Família nos Tempos Bíblicos

Família nos Tempos Bíblicos

Família nos Tempos Bíblicos

Apesar de a terminologia variar e se sobrepor, a rigor (veja Js 7.16-18), o indivíduo israelita era primeiramente membro de uma família ou linhagem, depois de um clã, depois de uma tribo, e depois do povo ou nação de Israel.

A família israelita típica consistia no chefe de família, em sua esposa (ou esposas), em seus filhos com suas esposas e filhos, e em suas filhas solteiras, viúvas ou divorciadas. Pelo menos algumas famílias tinham um ou mais escravos considerados quase como membros da família, principalmente os nascidos na casa daquela família (Gn 14.14). Quando um filho se casava, sua família imediata, via de regra, tornava-se parte da família do seu pai, mudando-se ou para a mesma casa ou para uma casa adjacente (ou tenda, no caso dos nômades). A família de Jacó chegava a umas duzentas pessoas, morando em tendas, além de provavelmente algumas centenas de escravos. O pai era o chefe de toda a família, controlando toda a propriedade, e os filhos quase sempre seguiam o pai em termos de profissão.

A poligamia
Encontramos seis exemplos de poligamia na Bíblia no tempo pré-mosaico, quatro durante o período dos juízes e nove entre os reis de Israel. Os ricos no tempo do Novo Testamento também praticavam a poligamia, e a Mishná e o Talmude a sancionavam. Um comentarista, porém, lembra que, após a menção de Elcana (lSm 1.1-2), os livros de Samuel e Reis não contêm nenhuma referência à poligamia entre “pessoas co­muns”. A monogamia é que tinha a aprovação de Deus (veja Gn 2.18-25; Pv 5.15-21; Lc 16.18; lCo 7.1-2), e era inquestionavelmente a forma de casamento mais comum em Israel, apesar de às vezes uma segunda esposa ou uma concubina (esposa-escrava sem propriedades e com menos direitos que uma esposa normal) ser adquirida nos casos em que a primeira era estéril.

Os costumes de casamento
O casamento israelita típico era arranjado pelos pais entre parentes distantes e provavelmente acontecia quando o rapaz chegava perto dos vinte anos, e a moça, por volta de quinze. Ele era combinado sem o consentimento dos jovens, apesar de estes poderem expressar suas preferências Oz 14.2; lSm 18.20). No tempo do Novo Testamento, moças com mais de doze anos e meio tinham o direito de recusar o noivo.

As negociações incluíam o valor do mohar, uma compensação entregue aos pais da noiva pela perda da ajuda em casa, com o qual se celebrava o contrato de noivado. Uma parte do mohar podia ser guardada para a moça, pelo menos em épocas mais recentes, para o caso de uma emergência da morte do marido, já que ela não tinha nenhum direito a herança se não tivesse filhos. Nas negociações também estava prevista uma quantia que a esposa devia receber no caso de seu marido divorciar-se dela. Durante o tempo de noivado, que com frequência durava um ano, o rapaz não podia ver o rosto da moça antes do casamento (Gn 24.65). No dia do casamento, os pais da noiva e o noivo a presenteavam (compare Ez 16.10-13), e ela podia guardar os presentes como propriedade particular. O casamento em si era composto de uma festa, que costumava durar sete dias, iniciando-se com a noiva, trajando um véu, sendo escoltada cerimoniosamente com música e danças da casa dos seus pais até a tenda do casamento (Gn 24.67; Nm 25 .8; SI 19 .5). Após a consumação do casamento, as “provas da virgindade”, um lençol manchado de sangue, eram apresentadas publicamente aos pais da noiva, como salvaguarda (Dt 22.13-21). Também fazia parte do casamento um contrato (MI 2.14; Pv 2.l 7; Ez 16.8) que, a exemplo do ato de divórcio (Dt 24. l-3;Jr 3.8), era feito por escrito, pelo menos depois do exílio. O contrato entre judeus do quinto século a.c. no Egito consistia na declaração do noivo de que “ela é minha esposa, e eu sou seu marido, deste dia em diante para sempre”.

