Lamentações 1 — Comentário Teológico
Lamentações 1 — Comentário Teológico
Lamentações 1
Primeira
Lamentação: Desolação de Jerusalém em Razão de Seu Pecado. As Lamentáveis
Condições de Jerusalém (Lm 1.1-22)
É o poeta quem fala nos vss. 1-11 e 17, exceto pelo
fato de que nas últimas linhas dos vss. 8 e 11, Jerusalém, personificada como
uma mulher, é quem fala. Outro tanto se dá nos vss. 12-16 e 18-22. E então
há um cântico fúnebre que encerra o capitulo (vss. 20-22). O livro de
Provérbios não é livro que possa alegrar-nos, mas contém valiosas lições
espirituais e morais. A justiça de Deus é celebrada, e são lamentados os
efeitos ruinosos do pecado. A Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura
é o tema predominante do livro. Ver sobre esse assunto no Dicionário. O
livro de Lamentações é um triste pós-escrito ao livro de Jeremias, cujo
tema principal é o Cativeiro Babilônico (ver a respeito no Dicionário)
resultante da idolatria-adultério-apostasia de Judá. “O livro é um lembrete
de que o pecado, a despeito de todos os seus encantos e excitação, traz
consigo grande peso formado por tristezas, aflições, miséria, esterilidade
e dor” (CharlesH. Dyer, in loc.).
Pano de Fundo. Quanto ao material de um importante pano de fundo, ver a introdução
geral ao livro. A invasão babilônica ocorreu sob a forma de ondas. Não
houve uma invasão única, seguida pelo cativeiro. Ver Jer. 52.28,
onde discuto as três deportações. De 588 e 586 A. C., o exército
babilônico desgastou as defesas da cidade de Jerusalém. O Egito fez uma
tentativa inútil de ajudar Judá. A maior parte das cidades judaicas foi esmagada
(ver Jer. 34.6,7). Jerusalém, finalmente, ficou sozinha. Os ataques
contínuos minaram cs alicerces da sociedade. Mães famintas comeram os próprios
filhos (ver Lam. 2.20 e 4.10). Ironicamente, a idolatria entre os judeus
continuou a florescer, enquanto a população, desesperada, clamava ao
panteão de deuses em busca de livramento. A 18 de julho de 586 A. C., o cerco
da cidade chegou a um fim abrupto. As muralhas foram rompidas e o exército
babilônico entrou na cidade (II Reis 25.2-4). Zedequias e alguns poucos
elementos pertencentes à elite da sociedade judaica tentaram fugir, mas foram
capturados. Os príncipes foram mortos e os filhos de Zedequias foram
executados, enquanto ele foi forçado a contemplar a cena. Em seguida, ele
foi cegado e posto na prisão pelo resto de sua vida. Ver II Reis 25.4-7 e
Jer. 52.7-11. Jerusalém transformou-se em completa ruína, o templo foi
saqueado, os vasos sagrados foram levados para a Babilônia, e o que podia
queimar foi incendiado. Jer. 52 fornece-nos um sumário desses acontecimentos
terríveis.
Três resultados dessa destruição foram registrados aqui, neste primeiro versículo do
livro de Lamentações: 1. Jerusalém ficou quase inteiramente desabitada, 2.
A economia foi arruinada. Cf. Êxo. 22.22; Deu. 10.18; 24.19-21; 26.13; 27.19 e
Isa. 1.17. Jerusalém, reduzida à condição de órfã ou viúva, ficou desolada
e desesperada. 3. Não restou nenhuma estrutura social. A rainha (a cidade
de Jerusalém) tornou-se escrava. A Babilônia era a senhora e impôs taxas a
toda a vida e a toda a manifestação de vida dos poucos sobreviventes.
“O quadro inicial faz-nos lembrar da bem conhecida
representação de Judaea capta, uma mulher sentada debaixo de uma
palmeira, que aparece nas moedas de metal romanas que foram cunhadas
depois da destruição de Jerusalém. O poema de 22 versículos (capitulo 1)
está dividido em duas porções simétricas (1. vss. 1-11; 2. vss. 12-22)”
(Ellicott, in loc.).
Como jaz solitária. Essa é a postura dos que lamentam pelos mortos. Ver Lam. 2.10 e Esd,
9.3. Um sinal da aproximação ou do desenvolvimento de problemas mentais é
exatamente esse. A pessoa começa a sentar-se no chão, e não em uma cadeira
ou banco. Essa é a postura de uma mente desolada e perturbada.
