Significado de Atos 18

Atos 18

Em Atos 18, Paulo continua seu trabalho missionário, visitando várias cidades e divulgando o evangelho. Ele passa um tempo considerável em Corinto, onde conhece Áquila e Priscila, dois fabricantes de tendas, e converte muitas pessoas ao cristianismo. No entanto, ele também enfrenta oposição dos líderes judeus da cidade. Eventualmente, ele deixa Corinto e continua suas viagens. No geral, Atos 18 destaca os desafios e sucessos do trabalho missionário de Paulo, bem como o crescimento da igreja cristã primitiva.

I. Intertextualidade com o Antigo e Novo Testamento

Atos 18 desloca a narrativa de Atenas para Corinto e, com isso, costura missão, trabalho, sinagoga e praça sob o fio da Escritura. Paulo encontra Áquila e Priscila, judeus vindos de Roma, e trabalha com eles na confecção de tendas, enquanto “todo sábado” discute nas sinagogas e persuade judeus e gregos (Atos 18:1–4). O retrato do apóstolo que se sustenta “com as próprias mãos” dialoga com sua própria ética em cartas: “trabalhando noite e dia, para não sermos pesados” (1 Tessalonicenses 2:9; cf. Atos 20:34), sem abdicar do direito apostólico (1 Coríntios 9:6–15). A cadência “primeiro na sinagoga” segue o eixo da promessa a Abraão para todas as famílias da terra (Gênesis 12:3) e o padrão do Servo “luz para as nações” que, porém, começa em Israel (Isaías 49:6; Romanos 1:16).

Com a chegada de Silas e Timóteo, Paulo se “entrega de todo ao testemunho”, enfrentando resistência e blasfêmia; então sacode as vestes e declara: “o vosso sangue seja sobre a vossa cabeça; eu estou limpo; desde agora vou para os gentios” (Atos 18:5–6). O gesto e a fórmula são bíblicos: “sacudir o regaço” para sinalizar responsabilização aparece em Neemias 5:13, e o “sangue sobre a cabeça” ecoa a linguagem do sentinela de Ezequiel, que se considera limpo por ter advertido (Ezequiel 33:4–9), além do sinal missionário de “sacudir o pó” quando rejeitados (Mateus 10:14). A virada “aos gentios” retoma a justificação profética de Atos 13:46 (“era necessário… mas já que a rejeitais, voltamo-nos para os gentios”) e se ancora em Isaías 49:6. Paradoxalmente, a porta que se fecha na sinagoga abre-se ao lado: na casa de Tício Justo, vizinha à sinagoga, onde Crispo, principal da sinagoga, crê “com toda a sua casa”, e “muitos coríntios, ouvindo, criam e eram batizados” (Atos 18:7–8). Essa “salvação doméstica” atravessa Atos (Atos 10:24, 48; 16:15, 31–34) e encontra ressonância em 1 Coríntios, onde Paulo lembra ter batizado “a Crispo e a Gaio” (1 Coríntios 1:14).

O encorajamento noturno do Senhor crava a missão em promessas antigas e na eleição que conduz a história: “Não temas, pelo contrário, fala e não te cales; porque eu estou contigo… pois tenho muito povo nesta cidade” (Atos 18:9–10). “Não temas… eu estou contigo” é o refrão do chamado profético (Josué 1:9; Isaías 41:10; Jeremias 1:8), e a garantia de que “ninguém te acometerá para te fazer mal” ecoa a proteção prometida ao enviado (Jeremias 1:18–19; Salmos 121). O “muito povo” do Senhor em Corinto conversa com a linguagem joanina do dom do Pai ao Filho (“todo o que o Pai me dá virá a mim”, João 6:37) e com as “outras ovelhas” que ouvirão a voz do Pastor (João 10:16). Por isso Paulo permanece “um ano e seis meses” ensinando a palavra (Atos 18:11), enquanto mais tarde lembrará aos coríntios que veio a eles “em fraqueza, temor e grande tremor” para que a fé se firmasse no poder de Deus (1 Coríntios 2:1–5), justamente o poder que o Senhor lhe prometera naquela noite.

O episódio diante de Gálio, procônsul da Acaia, enquadra o evangelho num cenário jurídico que, sem o pretendido, favorece a sua livre circulação. Os acusadores querem transformar a fé em “questão de lei”, e Gálio recusa intervir, expulsando-os do tribunal (Atos 18:12–16). O “tribunal” (bēma) em Corinto, onde se buscava veredito humano, ironicamente aponta ao “tribunal de Cristo” no qual todos hão de comparecer (2 Coríntios 5:10; Romanos 14:10), e a recusa do magistrado ecoa a soberania de Deus que faz até decisões civis servirem ao avanço da palavra (Provérbios 21:1; Atos 18:18). Sostínes, principal da sinagoga, é espancado diante do bēma, e Gálio “não se incomoda” (Atos 18:17); mais adiante, um “Sostínes, o irmão”, aparecerá ao lado de Paulo (1 Coríntios 1:1), sinal de que a graça pode tomar até nomes associados à oposição e torná-los cooperadores (Atos 9:1–20).

