Abias (Rei de Judá) — Enciclopedia da Bíblia Online

ABIAS

(Também grafado: ABIJÁ [ʾăbiyyāh ]; var.: ABIJAM [ʾăbiyyām]).

Filho de Roboão e neto de Salomão, reinou em Judá por um curto período na primeira metade do século X a.C., sendo sucedido por Asa (1 Reis 14:31; 1 Reis 15:1–10; 2 Crônicas 13). As fontes bíblicas o apresentam com avaliação teológica contrastante: em 1 Reis sua administração é condenada nos termos deuteronomísticos, enquanto 2 Crônicas o retrata como piedoso e vitorioso. Essa discrepância ilumina tanto a técnica editorial das duas obras quanto a função ideológica de cada narrativa.

Abias (Rei de Judá)

Quanto ao nome, as tradições textuais oscilam entre ʾăbiyyām (“Abijam”) e ʾăbiyyāh (“Abias/Abijá”). Em 1 Reis o Texto Massorético prefere ʾăbiyyām, ao passo que alguns manuscritos e, de modo mais consistente, Crônicas, preservam ʾăbiyyāh. A forma grega da Septuaginta em Reis é “Abiou” (Ἀβιοῦ), que muitos entendem refletir uma base hebraica com -yāh, hipótese reforçada pela tendência geral de nomes teofóricos em Judá terminarem com o elemento divino de YHWH. Já se aventou que -yām pudesse aludir ao teônimo cananeu Yam (“mar”), conhecido nas fontes ugaríticas como 𐎊𐎎 (yam), divindade oponente de Baal; de fato, nomes teofóricos com Yam são atestados em Ugarit. Ainda assim, comentaristas clássicos (por exemplo, GRAY, 1970) consideram improvável que um rei davídico portasse teofórico não-yavista e explicam Abijam como variante gráfica secundária, possivelmente por confusão paleográfica do waw final com mem. O dado onomástico, portanto, favorece ler o nome real como a forma teofórica yahwística (“Meu pai é YH[WH]”), enquanto reconhece a circulação da variante “Abijam” em Reis. Para o pano de fundo ugarítico de Yam e a ocorrência de nomes teofóricos com essa divindade, ver a síntese recente sobre o deus do mar, com a escrita 𐎊𐎎(yam), seus epítetos e sua presença nos textos do ciclo de Baal.

A cronologia do reinado é breve e problemática. 1 Reis 15:2 e 2 Crônicas 13:2 mencionam três anos, mas a comparação dos sincronismos com Jeroboão e Asa, e o modo de contagem de “ano de ascensão” e “ano não-ascensional”, levou a reconstruções ligeiramente diversas nas cronologias modernas. THIELE (1983), cujo quadro é amplamente usado e ajustado por trabalhos posteriores, situa Abias por volta de 913–911 a.C. (com pequenas variações conforme se harmonizam os sistemas de contagem de Judá e Israel). A proposta ilustra o método que concilia comprimentos de reinados e sincronismos com marcos assírios firmes e com o longo reinado de Asa, frequentemente ponto de amarra das tabelas.

O testemunho da Septuaginta quanto à duração do reinado normalmente traz “três anos” (cf. LXX Brenton em 1 Reis 15:2). Ainda que alguns autores tenham aventado “seis anos” como leitura antiga, tal cifra parece resultar de confusão entre šlš (“três”) e šš (“seis”), similarmente escritos em estádios antigos da escrita hebraica; nos principais textos LXX disponíveis, contudo, encontra-se “três anos”. Assim, a oscilação proposta na tradição crítica não altera a percepção histórica de um reinado curto.

