Estudo sobre Mateus 20:1-34
Estudo sobre Mateus 20
O PROPRIETÁRIO BUSCA TRABALHADORES
Estudo sobre Mateus 20:1-16
Pode parecer que esta parábola descreve uma situação imaginária mas não é assim. Além do método de pagamento, a parábola descreve o tipo de coisas que aconteciam com muita frequência na Palestina. Na Palestina a uva amadurecia em de fins de setembro, e imediatamente depois vêm as chuvas. Se não se fizer a colheita antes das chuvas, arruína-se; de maneira que a colheita de uvas é uma luta encarniçada contra o relógio. Recebe-se a qualquer operário, embora só possa dar uma hora de seu trabalho.
O pagamento era o normal: um denário ou um dracma era o pagamento corrente para um dia de trabalho. E ainda se se levar em conta a diferença que existe com respeito aos critérios modernos e no poder aquisitivo, menos de um centavo de dólar não era uma soma que deixasse muita margem.
Os homens que estavam parados na praça não eram folgazões desses que passam o dia nas esquinas vagando. Na Palestina a praça era uma espécie de bolsa de trabalho. Os homens foram à praça muito cedo com suas ferramentas e esperavam até que viesse alguém a contratá-los. Os homens que estavam no mercado não eram ociosos que contavam intrigas; esperavam trabalho e o fato de alguns permanecerem nesse lugar até as cinco da tarde demonstra quão desesperados estavam por encontrar alguma ocupação.
Estes homens eram operários contratados; eram a classe mais baixa de trabalhadores e sua vida era de uma precariedade desesperadora. Os escravos e as sementes eram considerados ligados à família de algum modo; pertenciam ao grupo familiar, sua sorte mudava com a sorte da família, mas jamais experimentariam o iminente perigo de morrer de fome em tempos normais. Muito diferente era o que acontecia com os operários contratados. Não estavam ligados a nenhum grupo; estavam a total mercê do emprego casual; sempre viviam à margem da inanição. Como vimos, o pagamento era de menos de um centavo de dólar; e se não trabalhavam um dia, seus filhos ficavam sem comer, porque ninguém podia economizar muito desse salário. Para eles, não ser contratados um dia era um desastre.
As horas que aparecem na parábola são as horas normais dos judeus. O dia judeu começava com a saída do Sol, às seis da manhã, e as horas se contavam deste momento até as seis da tarde, quando começava, oficialmente, o próximo dia. Contando das seis da manhã, a terceira hora são as nove da manhã, a sexta são as doze do meio-dia e a décima primeira são as cinco da tarde. A imagem que aparece nesta parábola é uma descrição exata do que podia acontecer na praça de qualquer povo ou aldeia judaica durante a época em que se colhia a uva com a maior rapidez possível antes que chegassem as chuvas.
TRABALHO E SALÁRIO NO REINO DE DEUS
Estudo sobre Mateus 20:1-16 (continuação)
C. G. Montefiore considera que esta é "uma das maiores e mais gloriosas parábolas de todas". De fato, pode ter tido uma aplicação relativamente limitada no momento em que foi relatada pela primeira vez; mas contém uma verdade que penetra no coração da religião cristã.
Começaremos com o significado aparentemente limitado que teve em sua origem.
(1) Em certo sentido é uma advertência aos discípulos. É como se Jesus lhes dissesse: "Vocês recebestes o grande privilégio de entrar na Igreja e na comunidade cristã muito cedo, desde seu próprio começo. Chegará o momento, em épocas posteriores, em que outros entrarão para fazer parte dela. Vocês não devem exigir uma honra e um lugar especiais porque foram cristãos antes que eles. Todos os homens, não importa quando cheguem, são igualmente valiosos para Deus."
Há quem acredite que porque pertenceu a uma determinada igreja durante muito tempo esta virtualmente lhes pertence e podem ditar suas ações. Essas pessoas se ofendem pelo que consideram uma intromissão de sangue novo em sua igreja ou o surgimento de uma nova geração que não tem seus mesmos planos e costumes. Na Igreja cristã, a antiguidade nem sempre implica honras.
