto do particípio anagennēsas (“tendo gerado de novo”), porque o acusativo aqui não é regido por preposição, mas exigido pelo verbo de “gerar”.
A finalidade/destino do ato de “gerar de novo” é expresso por eis (“para”), preposição que rege acusativo e tem valor semântico de direção final/propósito (“para”, “a fim de”), governando elpida (“esperança”), substantivo, acusativo, feminino, singular, como alvo do movimento (“para esperança”). Essa esperança é qualificada por zōsan (“viva”), verbo em forma de particípio presente (aspecto imperfectivo/processual), voz ativa, acusativo, feminino, singular, usado com valor adjetival e concordando com elpida (“esperança”) por marca formal de caso, gênero e número, de modo que a “esperança” não é apenas definida, mas descrita como portadora de vida.
O meio instrumental pelo qual essa finalidade é mediada vem por outra dependência preposicional: di’ (“por meio de”), preposição (forma elidida de dia), que aqui rege genitivo e tem valor semântico de meio/instrumento (“por meio de”), governando anastaseōs (“ressurreição”), substantivo, genitivo, feminino, singular, como complemento de meio. Esse substantivo verbal é especificado por Iēsou (“Jesus”), substantivo próprio, genitivo, masculino, singular, e Christou (“Cristo”), substantivo próprio, genitivo, masculino, singular, que dependem de anastaseōs (“ressurreição”) como genitivo de referência; como “ressurreição” é um nome de evento, esse genitivo pode ser descrito com mais precisão como genitivo “objetivo” no sentido semântico (a ressurreição que tem Jesus Cristo como aquele que é ressuscitado), e essa leitura é favorecida pelo encaixe que segue. Esse encaixe final é ek (“dentre”, “de”), preposição que rege genitivo e exprime origem/proveniência (“para fora de”, “dentre”), governando nekrōn (“mortos”), adjetivo, genitivo, masculino, plural, substantivado (“os mortos”), funcionando como complemento de origem e especificando o âmbito de onde se dá a anastaseōs (“ressurreição”); por estar imediatamente após o sintagma de “ressurreição” e por se ajustar semanticamente a ele, ek (“dentre”) + nekrōn (“mortos”) liga-se preferencialmente a anastaseōs (“ressurreição”) como sua determinação (“ressurreição dentre os mortos”), mantendo o encadeamento formal: preposição de meio (di’ + genitivo) → núcleo do meio (anastaseōs) → genitivo de referência (Iēsou Christou) → preposição de origem (ek + genitivo) que completa a natureza dessa ressurreição.
O primeiro ponto em que as versões já “comentam” o grego sem dizer que estão comentando é a própria forma do louvor, porque o NA28 abre com eulogētos (“bendito”), um predicativo adjetival em predicação nominal (cópula elíptica), e não com um verbo de ação; por isso a YLT, ao escrever “Blessed [is] the God and Father…” (PT: “Bendito [é] o Deus e Pai…”), deixa o leitor enxergar a lógica nominal com mais transparência, enquanto a KJV, ao preferir “Blessed be the God and Father…” (PT: “Bendito seja o Deus e Pai…”), transforma o predicativo em fórmula optativa/devocional, muito tradicional, mas um pouco menos “visível” quanto à elipse. A ESV mantém a mesma moldura de louvor (“Blessed be…”, PT: “Bendito seja…”), mas pontua como frase exclamativa independente, o que ajuda o ouvido moderno e, ao mesmo tempo, separa mais do que o grego separa o louvor do restante do período.
A seguir, o grego marca a medida do agir divino com kata (“segundo”) + acusativo, em kata (“segundo”) to poly (“a grandeza”, literalmente “o muito”) autou (“dele”) eleos (“misericórdia”): aqui as versões se distinguem sobretudo por como interpretam to poly (“o muito”) e por como nomeiam eleos (“misericórdia”). A KJV escolhe “according to his abundant mercy” (PT: “segundo a sua misericórdia abundante”), e a ESV escolhe “According to his great mercy” (PT: “segundo a sua grande misericórdia”), duas opções igualmente compatíveis com to poly (“o muito”), embora “abundant” e “great” destaquem imagens diferentes (quantidade vs. grandeza). A ASV segue a linha da ESV com “according to his great mercy” (PT: “segundo a sua grande misericórdia”). Já a YLT diverge de modo relevante ao verter eleos (“misericórdia”) por “kindness” (“bondade”), em “according to the abundance of His kindness” (PT: “segundo a abundância da sua bondade”): isso suaviza o tom de compaixão/clemência que eleos (“misericórdia”) normalmente carrega e aproxima a frase de um campo semântico que, no grego do Novo Testamento, costuma ser expresso por outros vocábulos.
O verbo/ação central do período está em anagennēsas (“tendo gerado de novo”), particípio aoristo ativo, e aqui as versões “explicam” o particípio por estratégias diferentes: a KJV usa forma verbal finita forte e imagética, “hath begotten us again” (PT: “nos gerou de novo”), e a ASV vai na mesma direção com “begat us again” (PT: “nos gerou de novo”), preservando o verbo de geração que combina bem com o campo de gennaō (“gerar”). A YLT intensifica a literalidade formal ao manter “did beget us again” (PT: “gerou-nos de novo”), ainda que seu “did” tenda a dar um colorido temporal de passado pontual que o particípio, no grego, amarra mais como ação atributiva do sujeito (“o Deus… que, tendo…”) do que como simples sequência narrativa. A ESV, em contraste, desloca para uma formulação causativa: “he has caused us to be born again” (PT: “ele nos fez nascer de novo / ele nos causou nascer de novo”), que ajuda o leitor moderno a não tropeçar no verbo “beget”, mas, por trocar o verbo de geração por um giro causativo, pode atenuar a metáfora paterna que o particípio sugere quando está tão perto de patēr (“pai”) no início do período.
Quando o grego diz eis (“para”) elpida (“esperança”) zōsan (“viva”), o ponto fino é que eis (“para”) tem valor direcional/final (“para dentro de”, finalidade), e “esperança viva” é o alvo da nova geração; por isso KJV, ASV, YLT e ESV convergem no núcleo (“to/unto a living hope”, PT: “para uma esperança viva”), com a KJV guardando a forma arcaica “unto a lively hope” (PT: “para uma esperança viva”), em que “lively” aqui significa “viva”, não “animada”. O contraste mais instrutivo, quando se traz o português, aparece porque a ARC preserva muito de perto o desenho de eis (“para”) ao dizer “nos gerou de novo para uma viva esperança” (o “para” segue o eis), enquanto a NVT reordena e reinterpreta o encaixe: “ele nos fez nascer de novo, por meio da ressurreição… Agora temos uma viva esperança”, isto é, a esperança passa a soar como consequência discursiva posterior (“agora temos…”) mais do que como finalidade gramatical imediata do eis (“para”) no grego.
O grego aqui amarra o meio e a proveniência com duas preposições distintas: di’ (“por meio de”) + genitivo em di’ (“por meio de”) anastaseōs (“ressurreição”) e ek (“dentre”) + genitivo em ek (“dentre”) nekrōn (“mortos”). A ESV capta bem o valor instrumental de di’ (“por meio de”) ao escolher “through the resurrection… from the dead” (PT: “por meio da ressurreição… dentre os mortos”), enquanto KJV e ASV usam “by the resurrection… from the dead” (PT: “pela ressurreição… dentre os mortos”), que pode soar levemente mais causal em português (“pela”), mas ainda transmite meio. A YLT é a que mais faz o leitor “ver” ek (“dentre”), ao dizer “through the rising again… out of the dead” (PT: “por meio do levantar-se de novo… para fora dos mortos”), aproximando-se da ideia de saída “de dentro” que ek (“dentre”) sugere. No português, a NVI é quase um espelho do trilho preposicional: “por meio da ressurreição… dentre os mortos”, alinhando-se ao valor de di’ (“por meio de”) e ek (“dentre”) com nitidez; a ARC, ao dizer “pela ressurreição… dentre os mortos”, fica um pouco mais tradicional (como KJV/ASV), mas mantém a arquitetura; a NVT preserva “por meio da ressurreição… dentre os mortos”, porém, como já deslocou “esperança viva” para um “agora temos”, acaba por reconfigurar a sequência lógica que o grego mantém compacta: no NA28, o “meio” (di’ — “por meio de”) está gramaticalmente subordinado ao movimento para a esperança (eis — “para”), não apresentado como etapa anterior a um “agora”.
