Significado de Gênesis 1
Gênesis 1
Gênesis 1 é a abertura não apenas do Pentateuco, mas de toda a Escritura. O capítulo apresenta a doutrina da criação ex nihilo — Deus criando todas as coisas por sua Palavra soberana — e estabelece a cosmovisão bíblica: o universo é ordenado, bom e dependente de seu Criador. Trata-se de um texto que não pretende ser apenas uma descrição cosmológica, mas uma afirmação teológica, litúrgica e, sobretudo, uma declaração sobre a soberania absoluta de Deus sobre o cosmos. Este primeiro capítulo do Gênesis contrapõe-se deliberadamente às cosmogonias do Antigo Oriente Próximo (como Enuma Elish ou o Mito de Atrahasis), não por meio de um debate científico, mas através de uma proclamação teológica do Deus único, que cria pelo poder de sua Palavra.
O capítulo inaugura temas que ecoarão em toda a Escritura: luz e trevas, ordem e caos, vida e esterilidade, bênção e maldição, descanso e trabalho. Nele estão codificadas as bases para a doutrina da criação, da providência, da ecologia bíblica, da teologia do sábado e da dignidade humana como portador da imagem de Deus.
Estrutura e Estilo Literário
Gênesis 1 se organiza em uma estrutura altamente ordenada, marcada por paralelismos, repetições rítmicas e simetria narrativa:
Prólogo cosmogônico (v. 1): “No princípio criou Deus os céus e a terra” funciona como uma superscrição solene. A forma breve e austera desta abertura segue o padrão dos começos majestosos da literatura bíblica, como em Salmo 24:1 – “לַיהוָה הָאָרֶץ וּמְלוֹאָהּ” (la-YHWH haʾāreṣ ûməlōʾāh – “Do Senhor é a terra e a sua plenitude”).
Estado caótico e primeiro ato de ordenação (v. 2): A descrição de “תֹּהוּ וָבֹהוּ” (tōhû wāḇōhû – “sem forma e vazia”) ecoa fórmulas proféticas para destruição e desolação, como em Jeremias 4:23. O uso de expressões como “וְחֹשֶׁךְ” (wəḥōšeḵ – “trevas”) e “תְּהוֹם” (təhôm – “abismo”) carrega forte carga semântica associada ao caos primitivo na literatura do Antigo Oriente.
Seis dias de criação (vv. 3–31): Organizados em dois triádicos paralelos:
Dias 1–3: criação de espaços e domínios (luz/trevas, céus, terra e mares, vegetação);
Dias 4–6: preenchimento desses domínios (luminares, aves e peixes, animais terrestres e, finalmente, o ser humano).
A estrutura é fortemente marcada por fórmulas repetitivas: “E disse Deus...”, “E viu Deus que era bom...”, “E foi a tarde e a manhã, o dia...”. Essa repetição não é mera redundância, mas um recurso estilístico típico da poesia hebraica, especialmente dos Salmos (cf. Salmo 136 – “כִּי לְעוֹלָם חַסְדּוֹ” ki leʿolam ḥasdô – “porque a sua misericórdia dura para sempre”).
Climax na criação do ser humano (vv. 26–28): Aqui o estilo muda significativamente. O discurso direto intra-divino (“Façamos o ser humano...”) possui paralelos em Isaías 6:8 – “אֶת־מִי אֶשְׁלַח וּמִי יֵלֶךְ־לָנוּ” (ʾeṯ-mî ʾešlaḥ ûmî yēlek-lānû – “A quem enviarei, e quem irá por nós?”). A elevação do texto em paralelismo poético na declaração de que o ser humano é feito “à imagem e semelhança” de Deus reflete uma quebra proposital no ritmo, para marcar a dignidade singular da humanidade.
Conclusão e preparação para o descanso (2:1–3): A conclusão destaca o descanso divino no sétimo dia, instituindo o padrão sabático. A fórmula se aproxima dos hinos de entronização e descanso no Antigo Oriente, mas aqui completamente desmitologizada.
O estilo geral combina prosa elevada, fórmula litúrgica e poesia embutida. O paralelismo, a métrica e a simetria são ferramentas estruturantes que refletem o pensamento semítico, especialmente das tradições sacerdotais.
Hebraico e a LXX
O versículo 1 — בְּרֵאשִׁית בָּרָא אֱלֹהִים (berēʾšît bārāʾ ʾĕlōhîm, “No princípio criou Deus”) — é vertido na LXX como ἐν ἀρχῇ ἐποίησεν ὁ Θεός (en archē epoiēsen ho Theos). A tradução preserva a ordem sintática do hebraico, começando com o ablativo de tempo ἐν ἀρχῇ (en archē, “no princípio”), correspondente diretamente a בְּרֵאשִׁית (berēʾšît). Contudo, enquanto o hebraico utiliza בָּרָא (bārāʾ) — verbo técnico e teológico que no Antigo Testamento aparece exclusivamente com Deus como sujeito, sempre denotando criação ex nihilo ou por decreto soberano —, a LXX emprega ἐποίησεν (epoiēsen, “fez”), termo mais genérico, mas que, no contexto bíblico, assume valor ontológico equivalente, sem as conotações de trabalho manual ou artesanal típicas das cosmogonias pagãs.
O versículo 2, na expressão descritiva do estado primordial — וְהָאָרֶץ הָיְתָה תֹהוּ וָבֹהוּ (wəhāʾāreṣ hāyəṯāh tōhû wāḇōhû, “E a terra era sem forma e vazia”) —, é traduzido na LXX como ἡ δὲ γῆ ἦν ἀόρατος καὶ ἀκατασκεύαστος (hē de gē ēn aoratos kai akataskueastos, “E a terra era invisível e não organizada”). O hebraico תֹּהוּ וָבֹהוּ (tōhû wāḇōhû) é uma expressão técnica, usada para indicar desordem, vazio cósmico ou caos funcional (cf. Isaías 34:11; Jeremias 4:23). A LXX expande semanticamente com ἀόρατος (aoratos, “invisível”) e ἀκατασκεύαστος (akataskueastos, “não formado, não preparado”), sugerindo não apenas ausência de forma física, mas também ausência de realidade perceptível e organizacional, dando ao caos uma dimensão metafísica.
No mesmo versículo, a frase — וְרוּחַ אֱלֹהִים מְרַחֶפֶת עַל־פְּנֵי הַמָּיִם (wərûaḥ ʾĕlōhîm məraḥep̄eṯ ʿal-pənê hammāyim, “e o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas”) — é traduzida como καὶ πνεῦμα Θεοῦ ἐπεφέρετο ἐπάνω τοῦ ὕδατος (kai pneuma Theou epephereto epanō tou hydatos). O hebraico רוּחַ (rûaḥ), semanticamente amplo (vento, sopro, espírito), é traduzido por πνεῦμα (pneuma), que mantém exatamente essa polissemia no grego bíblico. O verbo מְרַחֶפֶת (məraḥep̄eṯ, “pairava, tremulava”) aparece apenas aqui e em Deuteronômio 32:11, denotando movimento oscilante, cuidado ou proteção — traduzido na LXX por ἐπεφέρετο (epephereto, “movia-se sobre”), que mantém a ideia dinâmica de deslocamento sobre uma superfície, preservando a imagem de ação contínua e intencional.
O padrão de criação por decreto verbal, recorrente ao longo do capítulo, aparece pela primeira vez no versículo 3 — וַיֹּאמֶר אֱלֹהִים (wayyōmer ʾĕlōhîm, “E disse Deus”) — que a LXX traduz como καὶ εἶπεν ὁ Θεός (kai eipen ho Theos). A escolha de εἶπεν (eipen, “disse”) não é apenas formalmente equivalente, mas carrega, no koiné bíblico, associações com atos performativos, legais e oraculares, reforçando a teologia da criação por meio da palavra eficaz, exatamente como no hebraico.
No versículo 26, na fórmula criacional do ser humano — בְּצַלְמֵנוּ כִּדְמוּתֵנוּ (bəṣalmēnû kidmûtēnû, “à nossa imagem, conforme a nossa semelhança”) —, a LXX traduz como κατ᾽ εἰκόνα ἡμετέραν καὶ καθ᾽ ὁμοίωσιν (kat’ eikona hēmeteran kai kath’ homoiōsin). A tradução preserva rigorosamente a distinção semântica entre צֶלֶם (ṣelem, “imagem concreta, representação visível”) e דְּמוּת (dəmût, “semelhança, qualidade, modelo”), representando-os por εἰκόνα (eikona, “imagem”) e ὁμοίωσιν (homoiōsin, “semelhança”). A LXX reflete, assim, uma hermenêutica que reconhece a diferença entre representação ontológica (imagem) e correspondência ética ou funcional (semelhança), distinção fundamental para os debates patrísticos posteriores sobre a antropologia teológica.
Versículo-Chave
Gênesis 1:27 – “E criou Deus o ser humano à sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou.”
Este versículo encapsula não apenas o clímax do capítulo, mas também o coração da antropologia bíblica. É a teologia da dignidade humana, da sexualidade binária ordenada, da vocação representacional do homem e da mulher como vice-regentes do Criador.
Intertextualidade com o Antigo e o Novo Testamento
Gênesis 1 fundamenta praticamente toda a teologia bíblica posterior. O motivo da criação pela palavra reverbera nos Salmos (Salmo 33:6 – “בִּדְבַר יְהוָה שָׁמַיִם נַעֲשׂוּ” – bidəḇar YHWH šāmayim naʿăśû, “Pela palavra do Senhor foram feitos os céus”) e na tradição profética, especialmente Isaías 40–55, onde Deus é afirmado como Criador contra os ídolos (Isaías 45:18).
No Novo Testamento, a teologia joanina abre com um eco direto de Gênesis 1: “Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος” (en archē ēn ho logos, João 1:1). Paulo retoma Gênesis 1:27 em Colossenses 1:15 (“Ele é a imagem do Deus invisível”) e Efésios 4:24 (“criado segundo Deus, em justiça e santidade da verdade”). A criação da luz (Gn 1:3) é retomada em 2 Coríntios 4:6 – “Porque Deus que disse: Das trevas resplandecerá a luz...” – aplicando-a à iluminação espiritual em Cristo.
