Interpretação de Romanos 9

Romanos 9

Romanos 9 aborda a relação entre a soberania de Deus e a responsabilidade humana, particularmente no contexto do povo escolhido de Deus, os israelitas. Aqui está uma interpretação dos pontos-chave em Romanos 9:

1. A profunda tristeza de Paulo: Paulo começa expressando sua profunda tristeza e angústia pelos seus companheiros israelitas que não abraçaram a mensagem de Cristo. Ele chega ao ponto de dizer que poderia desejar ser amaldiçoado se isso levasse à salvação deles. Isto demonstra o seu profundo amor pelo seu povo e o seu desejo pela sua salvação (Romanos 9:1-5).

2. A promessa a Israel: Paulo enfatiza que os israelitas eram destinatários da aliança e das promessas de Deus. Eles foram escolhidos como povo de Deus, recebendo a adoção, a glória, os convênios, a lei, a adoração e as promessas. A maior promessa era a linhagem através da qual viria o Messias, Jesus Cristo (Romanos 9:4-5).

3. A Escolha Soberana de Deus: Paulo aborda a questão da soberania de Deus na escolha de certos indivíduos para os Seus propósitos. Ele cita os exemplos de Isaque e Jacó sendo escolhidos em vez de Ismael e Esaú, respectivamente, antes mesmo de nascerem ou de terem feito algo bom ou ruim. Isto demonstra que a escolha de Deus não se baseia no mérito humano, mas na Sua vontade divina (Romanos 9:6-13).

4. Misericórdia e Endurecimento de Deus: Paulo explica que a misericórdia de Deus é dada gratuitamente àqueles que Ele escolhe, enquanto Ele endurece o coração dos outros. O endurecimento de Deus não é arbitrário, mas muitas vezes é uma resposta à resistência e rebelião humanas. O propósito de Deus nisso é demonstrar Seu poder e misericórdia para aqueles que os recebem (Romanos 9:14-18).

5. Responsabilidade Humana: Paulo antecipa objeções sobre a justiça de Deus e afirma que Deus é justo em Suas ações. Ele compara Deus a um oleiro que tem o direito de moldar vasos para diversos fins. Paulo enfatiza que Deus, como Criador, tem o direito de exercer a Sua soberania e que os humanos são responsáveis pelas suas escolhas e respostas a Deus (Romanos 9:19-24).

6. Gentios incluídos: Paulo destaca que o plano de Deus se estende além dos judeus para incluir os gentios. Ele cita o profeta Oséias para enfatizar que aqueles que originalmente não eram povo de Deus serão chamados de Seu povo através da fé em Cristo. Isto demonstra a universalidade do plano redentor de Deus (Romanos 9:25-29).

7. A Pedra de Tropeço: Paulo conclui o capítulo referindo-se às profecias de Isaías sobre a pedra de tropeço e a rocha da ofensa. A pedra de tropeço representa Cristo, em quem muitos judeus tropeçaram porque buscavam a justiça por meio da lei e não por meio da fé. Isto prepara o terreno para a discussão de Paulo em capítulos posteriores sobre o papel da fé na salvação (Romanos 9:30-33).

Em Romanos 9, Paulo lida com as complexas questões teológicas da soberania de Deus e da responsabilidade humana, particularmente no contexto da rejeição de Cristo por Israel. Ele enfatiza o direito de escolha de Deus e Seu propósito de incluir judeus e gentios em Seu plano de salvação. A profunda preocupação de Paulo pelos seus companheiros judeus e o seu desejo de vê-los chegar à fé em Cristo são evidentes ao longo do capítulo. Este capítulo serve de base para suas futuras discussões sobre o papel da fé na salvação nos capítulos subsequentes de Romanos.

Interpretação

9:1, 2 Este capítulo começa com uma coleção de provas de que Paulo sentia grande tristeza e incessante dor no coração com referência ao seu próprio povo. Eis aqui a prova: ele fala a verdade em Cristo; ele não está mentindo; sua consciência testifica por ele na presença do Espírito Santo. O apóstolo dizia isso porque sabia como os judeus o difamavam (veja, por exemplo, Atos 21:28 um acontecimento depois que ele escreveu aos romanos, mas que indica como os judeus se sentiam).

