Martin Heidegger (Filósofo)

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Martin Heidegger 

(Filósofo)

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Martin Heidegger

Martin Heidegger (1889-1976), nascido na Alemanha, professor da Universidade de Freiburg im Brisgau e seu reitor de 1933 a 1934, é um dos raros filósofos modernos cuja obra apresenta singular crescimento póstumo: Heidegger morreu com as gavetas abarrotadas de inéditos, que começaram a ser editados a partir de 1978 – fato gerador de uma terceira fase da recepção de seu pensamento.

A primeira fase, até 1946, corresponde à irradiação de Ser e Tempo, um “estranho tratado”, como dele diria o autor, sobre o sentido do ser e que, citado sob a sigla SZ, estudaremos aqui. Dedicado a seu mestre Edmund Husserl, “com amizade e veneração” escrito a partir de 1923, interrompido em 26 e publicado em 1927, permaneceria incompleto até o fim da vida de Heidegger, só com duas das três seções programadas para a primeira parte, omitindo a terceira (com o título inverso de Tempo e Ser) e sem a segunda parte, então prevista, da mesma obra. Anunciada nessa inversão do título, de Ser e Tempo a Tempo e Ser, e proposta como virada (Kehre), a segunda fase do pensamento heideggeriano, que perspontara em 30, seria explicada, pela primeira vez ao público europeu na carta Sobre o Humanismo (Über den Humanismus) a Jean Beaufret, logo após a Segunda Guerra Mundial, em 1946, quando o filósofo foi afastado do ensino em consequência de inquérito a que respondeu perante as tropas Aliadas de ocupação pelas notórias e oficiais relações por ele entretidas com o Partido Nazista quando foi reitor.

As duas seções publicadas da primeira parte de Ser e Tempo já compõem o perfil de uma ontologia fundamental, estudando, numa analítica, com base no método fenomenológico de Husserl, o homem do ponto de vista de seu ser, como Dasein. O perfil dessa ontologia, repassado na “vontade de destruição e subversão” que impregna a questão do sentido do ser, se reconfigura nos textos de 1929, como O que é a metafísica?, Da essência do fundamento e Kant e o problema da metafísica. A julgar-se pela segunda fase, seria esse estudo apenas um caminho provisório para “o desenvolvimento completo da questão do ser em geral”. Não era, pois, a existência humana, mas a questão do ser em geral a meta de Ser e Tempo, que passou a considerar-se a questão de fundo, interesse, encargo ou destino do pensamento nos escritos de 1930 em diante, como, entre outros, A essência da verdade, Hölderlin e a essência da poesia (36) e aqueles reunidos na coletânea Caminho do bosque (Holzweg), particularmente A origem da obra de arte (1935), A época da imagem do mundo e Por que poetas?, além daqueles mais tardios em que se juntam os temas da essência da técnica e da superação da metafísica.

A publicação póstuma de cursos e conferências inéditos na obra completa (Gesamtausgabe), ainda em vias de publicação, tanto da primeira fase – Interpretações fenomenológicas de Aristóteles (Phänomenologische Interpretationen zu Aristóteles, 1923), Ontologia, hermenêutica da facticidade (Ontologie, Hermeneutik der Faktizität, 1923), Prolegômenos à história do conceito de tempo (Prolegomena zur Geschichte des Zeits Begriffs, 1925), Fenomenologia e teologia (1927), Problemas fundamentais da fenomenologia (1927) e Conceitos fundamentais de metafísica (Grundbegriffe der Metaphysik, 1929-30) – quanto da segunda – Hinos de Hölderlin, Germânia e o Reno (Hölderlins Hymnen, “Germanen” und “der Rhein”, 1935, e Contribuições à filosofia (Beitrage zur Philosophie – Vom Ereignis, 1938), entre muitos outros – emprestam à terceira a que me referi um caráter essencialmente interpretativo, pois os escritos atualmente difundidos entrosam e redimensionam as duas primeiras. Não temos em cada uma delas, como se quis pensar, um Heidegger diferente – Heidegger I e Heidegger II –, mas dois momentos distintos de um mesmo pensar que mutuamente se esclarecem. Assim, como o próprio filósofo ponderou a um de seus intérpretes, se é somente através do primeiro que se pode chegar ao segundo, não é menos verdadeiro que foi esse último que possibilitou o outro.

Queremos pensar que o entrosamento dos dois se operou por intermédio do conceito que lhes é comum e que ambos têm por pressuposto: o conceito de Dasein, chave principal de Ser e Tempo e no qual veio a fixar-se, culminando no deslocamento a segundo plano do conceito clássico de verdade, todo um processo crítico de confrontação com a tradição filosófica que esse tratado revolucionou afinal. Tal revolução se detecta quer no regime expositivo da obra, eivado de termos novos com base em palavras comuns da língua alemã, quer no ousado vínculo aí entretido ao mesmo tempo com a prática da vida e com a linguagem, de modo a retirar da filosofia a hegemonia da teoria do conhecimento e a desvincular completamente a ontologia das motivações teológicas e do primado axiológico da ciência. A primeira relação do pensamento à luz do problema do sentido do ser ali proposto se estabelecerá com a poesia e com a arte, não com a ciência, o que na segunda fase tem como pano de fundo o desenvolvimento tecnológico e o auge da secularização. Trata-se de uma genealogia da época moderna no presente; de modo que a fisionomia da Kehre se completaria com a reconquista de um novo começo do pensamento em torno do sentido do ser.