Estudo sobre Gênesis 3

Gênesis 3 

v. 1. a serpente: cobra (BLH) seria uma tradução melhor, pois trata-se da palavra hebraica normal nãhãs. Embora o elo com Satanás esteja implícito no v. 15 e explícito no NT, não é explicado aqui. Ela é apresentada como o mais esperto e inteligente (Leupold) entre os animais selvagens — não há conotação negativa na palavra. A tentação é retratada como que vindo não de um ser superior, mas de um ser inferior, sobre o qual a mulher deveria ter exercido domínio. Como a mulher ouviu o réptil, não é explicado no texto.
Deve ter sido algo inerentemente natural, senão o choque a teria levado a se precaver. Parece claro que a voz foi a expressão dos seus pensamentos e desejos mais profundos. O castigo da cobra (v. 14) não deve ser entendido como se em alguma época ela tenha tido pernas. Antes, o que antigamente tinha parecido normal e belo seria agora um lembrete perpétuo do que ela havia feito.
Será que Deus realmente é bom? (v. 1-5). As primeiras palavras da cobra podem ser traduzidas assim: “Deus certamente não disse a vocês que não poderiam comer de nenhuma árvore do jardim, certo?”. Ela falou como se tivesse ouvido um boato terrível. A resposta da mulher foi impecável, mas o seu tom de voz deve ter traído a sua disposição de duvidar da bondade perfeita de Deus. O fato de ela mencionar o tocar nas árvores deve provavelmente ser colocado sob a responsabilidade do homem, pois ele pensou que havia uma cilada no presente de Deus; assim, era melhor que ele fosse cuidadoso. Com a dúvida, veio a negação: não morrerão; Deus quer evitar que vocês se tornem como ele mesmo. A tradução “como deuses” (BJ, VA, NEB) é possível, mas não tão adequada como “como Deus”. A tentação era optar pela independência. A atratividade da árvore (v. 6) provavelmente era só subjetiva. Deus não fizera a tentação mais difícil de ser vencida. O mau desejo sempre irradia uma atratividade falsa sobre o que não é certo.
Nudez (v. 6,7). Não é sugerida motivação alguma para a mulher dar o fruto a seu marido nem para a aceitação dele. A afirmação categórica de Paulo em l Tm 2.14 de que Adão não foi enganado coloca a culpa maior sobre ele e implica que ele agiu de olhos abertos. Podemos deduzir disso que ele já havia tido a intenção de comer o fruto, ou que ele tinha a intenção de compartilhar do destino da sua esposa em vez de confiar em Deus, mas, se foi esse o caso, ele logo se esqueceu disso (v. 12). Aqui o sentimento de nudez (v. 7) assume um significado simbólico ainda mais profundo. Os dois buscavam a independência, mas só se pode desfrutar dela completamente quando há subordinação a um centro comum de autoridade, que no final das contas é Deus. Ao se “libertarem” de Deus, entraram em conflito um com o outro. Quanto mais próximo o relacionamento, tanto mais prejudicial é o pecado.
Os resultados do pecado (v. 8-24). O medo da nudez na presença de Deus (v. 9) dificilmente era uma questão física; eles sabiam que o que haviam feito não podia ser escondido dele. O maior problema gerado por essa história à medida que ela se desenrola é por que não há sugestão de perdão por parte de Deus, “Deus compassivo e misericordioso, paciente, cheio de amor e de fidelidade [...] e perdoa a maldade, a rebelião e o pecado” (Ex 34.7). Por que não houve uma segunda oportunidade? A resposta certamente está nas respostas do homem e da mulher; não há o menor sinal de que eles quisessem voltar à completa dependência do seu Criador. Vemos isso nos castigos que atingem o orgulho dos que estavam envolvidos no problema. A oferta de Satanás sempre é glória e poder (Mt 4.8,9) para os que o seguem, mas o resultado no final é sempre vergonha, como é simbolizado pela forma de se locomover e o alimento da cobra. Não há sugestão alguma de que o corpo da cobra foi modificado, e sim que assumiu um novo significado (cf. o arco-íris, 9.11-15).
O proto-evangelho (v. 15). A anunciação germinal do evangelho. Conta-se por antecipação aqui a história do longo conflito entre os filhos de Deus e os filhos do maligno, que é um dos temas principais do AT. Até o Nascimento Virginal, não se conseguiu entender todas as implicações dessa promessa (cf. Is 7.14). A tradução infeliz da Vulgata, “ela ferirá a tua cabeça”, contribuiu muito para uma valorização exagerada da Virgem Maria. Precisamos observar aqui que, em contraste com a representação medieval errônea da mulher, atribuindo a culpa principal da Queda a ela (isso já aparece em Eclesiástico 25.24) — uma atitude que infelizmente foi perpetuada em certa medida nas igrejas da Reforma — a promessa de Deus vê a mulher exercendo um papel fundamental no conflito que estava por vir. A glória principal do homem é a sua habilidade de exercer domínio, assim ele é humilhado pela rebeldia do solo. Apesar dos avanços da ciência, o homem nunca foi capaz de controlar a natureza, suas secas e pestes. A glória da mulher é que a vida nova precisa vir por intermédio dela. Isso não está ligado, a partir daí, somente com sofrimento, mas também com um desejo profundo e irresistível (a mesma palavra ocorre em 4.6) “para o seu marido” (v. 16), algo que está por trás de tantos casamentos destruídos. Além disso, ela fica sabendo que o seu marido vai tirar vantagem disso e dominá-la. Isso não é uma ordem, como é traduzido em algumas versões; a NVI está certa ao traduzir “e ele a dominará”.
Está amplamente difundida na tradição cristã a ideia de que o v. 21 se refere à instituição divina do sacrifício animal (cf. comentário de 4.3). Se este é o caso, então é difícil explicar por que algo tão fundamental não é ensinado de forma mais explícita.
Adão e Eva são expulsos do paraíso (v. 22-24). A expulsão de Adão e Eva do paraíso é retratada como um ato de graça. A vida interminável, que em todas as épocas da história humana tem sido o sonho de tantos, seria um peso intolerável, se não tivesse um alvo alcançável, pois isso depende da comunhão viva entre o ser humano e seu Deus (cf. Ec 1). O motivo da expulsão, que obviamente foi comunicado ao homem, tinha o propósito de incutir nele a ideia de que, embora a morte física tardasse por séculos, ela seria inevitável. Na discussão de 2.16,17, argumentamos que a função das árvores era “sacramental”, caso em que comer ocasionalmente, em contraste com o comer intencional, não teria maiores consequências. A árvore da vida nunca é explicada, nem aqui nem em Ap 22.2. Observe que em contraste com a árvore do conhecimento do bem e do mal, não havia proibição para comer dela.
Os querubins (v. 24). No tabernáculo, eles eram o trono de Deus (Êx 37.7ss). Além disso, estavam bordados no véu que separava o Santo dos Santos (Êx 36.35), simbolizando a sua função de guardiões do trono de Deus, e é nessa função que eles aparecem em Ez 1.5ss; e Ap 4.6ss. A melhor forma de compreendê-los é considerá-los representantes da criação. Eles são os guardiões da árvore da vida, pois sabem que sem a morte do Senhor da Vida não haveria salvação para o mundo (Rm 8.18-23). Observe que a espada flamejante (v. 24), não mencionada em outra passagem, não era empunhada pelos querubins.

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