Em 1 Pedro 1:3, o “bendito” não é um enfeite devocional, mas a moldura gramatical e teológica que obriga o leitor a começar pela doxologia: Deus é nomeado como eulogētos (“bendito”) antes de ser explicado, e isso conversa diretamente com a fórmula paulina “Bendito seja o Deus e Pai…” em 2 Coríntios 1:3 e Efésios 1:3, onde o louvor vem primeiro porque o agir de Deus é anterior a qualquer resposta humana. A expressão “Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” faz a paternidade aparecer não como abstração, mas como relação definida cristologicamente, em harmonia com João 14:9–11, onde conhecer o Pai passa pela relação com o Filho, e com Romanos 15:6, onde a igreja glorifica “o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” com unidade de voz.
Quando Pedro diz que esse agir vem “segundo a grandeza da sua misericórdia”, ele está colocando a causa fora do homem, e o Antigo Testamento dá a gramática dessa misericórdia como restauração que recria: Ezequiel 36:25–27 descreve purificação (“aspergirei água pura…”) e renovação interior (“dar-vos-ei coração novo… porei dentro de vós o meu Espírito”), e esse par purificação + vida nova é a sombra antiga do que Pedro chama “gerar de novo”. O mesmo eixo aparece em Jeremias 31:33–34, onde a aliança nova é escrita “no coração”, e em Salmos 51:10–12, onde o pedido é por um “coração puro” e um “espírito reto” renovado; assim, “misericórdia” não é mero sentimento, é o impulso de Deus que refaz o interior para que a vida recomece. No Novo Testamento, a mesma imagem é dita com outro vocabulário em Tito 3:5 (“lavar da regeneração e renovação do Espírito Santo”) e é dramatizada por Jesus em João 3:3–5, onde “nascer de novo” não é polimento moral, mas entrada numa vida que procede “do Espírito”.
O alvo desse novo nascimento é “para uma esperança viva”, e isso impede que esperança seja confundida com probabilidade ou autoengano, porque a esperança, no Novo Testamento, é uma força que se prova no atrito: Romanos 5:3–5 descreve a esperança nascendo e se fortalecendo em meio a tribulação, e Hebreus 6:18–20 a chama de âncora lançada para além do véu, isto é, esperança com lastro no futuro de Deus, não no humor do presente. Em 1 Pedro 1:6–7, o próprio contexto imediato confirma que essa esperança não elimina a provação, mas a atravessa com sentido, e em 1 Pedro 1:13 a esperança é ordenada como postura da mente (“esperai inteiramente”), mostrando que “viva” não é adjetivo ornamental, é qualidade operativa: esperança que respira e sustenta.
O meio dessa regeneração é “por meio da ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos”, e aqui a hermenêutica precisa ser implacável: a esperança é viva porque o fundamento é um evento, não uma sensação. Paulo faz o mesmo ponto com contundência em 1 Coríntios 15:20–23, chamando a ressurreição de Cristo de “primícias”, isto é, começo real de uma colheita, e em Romanos 6:4–5 ele liga a vida nova diretamente ao fato de Cristo ter sido ressuscitado, de modo que a regeneração não é metáfora solta, mas participação numa realidade inaugurada. Colossenses 3:1–4 insiste na mesma lógica: se o Cristo ressuscitou, a vida do crente é reorientada para onde ele está; e o próprio Pedro, mais adiante, amarra o nó em 1 Pedro 1:21 ao dizer que, por meio de Cristo, os crentes têm fé e esperança em Deus “o qual o ressuscitou dentre os mortos”. Aqui “dentre os mortos” não é redundância poética: é a afirmação de saída objetiva do domínio da morte (Atos 2:24), que transforma o “novo nascimento” em realidade histórica com consequência existencial.
1 Pedro 1:4
para uma herança incorruptível, incontaminada e imarcescível, guardada nos céus para vós (Gr.: eis klēronomian aphtharton kai amianton kai amaranton tetērēmenēn en ouranois eis hymas — Tradução literal: “para uma herança incorruptível e incontaminada e imarcescível, guardada nos céus para vós”.) Na etimologia de klēronomia (“herança”), o termo nasce como palavra de “quinhão recebido”: ele se liga ao campo de klēronomos (“herdeiro”), e a forma abstrata em “-ia” transforma a pessoa que recebe em “realidade de herdar”, isto é, a herança como porção e direito transmitido. A raiz de fundo, indicada no próprio desmembramento antigo, toca klēros (“sorte; quinhão; lote”), linguagem de “distribuição” que carrega a ideia de porção atribuída, não fabricada pela mão do herdeiro.
A tríade de adjetivos é uma pequena arquitetura etimológica construída com a negação inicial: em aphthartos (“incorruptível”), o “a-” privativo recusa a ruína de phtheirō (“corromper”), como quem diz “não sujeito à decomposição”. Em amiantos (“incontaminado”), o mesmo “a-” recusa a mancha de miainō (“manchar, macular”), de modo que a herança é descrita como não tocada pela sujeira que rebaixa e deforma. Em amarantos (“imarcescível”), a negação se volta contra marainō (“murchar, perder o viço”), e o efeito é o de uma vitalidade que não se apaga, como flor que não cede ao tempo.
O particípio perfeito passivo tetērēmenēn (“guardada; mantida em reserva”) pertence à família de tēreō (“guardar, vigiar”), cujo próprio campo etimológico é descrito como “vigília”, um olhar que conserva do dano e da perda. O lugar dessa guarda aparece em ouranos (“céu”), palavra que no grego antigo já nomeia o “céu” como abóbada e região superior; no horizonte homérico, o termo funciona precisamente como no inglês “heaven”, e em léxicos do grego do Novo Testamento aparece com o valor de “sky/heaven” (rudimente vertido como “céu/lugar celeste”), com propostas etimológicas apresentadas com cautela ligando-o à ideia de elevação.
A expressão não traz verbo finito: ela é um bloco preposicional que depende de um verbo anterior implícito no fluxo da frase maior, e por isso o seu “pulso verbal” aparece apenas como forma não finita, isto é, como particípio. A entrada se faz por eis (“para”), preposição que rege acusativo e indica direção/finalidade, conduzindo imediatamente ao núcleo nominal klēronomian (“herança”), substantivo, feminino, singular, acusativo, que funciona como o alvo semântico desse eis (“para”). A partir desse núcleo, tudo o que vem colado a ele se organiza como qualificação da herança: aphtharton (“incorruptível”), adjetivo, feminino, singular, acusativo, concorda com klēronomian (“herança”) por caso, gênero e número, e é ligado por kai (“e”), conjunção coordenativa copulativa, a amianton (“incontaminada”), adjetivo, feminino, singular, acusativo, que por sua vez é ligado por outro kai (“e”) a amaranton (“imarcescível”), adjetivo, feminino, singular, acusativo; a repetição de kai (“e”) não acrescenta novos regentes, apenas costura uma série de predicações adjetivais paralelas, todas penduradas no mesmo substantivo, como três selos colocados na mesma porta.
