Estudo sobre Mateus 17:1-27

Estudo do Evangelho de Mateus

O MONTE DA TRANSFIGURAÇÃO

Mateus 7


Estudo sobre Mateus 17:1-8
Depois do grande momento de Cesareia de Filipe seguiu a grande hora do monte da Transfiguração. Observemos primeiro o cenário onde se produziu este momento de glória para Jesus e seus discípulos escolhidos. Há uma tradição que relaciona a transfiguração com o monte Tabor mas é muito pouco provável. O topo do monte Tabor era uma fortaleza armada e um grande castelo. Parece quase impossível que a Transfiguração se produziu em uma montanha que era uma fortaleza. É muito mais provável que o cenário da transfiguração tenha sido o monte Hermom. Hermom estava a vinte e dois quilômetros de Cesaréia de Filipe. É uma montanha muito alta, tanto que pode ser vista desde o Mar Morto, no outro extremo da Palestina, a mais de cento e sessenta quilômetros de distância. Hermom tem 2.820 m de altura e está a 3.300 m acima do nível do vale do Jordão. Não pode ter acontecido no próprio topo da montanha visto que é muito alta.

Canon Tristão relata como a escalou com seus companheiros. Puderam cavalgar quase até o final e a cavalgada durou oito horas. Não é fácil desdobrar muita atividade em um pico tão elevado. Tristão diz: “Passamos boa parte do dia no topo mas em pouco tempo nos sentimos afetados por dores devido à atmosfera rarefeita."

A Transfiguração aconteceu em algum lugar das ladeiras do majestoso e agradável monte Hermom. Deve ter sucedido de noite. Lucas nos diz que os discípulos estavam rendidos de sonho (Lucas 9:32). No dia seguinte, Jesus e seus discípulos voltaram para o vale para encontrar-se com que os estavam esperando o pai do menino epilético (Lucas 9:37). Esta surpreendente visão teve lugar em algum momento do entardecer, perto da noite ou durante a própria noite.

Devemos nos perguntar: Por que Jesus foi ali? Por que fez esta expedição a essas solitárias ladeiras da montanha? Lucas é quem nos dá a chave. Porque nos diz que Jesus estava orando (Lucas 9:29). Devemos nos colocar, na medida do possível, no lugar de Jesus. A esta altura dos acontecimentos, estava no caminho que o conduziria à cruz. Disso estava bem seguro, e uma e outra vez o disse a seus discípulos. Em Cesaréia de Filipe o vimos enfrentando um problema, preocupando-se com uma pergunta. Vimo-lo tratando de descobrir se havia alguém que o tinha reconhecido, por quem e o que era. Vimos que essa pergunta recebeu uma resposta triunfante porque Pedro tinha percebido o fato fundamental de que Jesus só podia ser descrito como o Filho de Deus. Mas havia uma questão ainda mais grave que Jesus devia resolver antes de empreender sua última viagem. Devia assegurar-se, além de toda dúvida, de que estava fazendo o que Deus desejava que fizesse. Tinha que certificar-se de que a vontade de Deus era, em realidade, que fosse a Jerusalém à cruz. Jesus foi ao monte Hermom para fazer a pergunta a Deus: "Estou fazendo Tua vontade ao me dirigir para Jerusalém?" Jesus foi ao monte Hermom para ouvi a voz de Deus e suas ordens. Não queria dar um só passo sem consultar a Deus. Como haveria de dar o maior passo que jamais deu, ou que jamais poderia dar, sem consultá-lo? Acima de tudo, o fato é que Jesus formulava uma pergunta e uma só: "É a vontade de Deus para mim?" E essa era a pergunta que formulou nas solitárias ladeiras do monte Hermom.

Uma das diferenças supremas entre Jesus e nós, um dos fatos que fazia de Jesus o que era, era que sempre perguntava: "O que Deus quer que Eu faça?"; nós quase sempre perguntamos: "O que quero fazer?" Costumamos a dizer que a característica que diferenciava a Jesus de todos outros era que carecia de pecado. O que queremos dizer com isso? Queremos dizer o seguinte: que Jesus não tinha vontade fora da vontade de Deus.