As mulheres
As mulheres em Israel eram consideradas, em termos sociais, legais e religiosos, inferiores aos homens. Apesar de não poder vender sua esposa, o marido tinha autoridade absoluta sobre ela e era chamado seu baal, seu “senhor” (o verbo tem o sentido de dominar ou casar). Ele também era chamado seu “proprietário”, assim como o era dos seus filhos, dos escravos e dos demais bens. Nos tempos do Novo Testamento uma esposa podia divorciar-se do seu marido somente se ele exigisse dela votos que ela considerasse indignos, se ele tivesse lepra ou pólipos, fosse coletor de esterco, fundidor de cobre ou curtidor. Os maridos do primeiro século, por sua vez, geralmente podiam se divorciar das suas pessoas por qualquer motivo. No tempo de Jesus, pelo menos em Jerusalém, as mulheres saíam de casa somente quando isso não podia ser evitado, mas somente de rosto coberto. Não podiam falar com estranhos na rua, especialmente com professores. Exceção ao uso do véu era feita em dias de festa, e as regras não eram tão rígidas no interior como na cidade.

De acordo com o Talmude, o marido era obrigado a sustentar sua esposa, resgatá-la do cativeiro quando necessário, providenciar-lhe remédios quando estivesse doente e um funeral apropriado quando morresse. A esposa, por outro lado, devia ajudar seu marido na lavoura e com os rebanhos, bem como moer os cereais; fazer pão e cozinhar as refeições; fazer e lavar as roupas; alimentar as crianças; fazer a cama do seu marido; e lavar o rosto dele, mãos e pés. Algumas dessas tarefas caseiras eram delegadas a empregadas, quando, logicamente, a família as tinha. O Talmude observa que, se a esposa trouxesse quatro escravas para o casamento, podia ficar sentada em uma cátedra o dia inteiro, se quisesse. Tudo o que uma esposa achasse pertencia ao seu marido. Além disso, ela tinha de contar com a possibilidade de que, se ele a considerasse dada a brigas ou estéril, ele podia tomar uma segunda esposa (ou concubina) ou divorciar-se dela (dependendo das finanças dele), neste caso ficando com os filhos do sexo masculino. As mulheres estavam sujeitas às proibições bíblicas, mas estavam isentas da exigência de participar das três principais festas judaicas em Jerusalém: Páscoa, Pentecostes e Tabernáculos. Via de regra elas eram impedidas de estudar a Torá. De acordo com um rabino, “se algum homem der à sua filha algum conhecimento da lei, é como se ele lhe ensinasse a luxúria”. As mulheres também eram impedidas por alguns de ensinar as crianças, abençoar a comida ou servir de testemunha, devido à sua natureza frívola e tola (Josefo, Antiguidades, 4.219). Ser mãe, porém, e desincumbir-se das suas tarefas com diligência, granjeavam-lhe respeito e admiração especial. A condição inferior da mulher não a impedia de ser considerada com grande afeto (Pv 31 .10-31). Segundo Roland de Vaux, na família israelita o marido amava sua esposa, ouvia-a e a tratava em condições de igualdade. As crianças

As crianças eram um tesouro e uma fonte de grande felicidade na sociedade israelita. O parto com frequência acontecia com a mulher sentada sobre duas pedras separadas e geralmente contava com a ajuda de uma parteira profissional (Êx 1.15-16). O bebê era imediatamente lavado e envolvido em tiras de pano, que o impediam de se mexer e ferir seus membros (Jó 38.8- 11; Ez 16.2-5), e recebia um nome (no tempo do Novo Testamento o nome era dado geralmente por ocasião da circuncisão, no oitavo dia). A mãe costumava amamentar os filhos por mais tempo do que é normal nas culturas ocidentais -três anos, segundo um texto intertestamentário.

As crianças passavam seus primeiros anos sob o cuidado da mãe, cantando e dançando na praça da cidade (Zc 8.5) e brincando com figuras de argilas. (descobertas por arqueólogos). A maioria das moças continuava a aprender com a mãe em casa (Ez 16.44) as prendas domésticas necessárias e conhecimentos profissionais que ela pudesse ter, como ser parteira, tecer, cozinhar, preparar unguentos (lSm 8.13), chorar em velórios Or 9.17), cantar (2Sm 19.35; Ec 2.8), ser médium (lSm 28.7) e, talvez, profetizar (Êx 15.20; Jz 5; Ez 13.l7-23)- o que teria exigido uma educação acima da média.

A educação
O pai era o principal responsável pela maior parte da educação dos meninos (compare Pv 1.8; 6. 20; 31.l) nas tradições de Israel (Dt 6. 7, 20-25) e nas questões éticas e práticas. Ele lançava mão de castigos físicos (Pv 13.24; 22.15). A alfabetização era comum já durante a monarquia (mais do que nos países vizinhos, onde os sistemas de escrita eram muito mais complicados), mas a educação era feita em boa parte por meio de memorização e recitação. Seu conteúdo principal era a história, literatura e leis de Israel, além do treinamento em conhecimentos técnicos. Jovens príncipes eram educados por tutores profissionais nas questões de governo e guerra, bem como de religião.