(2) Também há uma clara advertência aos judeus. Os judeus sabiam que eram o povo eleito e nunca o esqueceriam por própria vontade. Por isso, desprezavam os gentios. Em geral os odiavam, desprezavam-nos, e não esperavam mais que sua destruição. Se se devia permitir a entrada de gentios na Igreja, teriam que ser aceitos em qualidade de seres inferiores.
Alguém disse certa vez: "Na economia de Deus, como alguém disse, não existe nada semelhante a uma cláusula de nação mais favorecida." O cristianismo desconhece por completo o conceito de uma raça superior. Pode ser que os que temos sido cristãos durante tanto tempo tenhamos muito a aprender das Iglesias jovens que são os "recém-chegados" à comunidade da fé.
(3) Estes foram os ensinos originais da parábola, mas quando a lemos agora, muitos séculos depois de ter sido escrita, tem muitas mais coisas a nos ensinar.
Não há dúvida de que contém o consolo de Deus. Significa que não importa quando entre o homem ao reino, mais cedo ou mais tarde, no ardor da juventude, no vigor da maturidade ou quando as sombras se alargam, Deus o ama igualmente. Os rabinos costumavam dizer: "Alguns entram no reino em uma hora, outros só entram em toda uma vida." Na imagem da Cidade Santa do Apocalipse há doze portas. Há portas no lado Este que é a direção da aurora pela qual pode entrar o homem na alegre manhã de sua vida; e há portas no Oeste que é a direção do Sol poente pelas quais o homem pode entrar quando avançou em anos. Não importa em que momento o homem se aproxime de Cristo, é igualmente querido para Ele.
Não podemos ir ainda mais longe nesta idéia do consolo? Às vezes o homem morre com muitos anos e cheio de honras quando terminou sua tarefa, e cumpriu o seu trabalho. Às vezes se vai um jovem, quase antes de se abrirem as portas da vida e de sua realização pessoal. Ambos receberão as mesmas boas-vindas da parte de Deus. Cristo está esperando a ambos, e nenhum dos dois terminou sua vida muito cedo ou muito tarde, no sentido divino.
(4) Também encontramos a compaixão infinita de Deus. Há um elemento de ternura humana nesta parábola. Não há nada mais trágico neste mundo que um homem que está sem trabalho, um homem cujos talentos se enferrujam pelo desuso porque não tem nada a fazer. Hugh Martin nos lembra que um grande professor costumava dizer que as palavras mais tristes em toda a obra de Shakespeare são: "A ocupação de Otelo chegou ao fim."
Ali estavam aqueles homens esperando na praça da Palestina porque ninguém tinha ido contratá-los; em sua compaixão aquele senhor lhes deu trabalho; não podia suportar vê-los sem fazer nada, porque seu coração sofria ao ver um homem sem trabalho. Além disso, em estrita justiça, quanto menos horas um homem trabalhasse, menor era seu pagamento. Mas o senhor sabia muito bem que um centavo de dólar por dia não era um salário muito alto, sabia muito bem que se o operário voltasse para sua casa com menos dinheiro se encontraria com uma mulher preocupada e meninos com fome; portanto foi além da justiça e lhes deu mais do que mereciam. Tal como aparece, esta parábola estabelece em forma implícita duas grandes verdades que são o próprio estatuto do operário: o direito de todo homem a trabalhar, e o direito a um salário que lhe permita viver.