1.2 Chora e chora de noite. A viúva, ali sentada em sua tristeza, chorou a noite inteira; as
lágrimas desciam pelas bochechas; todos os seus amantes (deuses falsos e
ex-aliados) a tinham abandonado; seus amigos haviam fugido; ela não
contava com simpatizantes nem com consoladores; ela tinha sido atraiçoada,
pois suas alianças com estrangeiros fracassaram; ex-amigos e aliados agora
eram inimigos. Os amantes e amigos eram aqueles “estados que
tinham apoiado Jerusalém em sua revolta contra a Babilônia” (ver Jer.
27.3; 37.5-8). Visto que Jerusalém foi personificada como uma mulher,
aquelas nações estrangeiras foram personificadas como amantes libertinos,
volúveis e passageiros (cf. o vs. 19)” (Theophile J. Meek, in loc.). O
termo amante traz à nossa mente o fato de que eia abandonou a
Yahweh e voltou-se para a idolatria, cometendo adultério espiritual.
Portanto, o crime de Judá foi idolatria-adultério-apostasia. O paganismo no
qual ela se envolveu promoveu a prostituição sagrada, o que explica a figura
da amante. “Os amantes eram nações como o Egito (ver Jer. 2.36), Moabe
e outras, com as quais Judá estivera em aliança, mas que agora se voltaram
contra ela (cf. Sal. 137.7; Eze. 25.3-6 e Jer. 40.14, como exemplos da
hostilidade dessas nações. Ver especialmente Lam. 4.21)” (Ellicott, in
loc.). Também estão em vista os ídolos”que ela amava mas que agora não
a consolavam (ver Jer. 2.20-25)” (Fausset, in loc.). Alguns de seus
anteriores aliados agora se juntaram traiçoeiramente a seus inimigos,
contra ela (ver II Reis 24.2,7).
1.3 Judá foi levada a exílio. Os poucos sobreviventes
judeus foram levados para a Babilônia. Houve três deportações distintas,
conforme comento em Jer. 52.28. Ver, no Dicionário, o verbete
chamado Cativeiro Babilônico. Note o leitor que aqui o sujeito é Judá,
e não apenas Jerusalém. O que ocorreu foi a morte de toda a nação. O país
também foi personificado como uma mulher. Eles tinham sido como uma rainha
entre as nações, que agora não passava de uma escrava. A calamidade dos
ataques do exército babilônico foi ampliada pelo cativeiro. O cativeiro
durou de 605 a 538 A. C., mais ou menos 70 anos (ver Jer. 25.11,12). Judá
foi submetida a trabalhos forçados naquela terra estrangeira, e os judeus
não mais tiveram descanso no corpo e na alma. Mas esse foi um processo de
purificação. Haveria um retorno a Jerusalém, permitido pelo decreto de Ciro, o
poder medo-persa que substituiu a Babilônia. Haveria um novo dia de
vitória e labor proveitoso, em favor de Yahweh e de suas instituições,
uma vez que a idolatria de Judá tivesse sido expurgada. Cf. este versículo
com Deu. 28.65,66 e ver no gráfico acompanhante os muitos paralelos que o
livro de Lamentações tem com o livro de Deuteronômio. Os cativos estavam
sob cerco, mesmo quando já derrotados e em cativeiro. Seus perseguidores
continuaram a desfechar ataques.
... a apanharam nas suas angústias. “Tendo-a caçado
como os homens caçam animais ferozes e levam-nos para lugares estreitos, os
babilônios a capturaram” (John Gill, in loc.). “A imagem de
roubadores que no Oriente interceptam os viajantes nas passagens estreitas das
áreas montanhosas” (Fausset, in loc.).
1.4 Os caminhos de Sião estão de luto. A personificação do país e da cidade
foi agora transferida para as estradas e portas de Sião, como se fossem
seres vivos. As estradas que conduziam a Sião estavam em lamentação. Houve
ocasião em que peregrinos tinham vindo às festas em Jerusalém, um grande
santuário religioso durante séculos. Mas agora as coisas estavam tranquilas. Nenhum
homem queria chegar perto do lugar. As portas da cidade foram demolidas e não
admitiam a entrada de peregrinos. O dia glorioso havia terminado. Os
poucos sacerdotes que não tinham sido mortos ou deportados sentavam-se na
cidade, gemendo. Não havia culto para ser celebrado. A idolatria de
Judá tinha desqualificado a casta sacerdotal. O próprio templo tinha sido
transformado em um montão de ruínas, incendiado e agora jazia desolado (vs. 10;
ver também Jer. 50.28; 51.11). Antes as virgens acompanhavam as
festividades, provendo cânticos e danças para alegrar a atmosfera. Ver
Êxo. 15.20; Sal. 68.25; Juí. 21.19; Jer. 31.13. As virgens, como uma
classe, tinham sido deportadas e agora povoavam os haréns dos ricos e poderosos
da Babilônia. Nada restara que as encorajasse a cantar e dançar. O
regozijo tinha morrido. Aquelas jovens mulheres tinham sido “arrastadas”
(Revised Standard Version), algo terrível de ser contemplado.