A educação formal da população em geral inexistia antes do primeiro século a.c., mas havia escolas, provavelmente desde o início da nação, para ensinar a aspirantes a escribas a arte do preparo de documentos, já que, na época do Novo Testamento, a capacidade de escrever era menos comum do que de ler. Todavia, essas escolas exigiam tempo e dinheiro, representando investimentos com os quais somente as classes superiores podiam arcar. Os mestres eram chamados “pai”, e seus alunos, “filhos”, como se vê no livro de Provérbios. Também havia um tipo de instrução formal para os sacerdotes, provavelmente ligada ao templo. Muitos profetas eram educados na escola da corte real, na escola de escribas ou na escola para sacerdotes.

Nas sinagogas do primeiro século a.c., para meninos entre seis e doze anos, os fariseus parecem ter começado escolas de ensino fundamental obrigatório chamadas bet sefer, a “casa do livro” ( que ensinavam a ler a Torá) e bet talmud, a “casa do aprendizado” ( que ensinavam a Mishná ou lei oral). A educação de adultos na Torá fora promovida primeiro por sacerdotes e levitas itinerantes (Dt 31.9-13; Jer 17.7-9; Ne 8.7-9; Mq 3.11; MI 2.6-7). Durante a última parte do período persa, as Escrituras eram lidas e explicadas na praça em dias de comércio (segunda e quinta-feira), sistema este que acabou sendo organizado em um ciclo de três anos através da Torá. Depois do exílio, os escribas, dos quais muitos eram levitas, tinham começado a substituir os sacerdotes no ensino. Os mais famosos foram Shammai, Hillel e seu neto Gamaliel, sob cuja orientação Paulo estudou. Alguns desses professores abriram escolas, chamadas bet midrash, “casa do estudo”, para meninos promissores que tinham terminado a escola fundamental.

Moradia
As tendas típicas em Israel eram feitas de pelos de cabra tecidos, castanhos ou negros. Provavelmente como as tendas dos beduínos hoje em dia, elas eram erguidas sobre três varas centrais de uns dois metros de altura, com três menores em cada lado. Muitas vezes elas eram divididas por um pano de linho em um “dormitório” nos fundos e uma “sala de estar” na frente, com uma fogueira na entrada. O piso era de chão batido, mas os moradores e os hóspedes sempre deixavam seus calçados do lado de fora. A “mesa” para as refeições (Sl 73.5) consistia em uma pele de cabra estendida no chão, e a cama não passava de uma esteira de palha.

As casas mudaram relativamente pouco durante a história de Israel. As casas dos mais pobres consistiam em apenas um cômodo de 3 x 3 m e um quintal, às vezes comum com outras famílias. Eram construídas com tijolos de barro secados ao sol, ligados com argamassa de barro, rebocados de barro por dentro. A base das paredes era feita geralmente de tijolos de barro secados no forno ou de pedras brutas e entulho. No tempo do Novo Testamento as paredes do primeiro andar eram muitas vezes feitas de pedras muito bem lavradas. O teto, talvez sustentado por um pilar no centro da sala, consistia de vigas e varas transversais, preenchidas com galhos e barro, nivelado depois de uma chuva pesada. Telhas de barro também apareceram mais tarde no período bíblico. Chegava-se ao alto do teto por uma escada do lado de fora da casa, e muitas tarefas domésticas eram feitas sobre o telhado. Ao anoitecer ele era usado para comer, encontrar-se com os amigos, relaxar e dormir no verão. A principal fonte de ventilação e luz natural na casa era a porta. A porta era feita de pano ou madeira, com dobradiças de couro, e muitas vezes podia ser trancada com chaves ou ferrolhos Qz 3.25; 2Sm 13.17; Is 22.22). Também havia algumas janelas estreitas e altas, que não passavam de aberturas nas paredes que podiam ser cobertas com treliças ou venezianas. Já existiam janelas de vidro no tempo do Novo Testamento, mas apenas nas casas dos muito ricos.

Era comum ter animais dentro de casa, e por isso muitas casas tinham uma plataforma de cerca de 40 cm de altura, onde os animais comiam e dormiam. O chão costumava ser de terra ou calçado com pedra calcária, mas podia ser calçado com lajes (com frestas suficientemente grandes para perder uma moeda; veja Lc 15.8-1 O). Muitas casas tinham várias dependências formando dois ou três lados de um pátio interno. Alguns dos quartos eram separados do pátio apenas por colunas. As famílias cuja ocupação era a fabricação de tendas ou a marcenaria faziam seu trabalho no pátio da casa. Casas mais bonitas tinham os dormitórios no primeiro andar, ficando o andar térreo para o trabalho, para os depósitos e para uso dos animais no inverno e talvez à noite. Os ricos no período do Novo Testamento tinham até banheiros equipados para banhos. 