Cristologicamente, Cristo é o agente da criação (Jo 1:3; Cl 1:16) e a nova criação (2 Co 5:17; Ap 21:5) é moldada segundo o padrão de Gênesis 1.
Lição Teológica Geral
Gênesis 1 proclama que o universo não é fruto do acaso nem de conflito, mas de um decreto soberano, pessoal e bom. A criação é essencialmente boa, refletindo a natureza do Criador. O ser humano é dotado de dignidade inalienável, como portador da imagem divina, e de uma vocação: refletir, representar e administrar a criação sob o senhorio de Deus.
Teologicamente, o capítulo estabelece as bases para toda ética bíblica, para a doutrina da providência, para a teologia do sábado, da mordomia da criação e da dignidade humana. A intersecção com o Novo Testamento revela que a nova criação em Cristo não é um rompimento com a criação original, mas sua consumação redentora.
Comentário de Gênesis 1
Gênesis 1:1 E no princípio [hb. bereshit] é uma expressão que pode ser parafraseada da seguinte forma: “Aqui está a história da criação dos céus e da terra por Deus”. Já em João 1:1, no princípio remonta a um tempo [eterno] que antecede a criação. Mas nenhuma informação é dada sobre o que aconteceu antes dessa época. E possível que a ascensão, a rebelião e o julgamento de Satanás tenham ocorrido antes desses eventos. No capítulo 3, o adversário já havia sido expulso do céu, pois ele tenta Eva na forma de uma serpente. Em Gênesis 6.1-4, há menção de filhos de Deus que se envolvem com as filhas de homens-, uma possível referência a anjos caídos. Além disso, em Gênesis 3.24, são mencionados querubins; logo, os anjos já existiam [antes da criação da terra e do ser humano - ver Jó 38.4-7]. No capítulo 1 de Gênesis, o foco é na criação do mundo material os céus e a terra por Deus, designado pelo termo hebraico Elohim, um plural majestático ou de intensidade que, em vez do significado regular de plural (deuses), indica a magnitude divina, acentuando Sua glória e Seu poder como o Deus todo-poderoso. Observe que, mesmo que a palavra Elohim seja plural, o verbo criou [hb. bara] está no singular; e significa “trazer do nada à existência” e “moldar sob nova forma”. Este verbo, usado frequentemente na Bíblia, sempre tem Deus como seu sujeito. Isso significa que Ele [criou e] renovou o que estava em um estado caótico, transformou o caos em cosmos, a desordem em ordem, o vazio em abundância. Os céus e a terra abrangem toda a criação, o universo.
Gênesis 1:2 A expressão sem forma e vazia [hb. tohu va-bohu] contém apenas um conceito: o caos. A Terra havia sido reduzida a este estado (Jr 4.23); ela não era da maneira que Deus primeiro a criara (Is 45.18). A palavra trevas [hb. chosher] é uma potente designação bíblica para o mal e o erro (Jó 3.5; SI 143.3; Is 8.22; J o 3.19). Abismo [hb. tehom] é um termo que descreve um lugar profundo, em cujo leito muitas vezes é possível encontrar água (Gn 7.11). Todas essas palavras juntas retratam o caos, o desastre e a devastação. E deste cenário de ruína, Deus trouxe à tona uma criação ordenada. O espírito de Deus se movia (como uma cegonha que paira sobre seu ninho, ou como uma pomba, conforme é descrito em Mateus 3.16) um presságio de vida se erguia na escuridão, sobre os sombrios abismos do caos e do vazio.
Gênesis 1:3 Haja Luz. Estas palavras expressam um tema fundamental na Bíblia: Deus trazendo luz à escuridão (Is 9.1, 2). Aqui, Deus produziu a luz física, mas, no Novo Testamento, Deus envia Seu Filho para ser a Luz do mundo (Jo 8.12). No final, não haverá mais escuridão (Ap 21:23). O fato é que disse Deus: Haja luz. E houve luz. Seu comando causou a realidade.
Gênesis 1:4 Examinando a luz, Deus declarou que ela é boa uma qualidade poderosa que representa a bênção de Deus.
Gênesis 1:5 A nomeação da luz como dia e das trevas como noite é um marco da soberania de Deus. Na forma de pensar dos povos do antigo Oriente, dar nomes, conceder nomeações, era um símbolo de poder e domínio. Para eles, os nomes não eram meros rótulos, simples designações, mas descrições exatas [de caráter e de atributos] da coisa ou pessoa. Considerando-se que o sol ainda não havia sido criado (Gn 1:14-19), o significado de primeiro dia (literalmente o dia um) é ambíguo. Alguns estudiosos dizem que os sete dias equivalem ao período completo da criação [as eras geológicas - SI 90.4; 2 Pe 3.8]. Outros argumentam que esse período segue um padrão rigoroso, significando exatamente sete dias, com 24 horas de duração cada dia.
Gênesis 1:6 Firmamento. Na utilização bíblica significa céus; literalmente, abóboda celeste.
Gênesis 1:7, 8 Separou as águas. A ideia das água sem cima e embaixo do firmamento é algo misterioso. A alusão pode ser simplesmente às águas concentradas no estado líquido, na superfície terrestre, e no estado gasoso, na atmosfera. Contudo, essa divisão das águas é mais um ato soberano de Deus, para estabelecer a ordem no caos.
Gênesis 1:9 A junção das águas e a separação da porção seca são outras ações de Deus para estabelecer ordem no caos, descrito no versículo 2. Cada ato (de separação, divisão) destitui a desordem e traz a organização; dá forma ao que, antes, era disforme; cria o cosmos do caos. Cada ato também demonstra o poder e a sabedoria de Deus (Pv 8.22-31).
Gênesis 1:10 A nomeação da terra neste versículo demonstra que o termo foi usado antecipadamente no versículo 2.
Gênesis 1:11-13 As palavras erva verde, árvores e frutos são usadas de forma bastante clara; abrangem todas as plantas e árvores frutíferas. A referência às sementes e suas espécies indica o fato de que o reino vegetal se reproduzirá. Deus não só criou a vida da planta, mas também fez com que esta tivesse a capacidade de perpetuar-se [num ciclo de vida: semente/broto/árvore/fruto].
Gênesis 1:14, 15 A criação do sol, da lua e das estrelas é descrita em termos gerais nestes versículos. Nos versículos 16-18, há mais detalhes. Os luminares (hb. me' orot) na expansão dos céus, no firmamento, são o sol e a lua, corpos celestes que brilham. Eles estabelecem a separação, a diferença, entre o dia e a noite. Algumas pessoas entendem os termos sinais e estações [em sirvam eles de sinais para marcar estações, dias e anos (v. 14b NVI)] de forma errônea, como dessem base bíblica para a astrologia. Contudo, o termo sinais tem relação com as fases da lua e a posição das estrelas [em relação ao sol] no firmamento, que nos ajudam a marcar o tempo, do ponto de vista do observador na Terra. Sinais e estações formam um par que pode ser entendido como sinais sazonais.
Gênesis 1:16 Como nos versículos 14 e 15, o termo luminares significa luzeiros, e pode referir-se tanto ao sol, que emite luz, como à lua, que a reflete. Fez também as estrelas. Esta é uma afirmação notável! No antigo Oriente, outras religiões cultuavam e divinizavam as estrelas. Os vizinhos de Israel veneravam as estrelas e guiavam-se por elas. Mas, na história bíblica da criação, as estrelas são apenas mencionadas como parte da criação. Ê como se o escritor sagrado, ao falar delas de forma indiferente, dissesse. “Ah, sim, Deus também criou as estrelas”. [Elas são apenas parte da imensa criação de um Criador vivo e todo poderoso, e servem ao propósito que Ele estabeleceu: diferenciar o dia e a noite e as estações do ano]. Essa realidade atesta a grandeza, a soberania e a onipotência de Deus (Sl 29; 93), bem como a mentira e a loucura da astrologia.
Gênesis 1:17-19 E Deus os pôs na expansão dos céus para alumiar a terra. E interessante notar que o sol e a lua não são novamente nomeados aqui, mesmo que haja referência clara a eles [pelo uso do pronome substantivo os]. [O sol e a lua são objeto direto do verbo pôr, cujo sujeito, o agente da ação, é Deus.] O ponto principal nestes versículos indica que Deus está sozinho no controle de Sua criação.
Gênesis 1:20, 21 O verbo criou (hb. bara) utilizado no versículo 21 [para assinalar a criação das aves, dos répteis e animais aquáticos] é o mesmo usado no versículo 1 (bem como no versículo 27, que fala da criação do homem). A disposição para se multiplicarem cada um conforme as suas espécies indica que todos esses seres foram feitos com a capacidade de reprodução (v. 12). Deus não só criou as criaturas vivas, uma extensa variedade de espécies, como também deu a elas o poder de proliferarem-se em grande número e ocuparem os mares e o ar.
Gênesis 1:22, 23 E Deus os abençoou. E a primeira vez que esta importante expressão é usada na Bíblia (outras ocorrências: Gn 1:28; 2.3; 12.2, 3).
Gênesis 1:24 A expressão alma vivente foi usada para os animais, mas também pode designar outros seres vivos, inclusive pessoas; depende do contexto. Ela foi empregada para descrever o homem [criado por Deus] em Génesis 2.7. Os termos gado, répteis e bestas feras essas três amplas categorias descritas indicam, como nos versículos 11 e 20, que Deus criou todas as coisas vivas.
Gênesis 1:25 Deus viu que isso era bom. E a sexta vez que esta expressão é usada (Gn 1:4, 10, 12, 18, 21). Tudo o que Deus fez era bom.
Gênesis 1:26-28 E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Este é o ápice da criação, o ponto culminante ao qual as passagens anteriores nos levam desde o começo. Do ponto de vista das Escrituras, não há nada mais grandioso do que a criação do homem, único ser que Deus fez à Sua imagem e semelhança, para refletir a Sua glória.