O núcleo verbal, agora, surge como qualificador final dessa mesma “herança”, e é ele que dá à frase a ideia de estado garantido: tetērēmenēn (“guardada”, “reservada”), particípio, perfeito, voz passiva, feminino, singular, acusativo, deriva de um verbo de “guardar” e, por estar no perfeito, descreve uma ação completada cujos efeitos permanecem, como algo que foi posto sob custódia e permanece sob custódia; por estar na voz passiva, indica que a herança não “se guarda” a si mesma, mas é mantida por um agente implícito. Morfologicamente, a marca decisiva é a concordância: tetērēmenēn (“guardada”) acompanha klēronomian (“herança”) no acusativo feminino singular, e por isso funciona como particípio atributivo, quase adjetival, acrescentando ao trio de adjetivos uma quarta qualidade, agora de natureza verbal, que transforma “qualidade” em “situação”: não apenas incorruptível, incontaminada e imarcescível, mas efetivamente mantida em segurança.
Esse estado é então localizado e direcionado por duas preposições que fecham o circuito do sentido. Primeiro, en (“em”), preposição que rege dativo e indica esfera/localização (“em, dentro de”), governa ouranois (“céus”), substantivo, masculino, plural, dativo, estabelecendo o “lugar” onde essa guarda está situada. Depois, a frase retorna a eis (“para”), novamente preposição que rege acusativo e indica direção/benefício, e governa hymas (“vós”), pronome pessoal, segunda pessoa do plural, acusativo, fixando o destinatário final: a herança é descrita como voltada “para vós”, não como posse já manuseada, mas como realidade orientada ao beneficiário, guardada em esfera celestial e destinada ao povo a quem a carta se dirige.
A sequência se trata de um sintagma preposicional completo, dependente de um núcleo verbal anterior no período maior, e por isso sua função sintática principal é de complemento direcional/télico, não de predicação autônoma. A abertura com eis (“para”) é preposição que rege acusativo e marca finalidade/direção; ela governa diretamente klēronomian (“herança”) que funciona como núcleo nominal do alvo para o qual o movimento semântico é orientado. Esse núcleo é imediatamente qualificado por uma série de adjetivos em concordância formal com klēronomian (“herança”): o adjetivo aphtharton (“incorruptível”) depende de klēronomian (“herança”) por concordância de caso, gênero e número; kai (“e”), conjunção coordenativa copulativa, liga esse primeiro adjetivo ao segundo; o adjetivo amianton (“incontaminada”), também depende de klēronomian (“herança”) pela mesma concordância; kai (“e”) coordena novamente; amaranton (“imarcescível”) fecha a tríade como terceiro predicador adjetival do mesmo substantivo, de modo que a coordenação por kai (“e”) não cria novas relações de regência, apenas empilha qualificações paralelas sob o mesmo núcleo.
A seguir, o estado dessa “herança” é explicitado por um qualificador verbal em forma de particípio: tetērēmenēn (“guardada”) depende de klēronomian (“herança”) por concordância (mesmo caso, gênero e número), funcionando como particípio atributivo, isto é, como predicação verbal anexada ao substantivo. O valor do perfeito aqui é aspectual: apresenta a guarda como ação já efetivada com resultado vigente, e a voz passiva fixa a herança como paciente da ação (ela “foi guardada” e permanece “em estado de guardada”), sem explicitar o agente no próprio sintagma.
Esse particípio recebe dois complementos preposicionais que delimitam esfera e destinatário. Primeiro, en (“em”) é preposição que rege dativo e indica esfera/localização; ela governa ouranois (“céus”), substantivo, masculino, plural, dativo, que funciona como complemento locativo do particípio tetērēmenēn (“guardada”), especificando o âmbito em que a herança se encontra mantida. Em seguida, reaparece eis (“para”), novamente preposição que rege acusativo, mas agora com valor semântico de direção orientada ao beneficiário/destinatário; ela governa hymas (“vós”), pronome pessoal, segunda pessoa do plural, acusativo, que funciona como complemento de referência/destinação do estado “guardada nos céus”, indicando para quem a herança é preservada e para quem ela é dirigida no horizonte do período.
No grego crítico, a herança é descrita por uma tríplice negação que soa como metal que não oxida: aphtharton (“incorruptível”), amianton (“incontaminada”), amaranton (“imarcescível”), três adjetivos que se encadeiam e depois recebem o particípio tetērēmenēn (“guardada”). A KJV e a ASV espelham essa cadência quase palavra por palavra com “incorruptible, and undefiled, and that fadeth not away” (PT: “incorruptível, e incontaminada, e que não se desvanece/murcha”) e mantêm o fechamento “reserved in heaven for you” (PT: “reservada no céu para vós/vocês”), preservando a sequência adjectival do grego (ainda que troquem o terceiro adjetivo por uma oração relativa “that fadeth not away”). A YLT é a que mais “deixa ver” o grego, porque conserva a série como três qualidades e mantém o plural de en ouranois (“nos céus”) ao escrever “incorruptible, and undefiled, and unfading, reserved in the heavens for you” (PT: “incorruptível, e incontaminada, e imarcescível, reservada nos céus para vós”). A ESV segue a mesma linha com léxico mais contemporâneo: “imperishable, undefiled, and unfading, kept in heaven for you” (PT: “imperecível, incontaminada, e imarcescível, guardada no céu para vós”), e aqui a troca de “reserved” por “kept” aproxima o particípio tetērēmenēn (“guardada”) de um sentido mais direto de preservação.
Nas versões em português, a ARC reproduz a natureza “adjetival” do grego com rara docilidade: “incorruptível, incontaminável e que se não pode murchar” (o terceiro termo vira perífrase, como na KJV), e conclui “guardada nos céus para vós”, conservando o plural de en ouranois (“nos céus”) e o alvo eis hymas (“para vós”). A NVI escolhe uma equivalência mais dinâmica e verbal: “jamais poderá perecer, macular-se ou desvanecer. Essa herança está guardada nos céus para vocês” — aqui o trio grego vira três possibilidades de perda (perecer/manchar/desvanecer), o que comunica bem o efeito, mas afasta a textura formal dos três adjetivos negativos. A NVT amplia e reinterpreta: “imperecível, pura e imaculada, que não muda nem se deteriora, guardada para vocês no céu”, substituindo o terceiro adjetivo por uma dupla (“não muda / não se deteriora”) e mudando “nos céus” para “no céu”, o que é idiomático, mas já não reflete de perto o plural de ouranois (“céus”) no grego.
O ponto em que as versões mais se diferenciam, apesar de concordarem no sentido geral, é a escolha do verbo de preservação: o particípio tetērēmenēn (“guardada”) admite, em português, tanto “guardada” quanto “reservada”; em inglês, “reserved” (KJV/ASV/YLT) sugere algo posto em custódia e “separado” para um destinatário, enquanto “kept” (ESV) sugere algo protegido e mantido seguro. E há ainda a nuance espacial que o próprio grego carrega com en (“em”) + dativo, en ouranois (“nos céus”): a YLT faz questão de “the heavens”, a ARC mantém “nos céus”, a NVI também, ao passo que ESV, KJV/ASV e a NVT preferem o idiomático “in heaven / no céu”, que não nega o grego, mas o normaliza no uso corrente.
Em 1 Pedro 1:4, o sintagma começa com eis (“para”), e essa direção já é exegese em forma gramatical: a regeneração do versículo anterior não termina em um sentimento, mas se abre “para” um destino objetivo, klēronomia (“herança”), palavra que no horizonte bíblico evoca o quinhão recebido por promessa, como nas partilhas do território “por sorte” em Números 26:52–56 e na adjudicação da terra em Josué 14:1–2; Pedro toma essa memória de chão e a eleva, porque a herança agora é descrita com três negações que a retiram do ciclo natural de decomposição. Ao dizer aphthartos (“incorruptível”), ele fala como Paulo quando contrapõe o que apodrece ao que não apodrece, como a “coroa incorruptível” em 1 Coríntios 9:25 e a transformação em “incorruptível” em 1 Coríntios 15:52; ao dizer amiantos (“incontaminada”), ele usa o mesmo vocabulário com que Tiago descreve a “religião pura e incontaminada” em Tiago 1:27, e com que Hebreus caracteriza o Sumo Sacerdote como “incontaminado” em Hebreus 7:26, sugerindo que a herança não apenas dura, mas permanece moralmente intocada, sem mancha de violência, fraude ou idolatria; ao dizer amarantos (“imarcescível”), ele põe na herança a qualidade que mais tarde reaparece como “coroa… imarcescível” em 1 Pedro 5:4, como flor que não perde o viço, de modo que o leitor exilado entenda: aquilo que Deus promete não envelhece como as posses que os impérios podem confiscar.
