Mágica, Magia — Enciclopédia da Bíblia Online

MÁGICA, MAGIA

Mágica, ou magia, designa práticas rituais e performativas destinadas a manipular forças espirituais, divindades ou espíritos, com vistas a obter benefícios, proteção, revelação do futuro ou maldição de inimigos. Na Bíblia Hebraica, a “magia” é apresentada quase sempre em chave polêmica e negativa, em contraste com a revelação e a soberania do Deus de Israel. O vocabulário hebraico inclui, entre outros, qesem (“adivinhação”, Deuteronômio 18:10), keshef (“feitiçaria”, 2 Reis 9:22; Isaías 47:9, 12), ʿanan (“presságio, agouro”, Levítico 19:26), e ḥeber (“encantamento”, Isaías 47:9). Tais práticas são consistentemente qualificadas como “toʿevot” (“abominações”, Deuteronômio 18:12), por implicarem tentativa de controle da realidade à margem da vontade divina.

Nos relatos narrativos, magos e feiticeiros aparecem como opositores do agir de Deus, mas também como figuras que demonstram a limitação de seu poder diante do Deus de Israel. Os ḥarṭummîm egípcios em Êxodo 7–8 imitam os sinais de Moisés e Arão, mas incapazes de reproduzir todos os prodígios, confessam: “isto é o dedo de Deus” (Êxodo 8:19). Textos proféticos como Isaías 47 ridicularizam a confiança dos babilônios em feitiçarias, declarando que nenhuma invocação mágica pode livrar do juízo iminente.

No ambiente intertestamentário e no Novo Testamento, a magia continua associada a oposição à fé. O caso de Simão, “o mago” (magos), em Atos 8:9–24, exemplifica a tensão entre a pretensão de manipular o divino e a proclamação do evangelho. O termo grego mageia (“artes mágicas”) em Atos 19:19 refere-se a livros de encantamentos queimados publicamente em Éfeso, indicando rejeição explícita da magia na comunidade cristã primitiva.

Mágica e Magia na Bíblia
“Um homem chamado Simão vinha praticando feitiçaria durante algum tempo naquela cidade, impressionando todo o povo de Samaria.” (Atos 8:9)

I. Análise do escopo terminológico

No corpus hebraico bíblico, a terminologia que engloba a magia é rica e finamente diferenciada, sobretudo em Deuteronômio 18:9–14 e passagens correlatas. Aparecem: קֶסֶם (qéseṃ, “adivinhação; oráculo”) e קֹסֵם (qōsēm, “adivinho”); נִחֵשׁ / נַחַשׁ (niḥēš / naḥaš, “praticar adivinhação; pressagiar”; também “serpente”); כְּשָׁפִים (kĕšāfîm, “feitiçarias”), מְכַשֵּׁף / מְכַשֵּׁפָה (mĕkaššēf / mĕkaššēfāh, “feiticeiro / feiticeira”) e כָּשַׁף (kāšaf, “praticar feitiçaria”); לַחַשׁ (laḥaš, “encantamento; sussurro mágico”) e לָחַשׁ (lāḥaš, “proferir encantamento”); חֹבֵר חָבֶר (ḥōvēr ḥāver, “quem ata com feitiço; encantador”); עוֹנֵן / מְעוֹנֵן (ʿōnēn / mĕʿōnēn, “agoureiro; observar tempos/sinais”); אוֹב (ʾōv, “médio; espírito de consulta, ‘pitom’”), יִדְּעֹנִי (yiddeʿōnî, “adivinho; necromante”) e דֹּרֵשׁ אֶל־הַמֵּתִים (dōrēš ʾel-hammētîm, “quem consulta os mortos; necromante”); תְּרָפִים (tĕrāfîm, “terafins; ídolos domésticos” — usados em práticas oraculares); גּוֹרָל (gōrāl, “sorte; lançamento de sortes”), bem como פּוּר (pūr, “sorte” — empréstimo persa/mesopotâmico em Et 3:7). Na Bíblia Hebraica, esses termos aparecem consistentemente em contextos de censura e proibição, contrastando a busca de oráculos com a revelação e a vontade de YHWH.

Nos textos da Mesopotâmia (acadiano), a distinção funcional entre feitiçaria maliciosa e magia defensiva/terapêutica é nítida; os termos combinam logogramas sumérios (cuneiforme) e leitura acadiana. Encontram-se 𒆠𒅖𒁍 (ki-iš-pu = kišpu/kišpū, “feitiçaria, bruxaria”) — categoria criminosa (MAL A 47); kaššāpu / kaššāptu (“feiticeiro / feiticeira”), às vezes com logogramas sumérios; āšipu (“exorcista”), também mašmaššu, frequentemente escrito pelo logograma sumério MAŠ.MAŠ (exorcista); bārû (“adivinho; leitor de presságios”, especialmente hepatoscopia) e o corpo técnico bārûtu (“arte da adivinhação”, sobretudo do fígado), sendo o ofício atestado também, em língua assíria, como baru (“inspetor; aquele que vê”); NAM.BÚR.BI (“rito de anulação” de maus presságios), fórmula técnico-ritual para reverter o mau agouro; menções a TERAPHIM (empréstimo semítico ocidental nos textos bíblicos; na prática mesopotâmica aparecem objetos e figurinhas oraculares análogas); e pūru (“sorte; sorteio oracular”), termo por trás do hebraico tardio פּוּר (pūr) em Ester 3:7. Do ponto de vista institucional, kišpu (feitiçaria) era punida com morte, ao passo que a ação do āšipu/MAŠ.MAŠ e rituais como namburbi eram tidos como dom divino (Asalluḫi/Marduk) e socialmente legítimos (terapêuticos, apotropaicos, fundacionais).

A documentação ugarítica preserva ritos para casamento, parto, sepultamento e práticas apotropaicas, com léxico cognato ao hebraico e ao acadiano; a escrita é um abjad cuneiforme próprio. Entre os termos atestados destacam-se 𐎋𐎌𐎔 (kšp, “feitiçaria; magia”), cognato de hebraico כשף (k-š-p) e acadiano kaššāpu/kišpu; (𐎖𐎌𐎎) (qsm, “adivinhação”), cognato de hebraico קֶסֶם (qéseṃ), notando-se que a notação ugarítica para q-s-m varia conforme o texto e aqui se indica a sequência consonantal; (𐎍𐎈𐎌) (lḥš, “encantamento; sussurro mágico”), cognato de hebraico לחשׁ (laḥaš); e (𐎈𐎁𐎗) (ḥbr, “feitiço/ligadura mágica”), cognato de hebraico חבר em חֹבֵר חָבֶר. Em Ugarit, os textos mágicos são escassos e fragmentários, mas deixam ver o mesmo campo semântico semítico norocidental das práticas condenadas em Dt 18.