Gênesis 1:26 Façamos o homem. A sentença é imperativa e enfatiza a majestade daquele que fala. Além disso, o uso do verbo conjugado na primeira pessoa do plural abre caminho para a posterior compreensão da Trindade (Gn 11:7; Mt 28.19). Logo, façamos se refere unicamente a Deus, e não aos anjos que estão junto dele, porque o homem foi feito exclusivamente à imagem e semelhança do seu Criador, e não à imagem de outros seres. Quanto à expressão à nossa imagem o que é a imagem de Deus no homem? A visão tradicional é que a imagem de Deus no homem é a moral, a ética e a habilidade intelectual que foram dadas a este. Uma visão mais moderna, baseada na gramática hebraica e no conhecimento do antigo Oriente, interpreta essa frase como significando “façamos o homem como a nossa imagem” (a preposição hebraica equivalente a à nessa frase pode ser traduzida no sentido da conjunção como). Nos tempos antigos, um imperador ordenava a colocação de estátuas e bustos dele em pontos remotos do seu império. Estes símbolos declaravam que estas áreas estavam sob seu reinado e poder. De acordo com esta interpretação, Deus colocou a humanidade como símbolo vivo dele próprio na terra, para representar o Seu reino e domínio. Isto se encaixa perfeitamente na ordem que se segue: E domine [o homem] sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo réptil que se move sobre a terra. Já a expressão conforme a nossa semelhança chama a atenção por tratar-se de uma figura de linguagem. Se Deus é espírito (Jo 4.24), não pode haver imagem e semelhança física. Sendo assim, posteriormente, foi proibido ao homem fazer qualquer imagem por causa das claras associações com a idolatria (Êx 20.4-6). Nós somos feitos à Sua imagem, conforme à Sua semelhança. Esta é a razão pela qual Deus nos estima tanto. Fomos feitos para refletir Sua majestade na terra. A expressão domine ele manifesta o controle do homem como o regente de Deus na terra. Sendo assim, as pessoas devem administrar sábia e prudentemente, como Deus o faria, todas as coisas que Ele fez (os peixes, as aves, o gado; o reino animal, vegetal e mineral).
Gênesis 1:27 E criou Deus o homem. Esta é a terceira vez que o verbo criar é usado em Gênesis 1 (v. 1, 21). Aqui, é usado três vezes. A linguagem usada nos versículos 26 e 28 é prosa; neste, é pura poesia. As doze palavras do original hebraico estão distribuídas em três linhas, e possuem ritmo e cadência poética. O termo que designa o primeiro homem, Adão (hb. 'adam), está associado ao termo que designa a terra vermelha (hb. 'adama). Aqui, a palavra homem é genérica, designa a humanidade como um todo, incluindo o gênero masculino e o feminino, o que pressupõe os dois sexos [macho e fêmea]. Algumas pessoas pensam que o descobrimento da sexualidade humana de Adão e Eva se deu após eles comerem o fruto proibido no capítulo 3 de Gênesis. Entretanto, as palavras usadas para designar o homem e a mulher indicam que a sexualidade já fazia parte da criação original (5.2). Apesar de a prática errada da sexualidade ser amplamente condenada nas Escrituras (Lv 18), o padrão correto é celebrado (Gn 2.24, 25). Também vale lembrar que, nos versículos 26 a 28, a mulher não é retratada de maneira inferior ao homem na história da criação.
Gênesis 1:28 Deus os abençoou. Aqui vemos o “sorriso” de Deus; a ternura de Seu prazer (Gn 1:22; 2.3; 9.1; 12.2, 3). Deus ficou feliz com a Sua obra (Pv 8.30, 31). O verbo sujeitar (hb. kabash) em e Deus lhes disse: enchei a terra, e sujeitai-a significa submeter à conquista. Esse termo forte é o mesmo usado para denotar conquistas militares (Zc 9.15) e o modo como Deus lida [com ira] com nossas injustiças (Mq 7.19). Da mesma forma que, em uma guerra, os militares conquistam um território, assim os humanos são ordenados por Deus em Gênesis a subjugar a terra e controlá-la. Por que essa necessidade de o ser humano subjugar a terra? Há, pelo menos, quatro possibilidades: 1) o pecado dominaria a terra, e as pessoas teriam de esforçar-se muito para conseguir viver nela (Gn 3.17-19); 2) Satanás desafiaria a vontade de Deus e tornaria tudo mais difícil; 3) a terra, abandonada a si mesma, não resultaria em uma boa coisa. Para que isso não acontecesse, Deus teria planejado que as pessoas a administrassem e controlassem; 4) a beleza da terra, no princípio, estaria restrita ao jardim que Deus plantou (Gn 2.8). O resto do mundo seria bastante hostil. Qualquer que seja o caso, sujeitar não significa destruir nem arruinar, e sim agir como um administrador que tem amplos poderes para controlar tudo o que Deus planejou. Esse comando [para sujeitar e dominar a terra] é dado ao homem e à mulher.
Gênesis 1:29 Muitos estudiosos sugerem que Adão e Eva eram vegetarianos porque Deus lhes deu toda erva que dá semente e toda árvore em que há fruto de árvore que dá semente para mantimento.
Gênesis 1:30 A implicação aqui é que, talvez, toda vida animal fosse herbívora no início. Entretanto, isso constitui mera especulação. O texto pode referir-se, de forma abreviada, à utilização dos vegetais como parte da cadeia alimentar, pois estes estão na base desta, no modelo divino.
Gênesis 1:31 Aqui, encontramos o sétimo uso da palavra bom na história da criação (Gn 1:4, 10, 12, 18, 21, 25). Esta palavra é apenas uma das muitas encontradas em múltiplos de sete neste texto.
Teologia de Gênesis 1
(Fundamentos Onto-Cosmológicos e Antropológicos da Fé)O primeiro capítulo do Gênesis possui, inegavelmente, uma posição axial não apenas no cânon bíblico, mas em toda a tradição teológica judaico-cristã. Ao narrar a criação do cosmos, da vida e da humanidade, Gênesis 1 não se limita a oferecer uma cosmogonia antiga, mas articula uma profunda teologia do ser, na qual a ontologia de Deus, sua relação com o universo e a dignidade do ser humano são apresentados de maneira estruturante para toda a cosmovisão bíblica. Ignorar o caráter teológico deste texto em favor de debates reducionistas — seja de natureza científica, seja de natureza meramente literária — é mutilar sua função principal: revelar quem é Deus, quem é o ser humano e qual é o propósito do cosmos dentro da economia da criação.
Neste sentido, este artigo se propõe a realizar uma leitura teológica rigorosa de Gênesis 1, empregando os instrumentos da Teologia Sistemática, da Teontologia e da Hermenêutica Bíblica, para demonstrar como os pilares da fé cristã estão seminalmente presentes na tessitura desse texto inaugural.
1. A Ontologia de Deus no Princípio: Teontologia de Gênesis 1
O primeiro verso do Gênesis — “Bereshit bara Elohim” (“No princípio, criou Deus...”) — é, do ponto de vista teológico, uma declaração ontológica de proporções semânticas incomensuráveis. Ao afirmar que Deus criou no princípio, o texto não está meramente situando temporalmente um evento, mas estabelecendo a condição fundamental da realidade: Deus é anterior ao tempo, ao espaço e à matéria. Não há qualquer tentativa de provar a existência de Deus; ela é simplesmente pressuposta. Isso corresponde ao conceito teológico clássico da aseidade, segundo o qual Deus é o Ser autoexistente, cuja existência não depende de nada fora de Si mesmo (Bavinck, 2004, p. 138).
O uso do termo Elohim, no plural majestático, denota a plenitude da divindade, uma superabundância de potência e majestade. Essa escolha lexical já antecipa, de forma embrionária, a complexidade da Trindade, que será revelada progressivamente nas Escrituras. A declaração subsequente de que “o Espírito de Deus pairava sobre as águas” (Gn 1.2) introduz uma distinção pessoal dentro da divindade, que será posteriormente confirmada na plena revelação do Novo Testamento, sobretudo em textos como João 1:1–3 e Colossenses 1:16–17.
Os atos criativos de Deus são realizados por meio da Sua Palavra — “E disse Deus...” — o que revela Sua natureza volitiva e racional. A Palavra é não apenas o veículo da criação, mas também a expressão do próprio ser divino. A teologia joanina desenvolverá essa intuição veterotestamentária ao identificar o Logos como o próprio Deus encarnado (Jo 1.1–3).
No que diz respeito aos atributos divinos, Gênesis 1 evidencia de forma explícita a onipotência, na criação ex nihilo pela mera palavra; a onisciência, na harmonia, ordem e complexidade funcional do cosmos; a soberania absoluta, na liberdade com que Deus cria e estabelece limites e funções para cada elemento; e, sobretudo, a bondade, expressa no refrão constante “E viu Deus que era bom”, que revela não apenas uma avaliação estética, mas uma afirmação ontológica da bondade intrínseca de toda criação.
2. A Revelação na Criação: Epistemologia Teológica do Cosmos
O texto de Gênesis 1 estabelece a criação como um meio de revelação divina. A própria estrutura do relato — que organiza a criação em seis dias, culminando no sábado — sugere um padrão pedagógico, no qual o cosmos funciona como uma espécie de templo cósmico no qual Deus se revela e habita (Walton, 2009, p. 84).
Esta é a primeira manifestação do que a teologia cristã posteriormente distinguirá como revelação geral: Deus se faz conhecido por meio das obras da criação, de forma que sua existência, seu poder e sua divindade são evidentes a todos os seres humanos, como Paulo afirmará em Romanos 1:20. Contudo, há também uma dimensão de revelação especial incipiente em Gênesis 1, uma vez que o conhecimento de Deus não é apenas deduzível a partir da ordem natural, mas também comunicado diretamente por meio da narrativa da Palavra.
O padrão constante “E disse Deus...” não é apenas performativo; é revelacional. A linguagem do decreto divino revela que Deus não é um demiurgo silencioso, mas um Deus que fala, que se comunica, e cuja Palavra não apenas cria, mas também revela Sua vontade e Seu caráter. Essa dinâmica será central tanto na teologia da revelação veterotestamentária quanto na teologia cristã do Verbo encarnado.