O particípio tetērēmenēn (“guardada”) dá ao verso o seu tom de segurança: perfeito passivo, ele descreve uma herança já posta sob custódia e permanecendo sob custódia, como documento selado e preservado fora do alcance das mãos que saqueiam. O lugar dessa guarda é marcado por en (“em”) + dativo: ouranois (“céus”), e o plural não precisa ser lido como mapa astronômico, mas como o registro bíblico da esfera divina, onde nada apodrece e ninguém corrompe, como o “tesouro nos céus” de Mateus 6:20 e a “esperança reservada nos céus” de Colossenses 1:5; por isso a herança é ao mesmo tempo prometida e inacessível aos poderes do tempo. E eis (“para”) + acusativo, hymas (“vós”), impede que isso seja abstração: não é “herança em geral”, mas herança direcionada ao povo concreto, como quando Jesus promete “herdar o Reino” preparado “para vós” em Mateus 25:34, e como quando Pedro, logo adiante, fala dos crentes como “guardados” para a salvação em 1 Pedro 1:5: a herança está guardada, e os herdeiros também estão guardados, como dois lados do mesmo cuidado.
A hermenêutica do verso nasce do contraste entre a velha imagem de herança (terra, estabilidade, fronteiras) e a nova condição dos destinatários (peregrinos e dispersos): o texto não anula a gramática do Antigo Testamento, mas a cumpre de modo escatológico. Israel conheceu a herança como dom de Deus e também como risco de perdê-la por infidelidade; por isso o Antigo Testamento aprende a dizer que, mais fundo que a terra, o próprio Deus é a porção do seu povo, como em Salmos 16:5–6 (“o Senhor é a porção da minha herança”), em Deuteronômio 10:9 (o Senhor como herança) e em Salmos 73:26 (Deus como “porção” eterna). Pedro fala a comunidades sem garantias políticas e sem solo próprio, e desloca o centro de gravidade: a herança definitiva não é vulnerável ao exílio, porque está em Deus e na esfera de Deus, e é garantida “por meio” do Cristo ressuscitado, como Paulo descreve quando chama os crentes de “herdeiros” com Cristo em Romanos 8:17 e quando fala da “herança” ligada ao selo do Espírito em Efésios 1:13–14; assim, o que era promessa territorial vira promessa de reino e vida, e o que era lote no mapa vira pertença no futuro de Deus, já antecipada no presente por uma esperança que não murcha.
1 Pedro 1:5
...os quais sois guardados, mediante a fé, pelo poder de Deus, para uma salvação pronta para ser revelada em tempo derradeiro... (Gr.: tous en dynamei theou phrouroumenous dia pisteōs eis sōtērian hetoimēn apokalyphthēnai en kairō eschatō — Tradução literal: “os que, em poder de Deus, sendo guardados por meio da fé, para salvação pronta para ser revelada em tempo último”). A coluna dorsal etimológica da frase está no particípio phrouroumenous (“guardados”), que remete ao verbo phroureō (“vigiar/guardar”), palavra militar, própria de sentinelas e de cidade posta sob guarda: no uso clássico, ela descreve a guarda por guarnição, tanto para impedir invasão quanto para impedir fuga; a tradição lexical registra esse tom “tático” e a sua difusão desde Tucídides (História da Guerra do Peloponeso 1.93.3) em diante, isto é, em registro grego plenamente histórico e não apenas religioso. Esse guardar acontece “em” dynamis (“poder”), e aqui a etimologia ajuda a ver que não se trata primeiro de “autoridade abstrata”, mas de capacidade efetiva: dynamis (“poder/capacidade”) deriva de dynamai (“poder/ser capaz”), como família de palavras que nomeia força, potência, aptidão para agir. O genitivo theou (“de Deus”) prende esse poder ao próprio theos (“Deus”).
O meio humano nomeado não nasce de um “salto no escuro”, mas de pistis (“fé”), e sua etimologia mostra por que, no grego, fé e persuasão se tocam: pistis (“fé”) é derivada de peithō (“persuadir”), de modo que o vocábulo carrega, na própria formação, a ideia de confiança fundada em convicção e persuasão, antes de ser apenas um rótulo confessional. Desse modo, quando o texto combina phroureō (“guardar com vigilância”) com pistis (“fé como confiança persuadida”), a história das palavras impede que “fé” vire mero sentimento e que “guarda” vire mero conforto: a primeira tem nervo cognitivo e volitivo; a segunda tem densidade de proteção ativa.
O alvo dessa guarda é sōtēria (“salvação”), termo cuja história não começa em “céu”, mas em chão: no grego mais amplo, sōtēria (“salvação”) é “segurança, preservação, meio de segurança”, e se ancora na família de sōtēr (“salvador/libertador”), isto é, alguém que livra de perigo e garante preservação. Essa salvação é qualificada por hetoimēn (“pronta/preparada”), da família de hetoimos (“pronto, ao alcance, preparado”); e a própria tradição lexicográfica preserva o eco épico dessa família ao registrar a forma verbal correlata hetoimazō (“preparar”) em Homero (por exemplo, em Ilíada 1.118), lembrando que “pronto” em grego não é “vago”: é aquilo que foi preparado e está disponível.
A salvação “pronta” não é ainda exibida em praça pública: ela está hetoimēn (“pronta”) apokalyphthēnai (“ser revelada”), e a etimologia aqui é quase uma cena: apokalyptō (“revelar”) é “tirar a cobertura”, formada “de” apo (“para fora/para longe de”) + kalyptō (“cobrir”), de modo que revelar é literalmente “remover o véu”. Essa remoção do véu ocorre en kairō (“em tempo oportuno/estação decisiva”): kairos (“tempo oportuno”) é palavra que, segundo a tradição lexical, não aparece em Homero, e desponta cedo com o sentido de “medida devida, proporção, adequação”, chegando a ser proverbial já em Hesíodo (Op. 694), como se a língua dissesse: há um tipo de tempo que não é relógio, mas ocasião. E esse kairos (“tempo oportuno”) é chamado eschatos (“último”), superlativo que marca o extremo, o derradeiro; a cor homérica do termo é registrada também no grego épico, e a ideia de “os últimos” pode ser vista, por exemplo, na Ilíada (Ilíada 10.421–10.434), onde o vocábulo delimita a ponta extrema.
O segmento não contém verbo finito: trata-se de uma construção em acusativo, cujo centro sintático interno é um artigo substantivado que funciona como cabeça nominal, ao qual se acopla um particípio atributivo e, depois, uma cadeia de complementos preposicionais e qualificadores. Tous (“os”) é artigo, masculino, plural, acusativo, e aqui não “apenas determina” um substantivo expresso, mas o supre, funcionando como substantivador (“os que…”), de modo que tudo o que segue se prende a esse referente por marcas formais de concordância. Esse referente é qualificado por phrouroumenous (“sendo guardados”), verbo em forma de particípio, presente (aspecto imperfectivo: guarda em curso, contínua), voz passiva (o referente recebe a ação), masculino, plural, acusativo, concordando com tous (“os”) em caso, gênero e número, o que estabelece a dependência sintática: o particípio depende do artigo substantivado e lhe atribui a predicação verbal (“os [que estão] sendo guardados”).