1.5 Os seus adversários triunfam. Os inimigos de Judá tornaram-se seus senhores. Muitos
sobreviventes judeus tornaram-se escravos e foram submetidos a trabalho árduo.
As mulheres seletas tornaram-se escravas do sexo; as outras foram
obrigados a trabalhar arduamente nas casas das damas da Babilônia. Tudo
isso aconteceu porque Yahweh estava vingando-se da
idolatria-adultério-apostasia de Judá. A Lei Moral da Colheita segundo a
Semeadura (ver a respeito no Dicionário) estava fazendo sua
cobrança. Havia muitos pecados para punir, e muita corrupção precisava
ser removida do povo. É Yahweh quem controla as atividades dos homens, e é
Ele quem intervém com Sua providência negativa e com Sua providência positiva.
Ver no Dicionário o artigo chamado Providência de Deus. O teísmo
bíblico (ver o artigo a respeito) ensina que o Criador continua presente em Sua
criação, intervindo, recompensando e castigando. O deísmo, em contraste,
ensina que a força criadora (pessoal ou impessoal) abandonou sua criação ao
cuidado das leis naturais. Entrementes, a Babilônia estava voando alto às
expensas da miséria das nações que ela havia destruído. A especialidade da
Babilônia era o genocídio. O poder medo-persa, entretanto, tinha em
reserva um dia de prestação de conta para a Babilônia. Cf. este versículo
com Deu. 28.13,44. Quanto aos muitos paralelos entre o livro de
Deuteronômio e o livro de Lamentações, ver o gráfico acompanhante.
1.6 Da filha de Sião já se passou todo o seu esplendor. A filha de Sião (ver
sobre esse titulo no Dicionário) aponta para a cidade de
Jerusalém. Cf. Lam. 2.1,2. Era um comum costume antigo personificar países
e cidades como se fossem mulheres. Ver também Lam. 2.4,8,10,13,18 e 4.22.
Algumas vezes, essa personificação se dá como “filha de Sião” e, outras,
como “filha de Jerusalém”. Essa mulher sofreu um estupro tanto figurado
quanto literal. Ver no Dicionário o verbete intitulado Sião.
Essa palavra nos faz lembrar do aspecto espiritual de Jerusalém,
que era o local do templo e seu culto a Yahweh. Alguns judeus pensavam que
Jerusalém era invencível por causa de seu templo e seu culto (ver Jer.
7.2-15; 26.2-11), mas a apostasia a deixara vulnerável. Ver Jer. 50.28;
51.11. Uma vingança especial finalmente ocorreria contra aquela nação (a
Babilônia), que ousara arrasar a cidade e o templo de Yahweh.
A Metáfora do Animal Feroz. Os poucos líderes judeus que tinham sobrevivido aos
ataques dos babilônios eram como animais que fugiam do caçador. Eles não tinham
lugar para parar, comer ou beber. Estavam exaustos e atemorizados. Esta parte
do versículo provavelmente é uma referência à fuga de Zedequias, na
companhia de alguns elementos da elite judaica (ver II Reis 25.5; Jer.
39.5). Os perseguidores não permitiram que eles chegassem muito longe.
Zedequias foi forçado a contemplar a execução dos próprios filhos. Ato
continuo, ele foi cegado e lançado na prisão pelo resto de seus dias. Os
príncipes judeus foram executados em Ribla (ver Jer. 52.10,11).
1.7 Agora nos dias da sua aflição e do seu desterro. “Como se o trauma físico não
bastasse, a angústia mental também assediava os habitantes de Jerusalém. O
povo dessa cidade lembrava todos os tesouros que lhe pertenciam, nos dias
antigos. Seu presente estado de ruína e ridículo contrastava fortemente com sua
glória anterior — e Jerusalém se consolava ao lembrar o que antes lhe
pertencera. Tendo caído nas mãos de seus inimigos (vss. 2,3 e 5,6), ela se
tornou motivo de risos” (Charles H. Dyer, in loc.). “Ela estava sofrendo
e sem pátria. Relembrava todas as coisas preciosas que possuía no
passado. Lembrava como o seu povo tinha sido derrotado pelo inimigo. Não
havia quem a ajudasse. Quando seus inimigos a viam, eles se riam de vê-la
arruinada” (NCV).