9:3 Paulo sentia tão profundamente por causa do seu povo, que aqui ele emprega a linguagem de um desejo inatingível (imperfeito potencial em grego): Eu mesmo desejaria ser anátema separado de Cristo, por amor de meus irmãos, meus compatriotas segundo a carne. A linguagem aqui, parece a de Moisés, quando ele intercedeu junto a Deus para que o riscasse do Seu livro (Êx. 32:31,32). Paulo faz agora uma lista das bênçãos que pertencem aos seus compatriotas.

9:4 Eram israelitas possuidores da adoção – isto é, um povo do próprio Deus (cons. Is. 43:20, 21). Eles tinham a glória. Esta tanto pode ser a glória de serem o povo de Deus, como a glória de Deus que aparecia no meio do Seu povo (Êx. 24:16, 17). As alianças está no plural, porque Deus falou ao Seu povo sobre a Sua aliança com eles em muitas ocasiões. Poderia também ser traduzido para decretos ou penhores. A legislação também lhes pertencia, isto é, a lei de Moisés, e o culto, ou a adoração a Deus – o ritual do Tabernáculo e do Templo. Eles tinham as promessas divinas, especialmente as promessas messiânicas.

9:5 Os pais – Abraão, Isaque, e Jacó – também lhes pertenciam. Mas a bênção mais importante era que Cristo, quanto à carne, vinha dos compatriotas de Paulo, os israelitas. Mas esse (Cristo), que humanamente veio de Israel, foi muito mais do que um israelita; Ele era sobre todos, Deus bendito para todo o sempre. (Para prova de que esta última cláusula se refere a Cristo, veja Sanday e Headlam, Epistle to the Romans, ICC, págs. 232-238). Conhecendo o lugar exaltado de Cristo, a aflição de Paulo por causa da cegueira de seu povo apenas aumentava. Eles tinham recusado esse Messias. Essas linhas não são doxologia feita a Deus, pois isto não se encaixada na linha do pensamento. Antes, a expressão mostra como .Cristo é exaltado, o que se encaixa na linha do pensamento perfeitamente.

9:6-29 De 9:6 até o fim do capítulo 11 Paulo discute a profunda pergunta: Como rejeitaria Deus o seu povo eleito? Ele destaca até que ponto o povo foi rejeitado, porque foi rejeitado, a existência de um remanescente, e que planos Deus tem para o futuro de Israel, Seu povo. Em 9:6-29 o escritor responde a um argumento dos seus oponentes judeus que era o seguinte: “Temos a circuncisão por sinal (cons. Gn. 17:7-14) de que somos o povo eleito de Deus. Membros do povo eleito de Deus não perecerão. Portanto, nós não pereceremos”. Evidências rabínicas provam que esta era a atitude da maioria dos judeus no tempo de Paulo. Hermann L. Strack e Paul Billerbeck prepararam um Commentary on the New Testament no qual reuniram paralelos do Talmude e do Midrashim que lançam luz sobre o N.T. No Vol. IV, Parte 2, devotaram uma dissertação inteira (nº 31) ao assunto do Sheol, Geena (lugar de castigo) e ao Jardim Celestial do Éden (Paraíso). As citações abaixo incluem títulos de tratados de escritos rabínicos, da qual foram extraídas as ideias sobre esses lugares, como também indicam a localização no Strack Bilerbeck.

O Rabi Levi disse: No futuro (do outro lado – o que os gregos chamam de mundo dos espíritos) Abraão está assentado à entrada do Geena e ele não permite que os israelitas circuncidados entrem ali (isto é, no Geena). [Midrash Rabba Gênesis, 48 (30a, 49) SBK, IV, ii, pág. 1066]

Nesse mesmo contexto faz-se a pergunta: O que acontecerá àqueles que pecam excessivamente? A resposta é: Retornam ao estado da incircuncisão quando entram no Geena. A citação seguinte trata da questão do que acontece depois da morte a um israelita.

Quando um Israelita penetra em sua casa eterna (sepultura), um anjo está assentado do outro lado do jardim do Éden, que recebe cada filho de Israel que está circuncidado, com o propósito de introduzi-lo no jardim celestial do Éden (paraíso). (Midrash Tanchum, Sade, waw, 145a, 35; SBK, IV, Parte ii, pág. 1066)

Novamente surge a pergunta: E os israelitas que adoram ídolos? Tal como acima a resposta é: Retornarão ao estado de incircuncisão no Geena. Eis aqui uma citação que encara os israelitas como um grupo:

Todos os israelitas circuncidados entram no jardim celestial do Éden (paraíso). (Midrash Tanchum, Sade, waw, 145a, 32; SBK, IV, Parte ii, pág,1067)

Está claro destas citações, que a maior parte dos judeus cria e ensinava que todos os israelitas circuncidados, que morreram estão no paraíso e que não há nenhum circuncidado no Geena.