A esfera/meio dessa guarda é marcada por en (“em”), preposição que rege dativo e, aqui, traz valor de esfera instrumental (“em/na esfera de; mediante”), governando dynamei (“poder”), substantivo, feminino, singular, dativo, que funciona como complemento preposicional adverbial do particípio phrouroumenous (“sendo guardados”), especificando o âmbito em que a guarda se dá. O substantivo dynamei (“poder”) recebe o determinante theou (“de Deus”), substantivo, masculino, singular, genitivo, dependente de dynamei (“poder”) por marca de caso e encaixe semântico: é um genitivo de relação/pertencimento (mais exatamente, genitivo que especifica a fonte/possuidor do “poder”), porque não é regido por preposição, mas por um nome abstrato que pede especificação (“poder de Deus”), e assim restringe e define que poder é esse.
O meio pelo qual essa guarda é apropriada ou atravessada é marcado por dia (“por meio de”), preposição que rege genitivo e tem valor semântico instrumental (“mediante”), governando pisteōs (“fé”), substantivo, feminino, singular, genitivo, que funciona como complemento instrumental do particípio phrouroumenous (“sendo guardados”); aqui o genitivo é formalmente exigido pela preposição, e por isso sua leitura sintática é “genitivo regido por preposição”, não um genitivo de posse. A direção/télos do estado descrito pelo particípio é indicada por eis (“para”), preposição que rege acusativo e tem valor de finalidade/destino (“para, em direção a”), governando sōtērian (“salvação”), substantivo, feminino, singular, acusativo, que funciona como alvo final do guardar (“guardados → para salvação”). Esse alvo é qualificado por hetoimēn (“pronta”), adjetivo, feminino, singular, acusativo, dependente de sōtērian (“salvação”) por concordância (mesmo caso, gênero e número), descrevendo a salvação como já preparada/disponível.
A noção de prontidão é completada por apokalyphthēnai (“ser revelada”), verbo em forma de infinitivo, aoristo (aspecto global: o evento de revelar visto como um todo, não como processo), voz passiva (a salvação é o paciente da revelação), sem pessoa e sem número por ser forma não finita, dependente de hetoimēn (“pronta”) como infinitivo complementar de conteúdo (“pronta para ser revelada”), amarrando o adjetivo a um evento futuro de manifestação. Esse evento é delimitado temporalmente por en (“em”), preposição que rege dativo e aqui tem valor temporal de esfera (“em, no tempo de”), governando kairō (“tempo oportuno”), substantivo, masculino, singular, dativo, que funciona como adjunto adverbial de tempo do infinitivo apokalyphthēnai (“ser revelada”); e kairō (“tempo oportuno”) é qualificado por eschatō (“último”), adjetivo, masculino, singular, dativo, dependente de kairō (“tempo oportuno”) por concordância, restringindo o tempo como derradeiro.
O primeiro eixo onde as traduções se revelam — e onde o grego respira com mais nitidez — é o verbo-particípio phrouroumenous (“guardados / vigiados sob proteção”), que no NA28 vem como proteção em curso (particípio presente, voz passiva). A YLT deixa isso quase “à vista”: “who, in the power of God are being guarded” (isto é, “que… estão sendo guardados”), com a progressividade explícita; a ESV segue o mesmo caminho: “who by God's power are being guarded” (“que… estão sendo guardados”). KJV e ASV optam por “are kept / are guarded” (“são guardados”), que ainda cabe bem ao aspecto do particípio, mas perde um pouco do “presente contínuo” que o grego sugere. Entre as portuguesas, a ARA mantém a sobriedade e a estrutura: “que sois guardados”; a NVI troca o verbo por “protegidos”, o que é semântico e pastoralmente claro, mas já interpreta o campo imagético militar de phroureō (“guarnecer, pôr sentinela”) como “proteção” genérica; e a NVT faz o mesmo, com “Deus os protege”.
O segundo eixo é a preposição en (“em”) com dativo em en dynamei theou (“em/pelo poder de Deus”), que pode ser lida como esfera (“dentro do âmbito do poder”) ou como meio/instrumento (“por meio do poder”). A YLT traduz quase palavra por palavra e preserva a imagem espacial: “in the power of God” (“no poder de Deus”); a ARC segue essa intuição com seu português mais antigo: “guardados na virtude de Deus” — “virtude” aqui como “força eficaz”, ecoando dynamis (“poder”). Já KJV/ASV/ESV deslocam para um tom mais instrumental: “kept by the power of God / guarded by God's power” (“guardados pelo poder de Deus”), e a ARA faz o mesmo: “guardados pelo poder de Deus”. Nenhuma dessas opções é “errada” em si; o que muda é a pintura: “no poder” coloca o crente como quem habita um recinto forte; “pelo poder” põe Deus como agente que sustenta a guarda.
O terceiro eixo é dia pisteōs (“mediante/por meio da fé”), onde o grego marca o canal (meio) pelo qual essa guarda é experienciada. Aqui há ampla convergência: KJV “through faith” (“por meio da fé”); ESV “through faith”; ASV idem; YLT idem; ARA “mediante a fé”; ARC também “mediante a fé”; NVI mantém “mediante a fé”. A NVT desloca a locução para a frente e a “explica” dentro da frase (“Por meio da fé que vocês têm…”), o que ajuda o leitor, mas já mexe no peso sintático do grego, que deixa a fé como meio dentro do fluxo, não como tópico inicial.
O quarto eixo é eis sōtērian (“para salvação”), com eis (“para”) + acusativo, marcando direção/propósito: a guarda tende para um alvo. KJV e YLT preservam essa seta com “unto salvation” (“para salvação”); ESV “for a salvation” (“para uma salvação”); ARA “para a salvação”. A CEV, por ser mais interpretativa, quebra o arco teleológico do eis em sequência temporal explícita: “whose power will protect you until the last day. Then he will save you” (“cujo poder os protegerá até o último dia; então ele os salvará”). Isso pode ser catequeticamente útil, mas não é uma equivalência formal: o grego aponta “para salvação” como finalidade, sem necessariamente explicitar “até… então…”.
O quinto eixo é a dupla hetoimēn apokalyphthēnai (“pronta/preparada para ser revelada”), onde hetoimos (“pronto, preparado”) pode significar “já preparado” sem obrigar a nuance de “iminente”, e o infinitivo aoristo passivo apokalyphthēnai (“ser revelada”) deixa o agente implícito (Deus), como é comum no passivo. ESV mantém a literalidade: “ready to be revealed in the last time” (“pronta para ser revelada no último tempo”); KJV/ASV/YLT vão na mesma direção. ARA é particularmente fiel e elegante: “a salvação preparada para revelar-se no último tempo”. ARC e NVI acrescentam “já prestes / está prestes”, puxando hetoimēn para a ideia de iminência; a NVT escolhe “pronta”, mas também altera o contorno temporal (“até que recebam essa salvação”) e pluraliza “tempos” (“nos últimos tempos”), quando o grego tem en kairō eschatō (“em tempo último”) no singular. GW traduz a mesma ideia com outra moldura: “ready to be revealed at the end of time” (“pronta para ser revelada no fim do tempo”), que é interpretativamente equivalente a “no último tempo”, mas troca o léxico de kairos (“tempo oportuno, estação”) por um “fim do tempo” mais totalizante.
A imagem central do versículo nasce de phrouroumenous (“sendo guardados”): não é o verbo suave de quem apenas “conserva”, mas o termo de sentinela, de guarnição que cerca um ponto sensível e o mantém fora do alcance do inimigo; o Novo Testamento o usa tanto no concreto de uma cidade “guardada” para prender alguém (2 Coríntios 11:32; Atos 9:24) quanto no figurado de um coração “guardado” como cidadela pela paz de Deus (Filipenses 4:7), e até no sentido ambíguo de “custódia” sob a Lei (Gálatas 3:23), de modo que, aqui, a fé não é retratada como passeio em campo aberto, mas como vida protegida sob vigilância ativa: a comunidade é o “ponto estratégico”, e a guarda não é intermitente, porque o particípio presente mantém a ação em andamento, como uma ronda que não abandona o posto.