Fizeram escárnio da sua queda. Outra tradução diz “fizeram escárnio de seus sábados”.
Se essa tradução está certa, então devemos lembrar que as nações pagãs se
riam do povo de Israel por guardar o sábado, o sinal do pacto mosaico
(comentado na introdução a Êxo. 19). Alguns estudiosos supõem que a razão
pela qual o cativeiro babilônico durou 70 anos fosse que, durante 490
anos, Israel negligenciou a guarda do sábado da terra, que ocorria a cada
sete anos. Portanto, divida-se 490 por 7, e o resultado será de 70 sábados
anuais negligenciados. Os pagãos, pois, zombavam de Judá, na Babilônia,
enquanto descontavam 70 anos sabáticos. A versão siríaca diz “ruína” em
vez de “sábados”, e alguns supõem que assim dizia o texto original dos
manuscritos hebraicos, antes do aparecimento do texto massorético. Ver no Dicionário
o artigo Massora (Massorah); Texto Massorético.
Algumas vezes, as versões (mormente a Septuaginta)
preservam um texto mais antigo do que o do texto massorético, o texto hebraico
padronizado. Os Papiros do Mar Morto (que representam um texto hebraico
mais antigo do que o texto massorético) confirmam esse fenômeno. Parece
que 5% do texto massorético estão defeituosos, e suas deficiências algumas
vezes podem ser corrigidas mediante a comparação das versões. Devemos lembrar
que essa porcentagem foi traduzida de manuscritos hebraicos. De fato, é
digno de nota que os manuscritos existentes da Septuaginta são cerca de
500 anos mais antigos que os manuscritos hebraicos sobre os quais estão
estribados os manuscritos pertencentes ao texto massorético. Os
manuscritos hebraicos dos Papiros do Mar Morto algumas vezes dão apoio à
Septuaginta, e não aos textos hebraicos padronizados. Ocasionalmente, dão apoio
à Vulgata, ao siríaco e a outras versões contra o texto massorético,
quando esses manuscritos não contam com o apoio da Septuaginta. Algumas
vezes, as versões, de modo geral, concordam contra o texto
massorético. Portanto, esse texto não pode ser equiparado ao original
hebraico. Mas os intérpretes preguiçosos com frequência fazem essa equação.
1.8 Jerusalém pecou gravemente. Jerusalém, a cidade prostituta, teve sua nudez
revelada perante os olhos do mundo inteiro e caiu em desgraça total. Seus
amantes a abandonaram (vs. 2). Os severos julgamentos de Yahweh revelaram
o que ela realmente era: uma mulher idólatra-adúltera-apóstata. A
adúltera, pois, fazia seus olhos voltar-se para longe dos olhares que a
rodeavam, vendo-a sofrer as agonias de seu castigo. Estando poluída por
seus pecados, ela tinha sido rejeitada da congregação de Deus como se fosse
uma coisa imunda. Ver no Dicionário o artigo chamado Limpo e
Imundo. O Targum refere-se correta e especificamente aqui à idolatria
como o pecado cardeal de Jerusalém. O hebraico diz, literalmente, “pecou
um pecado”, que é uma construção gramatical enfática. A mulher adúltera
virou a cabeça para outro lado e afastou-se, envergonhada. Cf. Isa. 42.17.
1.9 A sua imundícia está nas suas saias. “O quadro da polução é levado ao mais nojento
extremo. A própria saia da mulher estava contaminada” (Ellicott, in loc.),
visto que ela estava poluindo as próprias roupas. A mulher estava
tão imunda que contaminava as próprias vestes! A corrupção dela chegava
até os pés, a extremidade inferior de sua saia. “... a terra
estava contaminada peia pecaminosidade dela, até suas fronteiras mais
longínquas” (Adam Clarke, in loc.). “A alusão é a uma mulher
menstruada... cujo sangue desce saia abaixo” (John Gill, in loc.).
Nada existe de extremadamente pudico na Bíblia! O Targum afirma que o
sangue da mulher não fora limpo porque ela não se tinha arrependido.
