ADONIAS — Enciclopédia Bíblica Online

ADONIAS

Adonias, cujo nome hebraico ocorre nas formas ʾAdoniyyah (אֲדֹנִיָּה) e ʾAdoniyyahu (אֲדֹנִיָּהוּ), significa literalmente “meu Senhor é YHWH” ou “YHWH é meu Senhor”. Este nome é atribuído a três personagens distintos no Antigo Testamento, dos quais o mais destacado é o filho de Davi.

O Adonias mais conhecido é o quarto filho do rei Davi, nascido em Hebrom durante o período em que Davi reinava apenas sobre Judá (2 Samuel 3:4; 1 Crônicas 3:1–2). Era filho de Hagite e irmão mais novo de Amnom, Quileabe (também chamado de Daniel) e Absalão. Embora Quileabe, filho de Abigail, estivesse vivo no registro genealógico, a narrativa bíblica não menciona sua atuação, levando à conclusão de que ele provavelmente já havia morrido. Após a morte de Amnom (2 Samuel 13:28–29) e de Absalão (2 Samuel 18:14–15), Adonias passou a ser o herdeiro mais velho vivo e, por consequência, considerava-se legitimamente o sucessor do trono, sobretudo diante de um rei envelhecido e fragilizado.

Sua tentativa de usurpar o trono é narrada com detalhes em 1 Reis 1–2. Aproveitando-se da decrepitude de Davi (1 Reis 1:1–4), Adonias iniciou uma preparação política e simbólica para sua ascensão, equipando-se com carros, cavaleiros e cinquenta homens que corriam à sua frente — uma evidente imitação das práticas de Absalão (2 Samuel 15:1) e um indício claro de suas aspirações monárquicas (1 Reis 1:5). Davi, por razões não esclarecidas — talvez por senilidade, indiferença, ou indulgência paterna — não o repreendeu em momento algum por essa conduta (1 Reis 1:6), reforçando a imagem de Adonias como alguém habituado a não ser contrariado, conforme o padrão que o livro de Provérbios reprova: “O que retém a vara aborrece a seu filho; mas o que o ama, a seu tempo o castiga” (Provérbios 13:24).

Estudo bíblico sobre o personagem Adonias na Bíblia e sua história.

Contando com o apoio de Joabe, comandante do exército, e de Abiatar, sacerdote veterano da era de Saul, Adonias preparou um banquete sacrificial em En-Rogel, onde reuniu os demais filhos do rei, exceto Salomão, e os principais oficiais de Judá (1 Reis 1:7–9). A escolha do local — uma fonte nos arredores de Jerusalém — era estratégica, pois cerimônias religiosas, especialmente de unção e proclamação régia, eram normalmente realizadas próximas a fontes (cf. 2 Crônicas 32:30).

No entanto, sua conspiração foi descoberta por Natã, o profeta, que rapidamente articulou, com Bate-Seba (mãe de Salomão), um plano para garantir a execução da vontade previamente declarada de Davi, de que Salomão seria seu sucessor. Eles foram até o rei e, apelando para o juramento feito a Bate-Seba (1 Reis 1:17), bem como para o risco de vida que ela e seu filho enfrentariam se Adonias assumisse o trono (1 Reis 1:21), moveram o rei a agir. Davi então ordenou que Salomão fosse montado em sua própria mula, levado por Zadoque, Natã e Benaia até o ribeiro de Giom, onde foi ungido rei (1 Reis 1:32–40).

O clamor do povo e o som das trombetas chegaram até En-Rogel, interrompendo abruptamente o banquete de Adonias. Ao ouvir que Salomão fora coroado, todos os seus convidados fugiram, e ele mesmo correu ao altar, segurando-se nos chifres em busca de asilo (1 Reis 1:50). Salomão poupou-lhe a vida sob a condição de que demonstrasse lealdade (1 Reis 1:52–53).

Contudo, após a morte de Davi, Adonias procurou novamente afirmar sua pretensão. Por meio de Bate-Seba, pediu que Salomão lhe concedesse em casamento Abisague, a jovem virgem que havia servido de enfermeira ao velho rei (1 Reis 2:13–18). Essa petição, embora aparentemente inocente, tinha profundas implicações políticas. No contexto do Antigo Oriente Médio e da tradição israelita, a posse das mulheres do rei — especialmente concubinas e viúvas — era interpretada como uma reivindicação legítima ao trono (cf. 2 Samuel 3:7; 2 Samuel 16:20–23). A semelhança com o ato de Absalão, que tomara as concubinas de Davi em público para legitimar sua rebelião, é evidente e intencional (1 Reis 2:22). Salomão, interpretando corretamente o gesto como uma nova tentativa de usurpação, ordenou sua execução por meio de Benaia, filho de Joiada (1 Reis 2:24–25).

A trajetória de Adonias é, portanto, paralela à de Absalão em muitos aspectos: ambos eram fisicamente atraentes (1 Reis 1:6), ambos tentaram tomar o trono pela força simbólica e política, ambos contaram com apoio militar e sacerdotal, e ambos fracassaram por não compreenderem a determinação real e profética do Senhor quanto à sucessão régia. Essa analogia estrutural foi observada por estudiosos como Fokkelman (1981: 345–410), Long (1984: 33–52) e Gunn (1987: 104–111). Os dois personagens também ilustram as advertências da Torá sobre o modo como um rei não deve confiar em cavalos, riqueza ou alianças matrimoniais (Deuteronômio 17:14–20), mas deve obedecer à Lei do Senhor, algo que nem Adonias nem, mais tarde, o próprio Salomão fizeram plenamente.