(5) Também aparece a generosidade de Deus. Nem todos estes fizeram o mesmo trabalho mas todos receberam o pagamento. Aqui nos encontramos com dois ensinos:
Um ensino, como se tem dito, é: "Todo serviço tem o mesmo valor para Deus". O que importa não é a quantidade de serviço mas o amor com que se oferece. Um homem muito rico pode nos dar umas centenas de dólares em um gesto de generosidade e em realidade nos sentimos agradecidos; um menino nos pode dar um presente de aniversário ou de Natal que só lhe custou uns centavos mas os economizou com amor e esforço e esse presente, que não tem valor em si mesmo, comove-nos mais. Deus não olha a quantidade de serviço que oferecemos. Enquanto nosso serviço seja tudo o que temos, todo serviço tem o mesmo valor para Deus.
O segundo ensino é ainda mais importante: tudo o que Deus nos dá, no-lo dá de graça, Não podemos ganhar o que Deus nos dá, não podemos merecê-lo; não podemos converter a Deus em nosso devedor. O que Deus nos dá brota da bondade de seu coração, de sua graça; o que Deus nos dá não é pagamento, e sim um dom; não é uma recompensa, e sim uma graça.
(6) E sem dúvida alguma isto conduz ao ensino supremo desta parábola: o mais importante do trabalho é o espírito com que é feito. Os servos desta parábola estão divididos em duas classes. Os primeiros chegaram a um acordo com o senhor; tinham um contrato; disseram: "Nós trabalhamos se nos pagas esta soma." Trabalhavam por um salário e, conforme o demonstra sua conduta, a única coisa com que se preocupavam era receber tudo o que pudessem por seu trabalho. Mas no caso dos que foram contratados mais tarde, não se menciona nenhum acordo ou compromisso; tudo o que procuravam era ter a oportunidade de trabalhar, e deixavam a recompensa nas mãos do senhor.
A diferença é fundamental. Não se pode dizer que um homem é cristão se sua primeira preocupação for o pagamento. Isso foi que Pedro perguntou: "Que vantagem tiramos disto?" O cristão trabalha pela alegria de trabalhar e de servir a Deus e a seu próximo. É por isso que os últimos serão primeiros e os primeiros serão últimos. Mais de um homem que neste mundo recebeu muitas recompensas, ocupará um lugar muito inferior no Reino, porque todo seu pensamento esteve posto nas recompensas. Muitos homens que, segundo o ponto de vista mundano, são pobres neste mundo, serão grandes no Reino, porque nunca pensaram em termos de recompensas, antes trabalharam pela alegria do trabalho em si e pela alegria de servir. O paradoxo da vida cristã é que aquele que busca a recompensa a perde, e o que se esquece dela a encontra.
RUMO À CRUZ
Estudo sobre Mateus 20:17-19
Esta é a terceira vez que Jesus adverte a seus discípulos que Ele se dirige para a cruz (Mateus 16:21; 17:22-23). Tanto Marcos como Lucas acrescentam toques próprios a este relato para manifestar a tensão e a previsão da tragédia que imperava no grupo de apóstolos. Marcos diz que Jesus caminhava sozinho adiante e que os discípulos estavam maravilhados e assustados (Marcos 10:32-34). Não entendiam o que acontecia, mas em cada ponto do corpo de Jesus podiam perceber a luta que sua alma experimentava. Lucas também diz que Jesus tomou os discípulos a sós para tentar obrigá-los a entender o que tinham pela frente (Lucas 18:31-34). Aqui nos encontramos diante do primeiro passo decisivo que conduz ao último ato da tragédia iniludível. Aqui Jesus parte deliberadamente e com os olhos abertos para Jerusalém e a cruz.
Há uma estranha totalidade no sofrimento para o qual Jesus se dirigia: tratava-se de um sofrimento que não careceria de nenhuma dor do corpo, da mente ou do espírito.
Seria entregue às mãos dos sumos sacerdotes e escribas; aí vemos o sofrimento do coração destroçado pela deslealdade dos amigos. Seria condenado à morte. Vemos o sofrimento da injustiça, que é muito duro de suportar. Os romanos zombariam dEle. Aí vemos o sofrimento da indignidade, a humilhação e o insulto deliberado. Seria açoitado. Havia poucas torturas no mundo comparáveis ao açoite romano, e aí vemos a tortura da dor física. Por último, seria crucificado; aí vemos o sofrimento da morte. É como se Jesus se dirigisse para concentrar em si mesmo todo o tipo possível de sofrimento físico, emocional e mental que o mundo podia lhe infligir.