O estado de imundícia dela atraiu cães babilônios que
vieram lamber-lhe o sangue, ou seja, reduzi-la a nada pelo assassinato e pelo
saque. E não houve consolador. Nenhum aliado saiu em seu socorro, mas a
deixaram exposta à violência. Ela clamou para que Yahweh observasse sua
deplorável situação e a ajudasse, mas Ele ignorou aqueles apelos. Ela não
pensou na condenação que atinge tais pessoas, pelo que nada fez para
evitar a calamidade.
Lembra-te, pois, de onde caíste, arrepende-te e
volta...
(Apocalipse 2.5)
1.10 Estendeu o adversário a sua mão. O inimigo não parou diante do saque ordinário. Ele
estendeu a mão contra as “coisas preciosas”, isto é, contra os tesouros e
vasos do templo, que eram sagrados para as tradições hebreias. O santuário
foi invadido, saqueado, arrebentado, e o que podia queimar foi incendiado (ver
Jer. 52.13). O povo tinha confiado tolamente do templo de Jerusalém como
proteção, como se a sua presença os tornasse invencíveis. Ver Jer. 7.2-15; 26.2-11.
O templo não era nenhum talismã gigantesco nem um encanto de boa sorte.
Mostrou ser extremamente vulnerável à violação da parte de estrangeiros, uma
vez que Judá tinha apostatado. Pedras em nada protegiam o povo. A
desobediência atraiu a destruição. A iei de Moisés não permitia que
estrangeiros (não-convertidos) tivessem acesso ao templo (ver Deu. 23.1-3), mas
a violação da lei quebrou o poder dessa proibição. Israel tinha sido feita
nação distintiva, separada das nações, mediante a possessão e prática da
lei mosaica (ver Deu. 4.4-8), mas quando, por causa da idolatria, perdeu
sua distinção, também atraiu severo julgamento divino.
Ver II Crô. 36.10,19 quanto à preciosidade do templo
e de seus vasos. A profanação arruinou a preciosidade da fé, primeiramente a
deles, e depois a dos babilônios pagãos.
1.11 Todo o seu povo anda gemendo. A terrível tríade da guerra, a saber, espada,
fome e pestilência, tomou conta de Jerusalém. Essa combinação é comum no
livro de Jeremias. Quanto a alguns poucos exemplos, ver Jr 5.12; 14.12;
16.4; 32.24 ; 42.17. O potencial agrícola foi destruído, juntamente com
a maior parte dos agricultores. As pessoas andavam à cata do pão, a fim
de escapar da fome e da morte. Os que tinham alguma possessão depois
do temível saque efetuado pelo exército babilõnico agora davam essas
possessões em troca de alimentos. Algumas mulheres chegaram a comer os
próprios filhos (ver Lam. 2.20; 4.10). Desprezada pelos homens e por Deus,
Jerusalém foi deixada a sofrer sua horrível sorte. Cf. Jer 37.21;
38.9; II Reis 6.25. Ver também Lam. 1.1; 2.20 ; 4,10.
Tudo quanto o homem tem dará pela sua vida.
(Jó 2.4)
1.12 Não vos comove isto...? Jerusalém, em sua angústia, teve uma tristeza singular, Era Yahweh
quem a estava afligindo, por causa da apostasia. A Lei Moral da
Colheita segundo a Semeadura estava em plena operação. Ver sobre esse
titulo no Dicionário. Mas os que passavam e viam sua aflição
mostravam-se indiferentes. Não havia simpatia nem consolo algum.
“Os vss. 12-19 contêm a chamada de Jerusalém àqueles
que passassem por perto e porventura parassem para observar sua condição. Em
primeiro lugar, ela enfocava sua atenção sobre o julgamento divino que lhe
tinha sobrevindo (vss. 12-17); então ela explicava que o julgamento fora
merecido, por causa do pecado ” (vss. 18 e 19)” (Charles H. Dyer, in
loc.). Os apelos por simpatia da parte de outros eram baldados.
Dwight L. Moody tomou uma visão severa da operação da
lei da colheita segundo a semeadura, conforme dado pela seguinte ilustração: “Nunca
esqueças que aquilo que um homem semear, isso também ele colherá...
Você pergunta: ‘Se eu me arrepender e Deus me perdoar, então terei de
colher?’. Sim, você terá de colher. Coisa alguma pode mudar essa lei...
Surpreso, você poderá dizer: ‘Nesse caso, de que adianta me arrepender?’.
Ah, nesse caso Deus o ajudará no trabalho árduo da colheita”.