No Egito faraônico, “magia” e “religião” não eram dicotomizadas: a noção axial é 𓎛𓎡𓂝 (ḥkꜣ, “magia; poder mágico ‘heka’”), termo-chave para a eficácia ritual e também o nome de uma divindade personificada (Ḥkꜣ). Com ele articulam-se 𓋴𓄿 (sꜣ, “proteção; salvaguarda”), corrente em contextos apotropaicos e de amuletos; 𓄿𓐍 (ꜥḫ, “espírito eficaz; glorificado”), estado espiritual cujo poder é frequentemente ativado por recitações e feitiços funerários; e o ofício ḥry-ḥb.t (“sacerdote leitor/lector-priest”), ligado à recitação ritual de textos de eficácia mágica (convencionalmente grafado em transliteração; a escrita hieroglífica varia por época e contexto). Ao contrário da Mesopotâmia, o egípcio não distingue lexicalmente “magia boa” e “feitiçaria”; tudo se insere sob ḥkꜣ, e muitos feitiços visam terapia, profilaxia e a passagem segura ao Além (encantamentos funerários).

Em termos funcionais, há correspondências claras entre as tradições: o hebraico קֶסֶם alinha-se ao ugarítico 𐎖𐎌𐎎 (qsm) e ao campo acadiano de bārû / bārûtu (adivinhação técnica, sobretudo hepatoscopia); o hebraico כְּשָׁפִים e o ugarítico 𐎋𐎌𐎔 (kšp) emparelham com 𒆠𒅖𒁍 (kišpu/kišpū) e com o agente kaššāpu/kaššāptu; לַחַשׁ (laḥaš), חֹבֵר חָבֶר (ḥōvēr ḥāver) e ugarítico (𐎍𐎈𐎌) / (𐎈𐎁𐎗) cobrem o domínio dos encantamentos; אוֹב / יִדְּעֹנִי descrevem mediação necromântica, paralela a ritos mesopotâmicos (por exemplo, NAM.BÚR.BI para anular maus sinais, e práticas de evocação que “dão casa” temporária ao espírito). Já o egípcio reúne tudo sob 𓎛𓎡𓂝 (ḥkꜣ), articulando “magia” com terapia, apotropaia e a economia funerária. Esse vocabulário comparado ajuda a ler, com precisão filológica, textos bíblicos que condenam adivinhação e feitiçaria e, ao mesmo tempo, a compreender como, nos ambientes mesopotâmico, ugarítico e egípcio, havia uma tecnologia ritual estruturada — dos exorcistas āšipu/MAŠ.MAŠ e bārû hepatoscopos à potência egípcia de ḥkꜣ — que pretendia neutralizar riscos, reverter presságios e proteger indivíduos e comunidades.

I. Definições operacionais e escopo das práticas

No horizonte conceitual aqui adotado, “magia” designa um modo de comunicação com a esfera sobrenatural por meio do qual se procura influir no desenrolar de eventos presentes e/ou futuros. Essa intervenção se efetiva, sobretudo, através de ações rituais que imitam simbolicamente o resultado pretendido pelo oficiante — a representação ritual do que se deseja que aconteça — e, de modo complementar ou alternativo, por recitações formulares que descrevem o desfecho almejado e/ou invocam deuses, demônios ou espíritos concebidos como residentes em determinadas substâncias naturais. Para fins analíticos, convém separar tais ritos orientados à resolução de problemas das atividades sacerdotais encarregadas da manutenção cotidiana do culto e da celebração de festivais regulares; não por capricho moderno, mas porque essa clivagem corresponde a uma divisão de trabalho nativa entre especialistas do sobrenatural no Antigo Oriente Próximo (ENGELHARD, Hittite Magical Practices: An Analysis, 1970, pp. 219–21). Mantida tal distinção, e seguindo o uso comum que inclui o polo sacerdotal sob o rótulo de “religião”, o termo “magia” será aqui delimitado aos ritos problem-oriented. Importa, porém, recordar que ambos os conjuntos de práticas emergem de um mesmo sistema de crenças e não exibem, nesse contexto, a animosidade que épocas posteriores oporiam a “magia” e “religião”: exorcistas e sacerdotes recebiam formação equivalente, serviam às mesmas divindades e reconheciam-se mutuamente como praticantes legítimos; de modo análogo, a fronteira entre exorcistas e médicos era porosa — ambos “faziam medicina”, cada um a seu modo — e chegavam a cooperar em casos complexos (RITTER, Magical-Expert (= āšipu) and Physician (= asû), 1965).

No quadro pré-helenístico do Antigo Oriente Próximo, a prática mágica — em consonância com o que se observa amplamente em outras culturas — mobiliza três grandes procedimentos: o apotropaico/exorcístico, destinado a afastar um espírito antes ou depois de se instalar numa pessoa; a propiciação, cujo objetivo é aplacar (em termos quase transacionais, “comprar”) a agência espiritual; e a transferência, que opera a deslocação de um mal para outro portador. O traço distintivo dessa tradição não é a existência desses eixos — largamente atestados —, mas a variedade e a engenhosidade dos ritos e das recitações formulares associados a eles. Falam por si os milhares de receitas para amuletos, unguentos e remédios (nostrums), bem como a intensa fabricação de figurinas, cuja tipologia vai de simples torrões de argila a representações elaboradas de monstros semi-humanos portando armas em miniatura, com detalhes realçados por pintura em cores apropriadas (WIGGERMAN, Babylonian Prophylactic Figures: The Ritual Texts, 1986; cf. BORGHOUTS, Ancient Egyptian Magical Texts, 1978, n. 123). Paralelamente, o Egito produziu uma verdadeira profusão de desenhos peculiares em papiros, que integram o mesmo repertório ritual (BORGHOUTS 1978: n. 40). O catálogo de técnicas de transferência é especialmente amplo (RLA 7: pp. 245–46, 248–49), e, do ponto de vista dos estudos bíblicos, chama a atenção o uso extensivo de “bodes expiatórios”: não apenas cabras, mas também figurinas, porcos, ratos e até pessoas podiam receber e carregar o mal transferido (LAMBERT, A Part of the Ritual for the Substitute King, 1957–58; KÜMMEL, Ersatzrituale für den hethitischen König, 1967, pp. 246–48).

Um recurso de particular interesse — acentuado na magia hitita, embora não ausente nem da Mesopotâmia antiga nem do Egito — é a invocação de analogias para produzir o efeito desejado: por meio de relações de semelhança ou correspondência, o rito espelha no plano simbólico aquilo que se almeja realizar no plano da experiência, reforçando a eficácia performativa das ações e das palavras (ÜNAL 1988, pp. 74–85; RLA 7, pp. 244–45). À luz desse conjunto, o quadro que se delineia é o de uma pragmática do sagrado em que linguagem e gesto, imagem e substância, modelo e efeito se entrelaçam: a recitação formula e convoca; o gesto imita e antecipa; o objeto porta e desloca; e a analogia amarra os níveis, fazendo com que o desejo ritual ganhe forma e trânsito no tecido do real — tudo isso sem ruptura com o universo sacerdotal, mas contíguo a ele, como função específica no interior da mesma ecologia religiosa.

