Apócrifos — Conteúdo e Gênero Literário

Conteúdo e Gênero Literário dos Apócrifos

por Biblioteca Bíblica





GÊNERO LITERÁRIO, CONTEÚDO, APÓCRIFOS
A literatura representada nos “Apócrifos” é de um caráter que varia de história a poesia, de ficção a filosofia, de fábulas a sermões sobre a vida piedosa. Alguns foram escritos para edificar, alguns para admoestar, e alguns, talvez, simplesmente para entreter. Qualquer que seja seu propósito, é uma leitura válida em si mesma.

A história é bem representada por I Macabeus que, escrito no modelo do Livro de Reis, este canónico, fornece uma narrativa fiel dos judeus na Palestina, desde os anos antes da Revolta dos Macabeus até a morte de Simão (175-134 a.C). O livro demonstra uma fé indómita nos propósitos de Deus para a comunidade de Israel e vê na Casa dos Macabeus o instrumento de sua salvação. II Macabeus, que cobre um período mais curto (176-161 a.C), é bem independente de I Macabeus e é menos fiel tendo uma proporção considerável de fábulas mescladas com história. Ele foi escrito em grego, em Alexandria, em aproximadamente 50 a.C. e demonstra um zelo pelo Templo e pela observância rígida da Lei de Moisés (cf. as comoventes histórias do martírio de Eleazar em 6.18-31 e os Sete Irmãos em 7.1-42).

A fábula é ilustrada por II Mac 1.1-2.18 que parece ser o conteúdo de duas cartas enviadas, em 124 a.C. e 143 a.C, pelos judeus da Palestina para os judeus no Egito. A segunda delas narra como Jeremias ordenou aos sacerdotes, quando eles estavam para ser levados para o cativeiro, que escondessem o fogo sagrado do altar no fundo de um poço seco; no tempo de Neemias, empreendeu-se uma busca do fogo e em seu lugar foi encontrado um líquido escuro, que acendeu com o calor do sol e consumiu o sacrifício. As pessoas chamaram esse líquido de “naphtha”. A mesma carta diz como Jeremias entregou um exemplar da lei aos exilados e recomendou-lhes que a guardassem e como ele escondeu o tabernáculo, a arca e o altar do incenso em uma caverna no Monte Nebo.

A ficção é bem representada nessa literatura e contém algumas histórias de origem gentílica. Somente um desses livros (Judite) foi escrito em hebraico; o restante foi escrito no vernáculo aramaico. O Livro de Judite (que significa “judia”) é uma história emocionante, no estilo do Cântico de Débora (Juízes 5), de como uma certa Judite libertou seu povo das mãos de Holofernes que, sendo dado a vinho e mulheres, literalmente perdeu a cabeça por uma viúva encantadora!

A História dos Três Jovens (provavelmente de origem persa) em I Esdras 3.1-5.3 é um dos melhores exemplos dessa literatura, do ponto de vista do estilo e da eloqüência literária. Ela conta a história de três jovens guardas no serviço de Dario, rei de Pérsia, que desafiaram um ao outro para uma competição. Eles tinham que escrever o que, em sua opinião, era a coisa mais forte do mundo e tinham que discutir o caso perante o rei. O primeiro escreveu: “O vinho é a coisa mais forte”; o segundo: “O rei é o mais forte”; e o terceiro: “As mulheres são as mais fortes, mas acima de todas as coisas, a verdade alcança a vitória”. A sobrevivência da obra que chamamos de I Esdras deve-se, em grande parte, à popularidade que essa história desfrutava entre os cristãos que a herdaram dos judeus.

O livro de Tobias deve ser classificado nos primeiros lugares entre os “best-sellers” de seus dias. Trata-se de um “conto” de primeira categoria com um excelente enredo muito bem executado. Foi escrito aproximadamente em 200 a.C. provavelmente por um judeu egípcio ou babilônio, influenciado por certos escritos gentios, embora toda a sua visão moral e espiritual seja moldada pelas escrituras do Antigo Testamento. A história conta sobre um certo judeu chamado Tobias, de Nínive, que enviou seu filho Tobias a uma peregrinação incerta pela Média, acompanhado por Azarias (o anjo Rafael disfarçado). Ali eles encontraram e ajudaram uma jovem chamada Sara, cujos sete maridos haviam sido mortos pelo demônio Asmodeu, todos eles na noite de núpcias. Tobias e Sara se casaram e viveram felizes desde então!