3. Cosmologia Teológica: Metafísica da Criação
A cosmovisão proposta por Gênesis 1 é radicalmente teocêntrica. Diferentemente dos mitos cosmogônicos do Antigo Oriente Próximo — nos quais o cosmos emerge do conflito entre divindades, da morte de deuses ou do caos primordial —, o relato bíblico afirma uma criação ordenada, pacífica e soberana, na qual Deus cria não a partir de uma batalha, mas pela palavra, em perfeita liberdade e sem resistência (Sarna, 1989, p. 6).
A estrutura dos seis dias reflete uma lógica profundamente teleológica. Nos três primeiros dias, Deus cria os domínios: luz e trevas, céus e águas, terra seca. Nos três dias seguintes, Ele preenche esses domínios: luminares para o céu, aves e peixes para os céus e águas, animais terrestres e seres humanos para a terra. Este paralelismo funcional demonstra que a criação não é caótica, mas profundamente racional.
A criação ex nihilo — embora não formulada com esse termo — está pressuposta na ausência de qualquer matéria preexistente. A criação, portanto, não é apenas um evento, mas uma expressão da metafísica teológica bíblica: tudo que existe, existe porque Deus quis, por um ato de Sua livre vontade, sem qualquer necessidade ontológica. O ser, portanto, é dom, é graça, é produto do amor divino.
4. Antropologia Teológica: O Homem como Imago Dei
O clímax teológico de Gênesis 1 ocorre na criação do ser humano, quando Deus declara: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (Gn 1.26). Aqui se estabelece o fundamento ontológico da dignidade humana. O ser humano não é mero produto da matéria, nem resultado de forças naturais impessoais. Ele é portador da imagem divina, o que lhe confere não apenas racionalidade, mas também relacionalidade, espiritualidade e vocação.
A doutrina da imago Dei implica três realidades fundamentais. Primeiramente, uma ontologia relacional: o ser humano é criado para o relacionamento com Deus e com o próximo. Segundo, uma dimensão funcional: o ser humano é colocado como vice-regente de Deus sobre a criação, com o mandato de “dominar” e “cultivar” (Gn 1.28), o que estabelece as bases da teologia do trabalho e da ética ambiental. Terceiro, uma dignidade moral e espiritual que não pode ser revogada nem pela queda, embora seja maculada por ela, como se verá em Gênesis 3.
O dimorfismo sexual, expresso na declaração “homem e mulher os criou”, afirma que a diferença de gêneros não é produto cultural, mas parte integrante da criação divina. A sexualidade, portanto, não é uma contingência biológica, mas uma expressão teológica da complementaridade e da comunhão.
5. Cristologia e Pneumatologia: O Deus Triúno na Criação
Embora Gênesis 1 não apresente uma doutrina formal da Trindade, ele contém, sem dúvida, suas sementes teológicas. A atuação do Espírito de Deus, que paira sobre as águas (Gn 1.2), e o poder da Palavra divina, que cria, são ambos elementos que a teologia cristã interpretará, em conjunto com o Novo Testamento, como expressões da Trindade.
O prólogo de João (Jo 1.1–3) é uma interpretação cristológica direta de Gênesis 1: “No princípio era o Verbo... todas as coisas foram feitas por Ele”. A luz criada no primeiro dia, antes dos astros, adquire uma dimensão tipológica, prefigurando a luz espiritual que é Cristo (Jo 8.12; Ap 21.23).
Da mesma forma, o Espírito que paira sobre as águas é aquele que no Novo Testamento será o agente tanto da regeneração espiritual quanto da nova criação escatológica (2Co 5.17; Ap 21.5). A criação, portanto, já é uma obra do Deus Triúno.
6. Escatologia da Criação: O Princípio Informa o Fim
O relato da criação não é apenas um olhar para trás, mas também uma promessa para o futuro. A harmonia, a ordem e a bondade da criação original funcionam como arquétipos do que Deus restaurará na nova criação (Is 65.17; Ap 21.1). Assim como a criação foi realizada pela Palavra e pelo Espírito, também a nova criação será consumada pela ação do Cristo ressuscitado e do Espírito Santo.
A teologia paulina reafirma este princípio quando afirma que a criação geme, aguardando sua redenção (Rm 8.19–22). A escatologia, portanto, não é uma ruptura com a criação, mas sua consumação e redenção plena.
Gênesis 1 não é apenas uma introdução narrativa à Bíblia. É um tratado teológico, um manifesto ontológico e uma confissão de fé. Aqui se estabelece não apenas o início do mundo, mas o fundamento de toda Teologia Cristã. A compreensão de Deus como Criador, soberano, bom, onipotente e relacional se articula com a compreensão do ser humano como imagem de Deus, portador de dignidade, vocação e destino escatológico. Ignorar o potencial teológico desse texto é ignorar o próprio fundamento da fé cristã.
Gênesis 1: Uma Análise da Unidade Doutrinária Bíblica
O livro de Gênesis, iniciando com a majestosa declaração “No princípio, criou Deus os céus e a terra” (Gn 1:1, ACF), estabelece o fundamento cosmológico e teológico para toda a Escritura. Abaixo analizaremos como Gênesis um está em completa harmonia textual e doutrinário com o restante do AT e NT.
1. O Ato Criador Fundamental: “No Princípio, Criou Deus os Céus e a Terra” (Gênesis 1:1)
A abertura solene de Gênesis 1:1 anuncia a agência transcendente de Deus na criação do universo. O termo “No princípio” (בְּרֵאשִׁית) transcende um mero marcador temporal, ecoando a preexistência de Deus e a origem de todas as coisas n’Ele. Essa dimensão é amplificada por passagens como Provérbios 8:22-24, que personifica a Sabedoria divina como presente antes da criação, sugerindo a profundidade e a intencionalidade do ato criador. De forma semelhante, Provérbios 16:4 afirma que “o Senhor fez todas as coisas para si”, inclusive o ímpio para o dia do mal, sublinhando o propósito soberano de Deus em toda a Sua obra, desde o princípio. A referência de Marcos 13:19 ao “princípio da criação, que Deus criou”, valida a historicidade e a singularidade desse evento primordial.
A Cristologia é profundamente enraizada aqui, como evidenciado por João 1:1-3: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez.” Este prólogo joanino identifica o Verbo (Cristo) como o agente ativo na criação, harmonizando-se com Gênesis 1:1 e com a declaração de Hebreus 1:10, que aplica a Cristo o Salmo 102:25: “Tu, Senhor, no princípio fundaste a terra, e os céus são obras de tuas mãos.” Essa concatenação revela que a criação não foi um ato de uma divindade abstrata, mas do Deus Trino, com o Filho desempenhando um papel central. A reiteração em 1 João 1:1 de que o que “era desde o princípio” foi aquilo que os apóstolos viram e tocaram, remete à eternidade de Cristo e Sua conexão intrínseca com o próprio início da existência.
Podemos expandir a compreensão da identidade de “Deus” (אֱלֹהִים, Elohim) como o Criador em Gênesis com Êxodo 20:11 e Êxodo 31:18 que reiteram que em “seis dias fez o Senhor o céu e a terra, o mar e tudo que neles há”, estabelecendo o padrão do Sábado. 1 Crônicas 16:26 e Neemias 9:6 afirmam a exclusividade da divindade do Criador, contrastando-o com os “deuses” das nações. Os Salmos celebram a magnitude desse Criador: Salmos 8:3 exalta os céus como obra de Seus dedos; Salmos 33:6, 9 enfatiza que “pela palavra do Senhor foram feitos os céus” e que “Ele disse, e tudo se fez; mandou, e logo tudo apareceu”. Salmos 89:11-12 e Salmos 96:5 proclamam Seu domínio universal. Salmos 102:25 e Salmos 104:24, 30 enaltecem a sabedoria e a providência divina na criação. Salmos 115:15, 121:2, 124:8, 134:3, 136:5, 146:6, 148:4-5 consistentemente atribuem a criação e o sustento ao Senhor, o Criador do céu e da terra.
As referências proféticas, como Isaías 40:26, 28; 42:5; 44:24; 45:18; 51:13, 16; 65:17 e Jeremias 10:12; 32:17; 51:15, reforçam a incomparabilidade de Deus como o único Criador que estendeu os céus e fundou a terra. Zacarias 12:1 declara o Senhor como “o que estende os céus, e que funda a terra, e que forma o espírito do homem dentro dele”. No Novo Testamento, essa autoridade criadora é afirmada em Mateus 11:25 (Jesus louvando o Pai, Senhor do céu e da terra), Atos 4:24 e Atos 14:15 (Deus vivo que fez todas as coisas), Atos 17:24 (Deus que fez o mundo e tudo o que nele há), Romanos 1:19-20 (a criação revelando o poder e a divindade de Deus), Romanos 11:36 (“Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas”), 1 Coríntios 8:6 (um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas, e um só Senhor, Jesus Cristo, por quem são todas as coisas), Efésios 3:9 (Deus que criou todas as coisas por Jesus Cristo), Colossenses 1:16-17 (Cristo, por quem e para quem todas as coisas foram criadas e Nele subsistem), Hebreus 1:2 (Deus fez o mundo pelo Filho) e Hebreus 3:4 (“Porque toda a casa é edificada por alguém, mas o que edificou todas as coisas é Deus”). Finalmente, 2 Pedro 3:5 (“os céus e a terra de agora, e a terra, foram formados pela palavra de Deus”) e as declarações em Apocalipse 3:14, 4:11, 10:6, 14:7, 21:6, 22:13 (“Eu sou o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim, o primeiro e o derradeiro”; “Tu és digno, ó Senhor, de receber glória, e honra, e poder; porque tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas”) ecoam a soberania criadora de Deus, desde o princípio até a consumação.
Essa teia de referências sublinha a consistência bíblica na atribuição da criação a um Deus trino e soberano, estabelecendo Gênesis 1:1 como o ponto de partida fundamental para a teologia da criação e da revelação divina.
1.1. O Cenário Inicial da Criação: A Terra Sem Forma e Vazia e a Ação do Espírito (Gênesis 1:2)
O segundo versículo de Gênesis descreve a condição inicial da terra: “E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas” (Gn 1:2, ACF). A frase “sem forma e vazia” (תֹהוּ וָבֹהוּ, tohu va-bohu) denota um estado de desordem e desolação, um caos primordial que precede a organização divina.