II. Adivinhação: origem babilônica, documentação e léxico técnico

Do ponto de vista histórico, a adivinhação tem seu berço na Babilônia, “terra dos caldeus”, de onde se disseminou, na esteira das migrações humanas, por toda a terra (Gênesis 11:8–9; veja ADIVINHAÇÃO). A biblioteca de Assurbanipal legou um quantitativo impressionante de tabuinhas de presságios — chega-se a afirmar que um quarto desse acervo lidava com presságios que pretendiam interpretar tanto peculiaridades observadas nos céus quanto sinais na terra, bem como incidências e acidentes da vida cotidiana. Uma amostra histórica notável dessa pragmática encontra-se em Ezequiel 21:21–22, onde se relata que Nabucodonosor, ao decidir entre estratégias militares, recorreu a um oráculo por flechas, a terafins e à hepatoscopia: “Sacudiu as flechas. Indagou por meio dos terafins; examinou o fígado. Na sua direita mostrou-se haver a adivinhação referente à Jerusalém.” A hepatoscopia — exame do fígado de animais sacrificados para ler presságios — fundamentava-se na crença de que vitalidade, emoção e afeição residiam nesse órgão; não à toa, ressalta-se que um sexto do sangue humano está no fígado. As variações em lóbulos, canais, apêndices, veias, saliências e marcas eram interpretadas como sinais. Arqueologicamente, multiplicam-se modelos de fígado em argila, o mais antigo procedente de Babilônia, muitos deles com presságios e escrita cuneiforme para treino e consulta por adivinhos. Os sacerdotes assírios incumbidos desse ofício eram chamados baru (“inspetor”, “aquele que vê”), designação que atesta a centralidade da inspeção hepatoscópica na religião adivinhatória mesopotâmica. Nessa ambiência brota o vasto léxico técnico já citado — auguração, quiromancia, hepatoscopia, aruspicação, belomancia, rabdomancia, oniromancia, necromancia — ao lado de dispositivos como bola de cristal e oráculos.

III. Mágica no Antigo Oriente Próximo: Mesopotâmia, Anatólia hitita, Egito e Levante noroeste

A Mesopotâmia conheceu uma distinção operacional clara entre magia negra — kišpū em acadiano —, de caráter malicioso e anti-social, praticada pelo kaššāpu/kaššāptu (feiticeiro/feiticeira), e magia branca ou defensiva, da alçada de praticantes legítimos, principalmente o āšipu/mašmāšu (exorcista). A feitiçaria negra era punida com a morte (MAL A 47). A magia branca, ao contrário, era vista como dom divino, especialmente de Asalluḫi e Marduk, concedido à humanidade (REINER, Šurpu: A Collection of Sumerian and Akkadian Incantations, 1958, V–VI: p. 175; VII, VIII: pp. 88–90), e podia ser legitimamente usada, por um lado, para fazer a feitiçaria “voltar-se” contra seu praticante humano e, por outro, para aplacar deuses irados por meio da remoção mágica de ofensas morais ou cultuais que provocaram a ira, ou ainda suprimir as doenças e infortúnios resultantes (EBELING, E. Assyrische Beschwörungen, 1915, pp. 96–103; FARBER, W. Beschwörungsrituale an Ištar und Dumuzi (att Ištar ša harmaša Dumuzi), 1977, pp. 24–100). Essa mágica benigna era essencial na fundação de templos e edifícios (ANET, pp. 339–42; FARBER, 1987, Rituale und Beschwörungen in akkadischer Sprache, pp. 241–44), na consagração de sacerdotes e na preparação de tambores de templo (ANET, pp. 334–38; FARBER, ibid., 1987, pp. 234–36). No domínio doméstico e médico, auxiliava partos (COHEN, Literary Texts from the Andrews University Archaeological Museum, 1976, pp. 133–40; RÖMER, Rituale und Beschwörungen in sumerischer Sprache, 1987, pp. 204–7; FARBER, ibid., 1987, pp. 274–77), acalmar bebês e manter à distância pragas, febres, dor de dente (ANET, pp. 100–01; FARBER, 1987, ibid., pp. 271), terçolhos (FARBER, 1987, ibid., pp. 272–73), efeitos de mordida de cão (RÖMER, ibid., 1987, pp. 210–11; FARBER, 1987, ibid., pp. 256), impotência, fantasmas (BOTTÉRO, 1983, pp. 174–96), demônios, o mau-olhado (EBELING, Beschwörungen gegen den Feind und den bösen Blick aus dem Zweistromlande, 1949, pp. 203–11), a calúnia, pesadelos e maus presságios (EBELING, E. Eine assyrische Beschwörung um einen entflohenen Sklaven zurückzubringen, pp. 52–56). Era também um reforço adicional à dissuasão de quebra de juramentos e à eficácia de maldições (ANET, pp. 532–33, pp. 538–41). No plano produtivo, aplicava-se à guerra (RÖMER, 1987, pp. 169–71; RLA 7: pp. 224), à abertura de canais, a empreendimentos comerciais como tabernas (CAPLICE, 1974b, pp. 23–24) e à restituição de escravos fugitivos. Não faltavam procedimentos para ganhar causas judiciais ou evitar a ira alheia (EBELING, 1931a, Aus dem Tagewerk eines assyrischen Zauberpriesters, pp. 16–44; RÖMER, ibid., 1987, pp. 202–4; VON WEIHER, Spätbabylonische Texte aus Uruk II, 1983, ns. 23–24). No terreno da magia amorosa, prescrevia-se dar uma maçã a uma mulher ou enterrar uma efígie onde ela teria de pisar (BIGGS, Ancient Mesopotamian Potency Incantations,1967, pp. 71–78). Em necromancia, a comunicação com espíritos dos mortos (e do próprio morteiro) realizava-se esfregando unguentos no rosto do necromante ou empregando crânios e efígies como “casas temporárias” do espírito evocado (ver também RLA 6: pp. 439–46).

A Anatólia hitita apresenta perfil próximo ao mesopotâmico, preservando a distinção entre magia negra (alwanzatar) realizada por alwanzinaš e magia branca praticada por agentes legítimos; a primeira era expressamente ilegal (HL 44b, pp. 111, 163, 170). Singularidades, porém, se destacam: a proeminência de “mulheres idosas” como especialistas e a escassa separação funcional entre adivinhos e exorcistas (ENGELHARD, ibid., 1970, pp. 5–56). Outra particularidade é que os ritos nomeiam autor, profissão e procedência; figuram como autores “mulheres idosas”, exorcistas-adivinhos, sacerdotes, médicos e damas da corte, tanto hititas quanto oriundos de Kizzuwatna (Cilícia), Mukiš (Tell Atchana, Síria) e Arzawa (Éfeso) (RLA 7: 242). Como na Mesopotâmia, a magia branca é dom divino (RLA 7: 238) e serve para aplacar deuses irados, frequentemente por evocação que os atrai de volta ao território de Hatti, onde podem ser pacificados (ENGELHARD, 1970, pp. 105–13; HAAS e WILHELM 1974). A mágica é requerida na fundação de templos e edifícios (ENGELHARD, 1970, pp. 86–95; KELLERMAN 1980). Entre seus usos, contam-se auxílio ao parto e ao sepultamento, o afastamento de males como feitiçaria (ENGELHARD, 1970, pp. 61–71), impureza (ANET, pp. 346, 348–49; ENGELHARD, 1970, pp. 71–78), impotência (ENGELHARD, 1970, pp. 78–86), rixas (ANET, pp. 350–51), calúnia e doenças (ANET, p. 347; KÜMMEL, Rituale in hethitischer Sprache, 1987, pp. 285–88, 289–92), além de manter fantasmas afastados (CHD 3/2: 176–79), demônios sob controle e maus presságios neutralizados. O reforço de juramentos por meios mágicos é recorrente (ENGELHARD, 1970, pp. 95–105). Em guerra, obtinha-se sucesso, entre outros modos, por um ritual de evocação que aliciava os deuses do inimigo (ANET, pp. 354–55), pela unção de tropas, cavalos e material com mistura protetiva (LAROCHE, 1971, p. 162, ns. 8–14) e até pela maldição do líder adversário com proteção para o próprio (KUB VII 61). Quando derrotado, o exército podia ter a moral restaurada desfilando entre fogos, moitas de espinhos e animais — e prisioneiros humanos — cortados ao meio (KÜMMEL, Ersatzrituale für den hethitischen König, 1967, p. 151). Assim como seus vizinhos, os hititas também chamavam os mortos, embora os detalhes do procedimento não tenham chegado até nós (LAROCHE, 1971, pp. 154–55).