Mas nem sequer em um momento como esse suas palavras terminam ali, porque finaliza com a afirmação confiante da ressurreição. Além da cortina do sofrimento estava a revelação da glória. Além da cruz estava a coroa, além da derrota estava a vitória, e além da morte estava a vida.
A AMBIÇÃO FALSA E A AMBIÇÃO AUTÊNTICA
Estudo sobre Mateus 20:20-28
Aqui vemos a ambição mundana dos discípulos. Há uma diferença muito reveladora entre a versão de Mateus e a de Marcos. Em Marcos 10:35-45 são os próprios Tiago e João que se aproximam de Jesus com esta solicitude. Em Mateus a que se aproxima é a mãe. A razão da diferença é a seguinte: Mateus escrevia vinte e cinco anos depois de Marcos, nessa época se rodeou dos discípulos com um halo de santidade. Mateus não desejava mostrar Tiago e João incorrendo em uma ambição mundana, de maneira que põe o pedido na boca de sua mãe em vez de pô-lo na boca dos próprios discípulos.
Pode ter existido uma razão muito natural para este pedido. É muito provável que João e Tiago estivessem relacionados em forma íntima com Jesus. Mateus, Marcos e João dão listas das mulheres que estavam ao pé da cruz quando Jesus foi crucificado. Vejamos essas enumerações.
A de Mateus é a seguinte: “Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e de José, e a mulher de Zebedeu” (Mateus 27:56).
A de Marcos, diz: “Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, o menor, e de José, e Salomé” (Marcos 15:40).
A lista de João diz assim: “A mãe de Jesus, e a irmã dela, e Maria, mulher de Clopas, e Maria Madalena” (João 19:25).
Maria Madalena aparece em todas as listas; Maria, a mãe do Tiago e João deve ser a mesma pessoa que aparece com o nome da Maria, mulher de Cleopas, de maneira que a terceira mulher é descrita em três formas. Mateus a chama a mãe dos filhos de Zebedeu; Marcos a chama Salomé e João a chama a irmã da mãe de Jesus. De maneira que sabemos que a mãe de Tiago e João se chamava Salomé e que era irmã de Maria, a mãe de Jesus. Isso quer dizer que podemos estar quase certos de que Tiago e João eram primos irmãos de Jesus. Pode ser que tenham considerado que seu parentesco com Jesus os autorizava a ocupar um lugar especial em seu Reino.
Esta é uma das passagens mais reveladoras do Novo Testamento e especialmente do relato evangélico. Arroja luz sobre três elementos. Em primeiro lugar, esclarece algo sobre os discípulos. Diz-nos três coisas a respeito deles. Fala-nos de sua ambição. Seguiam pensando em termos de proeminência, recompensa e distinção pessoais; e pensavam no êxito pessoal sem levar em conta o sacrifício pessoal. Queriam que Jesus, com uma ordem divina e com um gesto de sua mão, lhes assegurasse uma vida de príncipes. Todo homem deve aprender que a verdadeira grandeza não se encontra na dominação e sim no serviço, e todo homem deve aprender que em todas as esferas é preciso pagar o preço da grandeza. Isto é o que aparece na coluna do débito dos discípulos; mas há muito na coluna do crédito. Não há nenhum outro incidente que demonstre com maior clareza sua fé invencível em Jesus.
Pensemos quando se formulou este pedido. Foi depois de uma série de anúncios por parte de Jesus a respeito de que tinha uma cruz pela frente; era um momento em que imperava um clima de tragédia e um sentimento preditivo. E, entretanto, apesar disso e em meio desse clima, os discípulos pensam em um Reino. É grandemente significativo que em um mundo sobre o qual baixavam as trevas, os discípulos foram incapazes de pensar em uma derrota final de Jesus. De algum modo quando tudo parecia negá-lo e demonstrar que era impossível, resistiam a abandonar a convicção de que a vitória estava do lado de Jesus.