Quando Jesus tinha algum problema não tratava de solucioná-lo pela mera força de seu próprio pensamento. Não o levava a outros para obter um conselho humano, levava-o a lugar solitário e a Deus.

A BÊNÇÃO DO PASSADO
Estudo sobre Mateus 17:1-8 (continuação)

Sobre as ladeiras da montanha apareceram diante de Jesus duas grandes figuras: Moisés e Elias. É fascinante comprovar em quantos aspectos a experiência destes dois grandes líderes do povo e servos de Deus se assemelhavam à experiência de Jesus. Quando Moisés desceu do monte Sinai não sabia que a pele de seu rosto resplandecia (Êxodo 34:29). Tanto Moisés como Elias tiveram suas experiências mais íntimas de Deus sobre uma montanha. Foi no monte Sinai onde subiu Moisés para receber as tábuas da Lei (Êxodo 31:18). Foi no monte Horebe onde Elias encontrou a Deus, não no vento nem no terremoto, e sim na voz suave e delicada (1 Reis 19:9-12). É estranho que tenha havido algo maravilhoso a respeito da morte de Moisés e de Elias. Deuteronômio 34:5-6 relata a morte solitária de Moisés sobre o monte Nebo. Parece como se Deus mesmo tivesse sido quem enterrou o grande líder do povo: “Assim, morreu ali Moisés, servo do SENHOR, na terra de Moabe, segundo a palavra do SENHOR. Este o sepultou num vale, na terra de Moabe, defronte de Bete-Peor; e ninguém sabe, até hoje, o lugar da sua sepultura”. Quanto a Elias, tal como o relata a velha história, despediu-se de Eliseu em um carro de fogo com cavalos de fogo (2 Reis 2:11). As duas figuras que apareceram a Jesus quando estava por empreender o caminho para Jerusalém eram homens que pareciam muito grandes para morrer.

Além disso, como já vimos, os judeus estavam convencidos de que Elias seria o precursor e o arauto do Messias e pelo menos alguns mestres judeus criam também que quando chegasse o Messias viria acompanhado por Moisés. É fácil ver quão apropriada e adequada era esta visão de Moisés e Elias. Mas nenhuma destas razões é o motivo real pelo qual Jesus recebeu a visão de Moisés e Elias.

Mais uma vez devemos nos remeter ao relato que faz Lucas da Transfiguração. Lucas nos diz que Moisés e Elias falaram com Jesus "de sua partida que ia Jesus a cumprir em Jerusalém" (Lucas 9:31). A palavra que se emprega em grego para expressar a partida é muito significativa. Trata-se da palavra êxodos que é a mesma palavra que se emprega em português como êxodo. Estas duas figuras conspícuas do passado falaram com Jesus sobre seus êxodos. Agora, a palavra êxodos tem uma conotação muito especial. É o termo que sempre se emprega para referir-se à partida do povo de Israel da terra do Egito para o caminho desconhecido do deserto que deveria de levá-los finalmente à Terra Prometida. A palavra êxodo é a que descreve o que poderíamos denominar a viagem mais arriscada da história, uma viagem no qual um povo inteiro, apoiando-se em uma total confiança em Deus, lançou-se para o desconhecido. Isso era exatamente o que Jesus estava a ponto de fazer. Com uma total confiança em Deus estava por empreender a aventura tremenda dessa viagem a Jerusalém; uma viagem rodeada de perigos, uma viagem que implicava um cruz mas que culminaria na glória. Ora, dentro do pensamento judeu estas duas figuras, Moisés e Elias, sempre representavam inevitavelmente determinadas coisas. Moisés era o maior de todos os legisladores; era, em forma suprema e única, o homem que tinha levado a Lei de Deus aos homens. Elias era o maior de todos os profetas; nele a voz de Deus falava com os homens de maneira direta. Estes dois homens eram os pontos culminantes da história e os logros religiosos do Israel. É como se as maiores figuras da história de Israel se aproximassem de Jesus quando se preparava para sair em sua única e maior aventura rumo ao desconhecido e lhe tivessem dito que continuasse sua viagem. Neles, toda a história reconhecia a Jesus como sua própria consumação. O maior dos legisladores e o profeta supremo reconheciam a Jesus como Aquele a quem tinham anunciado. De maneira que as maiores figuras humanas testificavam a Jesus que estava em bom caminho e o insistiam com ele a seguir em seu êxodo arriscado para Jerusalém e o Calvário.