Essa condição está conectada à soberania de Deus sobre o nada e o vácuo. Jó 26:7 (“Ele estende o norte sobre o vazio; suspende a terra sobre o nada”) e Isaías 45:18 (“Eu sou o Senhor, e não há outro. Não a criei vazia, mas a formei para ser habitada”) reiteram a capacidade divina de criar a partir do nada e de transformar o vazio em habitável. Jeremias 4:23 (“Observei a terra, e eis que estava sem forma e vazia; também os céus, e não tinham a sua luz”) apresenta uma imagem de desolação que, em seu contexto profético, aponta para um juízo que reverteria a ordem criada, ecoando a condição inicial. Naum 2:10 (“Ela está vazia, e esgotada, e desolada”) descreve um estado de desolação, embora em um contexto de juízo sobre Nínive, que evoca a ideia de um retorno ao tohu va-bohu. Essa rede de referências demonstra que a desordem inicial de Gênesis 1:2 não era um impedimento, mas o prelúdio para a intervenção ordenada de Deus.
A segunda parte do versículo, “e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas” (וְרוּחַ אֱלֹהִים מְרַחֶפֶת עַל-פְּנֵי הַמָּיִם), revela a presença ativa da terceira pessoa da Trindade na criação. O verbo hebraico meraḥephet (מְרַחֶפֶת) sugere um movimento de pairar, incubar ou chocar, indicando um cuidado e uma preparação para a vida. Essa manifestação do Espírito é um tema recorrente na Escritura. Jó 26:14 reconhece os “pequenos sussurros” de Deus, implicando a atuação sutil e poderosa do Espírito na criação. Salmos 33:6 (“pelo sopro da sua boca, todo o seu exército”) e Salmos 104:30 (“Envias o teu espírito, e são criados”) atribuem diretamente a criação e a renovação da vida à ação do Espírito de Deus. Isaías 40:12-14 descreve a sabedoria divina na medição e compreensão da criação, sugerindo a inteligência e o poder inerentes à ação do Espírito. A presença do Espírito Santo na criação em Gênesis 1:2 estabelece um padrão para Sua participação contínua em toda a obra criadora e redentora de Deus ao longo da história bíblica.
1.2. A Criação pela Palavra Divina: “Haja Luz” e a Separação da Ordem (Gênesis 1:3-5)
A transição da desordem para a ordem se inicia com o comando divino: “E disse Deus: Haja luz; e houve luz” (Gn 1:3, ACF). Este ato criativo ex nihilo pela palavra falada de Deus é um tema central na teologia bíblica da criação. A Bíblia como um todo ressalta a potência dessa Palavra. Salmos 33:6 (“Pela palavra do Senhor foram feitos os céus”) e Salmos 33:9 (“Pois ele falou, e tudo se fez; ele ordenou, e tudo apareceu”) reiteram a eficácia imediata do comando divino. A referência a Salmos 148:5 (“Louvem o nome do Senhor, pois mandou, e logo foram criados”) igualmente enfatiza a autoridade soberana de Deus. No Novo Testamento, essa autoridade se manifesta na pessoa de Cristo: Mateus 8:3 (“Jesus, estendendo a mão, tocou-lhe, dizendo: Quero; sê limpo. E logo ficou limpo”) ilustra a eficácia da palavra de Jesus no milagre, ecoando o poder criador da palavra divina. João 11:43 (“Lázaro, sai para fora!”) demonstra o poder de Cristo sobre a morte, através de Sua palavra, refletindo o poder de trazer a vida e a existência.
A natureza da luz criada em Gênesis 1:3 é um ponto de distinção, pois ela precede a criação dos luminares no quarto dia. Passagens como Jó 36:30 (“Estende sobre ele a sua luz”), Jó 38:19 (“Onde está o caminho da morada da luz?”), Salmos 97:11 (“A luz nasce para o justo, e alegria para os retos de coração”), e Salmos 104:2 (“Tu te cobres de luz como de um vestido”) enfatizam a conexão intrínseca de Deus com a luz. Salmos 118:27 (“Deus é o Senhor que nos deu luz”) celebra a luz como dom divino. Isaías 45:7 (“Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas”) e Isaías 60:19 (“O sol nunca mais te servirá de luz de dia nem com o seu resplendor a lua te alumiará”) contextualizam a luz como emanação direta da soberania de Deus.
O Novo Testamento aprofunda a natureza dessa luz. João 1:5 (“E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam”) e João 1:9 (“Ali estava a luz verdadeira, que ilumina a todo o homem que vem ao mundo”) identificam Jesus como a própria Luz. João 3:19 afirma que “a luz veio ao mundo”. 2 Coríntios 4:6 declara que “Deus, que disse que das trevas resplandecesse a luz, é quem resplandeceu em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo”. Efésios 5:8 e Efésios 5:14 instruem os crentes a andarem como “filhos da luz” e a despertarem para que Cristo lhes dê luz. 1 Timóteo 6:16 descreve Deus como Aquele que “habita na luz inacessível”. Finalmente, 1 João 1:5 (“Deus é luz, e não há nele trevas nenhumas”) e 1 João 2:8 (“O mandamento novo que vos escrevo, o qual é verdadeiro nele e em vós; porque as trevas já passaram, e já a verdadeira luz aparece”) corroboram a essência divina como luz.
Em Gênesis 1:4, Deus vê “que a luz era boa; e fez Deus separação entre a luz e as trevas”. Essa aprovação divina (“boa”) e a separação (בָּדָל, badal) são atos de ordenamento que prefiguram a distinção moral e espiritual. Eclesiastes 2:13 observa que “mais proveito há na sabedoria do que na estultícia, quanto mais proveito há na luz do que nas trevas”, uma analogia sapiencial à distinção fundamental. Eclesiastes 11:7 também associa a luz à coisa agradável. Essa separação entre luz e trevas é um tema recorrente na Escritura, simbolizando a distinção entre a justiça e o pecado, a verdade e o erro.
Finalmente, em Gênesis 1:5, Deus nomeia “à luz Dia, e às trevas chamou Noite. E foi a tarde e a manhã, o primeiro dia.” A nomeação divina demonstra a soberania e o controle sobre o tempo e a ordem. Gênesis 8:22 garante a continuidade dos ciclos de “dia e noite”. Salmos 19:2 observa que “um dia faz declaração a outro dia, e uma noite mostra sabedoria a outra noite”. Salmos 74:16 e Salmos 104:20 reconhecem Deus como o “dono do dia e da noite”. Isaías 45:7 reitera a criação da luz e das trevas por Deus. Jeremias 33:20 fala da aliança de Deus com o dia e a noite. 1 Coríntios 3:13 e Efésios 5:13 utilizam a luz como figura para a revelação e a manifestação da verdade. 1 Tessalonicenses 5:5 exorta os crentes como “filhos da luz e filhos do dia”, não da noite. A reiteração “E a tarde e a manhã, o primeiro dia” (e subsequentemente nos vv. 8, 13, 19, 23, 31) estabelece uma estrutura temporal para a criação.
1.3. A Expansão e a Separação das Águas: O Firmamento Celestial (Gênesis 1:6-8)
O segundo dia da criação marca a formação do firmamento: “E disse Deus: Haja firmamento no meio das águas, e haja separação entre águas e águas” (Gn 1:6, ACF). O “firmamento” (רָקִיעַ, raqia) refere-se a uma expansão, uma abóbada que separa as águas de cima das águas de baixo, criando o espaço atmosférico e celestial.
A Bíblia em várias partes ilustra a magnitude e a estabilidade dessa obra. Gênesis 1:14 e Gênesis 1:20 mencionam o “firmamento do céu” como o domínio para as luzes celestiais e as aves. Jó 26:7-8 (“Estende o norte sobre o vazio; suspende a terra sobre o nada. Ele encerra as águas nas suas nuvens”) e Jó 26:13 (“Pelo seu Espírito ornou os céus”) apontam para a estrutura e a beleza celestiais. Jó 37:11 e Jó 37:18 descrevem as nuvens e a “expansão do firmamento, que é sólida como espelho de bronze”, sublinhando a solidez e a grandiosidade da obra divina. Jó 38:22-26 questiona a capacidade humana de controlar as nuvens e a chuva, reafirmando o controle divino sobre o firmamento.
Os Salmos ecoam a glória dessa criação: Salmos 19:1 declara que “os céus manifestam a glória de Deus; e o firmamento anuncia a obra das suas mãos”. Salmos 33:6 (“Pela palavra do Senhor foram feitos os céus”) e Salmos 33:9 (“Ele falou, e tudo se fez”) reiteram o poder da palavra. Salmos 104:2 (“Tu te cobres de luz como de um vestido; estendes os céus como uma cortina”) e Salmos 136:5-6 (“Ao que fez os céus com entendimento... Àquele que estendeu a terra sobre as águas”) celebram a sabedoria divina. Salmos 148:4 convida os “céus dos céus” e “as águas que estão acima dos céus” a louvar ao Senhor, confirmando a existência dessas águas superiores. Salmos 150:1 exorta a louvar a Deus no “firmamento do seu poder”.
As referências proféticas, como Eclesiastes 11:3 (“Se as nuvens estiverem cheias, derramarão chuva sobre a terra”), Jeremias 10:10, 12-13 e Jeremias 51:15 (“Ele fez a terra pelo seu poder; ele estabeleceu o mundo por sua sabedoria, e com a sua inteligência estendeu os céus”) e Zacarias 12:1 (“o que estende os céus”) continuamente atribuem a formação do firmamento e o controle dos elementos atmosféricos à soberania de Deus.
Em Gênesis 1:7, Deus “fez o firmamento, e fez separação entre as águas que estavam debaixo do firmamento e as águas que estavam por cima do firmamento; e assim foi”. Essa separação (Pro 8:28-29) novamente estabelece ordem no caos aquático. Podemos citar Provérbios 8:28-29, que na sabedoria personificada, descreve Deus “quando firmava as nuvens acima... quando dava ao mar o seu termo, para que as águas não transgressão o seu mandamento”. Textos como Jó 26:8 (“Ele encerra as águas nas suas nuvens, e a nuvem não se rompe debaixo delas”) e Salmos 104:10 (“Fazes que as fontes brotem nos vales; correm entre os montes”) e Salmos 148:4 (águas acima dos céus) e Eclesiastes 11:3 (nuvens derramando chuva) enfatizam o controle divino sobre as águas e a formação da atmosfera. A repetição “e assim foi” (v. 7), como em Gênesis 1:9, 11, 15, 24, reitera a eficácia da palavra criadora.