Diante da declaração que o Senhor não poderia rejeitar o Seu povo eleito, Paulo em primeiro lugar replica enfatizando a liberdade divina, Sua justiça e soberania. Deus age livremente, age com justiça, e age soberanamente porque Ele é livre, justo e soberano no Seu ser eterno.

9:6. Não pensemos que a palavra de Deus haja falhado. O presente estado dos judeus não indica que a promessa divina tenha sido rescindida. Nem todos os que descendem de Israel são realmente o Israel. As promessas do Senhor em qualquer período da história, podem envolver ativamente quantos dentre o Seu povo Ele decidir.

9:7 No caso dos filhos de Abraão, Deus fez uma escolha. Em (por meio de) Isaque será chamada a tua descendência (cons. Kaleo, Arndt, 1. a, pág. 400).

9:8 Aqui se faz uma distinção entre os filhos da carne, que nasceram de Hagar e Quetura (Gn. 16:1-16; 25:1-4) e Isaque, nascido segundo a promessa. Isto é, estes filhos de Deus não são propriamente os da carne, mas devem ser considerados como descendência os filhos da promessa. Paulo coloca a negativa em primeiro lugar, para esclarecer que os filhos da carne não se tornam automaticamente filhos de Deus. Isaque nasceu por causa da promessa. Deus escolheu abençoar a humanidade através dele.

9:10-13 Os contemporâneos judeus de Paulo devem ter replicado: “Somos filhos de Isaque; daí podemos ter a certeza de que Deus não nos rejeitará”.

9:10, 11 Mas Paulo mostra que Deus fez uma escolha entre os dois filhos de Isaque, antes mesmo deles terem nascido ou feito algo de bom ou mau. Tal escolha foi feita para que o propósito de Deus quanto a eleição prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama. A seleção divina não se baseia em obras legalistas, mas sobre Si mesmo e sobre o Seu plano para o mundo.

9:12, 13 O que esta seleção envolve? O mais velho será servo do mais moço. Uma vez que esta seleção aconteceu antes que os gêmeos nascessem (Gn. 25:23), Paulo certamente pensava aqui em dois indivíduos. Na citação de Ml. 1:2,3, que volta-se para a conduta de Deus em relação a Jacó e Esaú, a ênfase cai sobre as nações. O que começou no período da vida dos fundadores dessas nações, continuou entre seus descendentes. A seleção relacionava-se com os papéis que os dois grupos 1anl desempenhar na história. O Senhor demonstrou o Seu amor por Jacó, fazendo dos descendentes do patriarca os canais por meio dos quais fie falava Seus oráculos, e tornava conhecida a Sua verdade. Deus aborreceu a Esaú no sentido de que Ele não fez dos descendentes de Esaú canais de revelação, mas antes, como diz Malaquias: (Deus disse) “Fiz dos seus montes uma assolação, e dei a sua herança aos chacais do deserto” (Ml. 1:3). Voltando os olhos para a história de Esaú, Malaquias também usa sua palavra “aborreci”, por causa da severidade da atitude de Deus com Esaú. A situação histórica de ambos os indivíduos e povos certamente afetam seu destino eterno. Mas eleição em Rm. 9:10-13 não é seleção para salvação eterna ou condenação. Antes, é uma seleção para desempenhar papéis para a qual Deus chamou indivíduos e nações no desenrolar da vida nesta terra.

9:14. Que diremos, pois? Há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum. O fato de que a seleção divina não se baseia sobre obras humanas, não toma o Senhor injusto. Ele é livre, justo e soberano.

9:15 Essas qualidades se veem em Sua atitude para com. Moisés e Faraó. Sua declaração a Moisés – Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia, e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão. (Êx. 33:19) – veio depois que Israel cometeu o pecado com o bezerro de ouro. Sob esse aspecto Israel possivelmente não merecia a misericórdia de Deus. Tal idolatria como a deles só merecia a ira.

9:16 O “isto” (E.R.C.) refere-se à misericórdia ou compaixão. Misericórdia e compaixão não depende de quem quer, ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia. Isto é, ninguém pode reclamar a misericórdia de Deus. Deus também derrama Sua ira quando acha que é necessário.