Mas havia algo mais que isso; não só o maior dos profetas e o legislador de maior envergadura asseguraram a Jesus que estava certo; a própria voz de Deus veio lhe dizer que estava em bom caminho, que estava no caminho de Deus, que devia continuar.

Todos os evangelistas fazem referência à nuvem luminosa que os cobriu. Essa nuvem era parte da história do Israel. Ao longo de toda a história a nuvem luminosa representava o shekinah, que não era outra coisa senão a glória de Deus Todo-poderoso. Vejamos essa nuvem na história de Israel. Em Êxodo lemos sobre a coluna de nuvens que guiaria o povo em seu caminho (Êxodo 13:21-22). Também em Êxodo lemos a respeito da construção e término do tabernáculo e ao final do relato nos deparamos com estas palavras: “Então, a nuvem cobriu a tenda da congregação, e a glória do SENHOR encheu o tabernáculo” (Êxodo 40:34). Em uma nuvem o Senhor desceu para dar as tábuas da Lei a Moisés (Êxodo 34:5). Voltamo-nos a encontrar com esta nuvem misteriosa e cheia de luz na dedicação do templo do Salomão; “Tendo os sacerdotes saído do santuário, uma nuvem encheu a Casa do SENHOR” (1 Reis 8:10-11; ver também 2 Crônicas 5:13-14; 7;2). Ao longo de todo o Antigo Testamento aparece esta imagem da nuvem na qual estava a glória misteriosa de Deus.

Acontece que podemos acrescentar a tudo isso outro fato muito eloquente. Os viajantes nos relatam um fenômeno muito estranho que caracteriza o monte Hermom. Edersheim escreve: “Notou-se uma estranha peculiaridade a respeito de Hermom na ‘extrema rapidez com que se formam as nuvens em seu topo. Em poucos minutos se forma uma capa grosa sobre o topo da montanha, e com a mesma rapidez se dispersa e desaparece por completo’.” Não cabe dúvida que nesta oportunidade se aproximou uma nuvem às ladeiras de Hermom, e tampouco se pode duvidar que em um princípio os discípulos lhe deram pouca importância porque Hermom era famoso pelas nuvens que chegavam e desapareciam. Mas aconteceu algo; não somos nós os que devemos adivinhar o que aconteceu, mas a nuvem se iluminou e se converteu em algo misterioso e saiu dela a voz da majestade divina que impôs o selo de aprovação de Deus sobre seu Filho Jesus. E nesse momento foi respondida a oração de Jesus; soube, sem lugar a dúvidas, que tinha razão ao seguir seu caminho.

O monte da Transfiguração foi para Jesus um topo espiritual. Tinha diante de Si o seu êxodo. Estava no bom caminho? Estava certo ao aventurar-se indo para Jerusalém e aos braços torturantes da cruz? Em primeiro lugar, chegou-lhe o veredicto da história, o maior dos legisladores e o maior dos profetas, para lhe dizer que continuasse. E logo, muito maior ainda que essa grandeza, chegou uma voz que lhe deu nada menos que a aprovação de Deus. Foi a experiência do monte da Transfiguração o que permitiu a Jesus dirigir-se inflexivelmente para a cruz.

A INDICAÇÃO DE PEDRO
Estudo sobre Mateus 17:1-8 (continuação)

Mas o episódio da Transfiguração sofreu um determinado efeito não só sobre Jesus, mas também sobre seus discípulos.