Ao partir de Corinto, Paulo “corta o cabelo em Cencreia, pois tinha voto” (Atos 18:18), gesto que remete às práticas votivas de Israel, especialmente ao voto nazireu com corte do cabelo ao término (Números 6:1–21), e à piedade que “paga os votos ao Senhor” (Salmos 116:14; Eclesiastes 5:4–5). Cencreia, porto de Corinto, será também o lugar de onde servia Febe, “diaconisa da igreja” (Romanos 16:1), mostrando o florescimento eclesial naquele eixo. Em Éfeso, Paulo discute na sinagoga; pedem-lhe que fique, mas ele se despede com um “voltarei, se Deus quiser” (Atos 18:19–21), fórmula que alinha prudência e providência (Tiago 4:13–15; Provérbios 16:9) e que ele mesmo adotará na correspondência (1 Coríntios 4:19; 16:7). Deixa Priscila e Áquila em Éfeso — casal que, como “cooperadores” (Romanos 16:3–5), mostra que a missão se faz em casas, ofícios e ensino partilhado.

O relato de Apolo, judeu alexandrino “eloquente e poderoso nas Escrituras”, “instruído no caminho do Senhor”, mas conhecendo “apenas o batismo de João”, entrelaça continuidade e completude (Atos 18:24–25). O batismo de João preparava para o que viria (Marcos 1:7–8; Atos 19:4), e Priscila e Áquila o “expõem com mais exatidão” o caminho de Deus (Atos 18:26), à maneira do Ressuscitado que abriu as Escrituras “começando por Moisés e por todos os profetas” (Lucas 24:27). Com cartas de recomendação dos irmãos — prática que Paulo citará ao falar de “cartas de recomendação” e de a própria igreja ser a “carta” do apóstolo (2 Coríntios 3:1–3) —, Apolo atravessa para a Acaia, onde “ajudou muito aos que pela graça haviam crido” e “com grande veemência… demonstrava pelas Escrituras que o Cristo era Jesus” (Atos 18:27–28). O seu ministério é o contraponto perfeito ao de Paulo em 1 Coríntios: “eu plantei, Apolo regou, mas Deus deu o crescimento” (1 Coríntios 3:6), e o conteúdo é o mesmo querigma escriturístico: o Ungido prometido em Salmo 2, Salmo 110 e Isaías 53 é Jesus (Salmos 2; 110:1; Isaías 53).

Até nos detalhes Atos 18 dialoga com a Escritura. A passagem de sinagoga para casa vizinha remete ao movimento profético de Deus que, quando fechado no templo, encontra casa aberta para o seu Nome (1 Reis 8:41–43; Atos 10:44–48); a visão de encorajamento soma-se às aparições que marcam viradas (Gênesis 26:24; Atos 23:11); o voto cumprido em Cencreia conecta-se ao zelo que não dispensa a graça; o “se Deus quiser” amarra decisão e dependência; e Apolo, “poderoso nas escrituras”, confirma que a missão às nações não abandona Moisés e os Profetas, mas os lê na luz do Ressuscitado (Lucas 24:44–47). Desse modo, Atos 18 mostra que o Senhor que disse “tenho muito povo nesta cidade” é o mesmo que abre portas (1 Coríntios 16:9), sustenta o seu servo diante de tribunais (Atos 18:12–16), reúne casas inteiras sob o batismo (Atos 18:8), acolhe votos sinceros e corrige teologias incompletas com mansidão (Atos 18:26), para que, de Corinto a Éfeso e de Cencreia a Antioquia, a Escritura seja cumprida e a graça faça crescer a igreja “pela fé que é em Cristo Jesus” (Atos 18:23; 20:32).

II. Comentário de Atos 18

Atos 18:1 Corinto era a capital política de Acaia. Era também o centro de adoração de Afrodite, a deusa da fertilidade, e tinha o maior templo de Apolo. Por causa da natureza licenciosa do culto religioso a Afrodite, Corinto tinha a reputação de ser uma cidade imoral. Desde o quinto século a. C., os gregos usavam a expressão agir como os coríntios como sinônimo de imoralidade sexual.

Atos 18:2, 3 Todos os jovens que estudavam com os rabinos tinham de aprender uma profissão. Fazer tendas era um ofício de quem trabalhava com couro. A província da Cilicia, de onde era Paulo, era conhecida por sua fabricação de tecido feito do pelo de cabras.

Atos 18:4-6 Sempre que Paulo entrava em uma cidade, ele costumava procurar os judeus primeiro. Foi por isso que em Corinto ele começou a falar de Jesus nas sinagogas. Depois de muitas tentativas para alcançar os judeus em Corinto (v. 4), algo que lhe trouxe pouco resultado, Paulo voltou sua atenção quase que exclusivamente para os gentios.

Atos 18:7 Entrou em casa de um homem chamado Tito Justo, que servia a Deus e cuja casa estava junto da sinagoga. A maioria dos romanos tinha três nomes. O nome desse homem era Tito Justo. Pelo que lemos na carta de Paulo aos coríntios, é bem provável que Justo fosse o mesmo homem chamado de Gaio em 1 Coríntios 1.14.