No cristianismo sempre deve existir este otimismo invencível e eterno no momento em que todas as coisas conspiram para mergulhar o homem no desespero.
E mais ainda, aqui se demonstra a lealdade invencível dos discípulos. Mesmo quando lhes foi dito com toda crueldade que havia um cálice amargo pela frente, jamais pensaram em voltar atrás; estavam decididos a bebê-lo. Se triunfar com Cristo implicava sofrer com Ele, estavam perfeitamente decididos a enfrentar esse sofrimento.
É fácil condenar os discípulos, mas nunca se devem esquecer a fé e a lealdade que estão por trás da ambição.
A MENTE DE JESUS
Estudo sobre Mateus 20:20-28 (continuação)
Em segundo lugar, esta passagem ilumina a vida cristã. Jesus disse que aqueles que queriam compartilhar sua vitória, deviam beber seu cálice. O que era o cálice? Jesus falava com Tiago e João. Agora, a vida tratou estes dois discípulos em forma muito diferente. Tiago foi o primeiro dos apóstolos que morreu como mártir (Atos 12:2). Para ele o cálice foi o martírio. Por outro lado, o maior peso da tradição demonstra que João viveu até uma idade muito avançada na cidade de Éfeso e que morreu de morte natural quando estava perto dos cem anos. Para ele, o cálice foi a disciplina e a luta constantes da vida cristã através dos anos.
É muito errôneo acreditar que o cálice sempre significa para o cristão a luta brava, dura, amarga e agônica do martírio. Pode tratar-se da longa rotina da vida cristã com todos os seus sacrifícios diários, sua luta cotidiana, seus desalentos, desenganos e lágrimas.
Uma vez se encontrou uma moeda romana com a imagem de um boi. O animal enfrentava duas coisas: um altar e um arado. A inscrição dizia: "Disposto para ambos." O boi devia estar preparado para o momento supremo do sacrifício no altar ou para o longo trabalho do arado na granja.
Não há uma taça única para o cristão. Pode beber sua taça em um só momento sublime, ou pode bebê-la ao longo de toda uma vida cristã. Beber o cálice significa seguir a Cristo, em qualquer lugar que Ele nos leve e ser como Ele em qualquer situação que se nos apresente na vida.
Em terceiro lugar, esta passagem arroja luz sobre Jesus. Mostra-nos a bondade de Jesus. O surpreendente sobre Jesus é que nunca perdia a paciência ou se zangava com os homens. Apesar de tudo o que havia dito, aqui estavam estes homens e sua mãe tagarelando a respeito de postos em um governo e um reino terrestres. Mas Jesus não estala diante de sua teimosia, nem se indigna por sua cegueira ou se desespera diante de sua incapacidade de aprender. Trata de dirigi-los para a verdade com generosidade, amor e compreensão, sem pronunciar uma só palavra impaciente. O mais surpreendente a respeito de Jesus é que nunca se desesperava com os homens.
Mostra-nos a honestidade de Jesus. Tinha muito claro que havia uma taça amarga para beber e não titubeou em dizê-lo. Ninguém pode dizer que começou a seguir a Jesus sob um engano. Jesus nunca deixou de dizer aos homens que, mesmo que a vida termine com uma coroa, transcorre com uma cruz sobre as costas.
Mostra-nos a confiança de Jesus nos homens. Nunca duvidou de que Tiago e João manteriam sua lealdade. Tinham suas ambições equivocadas, sua cegueira, suas idéias errôneas, mas Jesus jamais pensou em apagá-los de seus livros como a devedores morosos. Acreditava que podiam e que de fato beberiam seu cálice e que ao final seguiriam a seu lado. Uma das coisas fundamentais às quais devemos nos apegar é que, inclusive quando nos aborrecemos, odiamos e desprezamos a nós mesmos, Jesus acredita em nós. O cristão é um homem de honra, e Jesus Cristo confia nessa honra.