(1) As mentes dos discípulos deviam estar ainda feridas e afligidas pela insistência de Jesus sobre o fato de que devia ir a Jerusalém para ser humilhado, tratado como um criminoso, para sofrer, para ser crucificado e morrer. Devem ter pensado que a única coisa que os aguardava era uma negra vergonha. Mas toda a atmosfera do monte da Transfiguração está impregnada de glória. Desde o começo até o final a chave de todo este incidente é a glória. O rosto de Jesus brilhava como o Sol e suas vestimentas refulgiam e deslumbravam como a luz. Os judeus conheciam muito bem a promessa de Deus aos justos triunfantes: "Seu rosto brilhará como o Sol" (2 Esdras 7:97). Nenhum judeu poderia ter visto essa nuvem luminosa sem pensar na shekinah, a glória de Deus sobre seu povo.
Há um detalhe muito revelador nesta passagem. Não menos de duas vezes em seus oito breves versículos aparece o pequeno advérbio: "eis que". É como se Mateus não pudesse sequer relatar a história sem reter o fôlego ante sua assombrosa maravilha. Sem dúvida se tratava de algo que elevaria os corações dos discípulos; permitiria que vissem a glória através da vergonha; o triunfo através da humilhação; a coroa além da cruz. É evidente que nem sequer então entenderam; mas sem dúvida deve ter-lhes dado uma remota percepção de que a cruz não era todo humilhação, que de algum modo implicava certa glória, que de algum modo a glória era o mesmo ar e a atmosfera do êxodo para Jerusalém e para a morte.

(2) Além disso Pedro deve ter aprendido duas lições nessa noite. Quando Pedro despertou para o que acontecia, sua primeira reação foi construir três tabernáculos; um para Jesus, um para Moisés e um para Elias. Pedro sempre estava disposto à ação, era o tipo de pessoa que precisa fazer algo todo tempo. Mas há um momento em que é necessária a tranquilidade, um momento para a contemplação, a maravilha, a adoração, o assombro reverencial ante a presença da glória suprema. "Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus" (Salmo 46:10). Pode acontecer que às vezes estamos muito ocupados fazendo algo, quando seria melhor que permanecêssemos em silêncio, escutando, experimentando um sentimento de maravilha, adorando na presença de Deus. Antes de poder lutar e aventurar-se sobre seus pés, o homem deve orar sobre seus joelhos.

(3) Mas há também o reverso disto. É evidente que a intenção do Pedro era esperar sobre a ladeira da montanha. Queria que se prolongasse esse grande momento. Não queria descer mais uma vez às coisas cotidianas e simples; queria permanecer para sempre sob a luz da glória. É um sentimento que todos devemos conhecer. Há momentos de intimidade, de serenidade, de paz, de proximidade com Deus, que todos conheceram e que todos desejariam prolongar. Como diz A. H. McNeile: "O monte da Transfiguração sempre é um lugar mais agradável que o ministério diário ou o caminho da cruz." Mas o monte da Transfiguração só nos é dado dá a fim nos proporcionar forças para o ministério de todos os dias e para nos fazer capazes de andar no caminho da cruz. Susana Wesley costumava pronunciar uma oração: "Ajuda-me, Senhor, a lembrar que a religião não deve confinar-se à igreja ou à cela, nem exercer-se apenas na oração e na meditação, mas sim em todas as partes estou em Tua presença." O momento de glória não existe por si mesmo, existe para recobrir as coisas comuns com uma luminosidade e um brilho que nunca antes tiveram.

ENSINANDO O CAMINHO DA CRUZ
Estudo sobre Mateus 17:9-13, 22-23

Aqui nos deparamos mais uma vez com a ordem de Jesus de manter o segredo; e era necessário que assim o fizessem. O grande perigo era que os homens proclamassem a Jesus como o Messias sem saber quem e o que era o Messias. Era necessário mudar de maneira radical e fundamental toda a concepção que tinham tanto do precursor como do Messias.

Levaria muito tempo fazê-los esquecer a ideia de um Messias conquistador. Tão enraizada estava na mente judia que era difícil – quase impossível – alterá-la. Os versículos 9-13 são muito difíceis. Por trás nos encontramos com a seguinte ideia. Os judeus estavam de acordo em que antes da vinda do Messias voltaria Elias para ser seu arauto e precursor. “Eis que eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível Dia do SENHOR.” Assim escreve Malaquias e continua: “Ele converterá o coração dos pais aos filhos e o coração dos filhos a seus pais, para que eu não venha e fira a terra com maldição.” (Malaquias 4:5-6). Pouco a pouco foram sendo elaborados detalhes quanto a esta ideia da vinda de Elias até que os judeus chegaram a acreditar que Elias não só viria, mas também restauraria todas as coisas antes da chegada do Messias; que converteria o mundo em lugar adequado para a entrada do Messias. A ideia era que Elias seria um reformador terrível e radical, que caminharia por todo o mundo, destroçando o mal e solucionando todas as injustiças. O resultado foi que se pensava tanto no precursor como no Messias em termos de poder.