Naturalmente, temos exemplos bíblicos de arrependimento que fazem cessar a
colheita, como no caso de Nínive. Mas isso não deve diminuir para nós a
seriedade da lei. Ver Gál. 6.7,8.
1.13 Lá do alto enviou fogo a meus ossos. As chamas
do julgamento de Yahweh entraram nos ossos do povo de Israel,
personificado pela mulher. Os ossos com frequência falam da pessoa
inteira, pois o corpo todo depende dos ossos. Ver as notas expositivas em
Sal. 102.3. O fogo é uma figura de castigo severo. Então outra figura é
usada, a do caçador. A dama impotente teve os pés apanhados em uma rede.
Ela se tornou como um animal selvagem que estivesse sendo caçado, levado à
beira da impotência e da morte, Ela se tornou desolada, “triste e
solitária e fraca o dia todo” (NCV). Redes eram usadas para capturar uma
variedade de animais (aves, Pro. 1.17; peixes, Eclesiastes
9.12; antílopes, Isa, 51.20). Embora aparentemente sejam frágeis, as redes
prendiam o animal e o deixavam impotente. A rede de Yahweh deixara
Jerusalém em estado de desespero e impotência. Cf. Eze. 12.13 e Osé. 7.12.
“A palavra desolada subentende, como no caso
de Tamar (ver II Sam. 13.20), total e impotente miséria” (Ellicott, in
loc.).
1.14 O jugo das minhas transgressões. As transgressões de Jerusalém tornaram-se
um jugo pesadíssimo posto sobre o seu pescoço. O jugo temível a imobilizara;
suas forças tinham fracassado, Nesse condição debilitada, ela foi entregue
às mãos da assassina Babilônia, pelo que calamidade se seguia
a calamidade. Mas tudo começou com o jugo pesado do pecado. Foi
Yahweh quem atou todos os pecados de Jerusalém para formar o jugo. Mas a
própria Jerusalém tinha suprido a matéria-prima. Cf. este versículo com
Deu. 28.48. ”Uma metáfora do agricultor que, depois de ter atado o jugo ao
pescoço do boi, segura as rédeas firmemente em torno da mão” (Fausset, in
loc.). O jugo era empregado para obrigar os animais a puxar uma carga
pesada. Era tudo uma disciplina para obrigar ao trabalho. A disciplina
de Yahweh obrigou Jerusalém a sofrer por suas inúmeras transgressões. Mas
as disciplinas de Deus são remediais e não meramente retributivas, ou
seja, contêm si mesmas as sementes da restauração. Ver sobre I Ped. 4.6 no Novo
Testamento Interpretado. Os pecados de um homem deixam-no cego,
limitando-o e pervertendo-o. Mas há um poder que liberta o homem disso e,
por muitas vezes, só o julgamento divino mostra-se eficaz.
Note o leitor, neste versículo, que o termo Senhor
é tradução do hebraico Adonai, e não do mais usual Yahweh.
Isso ocorre 13 vezes no livro de Lamentações, mas não vejo nada de
especial nessa substituição. Ver no Dicionário o artigo Deus, Nomes
Bíblicos de.
Quando Jerusalém foi libertada dos efeitos do jugo do
pecado, isso ocorreu por um ato de Deus através do decreto misericordioso de
Ciro, que permitiu a volta dos judeus a Jerusalém.
1.15 O Senhor dispersou todos os meus valentes. O
pecado tinha feito sua obra temível. Judá contava com muitos jovens fortes,
aptos para o serviço militar. No entanto, eles se dissolveram ante o
ataque do exército babilônico. Adonai foi o agente desse
acontecimento, pois é Ele quem controla o que sucede entre os homens. Isso
reflete o teismo (ver no Dicionário) bíblico.
Adonai esmagou
sob os pés os jovens, pois eles representavam a mulher pecaminosa, Jerusalém, e
sua causa não era justa. Ele chamou Seu ajuntamento (o exército
babilônico) e disse-lhe o que fazer. Portanto, esse exército esmagou
os jovens. Mas o verdadeiro esmagador foi o próprio Senhor.
Judá, aqui chamado de “a virgem filha”, foi pisado como uvas no lagar. A
jovem foi violentada. “Uvas colhidas foram postas em um lagar e pisadas
aos pés até que o suco escorreu para uma valeta contígua. Esse ato foi
associado à ideia de uma completa destruição. Cf. Isa. 63.1-6; Joel
3.12-15; Apo. 14.17-20” (Charles H. Dyer, in loc.). Quanto ao
título “virgem filha de Judá”, cf. Lam. 2.2,5.
