O Método segundo Martin Heidegger

O Método segundo Martin Heidegger

O Método segundo Martin Heidegger 

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O Método

A “vontade de subversão e de destruição” que anima a questão do sentido do ser – verbo derivado do latim esse e do grego eimi (ou do particípio ente, correspondente ao ens latino e ao tó òn grego) – está na busca do pressuposto que possibilitou a sua formulação e que se estampa no recuo em relação à linguagem implicado nessa mesma pergunta. Pergunta Heidegger em Ser e Tempo, de que são quase todas as citações do presente texto, excetuando as fontes expressamente citadas em Referências e fontes: “Temos hoje uma resposta à questão do que significa a palavra ente? De modo nenhum. É pois justificável que se coloque de novo a questão do sentido do ser.” (SZ, p.4)

Quem faz a pergunta, colocando essa questão, somos nós mesmos como Dasein. O Dasein, ente que nós mesmos somos, tem a possibilidade de pôr essa questão. Quando a fazemos, se estabelece uma relação circular entre quem questiona e o questionado, entre quem interroga, o ente que somos e o ser interrogado. Por que se pode afirmar isso? Em razão do método adotado, oriundo da fenomenologia de Husserl, reinterpretada em íntima relação com a hermenêutica. Reinterpreta-se a fenomenologia, ciência da consciência, na acepção de seu fundador, como um permitir ver o fenômeno, aquilo que se mostra por si mesmo uma vez liberado de seus encobrimentos. E aquilo que assim se mostra é o ser do ente focalizado, uma vez que na fenomenologia reinterpretada, a intencionalidade não é mais, como foi para Husserl, a propriedade fundamental da consciência, mas a direção para o ser compreendido, isto é, para o ser pré-descoberto, de que a consciência é o ponto de abertura.

Sob esse novo ângulo, a fenomenologia adquire um porte ontológico, ou melhor, ela se torna ontológica. A fenomenologia é ontologia, e, como ontologia, é uma hermenêutica, porque a descritividade fenomenológica tem o alcance de um trabalho de interpretação aplicado ao Dasein – não de fora para dentro, mas de dentro para fora, uma vez que parte do Dasein e é pelo Dasein mesmo conduzida. O método se compatibiliza, pois, com a investigação do Dasein em si mesmo e por si mesmo. Essa investigação exige, no entanto, que se neutralize a consciência numa epoqué, posta por conseguinte num parêntese metodológico. “Em lugar de consciência (Bewusstsein), leremos Dasein (ser-aí)”. E está em germe na noção mesma de Dasein a delimitação do método – a base que o legitima, que não é outra senão a compreensão do ser, na qual já nos encontramos ao iniciar a analítica, e que, portanto, detém um alcance pré-ontológico: o âmbito da existência humana a que se aplica e a temporalidade aonde chega e que a fundamenta.

Daí poder se dizer, em primeiro lugar, que o Dasein é o ente que compreende o ser, o que significa compreendê-lo em sua existência e entender a existência como possibilidade sua, de ser ou de não ser si mesmo, com a qual está concernido. Se o Dasein é um ente, é um ente que põe em jogo o seu próprio ser. Assim, o que se visa em Ser e tempo – elaborar a questão do ser – é esse mesmo jogo da questão, da pergunta sobre o sentido do ser. Temos que auferir esse sentido à luz de quem pergunta, o Dasein como ente, que na pergunta já visa o seu próprio ser. E visando-o, investiga a sua existência, que não tem como um objeto diante de si mesmo, mas como risco de ganhar-se ou de perder-se. Portanto, essa investigação é polarizada pela autenticidade ou pela inautenticidade em que se resolve. Mas o ponto de partida, para evitar a intromissão de conceitos previamente elaborados mas não aclarados, é a mediania banal da vida cotidiana, como o nível de interpretação corrente de si mesmo, dos outros e do mundo em que o Dasein já se encontra. Para ele, existir é interpretar-se. E interpretar-se é questionar-se. Porém no questionar-se está em jogo a questão do ser. Por isso, insiste Heidegger em dizer-nos que este ente que nós mesmos somos, o Dasein, é aquele que, em virtude de seu próprio ser, tem a possibilidade de colocar questões.

Desse ponto de vista, porém, a intencionalidade deixa de ser uma propriedade da consciência, como foi para Husserl. A relação intencional como que a desinterioriza. O voltar-se dela para os objetos está enraizada na compreensão do ser em cuja órbita se move. Nessa confrontação contestatória ao pensamento de Husserl achava-se Heidegger, porém, aliado ao pensamento grego antigo, e de modo particular a Aristóteles, reinterpretando a descrição fenomenológica enquanto intuição das essências como logos, phainomenon e alétheia: o primeiro significando tornar patente ou manifesto aquilo de que se fala, portanto objeto do discurso; o segundo, aquilo que se mostra por si mesmo; e o terceiro, não velamento e não encobrimento. O ser verdadeiro, que corresponde à entelécheia aristotélica, ao ser em ato, coincidiria com aquilo que é (tó òn) e portanto com a essência (ousía): mas não com o ser, e sim com o ser do ente enquanto presença (Anwesenheit).

Se a investigação heideggeriana é acompanhada pelo interesse, no sentido que Kierkegaard atribuiu a essa palavra, daquele que existe, o seu objetivo não é Proporcionar instrução espiritual, mas, partindo do plano existencial, pré-teórico, que sempre tem por fundo, determinar o complexo de estruturas (chamamo-las de existentivas para diferenciá-las do plano existencial, relativo à existência de cada qual) que constituem o Dasein, e nas quais repousa o sentido de seu ser. Assim a ontologia fundamental abrange os seres da ordem do Dasein e aqueles dois que a essa ordem não pertencem, chamados de categorias, e que são o ser-à mão (Zuhanden) e o ser à vista (Vorhanden), ou seja, os entes acessíveis na práxis e os entes que se apresentam diante de nós como objetos substantes. O Dasein como ente é ser-no-mundo.