9:17 O verbo “levantar” foi traduzido melhor neste versículo: Para isto mesmo te levantei. Deus trouxe Faraó ao cenário da história no Egito com o propósito de mostrar o Seu poder e provar que o Seu nome seria proclamado em toda a terra. Faraó continuaria sendo teimoso se Deus o colocasse em alguma obscura povoação ao longo do Nilo. Mas Deus o colocou sobre o Egito a fim de executar Seus próprios propósitos e planos.

9:18 Recordando os dois casos de Moisés e Faraó, Paulo conclui: Logo, tem ele misericórdia de quem quer, e também endurece a quem lhe apraz. Deus foi livre e soberano no endurecimento do coração de Faraó, mas não foi arbitrário. Um estudo em Êxodo mostra que Faraó endureceu o seu coração antes que Deus o endurecesse. E mesmo depois de tê-lo endurecido, Faraó teve o poder de ainda endurecê-lo mais.

O Senhor predisse claramente que ia endurecer o coração de Faraó: “Eu endurecerei (hazaq, piel, tornar rígido, duro; endurecer”) o seu coração” (Êx. 4:21; cons. 14:4); “endurecerei (qashah, hiphil, “tornar duro, rígido, rebelde”) o coração de Faraó” (Êx. 7:3). Mas só em 9:12 o registro de Êxodo diz que Deus realmente endureceu o coração do rei: “O Senhor endureceu o coração de Faraó (hazaq, piel, “tomar rígido, duro; endurecer”).

As Escrituras têm muito a dizer sobre o falo do coração de Faraó ter-se “endurecido”, e sobre Faraó “tomar o seu coração difícil, insensível, indiferente”, antes mesmo delas declararem que Deus endureceu o coração de Faraó. A frase, “o coração de Faraó começou a se endurecer”, significa que o caráter moral de Faraó (veja BDB, pág. 525) se endureceu. O caráter moral é o aspecto mais importante de uma pessoa. Portanto, no sentido real, Faraó começou a se endurecer como resultado de sua própria atividade. “O coração de Faraó se endureceu [hazaq, qal, “tornar-se firme, rígido, duro”; via Êx. 7:13, 22; 8:19 - (Hb, texto 8: 15)]. “O coração de Faraó está obstinado” (kâbed, adj. “difícil”, “insensível”, “duro”; veja Êx. 7:14). O coração de Faraó se endureceu (kâbed, qal, “ser difícil, insensível, embotado, duro”; veja Êx. 9:7). Faraó... agravou (E.R.C.) o seu coração (ou embotou, tornou-o indiferente; todas possíveis traduções de kâbed, hiphil), [veja Êx. 8:15 (Hb. texto 8:11), 8:32 (texto hebreu 8:8)]. Depois de toda essa atividade da parte de Faraó, “o Senhor endureceu (hazaq, piel, “tornou rígido, duro; endureceu”) o coração de Faraó” (veja Êx. 9:12). Mas Faraó tinha o poder de continuar fazendo o que fazia: Faraó... continuou a pecar, e agravou (E.R.C.) (ou embotou, tornou-o indiferente; todas possíveis traduções de kâbed, hiphil) o seu coração, ele e os seus servos. Assim o coração de Faraó se endureceu” (hazaq, qal, “tornou-se firme, rígido, duro”; veja Êx. 9:34b, 35a).

Então Jeová completou seu castigo judicial em Faraó. “O Senhor, porém, endureceu (hazaq, piel, “'tornou rígido, duro”; “endureceu”) o coração de Faraó” (veja Êx. 10:20, 27; 11:10; 14:8). “Depois disse o Senhor a Moisés: Vai ter com Faraó, porque lhe endureci (embotado, insensível; todas as possíveis traduções de kâbed, hiphil) o seu coração e o coração de seus oficiais” (veja Êx. 10:1).

Assim, a conclusão de que Deus endurece a quem quer baseia-se na Sua justiça como também na Sua liberdade de procedimento com Faraó.

9:19-24 Paulo esteve se dirigindo aos judeus, que pensavam que, tendo a circuncisão e sendo membros do povo eleito de Deus, o Senhor tinha a obrigação de lhes garantir prosperidade terrena e bem-aventurança eterna. O apóstolo destacou a soberania e liberdade divinas como corretivos desse errado ponto de vista judeu. O Senhor só tem obrigações para com o seu próprio ser justo – não para com reivindicações que lhe sejam impostas por aqueles, que entendem mal Seu ser e Sua ação.