Essa guarda acontece en (“em”) dynamei (“poder”) theou (“de Deus”): a preposição não pinta primeiro um “sentimento de segurança”, mas uma esfera, como se o povo estivesse dentro de um recinto de força, um campo de energia que não pertence a si mesmo, porque o genitivo amarra o “poder” ao próprio Deus; e, no entanto, essa mesma guarda não é descrita como mecânica, pois passa dia (“por meio de”) pistis (“fé”), isto é, por um meio humano real, não como causa autônoma, mas como canal de apropriação. O Antigo Testamento já sabe cantar essa gramática de guarda que vem de fora — “o Senhor te guardará… guardará a tua saída e a tua entrada” (Salmos 121:7–8) — e o Novo Testamento ecoa a mesma mão firme quando afirma que “o Senhor é fiel” e “vos guardará do Maligno” (2 Tessalonicenses 3:3), ou quando Jesus descreve o rebanho como inalcançável à força predatória (“ninguém as arrebatará da minha mão”) (João 10:28–29); por isso, a fé não é apresentada como o braço que segura Deus, mas como a mão estendida que recebe a custódia divina, enquanto o “poder” permanece do lado de Deus.
O alvo dessa guarda é eis (“para”) sōtērian (“salvação”), e o eis impede que a proteção vire um fim em si: ela aponta para uma chegada. Essa salvação é chamada hetoimēn (“pronta”) apokalyphthēnai (“para ser revelada”), e o verbo de revelar conserva sua cena originária: o que está guardado não ficará sempre coberto; no tempo de Deus, a cobertura será retirada, e aquilo que era seguro, mas ainda não exposto, aparecerá à vista. Essa tensão entre “já em guarda” e “ainda por revelar” conversa com o modo como Paulo fala de uma salvação cuja proximidade cresce no horizonte (“agora está mais perto… do que quando no princípio cremos”) (Romanos 13:11) e com a expectativa de uma manifestação final ligada à obra consumada de Cristo (Hebreus 9:28); e, dentro da própria carta, a revelação não é um detalhe periférico, porque o mesmo campo verbal reaparece quando o autor fala da “revelação de Jesus Cristo” como cenário da fé provada (1 Pedro 1:7) e como foco de esperança vigilante (1 Pedro 1:13).
Tudo isso é situado en (“em”) kairō (“tempo oportuno”) eschatō (“último”): não um “tempo” como relógio que apenas corre, mas como estação designada, momento decisivo em que o que foi preservado se torna manifesto. O Novo Testamento nomeia essa borda do calendário moral como “últimos tempos” (1 Pedro 1:20), “últimos dias” (2 Timóteo 3:1) e “última hora” (1 João 2:18), e Pedro, ao usar esse vocabulário, ensina a ler a experiência da igreja como vida em fronteira: por fora, dispersão e fragilidade; por dentro, guarda contínua; à frente, não um vago “melhorar”, mas revelação. A hermenêutica do versículo, então, não permite duas fugas simétricas: nem a fuga do medo (como se a história tivesse a palavra final), nem a fuga do triunfalismo (como se a revelação já estivesse plenamente à vista); ele pede a sobriedade de quem caminha sob sentinela e aguarda o levantar do véu, sabendo que a mesma mão que guarda também revelará.
1 Pedro 1:6
...em que vocês exultam, por pouco tempo agora, se é necessário, tendo sido entristecidos em variadas provações... (Gr.: en hō agalliasthe, oligon arti, ei deon estin, lypēthentas en poikilois peirasmois, — Literalmente: “em que exultais, por pouco agora, se é necessário, tendo sido entristecidos em provações variadas,”). Quando o grego escolhe agalliaō (“exultar”), ele escolhe uma palavra que já nasce “montada” por composição: as tradições lexicais a explicam como formada a partir de agan (“muito”, “intensamente”) + hallomai (“saltar”), isto é, a alegria como salto interior, não mera satisfação discreta; por isso, o verbo tende a soar como júbilo que transborda, e não como simples contentamento. Esse “salto” semântico é importante porque o contexto não descreve ausência de dor, mas coexistência paradoxal: exultação que permanece enquanto a tristeza atravessa o presente.
O advérbio oligos (“pouco”) tem história de medida: ele é o “pouco” que delimita extensão (tempo, quantidade, intensidade), e aqui funciona como marca de brevidade; seu parentesco semântico com a ideia de “pequenez/escassez” faz o leitor ouvir não só “agora”, mas “agora por um intervalo reduzido”, quase como um parêntese no caminho. Já arti (“agora”, “neste momento”) fixa o ponto do relógio: não é o “agora” vago, mas o “agora” do instante presente, contraste natural com o horizonte de esperança que domina o parágrafo anterior.
Para a tristeza, o texto recorre a lypeō (“entristecer”, “afligir”), verbo de dor moral que atravessa a língua grega com amplitude, como registram os léxicos do corpus antigo; a família lexical aponta para sofrimento que pesa no ânimo, não para dano físico. E note que a tristeza não aparece como essência final do fiel, mas como acontecimento sofrido no tempo: “tendo sido entristecidos” (o particípio do verso deriva dessa base verbal), uma dor real, porém enquadrada.
Por fim, peirasmos (“provação”, “teste”) carrega na própria forma a ideia de “processo de testar”: a tradição lexicográfica o relaciona ao verbo “pôr à prova” (família de peiraō), e aqui vale perceber a história: o verbo peiraō (“tentar”, “pôr à prova”) já é atestado em Homero, por exemplo em Ilíada 1.302, onde aparece a forma “tenta!”; assim, mesmo que o substantivo peirasmos seja típico do vocabulário de “teste” em registros posteriores (incluindo o Novo Testamento), ele cresce de um tronco verbal bem antigo da língua. A expressão poikilos (“variado”, “multiforme”) dá cor a essas provações: elas não são uma única lâmina repetida, mas muitas faces; e o adjetivo já vive em Homero, como em Ilíada 10.30, onde ocorre a forma feminina dativa “variada”, confirmando que esse “multiforme” é herança antiga do grego, não criação tardia.
O encadeamento morfológico começa com o pequeno arco preposicional en (“em”), preposição que rege dativo e abre a moldura de referência; ela governa hō (“o qual”), pronome relativo, dativo, singular (masculino/neutro), que retoma um antecedente anterior no período e funciona como termo regido pela preposição, formando en hō (“em que”). A oração relativa assim introduzida encontra seu núcleo verbal em agalliasthe (“exultais”), verbo, presente (aspecto imperfectivo: ação em curso), indicativo, voz média/passiva (com sentido deponente no uso: “exultar”), segunda pessoa do plural; esse verbo carrega a predicação principal do segmento, e tudo o que se segue se encaixa como delimitação circunstancial da exultação. Logo depois, oligon (“pouco”) é formalmente adjetivo no neutro, singular, acusativo, mas aqui funciona adverbialmente como acusativo de extensão/duração (“por pouco [tempo]”), e arti (“agora”) é advérbio temporal que fixa o ponto do presente (“agora, neste momento”), estreitando a alegria a uma faixa curta do relógio.