“A figura é horrenda. O vinho do banquete era o
sangue espremido dos corpos humanos, concebidos como uvas (cf. Isa. 63.3)”
(Theophile J. Meek, in loc.).
1.16 Por estas
cousas choro eu. As horrendas condições que acabam de ser
descritas dizem por que a jovem se debulhou em lágrimas, por que
seus olhos não paravam de lacrimejar; ela tinha perdido a coragem, pois
nenhum homem a ajudou ou consolou, e certamente Yahweh não agiu
assim. Seus filhos (os poucos que sobreviveram) foram deixados
desolados, em busca de um pedaço de pão que lhes sustivesse a vida (vs.
11), Embora Judá tenha sido chamado de povo de Deus, contudo foi o inimigo
que prevaleceu, e isso por causa do decreto de juízo de Yahweh contra Seu
próprio povo. Cf. este versículo com a figura da viuva chorosa, no
vs. 1. Ver o vs. 9 quanto ao fato de que não havia ajudador ou consolador.
“Desolação” é a palavra-chave neste caso. “... miséria sem igual se
manifestou em um dilúvio de lágrimas amargas. Note-se a ênfase da
reiteração, meus olhos, meus olhos” (Ellicott, in loc.). Ver
também Lam. 4.18, onde encontramos um uso similar, o nosso fim... o nosso
fim.
Oh, a miséria que o meu pecado me tem causado,
Nada tenho conhecido senão dor e tristeza.
Agora busco tua graça salvadora e misericórdia.
Estou indo para casa.
(A. H. Ackley)
1.17 Estende Sião as mãos. Jerusalém torna a apelar para
algum passante que poderia parar e ajudar. Cf. o vs. 12, que é similar. Aqui
Jerusalém é chamada de “Sião”, o lugar do santuário e do templo, que não mais
existia. As antigas instituições religiosas foram primeiramente deixadas
em ruinas no coração do povo, e então os objetos físicos do culto foram
reduzidos a um montão de destroços. Sião não tinha mais poder para excitar
a simpatia de outros. A glória do Senhor se afastou daquele lugar. Seus
amigos (aliados) tornaram-se adversários e riram-se de suas aflições. Jacó jazia
no solo, agonizante, e quem poderia importar-se? Note os nomes, cada qual
com seu significado: Sião, Jerusalém, Jacó. Eram nomes sagrados dados a
Israel e a Jerusalém. Mas agora os judeus eram um povo sem nome, que se
tornou uma coisa imunda, como uma mulher menstruada. Cf. o vs. 9 quanto à
figura. A palavra hebraica para “imundo”, nidah, refere-se à
impureza cerimonial vinculada à menstruação (cf. Lev. 15.19,20; Eze.
18.6). Ver no Dicionário o verbete Limpo e Imundo. Os amigos
tornaram-se inimigos; e os amantes e ex-aliados, além do próprio
Deus, mantinham-se distantes da mulher.
1.18,19 Justo é o Senhor. Os ex-amantes mostraram-se
enganadores e infiéis, abandonando a pobre dama (vs. 19). Mas ela merecia toda
a consternação que estava sofrendo (vs. 18) e mostrou-se sensível o bastante
para reconhecer isso. Sua santidade estava sendo vindicada no merecido
julgamento contra a iniquidade. A lei mosaica tinha sido violada; seus
mandamentos tinham sido todos quebrados. Jerusalém fora despedaçada pelo
malho do exército pagão, e as poucas virgens sobreviventes foram enviadas
ao cativeiro para aumentar os haréns dos ricos e poderosos babilônios. Os
jovens judeus foram enviados ao cativeiro para servir como escravos. Em
vão foi que a impotente dama pediu socorro a seus ex-amantes. Mas eles não
tinham mais tempo para ela. Havia melhores companhias que ela. Quanto à
figura do amante, ver o vs. 2.
Quando uma mulher adorável se baixa para a loucura,
E descobre, tarde demais, que os homens traem,
Que encanto pode suavizar sua melancolia?
Que arte pode lavar a sua culpa?
(Oliver Goldssmith)
Uma mulher chorando por seu amante demônio!
(Samuel Taylor Coleridge)
Todos os teus amantes se esqueceram de ti...