9:19 A esta altura, Paulo imagina que um dos seus oponentes diga: “Veja só ao que leva sua argumentação. O Senhor endurece um homem como Faraó e depois o acusa. Isso não faz sentido”.

A pergunta é: De que se queixa ele ainda? Pois quem jamais resistiu à sua vontade? A resposta de Paulo foi elaborada em termos apropriados ao homem, que faz a objeção e não em termos de análise intelectual do contra-argumento do homem. Paulo escreve:

9:20a: Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus? Um verdadeiro conhecimento do Deus verdadeiro torna tal objeção despropositada.

9:20b, 21 Paulo apela para uma ilustração: Porventura pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro para desonra? Esta ilustração do oleiro foi usada com muita eficácia por Jeremias séculos antes (Jr. 18:4-6). Paulo destaca o completo controle do oleiro sobre o barro em termos da utilidade do vaso. Um vaso é honrado ou desonrado dependendo do seu uso. (cons. Arndt, time, 2, b, pág. 825). Um vaso pode servir para se carregar água e outro para carregar detritos. O mesmo material foi usado para ambos. Mas foram feitos para diferentes, funções, e por isso o oleiro lhes dá a forma de acordo com a pretendida função.

Paulo agora aplica o princípio. Ele o faz em uma sentença longa que se estende de Rm. 9:22 a 9:24. Se um oleiro pode fazer o que lhe apraz com seus vasos, certamente Deus pode fazer o que quer com os Seus. Embora Paulo ainda esteja destacando a soberania e liberdade de Deus, ele evita cuidadosamente de descrever o Senhor como tendo o mesmo tipo de relacionamento, com os vasos da ira e os vasos da misericórdia.

Se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos da ira, preparados para a perdição; (e se ele o fez) a fim de que também desse a conhecer (revelar) as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios? [como pode você (sing.; cons. v. 19) levantar alguma objeção contra a justiça de Deus?] Na frase que começa com a palavra “querendo”, Paulo certamente tem em mente Faraó e outros iguais a ele. As palavras mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder são simplesmente uma variação da linguagem usada no versículo 17: “para em ti mostrar o Meu poder”. Paulo estava muito ansioso em enfatizar a paciência e longanimidade de Deus com os vasos da ira.

9:22 Foram descritos como preparados (veja katartizo, LSJ, II, pass., pág. 910) para a perdição. Alguns estudantes da Bíblia, presumindo que o particípio está na voz média, traduziram: aqueles que têm assumido uma posição de se prepararem para a destruição. Outros consideram o particípio passivo e traduziram: aqueles que têm assumido uma posição de serem preparados por Deus para a destruição. Mas o contexto certamente favorece a voz passiva sem confinar o agente em um ser ou coisa.

9:23 Deus está especificamente ligado à preparação antecipada (voz ativa) dos vasos da misericórdia.

Mas no que se refere aos vasos da ira, o estudante encontra essa passiva indefinida. O que opera no homem para colocá-lo nessa posição de ser preparado para a destruição eterna? A resposta é complexa. Inclui seus próprios atos de pecado e natureza rebelde. Envolve seu meio ambiente, que toma o pecado atraente, como também os julgamentos judiciários de Deus (cons. 1:24, 26, 28). Estes fatores influenciam certos vasos a se tornarem vasos da ira, isto é, objetos em posição de serem preparados para a destruição. Deus preparou específica e antecipadamente, os vasos da misericórdia para a glória, e também lhes revelou as riquezas da Sua glória. Glória refere-se à radiância do ser de Deus. O derramamento das riquezas de Deus, quer dizer aquelas que não foram reveladas aos recipientes. Quem são esses vasos da misericórdia?

9:24 Paulo define o nós como aqueles a quem Deus chamou não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios. A liberdade, poder e soberania do Senhor, de um lado, são colocados contra a Sua paciência, Sua revelação das riquezas da Sua glória, e a Sua preparação antecipada dos vasos da misericórdia (vs. 22-24). O destino daqueles assim preparados é a glória (cons. 8:30).

9:25-29 O nós do versículo 24 refere-se àqueles que Deus chamou, não somente dentre os judeus, mas também dentre os gentios. O escritor volta-se agora para o V.T. para mostrar que ele sustenta essa vocação.
 