Imagem de uma inscrição hitita com oração de maldição
Placa com as orações hititas do Rei Mursili II sobre a peste. Foto de Osama Shukir Muhammed Amin FRCP (Glasg). CC By-SA-4.0.

No Egito, a mágica partilha muitas semelhanças com as tradições mesopotâmica e hitita. Ali, deuses são, eles mesmos, magos (BORGHOUTS, 1978, n. 84), e a função central de grande parte da mágica é médico-terapêutica e antidemoníaca, com um repertório que inclui remédios para pragas (BORGHOUTS, 1978, ns. pp. 13–18, 20–21), pesadelos (ns. 6–7), dores de cabeça (ns. 37–45), sangramentos (ns. 30–32), queimaduras (ns. 34–36), “engolir mosca” ou espinha presa na garganta (ns. 19, 28–29), parto difícil (ns. 60–63; cf. LEXA, 1925, pp. 27–33), bebês famintos (n. 70) e a contenção de aves, répteis e animais selvagens (ANET, p. 326; BORGHOUTS, 1978, ns. pp. 82–146; STERNBERG-EL-HOTABI et al, 1988, pp. 358–80). São atestados feitiços contra inimigos domésticos ou estrangeiros (ANET, pp. 326–29; BORGHOUTS, 1978, ns. pp. 5, 8–12, 59, 66) e para êxito amoroso, causas legais e similares (BORGHOUTS, 1978, ns. 1–4). Diferenças marcantes, porém, se impõem: os egípcios não distinguem terminologicamente magia “boa” e feitiçaria — tudo é heka — e, em alguns textos, ameaçam seus deuses com imprecações caso se mostrem “insubordinados” (BORGHOUTS, 1978, n. 9). Outro traço característico é o conjunto de fórmulas para conduzir a alma ao submundo e ajudá-la a vencer o Juízo (STERNBERG-EL-HOTABI et al., Ägyptische Rituale und Beschwörungen, 1988, pp. 405–31). Necromancia com cadáveres ou taças de adivinhação acha-se atestada no Egito helenístico, com provável antiguidade anterior; ademais, é plausível que as “cartas aos mortos” (GARDINER e SETHE 1928) servissem ao mesmo propósito. Sobre o tema, cf. ainda LÄ 1: pp. 67–69, 864–70; 3: 1137–51.

No quadro ugarítico, aramaico e fenício, sobreviveram poucos textos mágicos, geralmente fragmentários e suscetíveis de múltiplas interpretações. Ao que parece, acompanhavam casamentos, partos e sepultamentos (DE MOOR 1987: pp. 141–45; DIETRICH e LORETZ, Ugaritische Rituale und Beschwörungen, 1988, pp. 329–33), ou eram destinados a afastar fantasmas e demônios (DE MOOR, 1987, pp. 183–86; DIETRICH e LORETZ, 1988, pp. 333–39), a evitar maus sonhos (DE MOOR 1987: pp. 181–82), infertilidade (DIETRICH e LORETZ, 1988, pp. 339–42), embriaguez (Ibid., pp. 342–45) e picadas de serpente (Ibid., pp. 345–50). Registra-se ainda ao menos um feitiço voltado a frustrar adversário humano.

IV. Adivinhação e mágica à luz da Bíblia Hebraica e do Novo Testamento

À medida que o corpus bíblico se pronuncia, forma-se um retrato fortemente restritivo e condenatório das práticas adivinhatórias e mágico-ocultistas. No Pentateuco, Yahweh ordena com ênfase a separação de Israel quanto às práticas das nações: não deveria haver no meio do povo quem fizesse filhos passarem pelo fogo, quem empregasse adivinhação, praticasse magia, procurasse presságios, feitiçaria, encantamentos, consulta a médiuns espíritas, prognosticadores profissionais ou consultores de mortos (Deuteronômio 18:9–12; cf. Levítico 19:26, 31). Mesmo quando sinais e portentos se cumprem, a condenação persiste (Deuteronômio 13:1–5; Jeremias 23:32; Zacarias 10:2). A severidade legal chega à pena de morte para adivinhos e necromantes (Êxodo 22:18; Levítico 20:27). O registro histórico-narrativo confirma a desobediência contumaz: a mulher de En-Dor consultada por Saul (1 Samuel 28:7–8), o reinado de Manassés e a ação de Jezabel (2 Reis 9:22; 21:1–6; 2 Crônicas 33:1–6). Ainda que Josias tenha empreendido uma reforma contundente, eliminando os praticantes, isso não impediu a queda de Judá, a exemplo do Israel setentrional (2 Reis 17:12–18; 23:24–27). Em misericórdia pedagógica, Yahweh envia profetas para censurar e advertir: Isaías 3:1–3; 8:19–20; 44:24–25; 47:9–15; Jeremias 14:14; 27:9; 29:8; Ezequiel 13:6–9, 23; Miqueias 3:6–12; Zacarias 10:2.

No Novo Testamento, a presença social da adivinhação e da mágica persiste. Em Chipre, o feiticeiro Barjesus (também chamado Elimas) é atingido de cegueira por resistir ao anúncio apostólico (Atos 13:6–11). Em Filipos, o apóstolo Paulo enfrenta uma serva possessa por “um demônio de adivinhação”, literalmente um pneúma pýthona — “espírito de Píton” —, e liberta a jovem, causando prejuízo aos senhores que exploravam seu dom preditivo (Atos 16:16–19). O termo Píton remete à serpente mítica que guardava o oráculo de Delfos; por extensão, pýthon passou a designar tanto o adivinho quanto o espírito que “falava” por seu intermédio; em períodos posteriores, foi usado até para ventríloquos, mas em Atos a palavra descreve, inequivocamente, um demônio que facultava predições. Outros, como Simão em Samaria, abandonaram voluntariamente as artes mágicas (Atos 8:9–13). Em Éfeso, o impacto do evangelho foi tal que muitos queimaram seus livros de magia, totalizando 50.000 moedas de prata; admitindo-se denários, estimou-se o montante em US$ 37.200 (Atos 19:19).