A sucessão de Salomão, vinculada à promessa de edificação do Templo (1 Crônicas 22–29), teve o apoio explícito de Natã, Zadoque, Benaia, Simei, Rei e dos irmãos de Davi (1 Reis 1:8). Já a facção de Adonias, além de Joabe e Abiatar, representava uma oposição legitimista, que via na primogenitura um critério mais tradicional que a eleição divina e profética. Contudo, ao fim da narrativa, Adonias é mostrado como alguém sem liderança verdadeira, incapaz de manter seus aliados após a ascensão de Salomão, e cuja vaidade superava sua habilidade política.

Além desse Adonias, a Bíblia menciona outros dois personagens com o mesmo nome. Um deles é um levita, enviado por Jeosafá, no terceiro ano de seu reinado, juntamente com outros levitas, príncipes e sacerdotes, para ensinar o povo nas cidades de Judá com o livro da Lei do Senhor (2 Crônicas 17:8). Essa missão pedagógica tem paralelo com o ideal de Deuteronômio 17:18–20, em que o rei deve ser o primeiro a guardar e divulgar a Lei de Deus entre o povo, e o envio de levitas com esse propósito denota o zelo do rei Jeosafá em reformar espiritualmente o reino.

O terceiro Adonias aparece em Neemias 10:16 como um dos chefes do povo que selaram a aliança de renovação com Neemias após o retorno do exílio. Muitos estudiosos o identificam com Adonicão (Adonikam), mencionado em Esdras 2:13, Neemias 7:18 e Esdras 8:13. O número de seus descendentes é listado como 666 em Esdras e 667 em Neemias, o que levanta debates textuais e simbólicos, especialmente diante da ocorrência do número 666 em Apocalipse 13:18. H. L. Allrik analisou essas variações numéricas em seu estudo publicado no Bulletin of the American Schools of Oriental Research (n. 136, dezembro de 1954, pp. 21–27). A presença de Adonias/Adonicão na lista dos que retornaram e reconstruíram Jerusalém sugere que o nome carregava prestígio e tradição dentro das famílias israelitas mesmo no pós-exílio.

Por fim, a execução de Adonias por Salomão, embora severa, deve ser interpretada à luz dos padrões jurídicos e políticos do antigo Oriente Próximo. Ao contrário das práticas régias orientais, em que todos os irmãos do novo rei eram frequentemente executados por segurança do trono, Salomão poupou os demais filhos de Davi e somente eliminou Adonias após uma segunda ameaça clara. Sua clemência inicial e sua ação cirúrgica posterior contrastam com o massacre de sacerdotes ordenado por Saul (1 Samuel 22:18) e com os padrões brutais que se seguiriam nos reinados de Jeú (2 Reis 10) ou Atalia (2 Reis 11).

A narrativa de Adonias, portanto, é mais do que a crônica de uma tentativa frustrada de usurpação. Ela é a interseção entre a ambição humana, os limites da autoridade paternal, os desígnios proféticos, a fragilidade das instituições de transição de poder e o embate entre tradição legitimista e eleição divina. É um retrato da tensão entre a aparência e o chamado, entre a linhagem e a promessa, entre a vaidade da carne e a sabedoria do Espírito.

📚 Bibliografia

FREEDMAN, David Noel (Ed.). The Anchor Bible Dictionary. New York: Doubleday, 1992. vol. 1.
SILVA, Moisés (Ed.). The Zondervan Encyclopedia of the Bible. Edição revisada. Grand Rapids: Zondervan, 2009. vol. 1
GARDNER, Paul D. (Ed.). New International Encyclopedia of Bible Characters. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2015.
FOKKELMAN, J. P. Narrative Art and Poetry in the Books of Samuel: King David. Assen: Van Gorcum, 1981. v. 1.
GUNN, D. M. The Story of King David: Genre and Interpretation. Sheffield: JSOT Press, 1978. (JSOTSup; 6).
LANGLAMET, F. Pour ou Contre Salomon? Revue Biblique, Paris, v. 48, p. 321–379; 481–528, 1976.
LONG, B. O. 1 Kings. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1984. (Forms of the Old Testament Literature).
ZALEWSKI, S. The Character of Adonijah. Beth Mikra, Jerusalém, v. 19, p. 229–255, 1973.
ZALEWSKI, S. The Struggle between Adonijah and Solomon over the Kingdom. Beth Mikra, Jerusalém, v. 20, p. 490–510, 1974.

🌐 Sites acessados:

MCCLINTOCK, John; STRONG, James. Adonijah. In: MCCLINTOCK, John; STRONG, James. McClintock and Strong Biblical Cyclopedia. New York: Haper and Brothers, 1880. Disponível em: https://www.biblicalcyclopedia.com/A/adonijah.html. Acesso em: 30 jul. 2025. 
ORR, James (Org.). Adonijah. In: ORR, James (Org.). International Standard Bible Encyclopedia. Chicago: Howard-Severance Co., 1915. Disponível em: https://www.internationalstandardbible.com/A/adonijah.html. Acesso em: 30 jul. 2025.

LINKS ÚTEIS