9:25, 26 Paulo cita em Os. 2:23; 1:10, passagens originalmente dirigidas às dez tribos. As palavras não era meu povo e não era amada foram pronunciadas às dez tribos por causa do seu afastamento do Senhor. Elas se tomaram como os gentios. Deus prometeu às dez tribos, que um dia elas seriam chamadas de filhos do Deus vivo, exatamente no mesmo lugar em que foram declaradas “que não era meu povo”. O apóstolo extraiu a citação da LXX e aplica aos gentios.

9:27, 28 O escritor volta-se para o testemunho de [saías sobre Israel e cita de Is. 10:22, 23. Ele usa a LXX, que em Is. 10:23 é bastante diferente do texto hebreu. Mas no ponto principal, para o qual Paulo citou a passagem, o texto hebreu e a LXX concordam. Só um remanescente será salvo (LXX), voltará (texto heb.), retornará (AV), isto é, para Deus. Paulo desenvolve este tema mais detalhadamente em Romanos 11. Encontraram-se dificuldades na interpretação de Rm. 9:28 por causa da linguagem e variação dos textos. As palavras “em justiça... abreviando-a” não se encontram nos melhores textos. Aqui temos dois meios possíveis de traduzir e interpretar este versículo (veja Arndt, suntemno, pág. 800) 1) O Senhor agirá cumprindo sua palavra pela abreviação ou exclusão. A abreviação pode ser traduzida como cumprimento das promessas em um grau limitado ou pela abreviação da nação, ficando o remanescente. 2) O Senhor agirá concluindo e abreviando (o tempo). Isto significa que Deus não prolongará indefinidamente o período de Sua longanimidade, mas que o Seu juízo virá. No contexto de Paulo aqui, a segunda interpretação parece a melhor.

9:29 Finalmente, completando o quadro do V.T. da ação salvadora de Deus, Paulo cita Is. 1:9 da LXX. Onde a LXX tem “deixou-nos semente”, o texto hebraico tem “um pequeníssimo remanescente”. Se Deus não tivesse deixado alguns, a nação de Israel teria sido riscada.

9:30-10:21 Agora Paulo trata do relacionamento de Israel e dos gentios com a justiça, fé e salvação. Ele mostra que este é um assunto crucial porque os judeus criara que, estando assinalados pela circuncisão, na qualidade de povo eleito de Deus, o Senhor não poderia rejeitá-los.

9:30, 31 Uma vez que Deus nos chamou, a nós os cristãos (v. 24), dentre judeus e gentios, que diremos pois a respeito dos gentios e judeus que alcançaram a justiça? A resposta: Dizemos ou declaramos que os gentios, que não buscavam a justificação, vieram a alcançá-la, todavia a que decorre da fé. E Israel que buscava lei de justiça não chegou a atingir essa lei. Paulo aqui é muito conciso. Não obstante, observe que no versículo 30 a palavra justiça (E.R.C.) ocorre três vezes. Os gentios crentes descobriram a chave do relacionamento do homem com Deus – a justiça. Eles encontraram a justiça que Deus concede por causa da fé ou confiança (cons. 3:21-26). Israel buscara o princípio da lei (o código mosaico era a mais apreciada personificação desse princípio) para obter justiça, mas eles nunca alcançaram essa justiça.

9:32 Por que Israel não alcançou a justiça? Tragicamente vem a resposta: Porque não decorreu da fé, e sim, como que das obras (que eles buscaram a justiça). A fé ou confiança é importante por causa do objeto (Cristo) no qual se crê e confia. Israel rejeitara o objeto. Eles tropeçaram (ou rejeitaram) na pedra de tropeço. Na admoestação de Is. 8:14, Jeová é a pedra de tropeço para a maioria daqueles, que fazem parte de ambas as casas de Israel. No N.T. é Cristo que é a pedra de tropeço (aqui e em I Pe. 2:6-8).

9:33 A maior parte da citação de Paulo neste versículo é da promessa de Is. 28:16. Mas o apóstolo usa a linguagem da advertência de Is. 8:14 – uma pedra de tropeço e rocha de ofensa e insere esta advertência no meio do ensino positivo sobre a pedra em Is. 28:16, e depois completa o versículo. A última cláusula de Rm. 9:33 – E aquele que nela crê não será confundido – introduz um raio de luz num quadro, que de outro modo seria muito negro. Tal reação positiva, entretanto, não foi a de Israel como um todo, pois Israel tropeçou na pedra que Deus colocou em Sião.

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