Finalmente, em Gênesis 1:8, “E chamou Deus ao firmamento Céus. E foi a tarde e a manhã, o segundo dia.” O ato de nomear (Gn 1:5, 10) reitera a autoridade divina sobre a criação.
1.4. A Emergência da Terra Seca e a Abundância da Vegetação (Gênesis 1:9-12)
O terceiro dia da criação testemunha a emergência da terra seca e o florescimento da vida vegetal. “E disse Deus: Ajuntem-se as águas debaixo dos céus num lugar; e apareça a porção seca; e assim foi” (Gn 1:9, ACF). Este é um ato de delimitação e organização que prepara o ambiente para a vida terrestre.
A Bíblia em si, como unidade teo-literária, fornece uma rica tapeçaria de referências que celebram o poder divino sobre as águas e a terra. Jó 26:7 (“Ele estende o norte sobre o vazio; suspende a terra sobre o nada”) e Jó 26:10 (“Traçou um círculo sobre a face das águas, até os limites da luz e das trevas”) descrevem o poder de Deus sobre o vasto oceano. Jó 38:8-11 questiona quem “encerrou o mar com portas, quando ele rompeu e saiu do ventre”, ilustrando o controle soberano de Deus sobre os limites do mar. Salmos 24:1-2 proclama: “Do Senhor é a terra e a sua plenitude, o mundo e aqueles que nele habitam. Porque ele a fundou sobre os mares, e a firmou sobre os rios.” Salmos 33:7 louva Aquele que “ajunta as águas do mar como num montão; ele ajunta os abismos em depósitos”.
Salmos 95:5 (“Dele é o mar, pois ele o fez, e as suas mãos formaram a terra seca”) e Salmos 104:3, 5-9 (“Tu que estabeleces a terra sobre os seus fundamentos, para que não seja jamais abalada. Tu a cobriste com o abismo, como com um vestido; as águas estavam sobre os montes... Estabeleceste limites que não hão de ultrapassar, para que não voltem a cobrir a terra”) exaltam a sabedoria e o poder de Deus em fixar os limites dos oceanos. Salmos 136:5-6 (“Ao que fez os céus com entendimento... Àquele que estendeu a terra sobre as águas”) reitera esse domínio. Provérbios 8:28-29 (Sabedoria personificada) e Eclesiastes 1:7 (“Todos os rios correm para o mar, e contudo o mar não se enche”) celebram a engenhosidade divina nos ciclos hídricos.
Jeremias 5:22 (“Não me temeis a mim? diz o Senhor; não tremeis diante de mim, que pus a areia por limite ao mar, por perpétuo decreto, que ele não pode ultrapassar?”) afirma a soberania de Deus sobre os oceanos. Jonas 1:9 (“Eu sou hebreu, e temo ao Senhor, o Deus do céu, que fez o mar e a terra seca”) é um testemunho da fé no Deus Criador. 2 Pedro 3:5 (“...os céus e a terra de agora, e a terra, foram formados pela palavra de Deus, e que subsistem pela água e na água”) conecta a criação pela palavra à formação da terra seca. Apocalipse 10:6 (“jurou por aquele que vive para todo o sempre, que criou o céu e o que nele há, e a terra e o que nela há, e o mar e o que nele há”) reitera a autoridade criadora de Deus sobre todos os domínios.
Em Gênesis 1:10, Deus nomeou “à porção seca Terra, e ao ajuntamento das águas chamou Mares; e viu Deus que era bom”. Essa nomeação reflete a ordem e a aprovação divina (Gn 1:4; Dt 32:4; Sl 104:31).
A segunda parte do terceiro dia traz a profusão da vida vegetal: “E disse Deus: Produza a terra erva verde, erva que dê semente, árvore frutífera que dê fruto segundo a sua espécie, cuja semente esteja nela sobre a terra; e assim foi” (Gn 1:11, ACF). As Escrituras apontam a conexão com Gênesis 2:5, que descreve a ausência de plantas cultivadas antes da intervenção divina, enfatizando a origem sobrenatural da vegetação. Jó 28:5 menciona o pão que sai da terra, reconhecendo a provisão divina. Salmos 104:14-17 (“Ele faz crescer a erva para o gado, e a planta para o serviço do homem, para que da terra tire o alimento... Ali os pássaros fazem ninhos”) e Salmos 147:8 (“Ele cobre os céus com nuvens, prepara a chuva para a terra”) celebram a provisão de Deus através da vegetação. Mateus 6:30 utiliza as “ervas do campo” como exemplo da providência divina. Hebreus 6:7 (“Porque a terra que bebe a chuva que muitas vezes cai sobre ela, e produz erva proveitosa para aqueles por quem é lavrada, recebe a bênção de Deus”) alude à produção da terra como um dom divino.
A descrição da “erva que dê semente” e “árvore frutífera que dê fruto segundo a sua espécie, cuja semente esteja nela” em Gênesis 1:11 e 1:12 estabelece o princípio da reprodução “segundo a sua espécie”, uma lei biológica fundamental. As Sagradas Escrituras conectam isso a Salmos 1:3 (a árvore frutífera plantada junto a ribeiros), Jeremias 17:8 (a árvore que não cessa de dar frutos), Mateus 3:10 e Mateus 7:16-20 (a árvore conhecida pelos seus frutos), Marcos 4:28 (a semente que produz fruto), Lucas 6:43-44 (a árvore boa que dá bons frutos) e Tiago 3:12 (a figueira que não pode produzir azeitonas, reforçando a lei da espécie). Essas passagens enfatizam a ordem e a produtividade intrínsecas à criação vegetal. Isaías 61:11 profetiza que a terra “produzirá as suas plantas”. Marcos 4:28 e Mateus 13:24-26 (a parábola do joio e do trigo) e Lucas 6:44 (frutos que revelam a árvore) e 2 Coríntios 9:10 (semente ao semeador) e Gálatas 6:7 (“o que o homem semear, isso também ceifará”) demonstram a aplicação universal do princípio da semente e da colheita.
1.5. Os Luminares Celestes: Luz, Estações e Sinais (Gênesis 1:14-19)
O quarto dia da criação é dedicado à instituição dos luminares celestes: “E disse Deus: Haja luminares na expansão dos céus, para fazerem divisão entre o dia e a noite; e sejam eles para sinais e para tempos determinados e para dias e anos” (Gn 1:14, ACF). A criação do Sol, da Lua e das estrelas não é apenas para providenciar luz, mas para estabelecer a ordem cronológica e os ciclos naturais.
A Bíblia amplia o significado desses luminares. Deuteronômio 4:19 adverte contra a adoração do sol, da lua e das estrelas, confirmando sua natureza criada e subordinada. Jó 25:3, 5 (“Os seus exércitos, quem os pode contar? E sobre quem não se levanta a sua luz?”) e Jó 38:12-14 (Deus questionando Jó sobre o comando do amanhecer) exaltam a magnificência e o controle divino sobre os corpos celestes.
Os Salmos consistentemente louvam a Deus como o criador e governador dos luminares: Salmos 8:3-4 (“Quando vejo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que tu formaste...”), Salmos 19:1-6 (“Os céus proclamam a glória de Deus; e o firmamento anuncia as obras das suas mãos... O sol... Nada se esconde do seu calor”), Salmos 74:16-17 (“Teu é o dia e tua é a noite... Tu fixaste os limites da terra”), Salmos 104:19-20 (“Designou a lua para as estações; o sol conhece o seu ocaso. Tu fazes as trevas, e vem a noite”), Salmos 119:91 (“Permanecem até o dia de hoje, segundo as tuas ordenanças”), Salmos 136:7-9 (“Ao que fez os grandes luminares... o sol para governar de dia... a lua e as estrelas para governarem de noite”) e Salmos 148:3, 6 (“Louvai-o, sol e lua... Ele as estabeleceu para sempre e para sempre”). Essas passagens enfatizam o propósito ordenado dos luminares como marcadores de tempo e reveladores da glória divina.
As referências proféticas complementam essa visão. Isaías 40:26 convida a “levantar os olhos ao alto e ver quem criou estas coisas”. Jeremias 31:35 e Jeremias 33:20, 25 citam o ordenamento do sol, da lua e das estrelas como parte da aliança inquebrável de Deus. Joel 2:10, 30-31 e Joel 3:15 e Amós 5:8, 8:9 utilizam os fenômenos celestes como sinais de juízo e do dia do Senhor.
No Novo Testamento, os luminares continuam a servir como sinais. Mateus 2:2 (a estrela que guiou os magos), Mateus 16:2-3 (os fariseus incapazes de discernir os sinais dos tempos), Mateus 24:29 e Marcos 13:24 (o sol e a lua escurecidos como sinais do fim dos tempos), Lucas 21:25-26 (sinais no sol, na lua e nas estrelas), Lucas 23:45 (o sol escurecido na crucificação), Atos 2:19-20 (sinais no céu antes do grande e glorioso dia do Senhor), Apocalipse 6:12, 8:12, 9:2, 16:8-9 e Apocalipse 21:23 (o sol e a lua já não necessários na nova Jerusalém) todas apontam para a função profética e escatológica dos luminares.
Em Gênesis 1:16, Deus “fez os dois grandes luminares: o luminar maior para governar o dia, e o luminar menor para governar a noite; e fez as estrelas também”. Isso sugere que a frase “ele fez as estrelas também” pode ser interpretada como “with the stars also”, como diz na versão King James (trad.: “com as estrelas também”), enfatizando o conjunto da criação celestial. A designação de “governar” (לְמֶמְשֶׁלֶת, le-memshelet) o dia e a noite (Dt 4:19; Js 10:12-14; Sl 19:6; Sl 74:16; Sl 136:7-9; Sl 148:3, 5; Is 45:7; Hb 3:11; Mt 24:29; Mt 27:45; 1Co 15:41; Ap 16:8-9; Ap 21:23) sublinha a ordem e a funcionalidade.