A literatura bíblica opõe sistematicamente a revelação divina à adivinhação. O desejo humano de conhecer o futuro deve ser saciado não por recursos ocultistas, mas pela adoração e serviço ao Criador, que “revela” de antemão o que convém (Amós 3:7). O desvio de Deus expõe os homens à influência demoníaca; Saul é exemplo paradigmático: primeiro consulta Yahweh; rompida a comunhão por infidelidade, volta-se a demônios (1 Samuel 28:6–7; 1 Crônicas 10:13–14). Em contraste com os transes descontrolados ligados às práticas adivinhatórias — com convulsões, frenesis, música e tóxicos —, os servos de Deus movidos pelo Espírito Santo não sofrem tais distorções físicas ou mentais (Atos 6:15; 2 Pedro 1:21). Acresce o componente ético: os profetas falam gratuitamente, por dever; os adivinhos exercem um ofício lucrativo. Em parte alguma da Escritura qualquer forma de adivinhação recebe valoração positiva; ao contrário, é tantas vezes associada a adultério e prostituição (2 Reis 9:22; Naum 3:4; Malaquias 3:5; Gálatas 5:19–20; Apocalipse 9:21; 21:8; 22:15) e equiparada à rebelião (1 Samuel 15:23). Por isso é antibíblico qualificar a autocomunicação de Yahweh como uma espécie de “boa adivinhação”.

No plano narrativo, ressaltam ainda episódios que dramatizam a superioridade do poder de Deus sobre os magos e adivinhos. Em Êxodo 7–9, quando Arão lança sua vara e ela se converte em serpente, os magos egípcios parecem replicar o prodígio; mas a vara de Arão devora as deles (Êxodo 7:8–12). Os adversários chegam a imitar a transformação da água em sangue e a praga das rãs (Êxodo 7:19–22; 8:5–11), mas fracassam diante dos borrachudos, admitindo: “É o dedo de Deus” (Êxodo 8:16–19; cf. 9:11). Em Ester, o pérfido Hamã recorre ao Pur, a “Sorte”, “de dia em dia e de mês em mês”, em busca do momento mais auspicioso para executar seu genocídio (Ester 3:7–9). Como observa o Comentário de Jamieson, Fausset e Brown (Commentary on the Whole Bible), esse método era padrão entre reis e nobres persas, pouco afeitos a empreender qualquer projeto sem consultar astrólogos e fixar a hora de sorte; a narrativa, porém, sublinha que a providência de Yahweh frustra o plano e faz pendurar Hamã no próprio madeiro preparado para Mordecai (Ester 9:24–25). Finalmente, Balaão, o adivinho mesopotâmico, é contratado pelos moabitas “com honorários de adivinhação nas mãos” (Números 22:7) para amaldiçoar Israel; embora procure presságios de azar, é constrangido por Yahweh a abençoar: “Contra Jacó não há feitiço de azar, nem adivinhação contra Israel” (Números 23–24). O conjunto desses testemunhos delimita, pois, uma antropologia teológica na qual dependência e obediência a Deus substituem a ânsia de previsibilidade e controle por meios ocultos.

V. Adivinhação, astrologia e mágica no mundo greco-romano e na Antiguidade cristã

Se a “magia” pode ser descrita como a arte de produzir efeitos extraordinários desproporcionais aos meios, a conexão com a religião é histórica e inevitável. A partir de religiões orientais, astrólogos e magos penetraram o Império Romano, oferecendo remédios — mediante remuneração — para enfermidades ou prognósticos do futuro. De modo esquemático, a astrologia prometia conhecer o porvir, e a magia, intervir nele por múltiplas técnicas; os próprios romanos, herdeiros de tradições etruscas, praticaram artes divinatórias, em especial a haruspícia. Algumas práticas ligavam-se às chamadas “ciências ocultas”; outras, a cultos e sacrifícios. A legislação tardo-antiga ilustra a ambiguidade: desde Sila, não era simples distinguir a magia nociva da inócua; no século IV, imperadores baniram a adivinhação privada e Constantino I tentou discernir, em CTh 9,16,3, entre uma magia gravemente punível — artes danosas à saúde ou feitiços amorosos corruptores — e outra tida por “inocente”, voltada a remédios para corpos sofredores ou auxílios à agricultura.

No campo cultural, acusação de magia contra judeus e cristãos foi frequente. Suetônio qualifica a religião cristã de malefica, epíteto grave num mundo que temia maldições, o mau-olhado, encantamentos, sorteios e poções. O processo de Apuleio expõe a pavorosa reputação da mágica. O judaísmo já carregava tal estigma; à época de Cristo, magos judeus eram comuns no mundo greco-romano (Juvenal, Sat. III, 13; VI, 542–547; Luciano, Trag. 174), reputados como especialistas em magia e exorcismo; em Éfeso, alguns usavam o nome de Jesus (Atos 19:13). Em contrapartida, a tradição rabínica tentou desacreditar Cristo como feiticeiro; Justino Mártir respondeu à calúnia ( Diálogo 69,7; 108,2; 1 Apologia 30). A mesma acusação comparece na Pseudo-Epístola de Pilatos a Cláudio e no Evangelho de Nicodemos. De judeus, a pecha transita a pagãos, que imputam a Cristo charlatanismo e ao cristianismo magia, como testemunham os Apologistas (Lactâncio, Divinae Institutiones V, 3,19; Justino, 1 Apologia 30; Recognitiones I, 58,1; Orígenes, Contra Celsum 7,69). Justino lembra também que Simão Mago foi a Roma e, “com auxílio de demônios”, realizou “milagres mágicos” (1 Apologia 26,1-3; 56,2; Diálogo 120,6). Acusações similares recaem sobre Pedro e Paulo (Filóstrato, apud Eusébio). Tertuliano defende a Igreja ( Ad uxorem II, 4,5). O tema ressurge sob Juliano, o Apóstata (Sócrates, HE III, 13,11,12). A resposta cristã manteve-se coerente: magia é demoníaca, e o cristianismo significa ruptura com os demônios e, portanto, com a magia (Justino, Tertuliano, Cipriano de Cartago, João Crisóstomo; Agostinho, De doctrina christiana II, 35–36). Os exorcismos antes e após o batismo visavam precisamente a expulsão dos demônios.