A REVOLUÇÃO CRISTÃ
Estudo sobre Mateus 20:20-28 (continuação)
Não é estranho que o pedido do Tiago e João tenha incomodado os outros discípulos. Não viam por que os dois irmãos deviam adiantar-se embora fossem primos de Jesus. Não viam por que deviam pretender as primeiras posições, com exclusão de outros. Jesus conhecia seus pensamentos, e lhes dirigiu as palavras que são a própria base e o fundamento da vida cristã. No mundo, disse Jesus, acontece, em realidade, que o grande homem é quem domina a outros, o homem que é patrão, diante de cuja ordem outros devem obedecer, que com um gesto pode ordenar um serviço e cujas necessidades mais mínimas são satisfeitas. No mundo havia o governador romano com seu séquito; o potentado oriental com seus escravos; o homem de negócios com seu grupo de escravos que o atendiam. O mundo os considera grandes. Mas segundo o ponto de vista cristão, o que confere grandeza é o serviço.
A grandeza não consiste em ordenar outros a fazerem coisas para nós, e sim em fazer coisas para outros, e quanto maior seja o serviço, maior será a honra. Jesus emprega uma espécie de gradação. "Se quereis ser grandes", diz, "sede servos; quem quiser ser o primeiro, seja servo." Eis aqui uma revolução cristã; eis aqui uma total inversão dos valores mundanos. Surgiu uma escala de valores completamente nova.
O estranho é que o próprio mundo aceitou estes valores em forma instintiva. O mundo sabe muito bem que um grande homem é um homem que serve a seu próximo. O mundo respeita, admira e às vezes teme o homem que tem poder; mas ama ao homem que demonstra amor. O médico que está disposto a sair em qualquer momento do dia ou à noite para servir a seus pacientes, o pastor que sempre está no caminho em meio de seu povo, o empresário que sente um interesse ativo na vida e os problemas de seus empregados, a pessoa para quem podemos nos dirigir sem que jamais nos faça sentir que incomodamos – essa é a pessoa que todos amam e neles instintivamente vêem a Jesus Cristo.
Quando esse grande santo contemporâneo, Toyohiko Kagawa, teve seu primeiro contato com o cristianismo, experimentou sua fascinação até que um dia prorrompeu no grito: "Meu Deus, faze-me como Cristo." Para ser como Cristo foi viver em bairros miseráveis, sofrendo já de tuberculose. Foi o último lugar do mundo aonde deveria ter ido um homem nessas condições.
Em seu livro Famous Life Decisions, Cecil Northcott nos relata o que fez Kagawa. Foi viver em uma vila miserável de Tóquio em uma casinha de menos de dois metros quadrados. "A primeira noite lhe pediram que compartilhasse a cama com um homem que tinha uma sarna contagiosa. Isso foi uma prova para sua fé. Voltaria atrás em sua decisão? Não. Recebeu de bom grado seu companheiro de cama. Depois um mendigo lhe pediu a camisa e a recebeu. No dia seguinte voltou para pedir o casaco e as calças de Kagawa e também os obteve. Kagawa ficou com um quimono esfarrapado. Os habitantes do bairro de Tóquio riam dele, mas logo aprenderam a respeitá-lo. Ficava em pé em meio da chuva e do vento para pregar, tossindo todo o tempo. 'Deus é amor', exclamava. 'Deus é amor. Onde há amor, aí está Deus.' Costumava cair ao chão, exausto, e os homens rudes do bairro miserável o levavam com ternura à sua casinha."