Em seguida, a condição entra com ei (“se”), partícula condicional que abre um inciso, e o núcleo desse inciso é a expressão impessoal deon (“sendo necessário”), particípio presente, ativo, neutro, singular, usado de modo impessoal (“se for necessário”), frequentemente acompanhado pela cópula estin (“é”), verbo, presente, indicativo, ativo, terceira pessoa do singular, que explicita o “ser” da necessidade (a presença de estin varia por tradição textual, mas a leitura com a cópula é atestada em testemunhos e aparatos). A tensão do versículo é carregada pelo particípio lypēthentes (“tendo sido entristecidos”), particípio aoristo, passivo (ação recebida), masculino, plural, nominativo, que se encaixa como circunstância concomitante/concessiva ao lado de agalliasthe (“exultais”): eles exultam, embora tenham sido atingidos por tristeza; e aqui vale notar que o texto crítico e os alinhamentos interlineares registram a forma nominativa lypēthentes (“tendo sido entristecidos”), não a acusativa, justamente para concordar com o sujeito implícito de segunda pessoa plural de agalliasthe (“exultais”). Essa tristeza é localizada por en (“em”), novamente preposição com dativo, que governa peirasmois (“provações”), substantivo, masculino, plural, dativo, e recebe o adjetivo poikilois (“variadas”), masculino, plural, dativo, em concordância, formando en poikilois peirasmois (“em variadas provações”), como o cenário múltiplo dentro do qual a tristeza os alcança.
O segmento começa por um genitivo articulado que depende do antecedente imediato do versículo anterior, tou (“do”) artigo, genitivo, neutro, singular, que substantiva e ancora o particípio parontos (“que está presente/que chegou”), de modo que tou parontos (“do que chegou/está presente”) funciona como qualificativo do referente em genitivo (isto é, do “evangelho”), marcando por concordância formal (genitivo neutro singular) que se trata do mesmo termo retomado. Em seguida, eis (“para”) preposição que rege acusativo e exprime direção/alcance governa hymas (“vós”), estabelecendo o alvo do “chegar”: “para vós”. A comparação é introduzida por kathōs (“assim como”), advérbio/conjunção comparativa que prende o que vem ao modo do que já foi dito, e kai (“também”) conjunção coordenativa aditiva reforça a equivalência; então en (“em”) preposição que rege dativo e marca esfera/localização governa panti (“todo”) que depende do núcleo nominal seguinte por concordância, e este núcleo é tō (“no”) artigo que determina kosmō (“mundo”), formando en panti tō kosmō (“em todo o mundo”) como adjunto adverbial de esfera. O predicado verbal explícito surge em estin (“é/está”) cujo sujeito é o mesmo referente retomado pelo genitivo inicial (o “evangelho”), e esse verbo copulativo recebe dois particípios coordenados como predicativos: karpophoroumenon (“dando fruto”) e auxanomenon (“crescendo”); ambos concordam em caso, gênero e número com o sujeito implícito do estin (“é/está”), e são ligados por kai (“e”), conjunção coordenativa, de modo que a ligação sintática é: estin (“é/está”) → predicação por particípios (“dando fruto e crescendo”). A comparação é retomada por novo kathōs (“assim como”) com novo kai (“também”), e então aparece a segunda moldura local: en (“em”) preposição com dativo de esfera governa hymin (“vós”), pronome pessoal, segunda pessoa do plural, dativo, funcionando como adjunto adverbial de localização relacional (“entre vós / em vós”), o que estabelece paralelismo formal com en panti tō kosmō (“em todo o mundo”).
A partir daí, a frase fixa o ponto de início temporal com aph’ (“desde”), forma elidida de apo (“de, desde”), preposição que rege genitivo e aqui tem valor temporal de ponto de partida (“desde”); ela governa hēs (“a qual/da qual”), pronome relativo, genitivo, feminino, singular, que por sua vez depende do substantivo hēmeras (“dia”), substantivo, genitivo, feminino, singular, formando a expressão idiomática aph’ hēs hēmeras (“desde o dia em que”), em que o genitivo é exigido pela preposição e a relativa serve para ligar o “dia” ao conteúdo verbal que segue. O conteúdo desse “dia” é expresso por dois verbos finitos coordenados: ēkousate (“ouvistes”), verbo, aoristo (aspecto global: evento tomado como um todo) ligado a epegnōte (“conhecestes plenamente/reconhecestes”) por kai (“e”); ambos os verbos compartilham o mesmo complemento direto expresso em acusativo: tēn (“a”) determina charin (“graça”) que funciona como objeto direto de ēkousate (“ouvistes”) e, por coordenação, também de epegnōte (“conhecestes plenamente”). Esse objeto é especificado por tou (“de”) artigo que determina theou (“Deus”) funcionando como genitivo de relação/pertencimento que restringe charin (“graça”) (“a graça de Deus”), porque se encaixa como determinante nominal sem preposição interveniente. Por fim, en (“em”) preposição que rege dativo e aqui marca esfera/modo governa alētheia (“verdade”), compondo en alētheia (“em verdade”) como adjunto adverbial que qualifica o modo/esfera em que essa graça foi ouvida e reconhecida, fechando a frase com um dativo de quadro que não cria novo referente, mas colore o ato cognitivo (“em verdade”, isto é, no âmbito da verdade).
1 Pedro 1.4 A palavra grega traduzida como herança aqui indica uma realidade tanto do presente quanto do futuro. Deus já determinou que um dia gozaremos dessa herança em toda a sua plenitude. Veja que Pedro diz que um dos motivos pelos quais Deus nos deu uma nova vida em Jesus Cristo (v. 3) foi para que recebêssemos essa maravilhosa, perfeita e eterna herança.
Guardada. Pedro aqui deve ter se lembrado do compromisso incondicional que o Senhor assumiu com ele, conforme vemos em João 14.1-4, depois de profetizar que ele o negaria três vezes.
1 Pedro 1.5 Estais guardados. Deus guarda Seu povo dos ataques externos e protege-o dentro dos limites do Seu Reino. É por isso que Pedro usa aqui essa expressão. Revelar. Nós ainda não podemos ver ou compreender plenamente a salvação que Deus preparou para nós, mas um dia poderemos (1 Co 4-5; 1 Jo 3.2).
1 Pedro 1.6 Contristados. Embora haja muita alegria pela salvação que Deus nos preparou, também haverá muita aflição por causa das lutas e dificuldades dessa vida.
Com várias tentações. Tentações aqui, assim como no versículo 7, refere-se às experiências que temos em nossa vida, e não àquilo que nos induz ao pecado. Veja que nenhum problema é citado aqui em particular, mas todas as provações que enfrentamos na vida.
1 Pedro 1.7 Prova. Assim como o ouro é purificado pelo calor intenso, a veracidade e a pureza da nossa fé também são reveladas pelas ardentes provas por que passamos. Por fim, a prova da nossa fé não somente nos leva à salvação eterna, mas também desenvolve nossa capacidade de glorificar ao Senhor Jesus Cristo, a fim de que reinemos com Ele quando entrarmos em Seu Reino (Rm 8.17; 2 Tm 2.12; Ap 5.9-12).
1 Pedro 1.8 Não o havendo visto. Poucos crentes tiveram o privilégio de andar e conversar com Jesus quando Ele esteve nesta terra (Jo 20.29). Muitos de nós nos enquadramos no que Pedro diz aqui, pois, embora nunca tenhamos tido um contato físico com Jesus, cremos nele e o amamos de igual forma.
Gozo inefável. Essa expressão só aparece aqui em todo o Novo Testamento. Ela expressa uma alegria indizível. Tão grande que toma conta de nós, de forma que nem conseguimos demonstrar nossa gratidão ao nosso glorioso Deus.
1 Pedro 1.9, 10 Alcançando o fim. Por mais que passemos por dificuldades nesta vida, o resultado por termos confiado em Deus em meio a tudo isso é maravilhoso — a nossa salvação, que aqui tem um sentido escatológico.
A salvação da alma. Esta expressão aponta para a nossa glorificação no céu e, talvez, para a recompensa que receberemos por termos seguido a Jesus (Mt 16.24-27; Tg 1.21).
Os profetas. Pedro nos leva a entender que os profetas do Antigo Testamento conheciam a graça salvadora que um dia nós receberíamos e, por essa razão, estudaram-na detalhadamente e com muito afinco.