De maneira que Jesus corrige esta ideia. "Os escribas", disse, "dizem que Elias virá como um raio de fogo purificador e vingador. Ele veio; mas seu caminho foi o caminho do sofrimento e do sacrifício, como deve ser também o caminho do Filho do Homem." Jesus estabeleceu que o caminho do serviço de Deus nunca é o caminho que destrói a existência dos homens, mas o que lhes infunde um amor sacrificial.

Isso era o que os discípulos deviam aprender e por isso deviam permanecer em silêncio até que o aprendessem. Se tivessem saído a pregar sobre um Messias conquistador a única coisa que teriam conseguido teria sido provocar uma tragédia. Estabeleceu-se que no século anterior à crucificação não menos de 200.000 judeus perderam a vida em revoluções e levantamentos inúteis e estéreis. Antes que os homens pudessem pregar sobre Cristo deviam saber quem e o que era Cristo. E até que Jesus tivesse ensinado a seus servidores a necessidade da cruz deviam permanecer em silêncio e aprender. O que devemos levar aos homens não são nossas ideias, e sim a mensagem de Cristo, e nenhum homem pode ensinar a outros até que Cristo não o tenha ensinado.

A FÉ ESSENCIAL
Estudo sobre Mateus 17:14-20

Assim que Jesus desceu da glória celestial deparou-se com o problema terreno e a exigência prática. Durante a ausência de Jesus um homem tinha levado aos discípulos seu filho epilético. Mateus descreve o moço com o verbo seleniazesthai, cujo significado literal é lunático. Como era inevitável nessa época, o pai atribuía a condição do menino à influência de espíritos malignos. O estado do moço era tão sério que era um perigo para ele mesmo e para todos os outros. Quase podemos escutar o suspiro de alívio quando apareceu Jesus, e podemos vê-lo tomando conta na hora de uma situação que estava totalmente fora de controle. Com uma palavra severa e forte ordenou ao demônio que se retirasse e o menino ficou curado.

Este relato está cheio de coisas significativas.

(1) Não podemos deixar de nos comover com a fé do pai do menino. Embora fosse dado aos discípulos o poder de expulsar demônios (Mateus 10:1), encontramo-nos com um caso em que tinham fracassado em forma pública e notória. E entretanto, apesar do fracasso dos discípulos o pai nunca duvidou do poder do próprio Jesus. É como se tivesse dito: "Permitam-me aproximar de Jesus em pessoa e todos os meus problemas ficarão resolvidos e minhas necessidades satisfeitas." Há nisto algo muito sério; algo que é universal e muito atual. Há muitos que sentem que a igreja, os discípulos declarados de Jesus em sua própria época e geração, fracassaram e são incapazes de enfrentar os males da situação humana; e entretanto, no fundo de seu coração sentem: "Se pudéssemos ir além destes discípulos humanos, se pudéssemos transpor a fachada eclesiástica e o fracasso da igreja, se pudéssemos nos aproximar do próprio Jesus, receberíamos o que necessitamos." É tanto uma condenação como um desafio comprovar que, apesar de que os homens perderam a fé na igreja, jamais perderam uma ofegante fé no próprio Jesus Cristo.

(2) Aqui vemos as constantes exigências a que estava submetido. Diretamente da glória do topo da montanha, desceu para encontrar-se com as exigências da necessidade e o sofrimento humanos. Diretamente depois de ouvir a voz de Deus, teve que ouvir o clamor da necessidade humana. A pessoa mais valiosa e a mais semelhante a Cristo é aquela que jamais considera que seu próximo é um estorvo. É fácil sentir-se cristão no momento da oração e da meditação; é fácil sentir-se perto de Deus quando se fecharam as portas ao mundo e quando o céu está muito perto. Mas isso não é religião, é escapismo. A verdadeira religião consiste em nos levantarmos dos joelhos diante de Deus para nos enfrentarmos com os homens e a situação humana. A verdadeira religião consiste em tirar forças de Deus a fim de dá-las a outros. A verdadeira religião implica tanto em encontrar-se com Deus no lugar secreto como com os homens no mercado. A verdadeira religião consiste em levar nossas necessidades a Deus, não para ter paz, quietude e conforto sem moléstias, antes para poder satisfazer as necessidades de outros com generosidade, força e eficácia. As asas da pomba não são para o cristão, quem deve seguir a seu Mestre fazendo o bem.