Atos 18:8-11 Não temas, mas fala e não te cales; porque eu sou contigo, e ninguém lançará mão de ti para te fazer mal. Tendo em vista o tratamento rude que recebia aonde quer que fosse, Paulo deve ter ficado muito confortado com a promessa divina de que ninguém lançaria mão dele para lhe fazer mal ou açoitá-lo em Corinto (At 16.22-24).

Atos 18:12, 13 Na primavera de 51 ou 52 d. C, um procônsul chamado Gálio foi escolhido pelo senado romano para governar a província de Acaia (Grécia). Gálio era irmão do famoso filósofo estóico Sêneca, que tinha grande influência em Roma. Os líderes judeus acharam que aproveitariam o novo governador para se livrarem de Paulo e do evangelho de Jesus Cristo. Levar Paulo diante do tribunal do governador para ser julgado foi algo fabuloso para eles. Se o governador romano considerasse o cristianismo ilegal, isso resultaria em grande motivação para os cristãos serem perseguidos.

Atos 18:14-17 Paulo nem precisou abrir a boca para defender a sua fé. Deus já tinha providenciado a defesa; Ele fez com que Gálio tomasse a decisão correta. Nenhum crime havia sido cometido contra Roma. Gálio considerava o cristianismo uma seita judaica. E, como o judaísmo era uma religião reconhecida pelo Império Romano, essa seita em nada violava a lei romana. Gálio fez com que seus oficiais expulsassem os acusadores de Paulo da sua presença. Mais uma vez a soberana mão de Deus preservou a vida do Seu servo fiel.

Atos 18:18 Paulo raspou a cabeça como parte do voto nazireu que havia feito (Nm 6). Esse voto seria cumprido em Jerusalém, onde o cabelo seria apresentado a Deus. Os votos eram feitos como ato de gratidão a alguma bênção recebida de Deus (como o livramento que Deus dera a Paulo em Corinto) ou como parte de uma petição para uma bênção futura. O voto envolvia não beber vinho e não cortar o cabelo por determinado período de tempo. Concluído o período, o cabelo era cortado e queimado com o sacrifício como se a própria pessoa estivesse oferecendo-se a Deus em holocausto (At 21.23-26). Paulo refez todos os seus planos de viagem porque queria chegar a Jerusalém a tempo para cumprir seu voto.

Atos 18:19-21 Paulo tentou ir para Éfeso antes, mas o Espírito Santo o impediu (At 16.6). Nós não sabemos como ou por que, mas durante a segunda viagem missionária de Paulo, o Espírito Santo impediu-o de ir para o sudoeste, que o levaria a Éfeso. Ao invés disso, Paulo foi para o noroeste, para o porto de Trôade no mar Egeu, onde recebeu o chamado para ir à Macedônia e pregar o evangelho na Europa. Se confiarmos nosso caminho a Deus e crermos que tudo acontecerá a Seu tempo, como fez Paulo, nós estaremos sempre no lugar certo na hora certa.

Atos 18:22 Paulo cumpriu seu voto (v.18-21) quando foi a Jerusalém, saudando a igreja ali. Depois, ele voltou para a Igreja em Antioquia, que o enviara, e completou a sua segunda viagem missionária, onde percorreu mais de 500 km. Desceu. Antioquia ficava ao norte de Jerusalém, mas em um nível mais baixo.

Atos 18:23 Partiu, passando sucessivamente pela província. Em sua terceira viagem missionária, Paulo voltou a Àsia Menor para visitar as igrejas que fundara em suas viagens anteriores. Algumas dessas cidades foram Derbe, Listra, Icônio, Antioquia e Éfeso.

Atos 18:24 Apolo, natural de Alexandria. Esse judeu de nome grego era da segunda maior cidade do Império Romano. Alexandria era uma cidade portuária ao norte da costa do Egito. Fundada por Alexandre, o Grande, essa cidade era muito cosmopolita. Ali viviam egípcios, gregos e romanos, mas quase um quarto da sua população eram de judeus. A tradução grega das Escrituras hebraicas foi feita nessa cidade cerca de 150 anos antes do nascimento de Jesus. A cidade era famosa por sua grande biblioteca e considerada o centro cultural e educacional do mundo.

Atos 18:25-27 O batismo de João era o batismo do arrependimento, uma preparação para a vinda do Messias. Os seguidores de João espalharam-se pela Ásia Menor e pelo Egito. Apolo era um discípulo de João Batista. E, ao que parece, ele não sabia nada sobre a obra concluída por Jesus na cruz, a ressurreição, a ascensão e a vinda do Espírito Santo.

Atos 18:28 Com grande veemência convencia publicamente os judeus. Muitos dos cristãos em Corinto eram gentios e oponentes fáceis de serem vencidos por alguém que conhecesse bem as Escrituras hebraicas. No entanto, os argumentos desses judeus eram refutados com brilhantismo por Apolo, um novo apologista judeu cristão (v.26).

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