Importa reconhecer que a fronteira entre magia, astrologia e superstição é historicamente difícil de traçar. Neófitos raramente abandonavam sem resistência práticas, objetos, fórmulas, imprecações e encantamentos incorporados à imaginação religiosa. A Tradição Apostólica (cap. 16) exclui do batismo magos, astrólogos e adivinhos. Não surpreende, por isso, que se encontrem em túmulos cristãos defixionum tabellae, dirae, imprecationes, devotiones — especialmente na África (ver Amulets). Houve, inclusive, tentativas de “cristianização” do apotropaico: manufaturaram-se “cruzes mágicas” e redigiram-se fórmulas para afastar poderes malignos; amuletos como o escaravelho foram ressemantizados, recebendo a imagem de Cristo (Dölger, AC 2, 230–240). Textos sagrados, sobre tudo o início dos quatro evangelhos, passaram a ser portados com suposta eficácia mágica — “Verbum caro factum est” preservaria de raios —, e mulheres de Constantinopla traziam o evangelho ao pescoço (João Crisóstomo, In Mt. hom. 8,3). Amuletos, fórmulas como ABRASAX, símbolos mágicos em túmulos cristãos, pregos mágicos e filactérios contra poderes ocultos persistiram ao tempo de João Crisóstomo, Agostinho e Cesário de Arles, todos tenazes contendores dessas sobrevivências pagãs. Em nível normativo, os Cânones de Atanásio (cans. 72 e 73) e os Concílios de Orléans (511, can. 30), Auxerre (573, can. 41) e Clichy (626, can. 16) reiteraram proibições. Em chave política, a acusação de magia serviu, por vezes, de arma, como nos processos contra Atanásio e Prisciliano de Ávila.

VI. Convergências e tensões: religião, ritos “orientados a problemas” e crítica bíblica

Ao cotejar-se o denso repertório do AOP com a leitura bíblica, emerge uma tensão constitutiva. No âmbito mesopotâmico-hitita-egípcio, a mágica integra o mesmo horizonte simbólico que o culto oficial: exorcistas e sacerdotes compartilham formação, panteão e legitimidade; médicos cooperam com exorcistas; ritos mágicos são indispensáveis na fundação de templos e no ciclo de vida; a taxonomia funcional distingue magia negra (anti-social, criminalizada) e branca (defensiva, “dom divino”), sem antinomia ontológica. Por outro lado, a Bíblia insiste em uma descontinuidade: o acesso ao divino não se dá pela manipulação de forças via gestos miméticos e fórmulas, mas pela aliança, obediência e revelação soberana de Yahweh. Assim, práticas que, em seu ambiente originário, eram terapêuticas, jurídicas ou político-rituais — neutralizar maus presságios, apaziguar deuses irados, anular feitiços, selar juramentos, proteger exércitos, garantir partos —, quando transpostas para o universo bíblico, tornam-se sintomas de infidelidade e portas para a idolatria e a servidão demoníaca. O contraste ético e teológico é acentuado por narrativas como Êxodo 7–9, Ester 3 e 9 e Números 22–24, onde a eficácia ilusória dos magos cede ante o “dedo de Deus”, a sorte astrológica se dissolve na providência e o adivinho mercenário é instrumentalizado para bênção, não maldição. No Novo Testamento, o combate de Paulo a Barjesus e ao pneúma pýthona reafirma essa ruptura, enquanto o episódio de Éfeso (Atos 19:19) revela as dimensões econômicas das artes mágicas, cuja renúncia pública envolve perdas materiais significativas.

VII. Considerações finais

A partir dos três textos integrados, é possível afirmar que a adivinhação e a mágica constituem, no AOP e no mundo mediterrânico antigo, dispositivos culturais de manejo do risco, interpretando sinais e reorganizando a experiência por meio de ritualizações densamente codificadas. O inventário é vastíssimo: da hepatoscopia aos escapegoats; dos amuletos a efígies e analogias rituais; dos exorcismos curativos a encantamentos de guerra; da propiciação à transferência do mal; da magia amorosa à dissuasão de perjúrio. O Egito radicaliza a continuidade entre religião e mágica por meio da noção de heka; a Mesopotâmia refina a distinção entre kišpū e āšipu; a Anatólia dá visibilidade a mulheres especialistas e ritualiza o nome do autor; Ugarit, Aram e Fenícia testemunham usos familiares e fúnebres, embora de documentação escassa. Em contraste, a Bíblia erige uma crítica que associa o desejo de controle por vias ocultas à rebeldia contra Deus e à corrupção moral, propondo como alternativa a dependência da revelação, a confiança e a obediência. Na história da recepção, o mundo romano tenta regular a mágica, os apologistas cristãos a demonizam, e práticas apotropaicas reaparecem sob formas “cristianizadas”, provocando reações normativas e sermões vigorosos. Nessa dialética entre necessidade humana e proibição teológica, entende-se por que a Escritura contrapõe profetas — que falam de graça, sem transe convulsivo — a adivinhos — que, por lucro e poder, prometem um saber divorciado da aliança.

Nessa tessitura, compreende-se por que, do ponto de vista bíblico, a busca de conhecimento e intervenção por dispositivos mágicos aparece como concorrente à revelação, e por que a mesma cultura que ensinou a ler fígados e a fabricar efígies também viu, na história de Israel e na Igreja primitiva, o colapso da pretensão de dominar o sagrado com técnicas. O último juízo de valor, em chave bíblica, é inequívoco: “Contra Jacó não há feitiço… nem adivinhação contra Israel” (Números 23–24); e, se Hamã lança Pur e Balaão busca presságios, é o “dedo de Deus” quem, de ponta a ponta, desautoriza a mágica e desmascara a adivinhação.