(3) Aqui vemos a dor de Jesus. Não é que Jesus diga que quer desfazer-se para sempre de seus discípulos. O que diz é o seguinte: "Quanto tempo devo estar convosco até que me compreendam?" Não há nada mais próprio de Cristo que a paciência. Quando estamos a ponto de perder a paciência com as loucuras e tolices dos homens, recordemos a paciência infinita de Deus com os extravios, as deslealdades e a impossibilidade de ensinar a nossas próprias almas.

(4) Vemos aqui a necessidade central da fé, sem a qual não pode acontecer nada. Quando Jesus falou de mover montanhas estava empregando uma frase que os judeus conheciam muito bem. Era comum denominar arrancador ou pulverizador de montanhas a um grande mestre que podia expor e interpretar as Escrituras, que podia explicar e resolver dificuldades. Destroçar, arrancar, pulverizar montanhas eram frases que se empregavam com frequência para expressar a solução de dificuldades. Jesus jamais teve a intenção de que se tomassem suas palavras em sentido literal. Depois de tudo, o homem comum quase nunca sente a necessidade de arrancar uma montanha física. O que quis dizer foi o seguinte: "Se tiverem a suficiente medida de fé, podem resolver todas as dificuldades, e se pode cumprir até a tarefa mais árdua".

A fé em Deus é o instrumento que permite aos homens tirar as montanhas de dificuldades que obstruem seu caminho.

O IMPOSTO DO TEMPLO
Estudo sobre Mateus 17:24-27

O templo de Jerusalém era um lugar cuja manutenção e administração consumia grandes somas. Todas as manhãs e todas as tardes se fazia o sacrifício de um cordeiro de um ano. Junto com o sacrifício do cordeiro se ofereciam, também, o vinho, o azeite e a farinha correspondentes. O incenso, que se queimava todos os dias devia ser comprado e preparado. As custosas tapeçarias e as vestes talares se gastavam; e a toga e outros trajes do Sumo Sacerdote custavam um siclo. Tudo isto exigia que houvesse dinheiro para pagar os gastos. Por isso, apoiando-se em Êxodo 30:13 se estabeleceu que todo varão judeu que tivesse mais de vinte anos devia pagar ao templo um imposto anual do meio siclo. Na época de Neemias, quando a pessoa era pobre, tinha que pagar um terço de siclo. Meio siclo equivalia a dois dracmas gregas; costumava denominar-se c'idrachma a tal imposto: esse é o nome que recebe nesta passagem. O valor do imposto era ao redor de 13 centavos de dólar; deve avaliar-se essa cifra tendo em conta que o salário de um trabalhador, na Palestina do tempo de Jesus não excedia os quatro centavos de dólar. De maneira que o imposto equivalia ao pagamento de três dias. O tesouro do templo recebia não menos de 178.300 dólares por ano. Teoricamente o imposto era obrigatório, e as autoridades do templo tinham poder para dispor dos bens de qualquer pessoa que não fizesse o pagamento.

O método de arrecadação estava cuidadosamente organizado. No primeiro dia do mês do Adar, que é nosso mês de março, anunciava-se em todas as cidades e povos da Palestina que tinha chegado o momento de pagar o imposto. No dia quinze do mês se erigiam em cada cidade e povo postos nos quais se cobrava o imposto. Se até o dia vinte e cinco de Adar não se pagou o imposto, era preciso fazê-lo diretamente no templo de Jerusalém.