O mesmo Kagawa escreveu: "Deus vive entre os mais baixos dos homens. Senta-se na pilha de lixo entre os prisioneiros. Está em meio dos delinqüentes juvenis. Está com os mendigos, entre os doentes, com os que não têm trabalho. De maneira que aquele que queira encontrar a Deus deve visitar a cela do cárcere antes de ir à igreja. Antes de ir ao templo, que visite hospital. Antes de ler a Bíblia, que ajude ao mendigo."
Aqui há grandeza. O mundo pode estimar a grandeza de alguém pela quantidade de pessoas que domina e que obedecem as suas ordens; ou por seu prestígio intelectual e sua eminência acadêmica; ou pelo número de comissões que integra; ou por sua conta bancária e as posses materiais que conseguiu reunir, mas para o julgamento de Jesus Cristo estas coisas carecem de importância. Sua vara de medir é muito simples – a quantas pessoas você ajudou?
O SENHORIO DA CRUZ
Estudo sobre Mateus 20:20-28 (continuação)
Jesus fez, Ele próprio, o que pede a seus seguidores que façam. Não veio para ser servido, mas para servir. Não veio ocupar um trono e sim uma cruz. Foi por isso que as pessoas ortodoxas de seu tempo não o puderam entender. Ao longo de toda sua história os judeus tinham sonhado com o Messias, mas o Messias com que sonhavam era sempre um rei conquistador, um líder poderoso, alguém que esmagaria os inimigos de Israel e que reinaria com poder sobre todos os reinos da Terra. Esperavam um conquistador, mas receberam a alguém quebrantado em uma cruz. Esperavam o leão feroz de Judá, mas receberam o manso cordeiro de Deus.
Rudolf Bultmann escreve: "Na cruz de Cristo se derrubam os critérios de julgamento judaicos e as ideias humanas de esplendor do Messias." Aqui fica demonstrado, melhor que em qualquer outra parte, a nova glória e a nova grandeza do amor sofredor e do serviço sacrificial. Aqui se restabelece e se refaz a realeza.
Jesus resumiu toda sua vida em uma frase muito aguda: "O Filho do Homem veio para dar sua vida em resgate de muitos." Vale a pena deter-se para ver o que as frias mãos da teologia têm feito com essa bela frase. "Jesus deu sua vida em resgate de muitos. Muito bem, então, a quem se pagou esse resgate?"
Para Orígenes não resta nenhuma dúvida de que esse resgate foi pago ao diabo. "Não se pôde pagar o resgate a Deus; de maneira que se pagou ao diabo que nos mantinha atados até que se entregasse o resgate, que era nada menos que a vida de Jesus." Gregório de Nisã viu o defeito flagrante dessa teoria. Põe o demônio no mesmo nível que Deus; significa que o demônio podia impor suas condições a Deus para libertar os homens. Como resultado disso Gregório de Nisã teve uma idéia estranha. Deus enganou o demônio. Enganou-o pela aparente impotência de Jesus; acreditou que Jesus não era mais que um homem, tratou de dominá-lo e, ao fazê-lo, perdeu seu poder e ficou destruído para sempre.
Gregório Magno levou a imagem mais longe e a um nível ainda mais grotesco e inclusive repugnante. Segundo ele, a encarnação foi um estratagema divino para caçar o grande leviatã. A deidade de Cristo foi o anzol; sua carne a isca de peixe; agitou-se a isca de peixe diante do leviatã e este a mordeu e ficou preso. O cúmulo do grotesco escandaloso e fantástico foi alcançado por Pedro Lombardo. Segundo ele, "A cruz foi uma armadilha para ratos (muscipula) para caçar o demônio, com o sangue de Cristo como isca."