A figura da mãe do rei é o ponto genealógico mais intricado. 1 Reis 15:2 nomeia Maacá, “filha de Abissalão” (ʾăbšālōm), enquanto 2 Crônicas 13:2 a chama Micaías, “filha de Uriel de Gibeá”. Uma harmonização amplamente aceita supõe que Maacá/Micaías era neta de Absalão (portanto, “filha” em sentido amplo) e filha de Uriel (marido de Tamar, filha de Absalão), o que explica as duas designações. O papel institucional da gebīrāh (rainha-mãe) em Judá ajuda a entender por que o nome da mãe aparece de modo consistente nas fórmulas régias, e por que Maacá permanece figura saliente mesmo após a breve passagem de Abias: a posição oficial da rainha-mãe conferia visibilidade política e cultual na corte davídica e é explícita no episódio em que Asa depõe Maacá por causa de um símbolo de Aserá.

O dossiê sobre Maacá em Crônicas e Reis também serve de chave para uma questão editorial: em 1 Reis 15:10, na fórmula de ascensão de Asa, Maacá surge novamente como “mãe” do novo rei. Isso foi explicado de duas formas compatíveis: ou (a) “mãe” funciona aqui como título de gebīrāh (isto é, rainha-mãe reinante na corte, ainda que fosse avó biológica), ou (b) Abias e Asa seriam irmãos de mãe (hipótese menos provável dado o conjunto dos dados). A primeira opção harmoniza-se com 2 Crônicas 15:16, onde Asa remove Maacá exatamente de seu ofício de gebīrāh por causa do objeto cultual dedicado a Aserá, revelando que o título é funcional e não estritamente biológico. Estudos recentes sobre a instituição da gebīrāh têm sublinhado sua relevância política, jurídica e religiosa no Reino de Judá.

No retrato de 1 Reis, Abias “andou nos pecados de seu pai” e, por isso, recebe a avaliação negativa de costume. Mesmo assim, por causa da promessa davídica, “YHWH deu-lhe uma lâmpada em Jerusalém, levantando depois dele um filho e afirmando Jerusalém” (1 Reis 15:4). A imagem da “lâmpada” acentua a continuidade dinástica e o papel teológico de Jerusalém como lugar eleito — um eixo constante da redação deuteronomística que reaparece em outras avaliações régias. Sínteses acadêmicas acessíveis ao público têm retomado essa leitura, destacando a convivência, no mesmo parágrafo, do juízo moral negativo e da fidelidade de YHWH à casa de Davi.

Politicamente, Reis é lacônico: “houve guerra entre Abias e Jeroboão” (1 Reis 15:7), sem pormenores. Já Crônicas expande o quadro, descrevendo uma grande batalha “no monte Zemaraim, na região montanhosa de Efraim”, precedida por um discurso programático de Abias que reivindica a legitimidade do templo de Jerusalém, do sacerdócio aarônico e da dinastia davídica, contrapondo-os às inovações do Norte sob Jeroboão (2 Crônicas 13). O local “Zemaraim” é conhecido também como uma cidade benjaminita (Josué 18:22) e costuma ser identificado nos arredores de Betel, em direção ao vale do Jordão; isso situa o confronto nos limites setentrionais de Judá, coerente com guerras de fronteira do período. A moderna literatura de referência descreve a identificação arqueotopográfica aproximada e ressalta que os números bélicos registrados em Crônicas são hipertróficos ou simbólicos, havendo propostas de entender ʾelef como designação de unidades/clãs e não “milhar” literal.

A função do discurso de Abias em 2 Crônicas 13 tem sido lida como peça ideológica do Cronista para sustentar, teologicamente, a centralidade de Jerusalém e a permanência da aliança davídica no pós-exílio. Estudo recente enfatiza que o pronunciamento combina defesa do trono davídico com legitimação cultual do templo, estrutura que, na moldura do livro, prepara contrastes posteriores (por exemplo, com a impiedade de Acaz em 2 Crônicas 28). Ao mesmo tempo, parte da pesquisa rejeita ler o capítulo como puro anti-samaritanismo: além de criticar o Norte, o discurso de Abias operaria como apelo à conversão, integrável ao projeto de reconciliação do Cronista com remanescentes israelitas.