Nesta passagem vemos que Jesus paga seu imposto ao templo. As autoridades encarregadas de sua cobrança se aproximaram de Pedro e lhe perguntaram se seu Mestre pagava o imposto. Não há a menor dúvida de que a pergunta foi feita com má intenção e que esperavam que Jesus se negasse a pagar o imposto, pois em tal caso, os líderes ortodoxos teriam alguma razão para acusá-lo. A resposta imediata de Pedro foi que Jesus pagava seu imposto. Assim, pois, Pedro foi informar a Jesus sobre o incidente e Jesus usou uma espécie de parábola nos versículos 25 e 26. A imagem pode referir-se a duas coisas, mas em qualquer dos dois casos o significado é o mesmo.

(1) No mundo antigo as nações que conquistavam e colonizavam não pensavam em governar em benefício dos povos subjugados. Antes consideravam que os povos subjugados existiam para tornar as coisas fáceis aos conquistadores. O resultado deste ponto de vista era que o próprio país de um rei nunca lhe pagava tributo, se tinha países subjugados. Eram as nações conquistadas as que carregavam o peso e pagavam o imposto, enquanto que a nação do rei estava isenta dele. De maneira que o sentido das palavras de Jesus pode ser: "Deus é o rei de Israel, mas nós somos o verdadeiro Israel, porque somos os cidadãos do Reino de Deus, os de fora possivelmente tenham que pagar, mas nós estamos isentos de impostos."

(2) É provável que a imagem seja muito mais simples. Se qualquer rei impunha impostos em um país, sem dúvida não os impunha à sua própria família e a quem vivia em sua casa. De fato, os impostos se cobravam para manter sua própria casa. Agora, o imposto em questão se cobrava para o templo, que era a casa de Deus. Jesus era o Filho de Deus. Acaso não diz quando seus pais o buscavam em Jerusalém, e assim é como deve ser traduzido: "Não sabiam que devia estar na casa de meu Pai?" (Lucas 2:49). Como podia ser que o Filho tivesse a obrigação de pagar o imposto destinado à casa de seu próprio Pai? Entretanto, Jesus disse que deviam pagar, não pela obrigação imposta pela lei, mas sim por um dever supremo. Jesus disse que deviam pagar "para não ofendê-los".

O Novo Testamento sempre emprega o verbo ofender (skandalizein) e o substantivo ofensa (skandalon) de maneira especial. O verbo nunca significa insultar, zangar ou ferir o orgulho de alguém. Sempre quer dizer pôr um obstáculo no caminho de alguém para fazê-lo tropeçar ou cair. A palavra skandalon em grego não tem o mesmo sentido que nosso termo escândalo; sempre é algo que faz alguém cair, leva alguém a tropeçar. De maneira que o que Jesus diz é o seguinte: "Devemos pagar para não dar mau exemplo a outros. Não só sabemos cumprir o nosso dever, mas também devemos ir além de nosso dever para mostrar a outros o que devem fazer. Jesus não se permitia fazer nada que promovesse que outros subtraíssem importância às obrigações mais simples. Na vida pode acontecer que tenhamos oportunidade de reclamar isenções e permissões especiais. Pode ser que possamos nos permitir fazer certas coisas com relativa impunidade. Mas não podemos reclamar nem nos permitir nada que poderia ser um mau exemplo para outra pessoa.

Mas, podemos nos perguntar: Por que chegou a transmitir-se este relato? Como é evidente, os evangelistas deviam selecionar seu material por razões de espaço, por que escolheram este incidente? Lembremos quando se escreveu o Evangelho do Mateus: entre os anos 80 e 90 d.C.

Justo antes desses anos os judeus e os cristãos judeus se enfrentaram com um problema muito real e perturbador. Vimos que cada varão judeu de mais de vinte anos devia pagar o imposto do templo; mas o templo foi totalmente destruído no ano 70 d. C. e nunca foi reconstruído. Depois da destruição do templo, o imperador romano Vespasiano decretou que agora era preciso pagar o imposto ao templo de meio siclo ao tesouro do templo de Júpiter Capitolino em Roma. Isto realmente constituía um problema. Muitos judeus e cristãos judeus se sentiram inclinados a rebelar-se com violência contra este decreto. Qualquer rebelião desse tipo e envergadura teria tido consequências desastrosas porque teria sido totalmente esmagada e judeus e cristãos ficariam com uma reputação de maus cidadãos, desleais, rebeldes e desinteressados em seu país. Este relato se incluiu nos evangelhos para dizer aos cristãos, especialmente aos judeus, que por mais desagradáveis que fossem, era preciso aceitar e cumprir os deveres da cidadania. Esta história está relatada para nos assinalar que o cristianismo e a virtude de ser um bom cidadão vão de mãos dadas. O cristão que não cumpre com os deveres de bom cidadão não só falha como cidadão, mas também como cristão.