1 Pedro 1.11 O foco do estudo dos profetas do Antigo Testamento (v. 10) não era saber oque os levaria à salvação, mas sim quando eles seriam salvos. Eles queriam saber quando o Messias sofreria e a glória do fim dos tempos seria revelada. Veja que o Espírito de Cristo, e não os profetas, é que estava profetizando (2 Pe 1.20,21). Os profetas eram porta-vozes de Deus, e não inventores de ideias.
1 Pedro 1.12 Foi revelado. Deus deixa bem claro aos profetas que eles não teriam as mesmas experiências em Cristo que nós teríamos, que eles estavam servindo a Ele para o nosso bem.
Pelo Espírito Santo. O homem pode até pregar a mensagem de salvação de Deus, mas no fim é o Espírito Santo que proclama essas grandes verdades. Até os anjos ficam impressionados com a maravilhosa salvação que Deus preparou para nós (Ef 3.10).
1 Pedro 1.13-25 Os cristãos são desafiados a levar vidas santas e servir fielmente ao Senhor por causa da obra extraordinária que Ele fez por nós na cruz e porque nosso tempo nesta terra é muito curto.
1 Pedro 1.13 Cingindo os lombos do nosso entendimento. Assim como as pessoas nos tempos bíblicos juntavam suas vestes e as cingiam ao redor da cintura a fim de que pudessem mover-se mais rápida e livremente, nós temos de fazer o que for preciso para que nosso coração esteja naquilo que nos leva a servir a Deus fielmente, e, ao mesmo tempo, rejeitar todo o embaraço do nosso pensamento (Hb 12.1). Sede sóbrios. A preocupação de Pedro aqui é que sejamos sensatos em nosso julgamento, usando tanto nossa mente quanto nosso espírito.
Esperai inteiramente. Precisamos mostrar o quanto temos certeza de que Deus fará tudo que Ele nos prometeu (v. 3; Rm 8.24,25).
Graça [...] na revelação de Jesus Cristo. Do começo ao fim, somos o alvo da abundante graça de Deus (Rm 8.28-30).
1 Pedro 1.14 Como filhos obedientes. Isto nos mostra que devemos sempre obedecer a Deus porque, segundo nossa nova natureza, somos filhos da obediência.
Não vos conformando. A vida do cristão não deve ter como padrão os desejos que o dominavam antes de sua conversão, quando ele, até então, ainda não conhecia a vontade de Deus (Rm 12.2).
1 Pedro 1.15-19 Há três motivos pelos quais devemos ser santos. Deus é santo (v. 15,16); Deus nos conhece e julga cada um de maneira justa (v. 17); e somos remidos pelo sangue de Jesus (v. 18,19).
1 Pedro 1.15 Mas, Pedro usa essa conjunção para nos mostrar o modo como devemos ser diferentes (isto é, santos) do que éramos antes (1 Pe 1.14). Santos se refere a alguém separado, destacado. Nós temos de viver totalmente separados dos pecados deste mundo, para nos dedicarmos inteiramente a Deus.
1 Pedro 1.16 Porquanto está escrito. A vinda de Cristo não diminuiu ou mudou o que Deus esperava do Seu povo. Nos dias do Antigo Testamento, ele tinha de ser santo; nos dias do Novo Testamento, ele tinha de ser santo; e hoje, nós também temos de ser santos (Lv 11.44).
1 Pedro 1.17 Julga segundo a obra de cada um. Nosso Pai celestial é também Juiz. Apesar do relacionamento que temos com Ele, como filhos, não estamos isentos do juízo. Deus não demonstra favoritismo ao julgar, mas aplica Sua sentença a todos nós, segundo as nossas obras.
Em temor. Os cristãos devem entender estas palavras como misto de medo e reverência. Jamais devemos esquecer-nos de que Deus é o nosso misericordioso Salvador (v. 3; 18-21), mas também um juiz justo (v. 15-17). Sendo assim, não devemos vê-lo apenas como alguém que nos causa pavor e fugir dele por causa disso, nem vê-lo somente como alguém que devemos respeitar.
1 Pedro 1.18 Resgatados nos dá a ideia de algo que é oferecido, geralmente em dinheiro, em troca da liberdade de um escravo ou prisioneiro de guerra.
Deus comprou nossa liberdade, pagou por nós com a vida de Seu próprio Filho (v. 19).
Vossa vã maneira de viver. Pedro não está falando de uma ação específica aqui, mas de uma maneira de viver que seus leitores herdaram de seus pais. Seu modo antigo de viver era fútil, sem poder algum e incapaz de garantir-lhes a salvação. Os leitores de Pedro precisavam ser tirados daquela situação onde não havia esperança alguma.
1 Pedro 1.19 O precioso sangue. A maneira que Deus usa para nos salvar é diferente das tentativas que o homem faz para receber a salvação usando meios humanos (v. 18).
Um cordeiro. Pedro descreve Jesus como o Cordeiro sacrificial definitivo, que foi oferecido em nosso lugar para pagar pelos nossos pecados. Essa analogia aqui pode ser uma referência ao cordeiro pascal (Ex 12.3-6) ou aos inúmeros cordeiros que foram oferecidos como parte do sistema sacrificial do Antigo Testamento (Lv 23.12; Nm 6.14; 28.30). Os cristãos do primeiro século reconheciam Jesus como o Cordeiro de Deus sem defeito que pagou o preço pelos pecados do mundo (Jo 1.29).
1 Pedro 1.20 Conhecido antes da fundação do mundo. Deus já conhecia aquele que nos traria a salvação (v. 2), e também aqueles a quem ela estava assegurada (Rm 11.2). Mas manifestado. Isto contrasta com a primeira parte deste versículo. O que somente Deus sabia antes da fundação do mundo é revelado a nós agora.
1 Pedro 1.21 Para que. A vinda de Cristo levou-nos a pôr nossa confiança em Deus.
1 Pedro 1.22 Pedro não está dizendo aqui que somos nós mesmos quem purificamos nossa alma, mas que ela é totalmente purificada quando somos obedientes à verdade de Deus. Contudo, não fica claro aqui se essa obediência é uma referência ao processo de conversão ou ao processo de santificação que ocorre depois da conversão. Este parece adequar-se mais ao contexto dos v. 20, 21, já aquele parece adequar-se mais ao conceito geral sobre a santidade de que Pedro trata em sua carta.
Não fingida. O verdadeiro amor é aquele que é puro e sincero, sem hipocrisia.
Amai-vos ardentemente uns aos outros. Nós devemos amar nossos irmãos intensamente, tendo um verdadeiro compromisso de amor para com eles.
1 Pedro 1.23 De novo gerados. Embora essa ideia de nascer de novo seja muito utilizada pelos cristãos hoje em dia, ela raramente é encontrada no Novo Testamento (veja como Jesus a usa em João 3.3-8). Os cristãos estavam mortos em seus pecados antes de sua vida ter sido renovada pelo Espírito Santo (Ef 2.1). A ideia aqui é a mesma contida na lavagem da regeneração (Tt 3.5) e o mesmo conceito de filhos de Deus que há na primeira epístola de João (1 João 3.1,2).
1 Pedro 1.24 Secou... caiu. Pedro exemplifica nossa natureza transitória citando o Antigo Testamento, comparando-nos com as coisas passageiras deste mundo — em oposição à constante obra de Deus e Sua Palavra eterna (v. 23,25; Is 40.6-8).
1 Pedro 1.25 A palavra que entre vós foi evangelizada. Esta frase é melhor entendida assim: a palavra, o evangelho que foi pregado. Portanto, o que permanece para sempre é o evangelho, ou seja, as boas novas de Jesus Cristo.
Índice: 1 Pedro 1 1 Pedro 2 1 Pedro 3 1 Pedro 4 1 Pedro 5