Gênesis 1:17-18 reafirma o propósito divino: “E Deus os pôs na expansão dos céus para alumiar a terra, e para governar o dia e a noite, e para fazer separação entre a luz e as trevas; e viu Deus que era bom.” As referências a Gênesis 9:13 (o arco-íris como sinal), Jó 38:12 (Deus comandando a manhã), Salmos 8:1, 3 (a glória de Deus nos céus) e Atos 13:47 (Cristo como luz para os gentios) ampliam a compreensão da luz não apenas como um fenômeno físico, mas como um símbolo da revelação divina e do propósito salvífico.
1.6. A Profusão da Vida Aquática e Alada: Criação e Bênção para Prolificar (Gênesis 1:20-23)
O quinto dia da criação testemunha a explosão da vida nos ambientes aquáticos e aéreos: “E disse Deus: Produzam as águas abundantemente répteis de alma vivente; e voem as aves sobre a terra, sobre a face do firmamento dos céus” (Gn 1:20, ACF). Este é o início da vida animal complexa.
A Bíblia conecta essa profusão com a capacidade de Deus de sustentar a vida. Gênesis 1:22, 2:19 (a formação das aves e animais do solo), Gênesis 8:17 (a multiplicação das criaturas após o dilúvio), Salmos 104:24-25 (“Quão numerosas são as tuas obras, Senhor! Todas as fizeste com sabedoria; a terra está cheia das tuas riquezas. Também este mar grande e espaçoso, em que se movem seres inumeráveis, animais pequenos e grandes”) e Salmos 148:10 (louvor de aves e animais marinhos) celebram a diversidade e a abundância da vida aquática e alada. Atos 17:25 (“Ele é quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas”) ecoa a provisão divina para todas as criaturas.
Em Gênesis 1:21, “E Deus criou as grandes baleias, e todo réptil de alma vivente que as águas abundantemente produziram conforme as suas espécies, e toda ave de asas conforme a sua espécie; e viu Deus que era bom.” A menção de “grandes baleias” (תַּנִּינִם גְּדֹלִים, tanninim gedolim) pode referir-se a grandes criaturas marinhas, incluindo monstros marinhos. O restante da Bíblia aponta conexões com Gênesis 6:20, 7:14, 8:19 (animais entrando na arca) e Jó 7:12 (“Porventura sou eu mar, ou baleia, para que me ponhas guarda?”), Jó 26:5 (“Os mortos tremem debaixo das águas, e os seus habitantes”) e Ezequiel 32:2 (comparando o Faraó a um monstro marinho). Jonas 1:17 e Jonas 2:10 (o grande peixe que engoliu Jonas) e Mateus 12:40 (Jonas no ventre da baleia) reforçam a ideia de criaturas marinhas gigantescas sob o controle divino. A criação “conforme as suas espécies” (Gn 1:21) reitera o princípio da ordem e da variação dentro de limites fixos.
A bênção divina em Gênesis 1:22 — “E Deus os abençoou, dizendo: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei as águas nos mares; e as aves se multipliquem na terra” — é o primeiro mandato de proliferação. Isso conecta essa bênção com Gênesis 1:28, 8:17, 9:1, 30:27, 30, 35:11 (bênçãos de frutificação a humanos e animais), Levítico 26:9 (Deus abençoando a multiplicação de Israel), Jó 40:15 (o behemote como exemplo da criação), Jó 42:12 (bênção de Deus a Jó), Salmos 107:31, 38 (“que deem graças ao Senhor pela sua benignidade... e que ele os abençoe, e se multipliquem muito”), Salmos 128:3 (esposa frutífera como videira), Salmos 144:13-14 (ovelhas frutíferas) e Provérbios 10:22 (a bênção do Senhor que enriquece). Essa bênção sublinha o desejo divino de vida abundante e crescimento ordenado na criação.
1.7. Os Animais Terrestres: Produção e Diversidade (Gênesis 1:24-25)
No mesmo sexto dia, antes da criação do homem, Deus comanda a produção dos animais terrestres: “E disse Deus: Produza a terra alma vivente conforme a sua espécie; gado, e répteis e bestas feras da terra conforme a sua espécie; e assim foi” (Gn 1:24, ACF). Essa diversidade de criaturas, do gado aos répteis e bestas feras, completa o ecossistema terrestre.
As referências cruzadas aprofundam a compreensão da criação dessas criaturas. Gênesis 6:20, 7:14, 8:19 (animais na arca) e Jó 38:39-40; 39:1, 5, 9, 19; 40:15 (Deus questionando Jó sobre a provisão para os animais selvagens, o asno selvagem, o unicórnio, o cavalo e o behemote) e Jó 40:15 demonstram o cuidado providencial de Deus sobre Suas criaturas. Salmos 50:9-10 (“Não tomarei bezerros da tua casa... Porque meu é todo animal da selva, e o gado sobre milhares de montanhas”) e Salmos 104:18, 23 (“Os altos montes são para as cabras monteses, e as rochas são um refúgio para os coelhos... Sai o homem para o seu trabalho, e para o seu labor, até à tarde”) e Salmos 148:10 (louvor dos animais) exaltam a soberania divina sobre a fauna terrestre.
Em Gênesis 1:25, “E fez Deus as bestas feras da terra conforme a sua espécie, e o gado conforme a sua espécie, e todo o réptil da terra conforme a sua espécie; e viu Deus que era bom.” Podemos incluir Gênesis 2:19-20 (Adão nomeando os animais) e Jó 12:8-10 (“Fala com a terra, e ela te ensinará... De quem não sabe, de todas estas coisas, que a mão do Senhor fez isto?”) e Jó 26:13 (“Pelo seu Espírito ornou os céus; a sua mão feriu a serpente fugitiva”) para enfatizar a autoria divina e a ordem na criação animal. O princípio da criação “conforme a sua espécie” é novamente reforçado, garantindo a biodiversidade e a distinção entre as categorias de vida.
1.8. A Coroa da Criação: O Homem à Imagem de Deus e o Mandato de Domínio (Gênesis 1:26-28)
O ápice da criação no sexto dia é a formação do ser humano: “E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra” (Gn 1:26, ACF). Essa declaração plural (“Façamos”) é frequentemente interpretada como uma alusão à natureza trinitária de Deus, um conselho divino antes do ato mais sublime da criação.
As referências cruzadas realçam a singularidade da criação do homem. Gênesis 3:22 (“Eis que o homem é como um de nós”) e Gênesis 11:7 (“Eia, desçamos e confundamos ali a sua língua”) são outros exemplos do plural divino. Jó 35:10 (“Mas ninguém diz: Onde está Deus, meu Criador, que inspira cânticos de louvor de noite?”) e Salmos 100:3 (“Sabei que o Senhor é Deus; foi ele que nos fez, e não nós a nós mesmos”) e Salmos 149:2 (“Regozije-se Israel naquele que o criou”) afirmam a autoria divina da humanidade. Isaías 64:8 (“Todavia, ó Senhor, tu és nosso Pai; nós somos o barro e tu o nosso oleiro”) e João 5:17 (“Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também”) e João 14:23 (Jesus e o Pai fazendo morada) apontam para a contínua obra de Deus e a presença divina na vida humana. 1 João 5:7 (“Porque três são os que testificam no céu: o Pai, a Palavra, e o Espírito Santo; e estes três são um”) é uma declaração explícita da Trindade que, por inferência, pode ser vista no plural de Gênesis 1:26.
A criação “à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (בְּצַלְמֵנוּ כִּדְמוּתֵנוּ, be-tsalmenu ki-demutenu) distingue o homem de todas as outras criaturas, conferindo-lhe dignidade, racionalidade, moralidade e capacidade de relacionamento com Deus. Essa imagem é fundamental para a antropologia bíblica. Gênesis 5:1 e Gênesis 9:6 (derramamento de sangue proscrito porque o homem foi feito à imagem de Deus) reafirmam essa condição. Eclesiastes 7:29 (“Eis aqui, isto somente achei: que Deus fez ao homem reto, mas eles buscaram muitas invenções”) reconhece a retidão original.
O Novo Testamento desenvolve a ideia da imagem divina. Atos 17:26, 28-29 (“nele vivemos, e nos movemos, e existimos... somos geração de Deus”) sublinha a relação criatura-Criador. 1 Coríntios 11:7 (o homem como “imagem e glória de Deus”), 2 Coríntios 3:18, 4:4 (Cristo como a imagem de Deus, e os crentes transformados à Sua imagem), Efésios 4:24 (o novo homem criado “segundo Deus em verdadeira justiça e santidade”), Colossenses 1:15 (Cristo como a “imagem do Deus invisível”) e Colossenses 3:10 (o novo homem que se renova “segundo a imagem daquele que o criou”) e Tiago 3:9 (a boca que abençoa a Deus e amaldiçoa o homem feito à semelhança de Deus) todos convergem para Cristo como a imagem perfeita, e para a restauração dessa imagem no crente.
O mandato de domínio (“e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra”) é uma delegação de autoridade régia à humanidade. Gênesis 9:2-3 reitera e expande esse domínio após o dilúvio. Jó 5:23 (paz com as pedras do campo e os animais selvagens) e Salmos 8:4-8 (“Que é o homem, para que dele te lembres?... Fizeste-o um pouco menor do que os anjos, e de glória e de honra o coroaste. Deste-lhe domínio sobre as obras das tuas mãos; tudo puseste debaixo de seus pés...”) celebram o domínio dado ao homem. Salmos 104:20-24 (“À tarde, saem todos os animais da selva... o homem sai para o seu trabalho”) descreve a interação do homem com a natureza. Eclesiastes 7:29 e Jeremias 27:6 (Deus dando poder sobre as nações) são também pertinentes. No Novo Testamento, Hebreus 2:6-9 é crucial, pois aplica o Salmo 8:4-8 a Cristo, demonstrando que o domínio original dado ao homem (e perdido pelo pecado) é plenamente restaurado e cumprido em Jesus, que foi feito “um pouco menor que os anjos” para sofrer a morte e, então, foi coroado de glória e honra, tendo tudo debaixo de Seus pés. Tiago 3:7 (a capacidade humana de domar animais) reitera o domínio inerente.