Bibliografia

ALLEAU, R. Histoire des sciences occultes. 1965.
ALLEN, T. G. The Book of the Dead. Chicago, 1974. (SAOC, 37).
AUNE, D. E. Magic in Early Christianity. ANRW, II, 23, 2, p. 1507–1557, 1980.
BARB, A. A. La sopravvivenza delle arti magiche. In: Il conflitto tra paganesimo e cristianesimo nel IV secolo. Turin, 1968. p. 111–137.
BECKMAN, G. Hittite Birth Rituals. Wiesbaden, 1983. (StBT, 29).
BERCHMAN, R. M. (Ed.). Mediators of the Divine: Horizons of Prophecy, Divination, Dreams, and Theurgy in Mediterranean Antiquity. 1998.
BIGGS, R. D. ŠÀ.ZI.GA: Ancient Mesopotamian Potency Incantations. Locust Valley, NY, 1967. (TCS, 1).
BORGER, R. Das dritte “Haus” der Serie t rimki. JCS, v. 21, p. 1–17, 1967.
________. Die Weihe eines Enlil-Priesters. BiOr, v. 30, p. 163–176, 1973.
________. Die Beschwörungsserie t mēseri und die Himmelfahrt Henochs. JNES, v. 33, p. 183–196, 1974.
________. Pazuzu. In: ROCHBERG-HALTON, F. (Ed.). Language, Literature, and History: Philological and Historical Studies Presented to Erica Reiner. New Haven, 1987. (AOS, 67). p. 15–32.
BORGHOUTS, J. F. The Magical Texts of Papyrus Leiden I 348. OMRO, v. 51, p. 1–248, 1970.
________. Magical Texts. In: Textes et Langes de l’Égypte Pharaonique: Hommage à Jean François Champollion. Cairo, 1972. (BE, 64/3). p. 7–19.
________. Ancient Egyptian Magical Texts. Leiden, 1978. (NISABA, 9).
BOTTÉRO, J. Les Morts et l’au-delà dans les rituels en accadien contre l’action des “revenants”. ZA, v. 73, p. 153–203, 1983.
BUTTERWECK, C. Eine phönizische Beschwörung. In: BUTTERWECK, C. et al. (Eds.). Religiöse Texte. Gütersloh, 1988. (TUAT, 2/3). p. 435–437.
CAPLICE, R. I. Namburbi Texts in the British Museum I–V. Or (n.s.), v. 34, p. 105–131, 1965; v. 36, p. 1–38, 273–298, 1967; v. 39, p. 111–151, 1970; v. 40, p. 133–183, 1971.
_________. Further Namburbi Notes. Or (n.s.), v. 42, p. 508–517, 1973.
_________. An Apotropaion against Fungus. JNES, v. 33, p. 345–349, 1974a.
CAPLICE, R. I. The Akkadian Namburbi Texts: An Introduction. Malibu, CA, 1974b. (SANE, 1/1).
CARRUBA, O. Das Beschwörungsritual für die Göttin Wišurijanza. Wiesbaden, 1966. (StBT, 2).
CICERO. On Divination. [s.l.], [s.d.].
CIRAolo, L.; SEIDEL, J. (Eds.). Magic and Divination in the Ancient World. 2002.
COHEN, M. E. Literary Texts from the Andrews University Archaeological Museum. RA, v. 70, p. 129–144, 1976.
DE MOOR, J. C. An Anthology of Religious Texts from Ugarit. Leiden, 1987. (NISABA, 16).
DELSMAN, W. C. Eine aramäische Beschwörung. In: BUTTERWECK, C. et al. (Eds.). Religiöse Texte. Gütersloh, 1988. (TUAT, 2/3). p. 432–434.
DESANTI, L. Sileat omnibus perpetuo divinandi curiositas. Indovini e sanzioni nel diritto romano. Milan, 1990.
DICKIE, M. W. Magic and Magicians in the Graeco-Roman World. London–New York, 2003.
DIETRICH, M.; LORETZ, O. Ugaritische Rituale und Beschwörungen. In: BUTTERWECK, C. et al. (Eds.). Religiöse Texte. Gütersloh, 1988. (TUAT, 2/3). p. 299–357.
DOLBEAU, F. Le combat pastoral d’Augustin contre les astrologues, les divins et le guérisseurs. In: FUX, P.-Y. et al. (Eds.). Augustinus Afer. Fribourg, 2003. p. 167–182.
DÖLGER, F. Adjuration, Amulettes, Imprécations, Phylactères. AC, v. 2, 1930, p. 153–176; v. 3, 1932, p. 81–100; v. 4, 1933–1934, p. 188–228.
EBELING, E. Assyrische Beschwörungen. ZDMG, v. 69, p. 89–103, 1915.
_________. Quellen zur Kenntnis der babylonischen Religion I–II. MVAG, v. 23, Leipzig, 1918–1919.
_________. Aus dem Tagewerk eines assyrischen Zauberpriesters. Leipzig, 1931a. (MAOG, 5/3).
_________. Tod und Leben nach den Vorstellungen der Babylonier. Berlin, 1931b.
_________. Beschwörungen gegen den Feind und den bösen Blick aus dem Zweistromlande. ArOr, v. 17, p. 172–211, 1949.
_________. Sammlungen von Beschwörungsformeln. ArOr, v. 21, p. 357–423, 1953.
_________. Eine assyrische Beschwörung um einen entflohenen Sklaven zurückzubringen. Or (n.s.), v. 23, p. 52–56, 1954.
_________. Beiträge zur Kenntnis der Beschwörungsserie Namburbi. RA, v. 48, p. 1–15, 76–85, 130–141, 178–191, 1954; v. 49, p. 32–41, 137–148, 178–192, 1955; v. 50, p. 22–33, 86–94, 1956.
ELAT, M. Mesopotamische Kriegsrituale. BiOr, v. 39, p. 5–25, 1982.
ELLIS, R. Foundation Deposits in Ancient Mesopotamia. New Haven, 1968.
ENGELHARD, D. H. Hittite Magical Practices: An Analysis. 1970. Tese (Ph.D.) — Brandeis.
FARBER, W. Beschwörungsrituale an Ištar und Dumuzi (att Ištar ša harmaša Dumuzi). Wiesbaden, 1977. (Akademie der Wissenschaften und der Literatur, Veröffentlichungen der orientalischen Komission, 30).
FARBER, W. Zur ältern akkadischen Beschwörungsliteratur. ZA, v. 71, p. 51–72, 1981.
_________. Rituale und Beschwörungen in akkadischer Sprache. In: DELSMAN, W. C. et al. (Eds.). Religiöse Texte. Gütersloh, 1987. (TUAT, 2/2). p. 212–281.
__________. Mesopotamische Baby-Beschwörungen und -Rituale. Winona Lake, IN, 1989.
FAULKNER, R. O. The Ancient Egyptian Pyramid Texts. Oxford, 1969. 2 v.
__________. The Ancient Egyptian Coffin Texts. Warminster, 1973–1978. 3 v.
FINKEL, I. Necromancy in Ancient Mesopotamia. AfO, v. 29/30, p. 1–17, 1983–1984.
FLACELIERE, R. Greek Oracles. Elek Books, 1965.
GARDINER, A.; SETHE, K. Egyptian Letters to the Dead. London, 1928.
GELLER, M. Forerunners to UDUG-HUL: Sumerian Exorcistic Incantations. Wiesbaden, 1985. (Freiburger Altorientalische Studien, 12).
GOETZE, A. The Hittite Ritual of Tunnawi. New Haven, 1938. (AOS, 14).
GURNEY, O. R. A Tablet of Incantations against Slander. Iraq, v. 22, p. 221–227, 1960.
HAAS, V.; THIEL, H. J. Die Beschwörungsrituale der Allaiturah(i) und verwandte Texte. Kevelaer, 1978. (AOAT, 31).
HAAS, V.; WILHELM, G. Hurritische und luwische Riten aus Kizzuwatna. Kevelaer, 1974. (AOATS, 3).