É isto o que acontece quando os homens tomam a poesia do amor e tratam de convertê-la em teorias humanas. Jesus devia dar sua vida em resgate de muitos. O que significa isto? É muito simples. Os homens estavam encadeados pelo poder do mal com grilhões que não podiam romper; seus pecados os arrastavam para baixo, separavam-nos de Deus, faziam naufragar suas vidas para eles, para o mundo e para o próprio Deus. Agora, um resgate não é mais que algo que se entrega ou se paga para libertar a alguém de uma situação da qual não pode sair por seus próprios meios. De maneira que o significado desta frase é o seguinte:
Trazer Deus aos homens custou a vida e a morte de Jesus. Não há nenhuma razão para perguntar a quem se pagou o resgate. A única verdade, tremenda e poderosa, é que sem Jesus Cristo e sua vida de serviço e sua morte de amor, jamais teríamos encontrado o caminho que nos leva de volta ao amor de Deus. Jesus deu tudo para voltar a aproximar Deus dos homens, e nós também devemos seguir os passos daquele que amou ao máximo.
A RESPOSTA DO AMOR AO CHAMADO DA NECESSIDADE
Estudo sobre Mateus 20:29-34
Aqui temos a história de dois homens que abriram caminho para um milagre. É por isso que é muito significativa porque descreve o espírito, a atitude mental e o coração ao qual são acessíveis os dons mais preciosos de Deus.
(1) Estes dois homens estavam esperando e quando chegou a oportunidade agarraram-na com as duas mãos. Sem dúvida tinham ouvido falar do poder maravilhoso de Jesus, e não resta dúvida que eles se perguntariam se esse poder poderia ser exercido sobre eles. Se o tivessem deixado passar, teriam perdido para sempre sua única oportunidade; mas quando esta lhes chegou a tomaram.
Há uma quantidade de coisas que se devem fazer em um momento determinado ou nunca serão feitas. Há uma quantidade de decisões que se devem tomar imediatamente, ou nunca serão tomadas. O momento de agir passa, o impulso para decidir se esfuma, há um momento para agir e um momento para decidir. Depois que Paulo terminou de pregar no Areópago, houve quem disse: “A respeito disso te ouviremos noutra ocasião” (Atos 17:32). Adiaram-na até uma ocasião mais propícia, mas freqüentemente acontece que a ocasião mais propícia nunca chegue.
(2) Estes dois homens não aceitavam ser defraudados. A multidão recebeu ordem para calar-se. Estavam fazendo um papel ridículo. Os rabinos da Palestina tinham o costume de ensinar enquanto caminhavam pela estrada. Sem dúvida, quem estava ao redor de Jesus não podiam ouvir suas palavras pelo ruído que faziam estes dois homens, mas nada os deteria porque para eles era questão de ver ou não ver e não havia nada que pudesse impedi-los de obter seu objetivo. Acontece frequentemente que nos sentimos facilmente desalentados quando tratamos de chegar à presença de Deus. O homem que não permite que nada o impeça de chegar a Cristo é quem por fim O encontra.
(3) Estes dois homens tinham uma fé imperfeita mas estavam dispostos a agir segundo a fé que tinham. Dirigiram-se a Jesus como o Filho de Davi. Isso queria dizer que acreditavam que era o Messias mas pensavam nEle em termos de poder real e terrestre. Era uma fé imperfeita, mas agiram de acordo com ela, e Jesus a aceitou. Por mais imperfeita que seja nossa fé, se houver fé, Jesus a aceita.
(4) Estes dois cegos não temeram apresentar um pedido muito importante. Eram mendigos, mas não pediam dinheiro; pediam nada menos que a visão. Nenhum pedido é demasiado grande para apresentá-lo a Jesus Cristo.
(5) Estes dois cegos eram homens agradecidos. Quando receberam o dom que tinham solicitado com ardor, não se afastaram jogando-o ao esquecimento; seguiram a Jesus. Há muitos que obtêm o que desejam, seja no material ou no espiritual, e logo se esquecem até de agradecer.
A ingratidão é o mais feio dos pecados. Estes cegos receberam de Jesus a visão e logo lhe entregaram sua lealdade agradecida. Jamais podemos devolver a Deus o que nos deu mas sempre podemos nos sentir agradecidos e lhe expressar nossa gratidão.