(Jeremias 30.14)
1.20 Olha, Senhor. A entristecida dama apelou, em
primeiro lugar, aos que passassem, para que notassem sua miséria e lhe
prestassem ajuda e consolação (vss, 12-19). Agora, porém, ela se voltava para
Yahweh, em busca de simpatia. Afinal, Ele era a causa do julgamento,
embora ela tivesse provocado isso por seus múltiplos pecados (vs. 18). Ela
nada pleiteou senão sua grande necessidade, e esperava que o imenso amor
de Deus fizesse uma diferença em sua miserável condição. Mas o amor já
estava operando através do julgamento, pois o juízo é um dedo da amorosa mão de
Deus. Deus não é o sádico supremo que causa sofrimentos meramente porque
isso Lhe agrada. Os sofrimentos têm efeito benéfico quando recebidos da maneira
correta. Nas ruas, a espada colhia muitas almas. Haveria poucos
sobreviventes. No coração da mulher havia angústia, porque esse
coração estava atingido pela tristeza. Tudo isso porque ela se mostrara rebelde
ao promover sua idolatria-adultério-apostasia.
Estou angustiada. Diz o hebraico, literalmente, “minhas entranhas estão perturbadas”. Cf.
Jó 30.27; Isa. 16.11; Jer. 4.18 e 31.20. A aflição mental tem pronunciados
efeitos sobre o coração e os intestinos, o que explica a expressão no
original hebraico.
O coração da dama “estava agoniado dentro dela”,
preparando-se para um ataque de coração, palpitante de angústia. Cf. Osé. 11.8,
que diz algo similar. Se a espada continuava a matar “lá fora”, a morte
estava ativa nas casas. Cf. Deu. 32.25 e Eze. 7.15. A fome e a peste
colhiam suas vitimas em leitos de morte.
A morte avança e abre sua garganta hedionda para devorar
as pessoas.
(Silius Italicus, II. 548)
Diz o Targum: “Por dentro, a fome mata como o anjo
destruidor, nomeado sobre a morte”.
1.21 Ouvem que eu suspiro. As declarações sobre lamentações são repetidas, como já seria de
esperar. Já vimos os gemidos da dama aflita (vs. 8), e isso foi expresso
de forma poética (vs. 20). Vimos que não havia consolador (vs. 17).
A isso adicione-se o fato de que os inimigos da mulher estavam alegres
diante de suas calamidades. Agora ela clama por vingança contra seus ex-amigos,
aliados e inimigos, para que eles caíssem no mesmo tipo de juízo que ela
estava sofrendo, porquanto, por certo, eles mereciam tai sorte, tanto
quanto acontecia com ela. Ela queria companhia em sua miséria. “O dia” referido
neste versículo não é o dia escatológico do Senhor, mas um dia de
julgamento específico profetizado para a punição de cada uma das nações em
vista. Alguns intérpretes insistem nesse dia distante de prestação de
conta por parte de todas as nações, mas isso é ver demais no texto. Jer.
48 e 49 dão profecias específicas de condenação para as nações envolvidas
no cativeiro de Judá na Babilônia. A maioria delas também foi para o
cativeiro. Cf. este versículo com Jer. 48.27, onde Israel aparece como
objeto de escárnio. Jer. 50 e 51 dão uma coletânea de
oráculos contra a Babilônia.
1.22 Venha toda a sua iniquidade. A Lei da Colheita segundo a Semeadura (ver no Dicionário)
tinha atuado dura mas justamente com Judá. E a mulher agora implorava a
mesma coisa para seus inimigos, o que expande as ideias dadas no vs. 21.
Nos Salmos, temos muitos exemplos de imprecações, principalmente nos salmos de
lamentação. Há 18 classes (ou tipos) de salmos, e esse tipo é de longe o
mais numeroso. Ver no início do livro de Salmos o gráfico que revela os
tipos diferentes e lista os salmos pertencentes a cada tipo.
Esse sentimento não está em concordância com a moralidade mais elevada do
Novo Testamento (ver Rom. 12.19), nem com as palavras de Jesus de “orar
pelos inimigos” (ver Mat. 5.44). Mas poucas pessoas, até no seio da igreja
atual, aproximam-se do ideal ensinado por Jesus. A maioria sente prazer
em ver sofrer alguém que lhe fez sofrer antes. É um exagero do texto ver o
juízo desejado aqui como a Grande Tribulação dos últimos dias. Cf. este
versículo com Isa. 62.8-63.6; Jer. 51; Oba. 15-21; Zac. 14.1-9 e Mat.
25.31.46. Cf. também Sal. 69; 99; 137 e Jer. 18.21-23. Judá estava no
lagar divino (vs. 15), e era ali que a dama aflita queria ver as outras
nações.