No tocante à historicidade, o quadro mínimo que emerge é este: houve conflito judaiti-israelita durante o breve reinado de Abias (Reis), e tradição tardia (Crônicas) preservou um relato teologicamente moldado de uma grande vitória de Judá, com anexações pontuais em Betel, Jesanã e Efrom (2 Crônicas 13:19). A prudência histórica recomenda cautela diante das cifras e triunfalismo do capítulo, sem, contudo, descartar que escaramuças de fronteira tenham ocorrido de fato; essa avaliação “mínima” é a que frequentemente se encontra em manuais e comentários críticos.

O episódio de Maacá e o ídolo de Aserá também ilumina a reforma de Asa — ponto de contraste que o redator deuteronomista explora ao justapor Abias (reprovado) a Asa (aprovado). Em 2 Crônicas 15:16, Asa depõe Maacá do posto de gebīrāh e destrói o objeto cultual, gesto simbólico de sua política de purificação. O ato aparece em sinopses textuais como exemplo clássico do poder e da influência da rainha-mãe — e de seus limites quando colidem com a ortodoxia javista.

Abias/Abijá é uma peça de transição entre Roboão e Asa. Seu reinado curto, as tensões com Jeroboão e o dossiê de sua mãe Maacá/Micaías convergem para temas que a historiografia bíblica cultiva: (a) a permanência da “lâmpada” davídica em Jerusalém apesar da infidelidade real; (b) o lugar institucional e político da gebīrāh na corte de Judá; (c) a disputa de legitimidade cultual entre Sul e Norte; e (d) o uso literário de discursos e números em Crônicas para vehicular teologia de restauração. A pesquisa histórico-crítica moderna consolida datas aproximadas do período com base em sincronismos e cronologias (Thiele e ajustes), identifica Zemaraim nos arredores de Betel e entende o relato cronicista como teologicamente programático, embora possivelmente ancorado em memórias de choques de fronteira.

Outros Personagens com o Mesmo Nome:

  • Abias, o filho de Samuel: Um dos dois filhos de Samuel que foram designados como juízes em Israel (1 Samuel 8:2). Ele e seu irmão Joel foram criticados por serem corruptos, desvirtuando a justiça e aceitando subornos.
  • Abias, o sacerdote: Um sacerdote do Antigo Testamento que deu nome à oitava das 24 turmas sacerdotais (1 Crônicas 24:10). No Novo Testamento, Zacarias, o pai de João Batista, pertencia à “turma de Abias” (Lucas 1:5).

Bibliografia

GRAY, John. I & II Kings (OTL). 3. ed. Londres: SCM, 1970. (cit. para a discussão de Abijam/Abias e da hipótese paleográfica do waw/mem).
MILLER, J. Maxwell; HAYES, John H. A History of Ancient Israel and Judah. 2. ed. Louisville: Westminster John Knox, 2006. (quadro histórico e avaliação mínima da historicidade dos conflitos de fronteira).
DILLARD, Raymond B. 2 Chronicles (Word Biblical Commentary, vol. 15). Grand Rapids: Zondervan, 1987. (discussão das cifras militares e da função teológica do cap. 13).
THIELE, Edwin R. The Mysterious Numbers of the Hebrew Kings. 3. ed. Grand Rapids: Kregel, 1983. (método e datas padrão para a monarquia dividida).
WILLIAMSON, H. G. M. Israel in the Books of Chronicles. Cambridge; New York: Cambridge University Press, 1977.

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GALVÃO, Eduardo. Abias (Rei de Judá). In: Enciclopédia da Bíblia Online. [S. l.], set. 2025. Disponível em: [Cole o link sem colchetes]. Acesso em: [Coloque a data que você acessou este estudo, com dia, mês abreviado, e ano. Ex.: 22 ago. 2025].

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