A História de Susana e as Histórias de Bel e o Dragão seguem a verdadeira tradição de “história de romance policial”. Susana, a bela esposa de um judeu babilônio, resistiu aos avanços de dois juízes anciãos, cujas intenções não eram nada honrosas, e então eles ameaçaram levantar uma acusação falsa contra ela alegando um “caso” com um jovem. Ela foi condenada à morte. Mas Daniel exigiu um novo julgamento, no qual os dois juízes fossem levados a dar provas de evidência contraditória. Susana foi absolvida e os juízes condenados à morte.

A História de Bel é uma polêmica contra os deuses pagãos e a idolatria em geral. Daniel, diz a história, recusou-se a adorar Bel e afirmou que as provisões de comida e bebida que os sacerdotes ofereciam àquele deus, todos os dias, não eram comidas por ele. Ciro ordenou que os sacerdotes provas¬sem sua crença. Confiantemente, eles colocaram a comida e a bebida em ordem e lacraram as portas, porém havia uma entrada secreta debaixo da mesa! Mas Daniel levou a melhor porque secretamente espalhara cinzas no chão do templo, antes que as portas fossem fechadas. Pela manhã, a comida e a bebida haviam desaparecido e os sacerdotes estavam jubilantes. Mas as pegadas dos homens, mulheres e crianças nas cinzas revelaram o segredo! Os sacerdotes e suas famílias foram mortos e o ídolo e seu templo, destruídos.
Salmos e Hinos, vários dos quais estão espalhados por esses livros, são ilustrados no Cântico do Três Jovens Santos que consiste em dois poemas separados por uma curta seção de prosa. O primeiro poema traz a oração de Azarias que, junto com seus dois companheiros, louvou a Deus do meio da fornalha ardente; o segundo é um cântico de louvor dos lábios dos “três jovens” ao Deus que os havia livrado da morte.

A literatura de Sabedoria é representada por dois livros muito importantes, a Sabedoria de Salomão e a Sabedoria de Ben Sira. A Sabedoria de Salomão, escrito em estilo epigramatico, foi composto por um judeu (ou judeus) de Alexandria, talvez na primeira parte do primeiro século a.C, e é muito distinto dentre os escritos apócrifos, pelo modo como combina a religião judaica com a filosofia grega. É impossível resumir seu conteúdo, mas ele indica dois objetivos: primeiro, ganhar de volta os judeus apóstatas e fortalecer os judeus piedosos em sua fé, e segundo, demonstrar aos pagãos, em uma linguagem e pensamento que eles pudessem entender, a verdade sobre o judaísmo e a insensatez do paganismo. O escritor exorta seus leitores a seguir a justiça, para assim encontrarem a sabedoria.

A Sabedoria de Ben Sira é talvez o livro mais importante dentre os “apócrifos”, porque lança luz sobre a religião e a vida dos judeus na Palestina por volta do ano 180 a.C. quando ele foi escrito. E uma seleção de conferências que o autor ministrou em sua Escola em Jerusalém, na qual procurava compartilhar com seus alunos a sabedoria dos anciãos, que eles podiam viver “de acordo com a Lei”. Nesse caso também, é impossível resumir em poucas palavras os tópicos tratados no livro. Eles são extraídos da sinagoga, do lar, da escola e do mundo do dia-a-dia. Seus conselhos vão desde lições de etiqueta até a vida de comunhão com Deus ordenada em sua santa Lei — comportamento à mesa, criação de filhos, domínio próprio, ajuda aos pobres, avareza, a adoração de mamon, a verdadeira piedade e muitos outros itens. Todos esses conselhos ele resume na palavra “sabedoria” que é a orientação de Deus para todas as áreas da vida.

Apocalíptico é representado por II Esdras 3-13, ao qual o capítulo 14 foi acrescentado por outra mão. O livro é um relato de seis visões dadas por Deus a “Esdras”. Essas visões têm sido descritas como "um drama apocalíptico em dois atos: o “amarrar do nó”, na era presente (visões 1-3); e o “desfecho no mundo porvir” (visões 4-6). Ele foi escrito provavelmente por volta do ano 90 d.C. e reflete a desilusão que se seguiu à destruição de Jerusalém vinte anos antes. A única esperança dos homens estava na nova era que ainda estava por vir. Uma abordagem mais completa sobre o significado desse livro será reservada para outro capítulo quando a literatura apocalíptica será considerada como um todo.


Fonte: Between the Testaments: From Malachi to Matthew, de Richard Neitzel Holzapfel.

Veja outros estudos bíblicos relacionados:

Cf. Literatura Não-canônica
Cf. O Cânon do Velho Testamento
Cf. As Escrituras na Dispersão