COMO PAGAR NOSSAS DÍVIDAS
Estudo sobre Mateus 17:24-27 (continuação)

Vamos agora ao relato em si. Se tomarmos em seu sentido cru e literal significa que Jesus ordenou a Pedro que fosse pescar um peixe, em cuja boca acharia um estáter com o qual bastaria para pagar o imposto de ambos. Não deixa de ser pertinente assinalar que o evangelho não diz que Pedro tenha completado a ordem. O relato termina com essa frase. Antes de começar a analisar a história devemos lembrar que todos os povos orientais costumam dizer as coisas na forma mais gráfica e expressiva possível, e que costumavam dizê-lo com um sorriso.

Este milagre é difícil; analisemos três pontos de vista.

(1) Em primeiro lugar, é um fato concreto que Deus nunca envia um milagre para nos permitir fazer algo que nós mesmos podemos fazer. Se o fizesse nos faria um mal e não nos proporcionaria nenhuma ajuda. Por mais pobres que fossem os discípulos, não necessitavam um milagre para poder ganhar dois meios ciclos. Não estava fora de suas possibilidades o obter essa soma com seu trabalho.

(2) Este milagre transgride a grande decisão feita por Jesus no sentido de não empregar jamais seu poder de fazer milagres para seus fins pessoais e em benefício próprio. Essa foi a decisão que tomou, de fato, durante as tentações no deserto. Poderia ter transformado as pedras em pães para satisfazer sua fome; mas se recusou fazê-lo. Poderia ter empregado seu poder para aumentar seu prestígio como operador de maravilhas, mas recusou fazê-lo. No deserto Jesus decidiu de uma vez e para sempre que não usaria nem podia usar seu poder em forma egoísta. Não há dúvida que se se tomar este relato de maneira literal demonstra que Jesus usou seu poder divino para satisfazer suas necessidades pessoais, e isso era algo que Jesus jamais faria.

(3) Se se tomar este milagre em seu sentido literal, é até imoral em certo sentido. A vida se transformaria em algo caótico se o homem pudesse pagar suas dívidas encontrando moedas na boca dos peixes. A vida jamais se organizou de maneira que os homens pudessem cumprir suas obrigações de maneira tão fácil e sem fazer o menor esforço. "Os deuses", disse um dos gregos, "ordenaram que o suor fosse o preço de todas as coisas." Isso é tão válido para o pensador cristão como o era para o grego.

Sendo assim, o que diremos sobre esta passagem? Devemos dizer que não é mais que uma lenda, uma ficção imaginada carente de toda verdade que a sustente? Por certo que não. Não resta a menor dúvida de que algo aconteceu. Lembremos mais uma vez o gosto que sentiam os judeus pelas cenas vívidas. Sem dúvida isto foi o que aconteceu: Jesus disse a Pedro: "Sim, Pedro. Você tem razão. Nós também devemos pagar nossas dívidas justas e legais. Bem, já sabe como terá que fazê-lo, volta para a pesca durante um dia. Você obterá bastante dinheiro da boca dos peixes para pagar o que devemos!" O que dizia Jesus era o seguinte: "Volta para o seu trabalho, Pedro; essa é a maneira como se pagam as dívidas." Assim a digitadora encontrará um casaco novo no uso de seu computador. O mecânico encontrará comida para ele e sua família no cilindro do automóvel. O professor encontrará o dinheiro para viver no quadro-negro e nos gizes. O contador encontrará o dinheiro necessário para manter a seus seres queridos nos livros.

Quando Jesus pronunciou estas palavras o fez com esse sorriso suave que o caracterizava e com seus dotes para a linguagem expressiva. Não disse a Pedro que procurasse moedas na boca dos peixes em um sentido literal. O que lhe disse foi que em seu dia de trabalho obteria o que necessitava para poder cumprir as suas obrigações.