Em Gênesis 1:27, “E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou.” A repetição enfatiza a importância da imagem divina e a dualidade de sexo na criação, um fundamento para a antropologia e a teologia da família. A Bíblia aponta para Salmos 139:14 (“Eu te louvarei, porque de um modo tão admirável e maravilhoso fui formado”) e Isaías 43:7 (“que criei para a minha glória”) para expressar a maravilha da criação humana. Efésios 2:10 (“Somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras”) e Efésios 4:24 e Colossenses 1:15 (Cristo como a imagem), Gênesis 2:21-25 (a criação da mulher) e Gênesis 5:2 (macho e fêmea os criou, e os abençoou, e chamou o seu nome Adão no dia em que foram criados) e Malaquias 2:15 (Deus procurando uma descendência piedosa) e Mateus 19:4 e Marcos 10:6 (Jesus citando a criação do macho e fêmea para o casamento) e 1 Coríntios 11:8-9 (a mulher criada por causa do homem, mas ambos interdependentes) reafirmam a origem e o propósito do sexo e do casamento.
Em Gênesis 1:28, Deus os abençoou: “E Deus os abençoou e lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra.” Este é o mandato cultural ou mandato criacional, um chamado à procriação e à administração responsável da criação. A Bíblia oferece vastas referências que corroboram essa bênção: Gênesis 1:22, 8:17, 9:1, 7, 17:16, 20, 22:17-18, 24:60, 26:3-4, 26:24, 33:5, 49:25 (bênçãos de frutificação e multiplicação); Levítico 26:9 (Deus se voltando para abençoar Israel); 1 Crônicas 4:10, 26:5 (o aumento das famílias); Jó 42:12 (a bênção de Deus a Jó); Salmos 107:38, 127:1-5, 128:3-4 (bênçãos de filhos e prosperidade); Isaías 45:18 (a terra criada para ser habitada); 1 Timóteo 4:3 (proibição do casamento contrária ao mandato divino). O mandato de “sujeitai-a” e “dominai” (submeter a terra e os animais) é uma reiteração do domínio conferido.
1.8. A Provisão Alimentar Universal e a Avaliação “Muito Boa” (Gênesis 1:29-31)
Os versículos finais do primeiro capítulo de Gênesis tratam da provisão alimentar e da avaliação final de Deus sobre Sua criação. “E disse Deus: Eis que vos tenho dado toda a erva que dê semente e que está sobre a face de toda a terra, e toda a árvore em que há fruto de árvore que dê semente; ser-vos-á para mantimento” (Gn 1:29, ACF). A dieta original prescrita para a humanidade era vegetariana.
As Escrituras expandem essa provisão divina. Salmos 24:1 (“Do Senhor é a terra e a sua plenitude”) e Salmos 115:16 (“Os céus são os céus do Senhor; mas a terra a deu aos filhos dos homens”) proclamam a soberania de Deus sobre a terra e Sua generosidade. Oséias 2:8 (Deus dando o trigo, o vinho, o azeite) e Atos 17:24-25, 28 (“O Deus que fez o mundo... que a todos dá a vida, e a respiração, e todas as coisas... porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos”) afirmam a contínua provisão de Deus. 1 Timóteo 6:17 adverte contra a confiança nas riquezas, mas em Deus, que “tudo nos dá abundantemente para delas gozarmos”.
A vegetação frutífera é novamente enfatizada como mantimento. Gênesis 2:16 e Gênesis 9:3 (a mudança para inclusão de carne após o dilúvio) contrastam com a dieta original. Jó 36:31 (“Porque com elas julga os povos, e dá alimento em abundância”) e Salmos 104:14-15, 27-28 (“Ele faz crescer a erva... para que da terra tire o alimento... Estes esperam em ti, para que lhes dês o seu mantimento a seu tempo. Tu lhes dás, e eles o recolhem; abres a tua mão, e se enchem de bens”) e Salmos 111:5 (“Dá mantimento aos que o temem”) e Salmos 136:25 (“O que dá mantimento a toda a carne”) e Salmos 145:15-16 (“Os olhos de todos esperam em ti, e tu lhes dás o seu mantimento a seu tempo. Abres a tua mão, e satisfazes os desejos de todos os viventes”) e Salmos 146:7 e Salmos 147:9 (Deus provê alimento aos necessitados e aos animais) e Isaías 33:16 (o pão do justo) e Mateus 6:11, 25-26 (Jesus ensinando sobre a provisão diária) e Atos 14:17 (Deus enchendo o coração com mantimento e alegria) todos celebram a provisão divina para a vida.
Em Gênesis 1:30, a provisão estende-se aos animais: “E a todo o animal da terra, e a toda a ave dos céus, e a todo o réptil da terra, em que há alma vivente, toda a erva verde lhes será para mantimento; e assim foi.” A Bíblia conecta isso a Gênesis 9:3 (a expansão da dieta), Jó 38:39-41, 39:4, 8, 30, 40:15, 20 (Deus provê para leões, corvos, filhotes de corvo e o behemote), Salmos 104:14 (ervas para o gado), Salmos 145:15-16 e Salmos 147:9 (Deus satisfaz o desejo de todos os seres vivos e alimenta os corvos), ilustrando o cuidado providencial de Deus por toda a Sua criação.
Finalmente, em Gênesis 1:31, a avaliação culminante: “E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom; e foi a tarde e a manhã, o sexto dia.” A designação de “muito bom” (טוֹב מְאֹד, tov me’od) representa a perfeição e a completude da criação antes da Queda. A Bíblia reforça isso com Jó 38:7 (estrelas da manhã cantando e filhos de Deus jubilando), Salmos 19:1-2 (“Os céus proclamam a glória de Deus; e o firmamento anuncia as obras das suas mãos”), Salmos 104:24 (“Quão numerosas são as tuas obras, Senhor! Todas as fizeste com sabedoria”) e Salmos 104:31 (“A glória do Senhor durará para sempre”). Lamentações 3:38 (“Não procede da boca do Altíssimo nem o mal nem o bem?”) e 1 Timóteo 4:4 (“Porque toda a criatura de Deus é boa, e não há nada que rejeitar, sendo recebido com ações de graças”) corroboram a bondade intrínseca da criação de Deus. A repetição final da fórmula temporal em Gênesis 2:2 e Êxodo 20:11 encerra o ciclo da criação, apontando para o descanso divino.
Conclusão: Gênesis 1 como o Ponto de Origem da Grande Narrativa Bíblica
A análise intertextual de Gênesis 1, enriquecida pelas referências da unidade teológica feita pela inspiração divina e uma leitura teológica aprofundada, revela que o capítulo não é apenas um relato histórico das origens, mas um fundamento teológico que ressoa em toda a Escritura. A criação é apresentada como um ato deliberado e ordenado de um Deus único, soberano e trino, que se manifesta pela Palavra (Cristo) e pelo Espírito.
Cada elemento da criação em Gênesis 1 — da formação do cosmos à organização da terra, da profusão da vida vegetal e animal à singularidade do homem criado à imagem de Deus e ao seu mandato de domínio — serve como um arquétipo para temas desenvolvidos em todo o cânon bíblico. A ordem inicial e a bondade da criação contrastam com a desordem introduzida pelo pecado (Gênesis 3), estabelecendo a necessidade da redenção que culminará em Cristo.
A coerência entre Gênesis 1 e as diversas passagens do Antigo e Novo Testamento, desde os livros poéticos e proféticos até os Evangelhos e as Epístolas, sublinha a unidade inerente da Bíblia. Essa concatenação de ideias demonstra que o propósito divino é singular e consistente, desdobrando-se desde o “princípio” até a consumação. O texto de Gênesis 1, portanto, não é um mero ponto de partida, mas um prefácio essencial que ilumina a compreensão da natureza de Deus, do homem, da criação e do grande plano redentor que permeia toda a narrativa bíblica. A precisão e a profundidade dessas interconexões afirmam a inspiração divina e a meticulosidade da revelação das Escrituras.
Índice: Gênesis 1 Gênesis 2 Gênesis 3 Gênesis 4 Gênesis 5 Gênesis 6 Gênesis 7 Gênesis 8 Gênesis 9 Gênesis 10 Gênesis 11 Gênesis 12 Gênesis 13 Gênesis 14 Gênesis 15 Gênesis 16 Gênesis 17 Gênesis 18 Gênesis 19 Gênesis 20 Gênesis 21 Gênesis 22 Gênesis 23 Gênesis 24 Gênesis 25 Gênesis 26 Gênesis 27 Gênesis 28 Gênesis 29 Gênesis 30 Gênesis 31 Gênesis 32 Gênesis 33 Gênesis 34 Gênesis 35 Gênesis 36 Gênesis 37 Gênesis 38 Gênesis 39 Gênesis 40 Gênesis 41 Gênesis 42 Gênesis 43 Gênesis 44 Gênesis 45 Gênesis 46 Gênesis 47 Gênesis 48 Gênesis 49 Gênesis 50
Bibliografia
ALTER, Robert. The Five Books of Moses: A Translation with Commentary. New York: W. W. Norton, 2004.
CASSUTO, Umberto. A Commentary on the Book of Genesis: Part I - From Adam to Noah. Jerusalem: Magnes Press, 1961.
HAMILTON, Victor P. The Book of Genesis: Chapters 1–17. Grand Rapids: Eerdmans, 1990. (NICOT – New International Commentary on the Old Testament).
SARNA, Nahum M. Genesis: The Traditional Hebrew Text with the New JPS Translation. Philadelphia: Jewish Publication Society, 1989.
VAN SETERS, John. Prologue to History: The Yahwist as Historian in Genesis. Louisville: Westminster John Knox Press, 1992.
WENHAM, Gordon J. Genesis 1–15. Dallas: Word Books, 1987. (Word Biblical Commentary, v. 1).
WALTKE, Bruce K. Genesis: A Commentary. Grand Rapids: Zondervan, 2001.
WESTERMANN, Claus. Genesis 1–11: A Commentary. Minneapolis: Fortress Press, 1994.
Seção Teologia
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2001.
GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2020.
WRIGHT, N. T. Surpreendido pela Esperança: Repensando o Céu, a Ressurreição e a Vida Eterna. São Paulo: Ultimato, 2018.