HAMMAN, A. G. La vie quotidienne en Afrique du Nord au temps de saint Augustin. Paris, 1979. p. 170–193.
HOFFNER, H. Incest, Sodomy and Bestiality in the Ancient Near East. In: HOFFNER, H. (Ed.). Orient and Occident: Essays Presented to Cyrus H. Gordon. Kevelaer, 1973. (AOAT, 22). p. 81–90.
HOFFNER, H. Paskuwatti’s Ritual against Sexual Impotence. AulaOr, v. 5, p. 271–287, 1987.
HUNGER, H. Spätbabylonische Texte aus Uruk I. Berlin, 1976. (ADFU, 9).
HUTTER, M. Behexung, Entsühnung, und Heilung: Das Ritual der Tunnawiya für ein Königspaar. Göttingen, 1988. (OBO, 82).
JANOSITZ, N. Magic in the Roman World. Pagans, Jews and Christians. London, 2001.
JEFFERS, A. Magic and Divination in Ancient Palestine and Syria. 1996.
JOHNSTON, S. I.; STRUCK, P. T. (Eds.). Mantikê: Studies in Ancient Divination. 2005.
KELLERMAN, G. Recherche sur les rituels de fondation hittites. 1980. Tese (Ph.D.) — Paris.
KRONASSER, H. Fünf hethitische Rituale. Die Sprache, v. 7, p. 140–167, 1961.
__________. Das hethitische Ritual KBo IV 2. Die Sprache, v. 8, p. 89–107, 1962.
__________. Die Umsiedelung der Schwarzen Gottheit: Das hethitische Ritual, KUB XXXIX 4 (des Ulippi). SÖAW Phil.-hist. Kl., 241/3, Vienna, 1963.
KÜHNE, C. Das Ritualfragment KBo XVI 56 + KUB XXXIV 85. In: NEU, E.; RÜSTER, C. (Eds.). Festschrift Heinrich Otten. Wiesbaden, 1973. p. 161–167.
KÜMMEL, H. M. Ersatzrituale für den hethitischen König. Wiesbaden, 1967. (StBT, 3).
__________. Rituale in hethitischer Sprache. In: DELSMAN, W. C. et al. (Eds.). Religiöse Texte. Gütersloh, 1987. (TUAT, 2/2). p. 282–292.
LA ROCHE, R. La Divination. 1957.
LACKENBACHER, S. Note sur l’Ardat-lilî. RA, v. 65, p. 119–154, 1971.
LAESSØE, J. Studies on the Assyrian Ritual and Series bît rimki. Copenhagen, 1955.
LAMBERT, W. G. A Part of the Ritual for the Substitute King. AfO, v. 18, p. 109–112, 1957–1958a.
__________. An Incantation of the Maqlû Type. AfO, v. 18, p. 288–299, 1957–1958b.
__________. A Middle Assyrian Medical Text. Iraq, v. 31, p. 28–39, 1969.
__________. Fire Incantations. AfO, v. 23, p. 39–45, 1970.
LAROCHE, E. Catalogue des textes hittites. Paris, 1971. (Études et commentaires, 75).
LEA, H. S. Materials Toward a History of Witchcraft. 1939.
LEBRUN, R. Lews Rituels d’Ammihatna, Tulbi et Mati contre une impureté. Hethitica, v. 3, p. 139–164, 1979.
LEXA, F. La Magie dans l’Égypte antique. Paris, 1925. 3 v.
LUCK, G. Arcana mundi. Magia e occulto nel mondo greco romano. Rome, 1997.
MEIER, G. Die assyrische Beschwörungssammlung Maqlû. Berlin, 1937. (AfO Beiheft, 2).
__________. Studien zur Beschwörungssammlung Maqlû. AfO, v. 21, p. 70–81, 1966.
MEIER, M.; SMITH, R. (Eds.). Ancient Christian Magic: Coptic Texts of Ritual Power. Princeton, NJ, 1999.
MYHRMAN, D. W. Die “Labartu”-Texte. ZA, v. 16, p. 141–200, 1902.
OETTINGER, N. Die militärischen Eide der Hethiter. Wiesbaden, 1976. (StBT, 22).
OPPENHEIM, A. L. The Interpretation of Dreams in the Ancient Near East. TAPhS, v. 46/3, Philadelphia, 1956.
OTTEN, H. Hethitische Totenrituale. Berlin, 1958. (VIO, 37).
__________. Eine Beschwörung der Unterirdischen aus Boǧazköy. ZA, v. 54, p. 114–157, 1961.
REINER, E. Šurpu: A Collection of Sumerian and Akkadian Incantations. Graz, 1958. (AfO Beiheft, 11).
__________. Plague Amulets and House Blessings. JNES, v. 19, p. 148–155, 1960.
RITNER, R. The Mechanics of Ancient Egyptian Magical Practice. 1987. Tese (Ph.D.) — Chicago.
RITTER, E. K. Magical-Expert (= āšipu) and Physician (= asû). In: Studies in Honor of Benno Landsberger. Chicago, 1965. (AS, 16). p. 299–321.
ROCCATI, A. Papiro ieratico n. 54003. Turin, 1970.
ROCHBERG, F. The Heavenly Writing: Divination, Horoscopy, and Astronomy in Mesopotamian Culture. 2004.
ROBBINS, R. H. The Encyclopedia of Witchcraft and Demonology. 1959.
RÖMER, W. H. P. Rituale und Beschwörungen in sumerischer Sprache. In: DELSMAN, W. C. et al. (Eds.). Religiöse Texte. Gütersloh, 1988. (TUAT, 2/2). p. 163–211.
SCURLOCK, J. A. Magical Means of Dealing with Ghosts in Ancient Mesopotamia. 1988. Tese (Ph.D.) — Chicago.
SELIGMANN, K. The History of Magic. 1948.
SETHE, K. Die Ächtung feindlicher Fürsten, Völker und Dinge auf altägyptischen Tongefässcherben des Mittleren Reiches. Berlin, 1926. (ATAW, 1926/5).
SOMMER, F.; EHELOLF, H. Das hethitische Ritual des Pāpanikri von Komana. Leipzig, 1924. (BoSt, 10).
SOUČEK, V. Ein neues hethitisches Ritual gegen die Pest. MIO, v. 9, p. 164–174, 1963.
STERNBERG-EL-HOTABI, H.; GUTEKUNST, W.; KAUSEN, E. Ägyptische Rituale und Beschwörungen. In: BUTTERWECK, C. et al. (Eds.). Religiöse Texte. Gütersloh, 1988. (TUAT, 2/3). p. 358–431.
SUMMERS, M. The History of Witchcraft and Demonology. 1926.
_________. The Geography of Witchcraft. 1927.
SZABÓ, G. Ein hethitisches Entsühnungsritual für das Königspaar Tuthalija und Nikalmati. THeth, v. 1, Heidelberg, 1971.
THOMSEN, M. L. Zauberdiagnose und schwarze Magie in Mesopotamien. Copenhagen, 1987.
ÜNAL, A. The Role of Magic in the Ancient Anatolian Religions according to the Cuneiform Texts from Boǧazköy-Ḫattuša. In: MIKASA, H. I. H. (Ed.). Essays on Anatolian Studies in the Second Millennium B.C. Wiesbaden, 1988. p. 52–85.
VON WEIHER, E. Spätbabylonische Texte aus Uruk II. Berlin, 1983. (ADFU, 10).
_________. Spätbabylonische Texte aus Uruk III. Berlin, 1988. (ADFU, 12).
WHITING, R. M. An Old Babylonian Incantation from Tell Asmar. ZA, v. 75, p. 179–187, 1985.
WIGGERMANN, F. A. M. Babylonian Prophylactic Figures: The Ritual Texts. Amsterdam, 1986.

Quer citar este artigo? Siga as normas da ABNT:

GALVÃO, Eduardo. Mágica, Magia. In: Enciclopédia da Bíblia Online. [S. l.], out 2025. Disponível em: [Cole o link sem colchetes]. Acesso em: [Coloque a data que você acessou este estudo, com dia, mês abreviado, e ano. Ex.: 22 ago. 2025].

Pesquisar mais estudos