A hospitalidade 
Em toda a costa do Mediterrâneo, a hospitalidade não era apenas um gesto de gentileza, mas uma necessidade e um favor recíproco em uma sociedade sem hotéis decentes para os viajantes. Hospedarias não aparecem na Bíblia antes do Novo Testamento (coma possível exceção de Js 2.1 e Jr 41.17), e naquela época tinham repetição duvidosa. A hospitalidade era considerada até um dever sagrado e um privilégio, dando ao viajante o direito de esperar comida, abrigo e proteção (Gn 19.1-11;Jz 19.16- 30). A lei do Antigo Testamento a ordenava (Lv 19.33-34), e deixar de oferecê-la era considerado uma desgraça e um crime (Dt 23.3-4; Jz 19.12-15; lSm 25.2-42).

A disposição de receber estrangeiros era considerada um teste de caráter (Jó 31.32; lTm 3.2; 5.10; compare lPe 4.8-10). O Talmude põe a hospitalidade ao lado do estudo da Torá como uma dos cinco ações que trazem recompensa eterna e declara que “prestar hospitalidade a viajantes era tão grandioso como rece­ber a Shekinah”. Uma nota judaica de interpretação de Salmos 109. 31 diz que sempre que um necessitado está à sua porta, o Senhor está ao lado dele (compare Hb 13.2). Alguns vilarejos tinham acomodações para via­jantes, e algumas casas tinham quartos para hóspedes no andar superior (lRs 17.19; 2Rs 4.10; Lc 22.11).

Comida e bebida
A refeição vespertina era a principal refeição do dia, e consistia no pão e nas frutas, legumes e verduras da estação. Em ocasiões especiais eles eram acompanhadas de carne ou peixe, este mais comum na região da Galileia. As frutas das várias estações eram melões, figos, romãs e uvas (também desidratadas e prensadas como passas; compare Os 3.1). Entre os legumes estavam as lentilhas, feijões, pepinos, alho-poró, cebolas e alho. Ferver os alimentos com ervas era a maneira mais comum de preparar as refeições, apesar de às vezes se assar a carne. Muitas vezes se usavam amêndoas e nozes de pistácia nos ensopados. Os temperos existentes eram a hortelã, endro, cami­nho, arruda e mostarda, que resultava num prato muito picante quando misturada com cebolas e alho. O sal extraído do mar Morto ou do Mediterrâneo também era importante como tempero, assim como para conservação. Como adoçante, os judeus usavam melado feito de uvas cozidas ou de tâmaras. Isso provavelmente é o que se quer dizer com “mel” na Bíblia (exceto em Jz 14.8-9 e lSm 14.26-27, que se referem amei silvestre), pois os judeus não criavam abelhas.

Para a carne, havia animais de caça como veados ou perdizes; contudo, ovelhas, cabras e vacas eram mais comuns como alimento em tempos mais recentes. Galinhas eram conhecidas no período romano, mas os ovos eram considerados comida para crianças. Via de regra, a comida era levada do prato comum de argila à boca com a mão; talheres eram usados só no preparo da comida.

Fazer pão era muito importante ( compare Dt 24.6) e muitas vezes envolvia toda a família (Jr 7.18). Uma família assava pão suficiente para lima semana depois do sábado e o guardava num cesto. Misturava-se farinha de trigo ou cevada com óleo de oliva, sal, fermento (uma porção da massa anterior fermentada) e água, e abria­-se a massa em pães achatados e redondos. (O óleo de oliva era um dos bens mais valiosos do mundo antigo, ingrediente essencial em cosméticos, remédios, combustíveis e alimentos.) O forno ficava no quintal e era ou uma grande “vasilha” de barro virada do avesso, sob a qual se acendia o fogo para “assar” o pão que ficava em cima, ou um grande vaso de barro com um buraco no fundo onde se acendia o fogo. Quando o vaso estava quente, as brasas eram tiradas, e o pão, espalhado por dentro ou colocado sobre pedras no chão para assar. O fogo geralmente era alimentado com capim e esterco seco misturados com palha. Havia poucos moageiros profissionais no tempo do Antigo Testamento, e mesmo depois as mulheres costumavam moer sua própria farinha em pedras chamadas “sela”. Tratava-se de lima pedra côncava retangular de 40 a 60 cm de comprimento por 20 a 35 cm de largura, contra a qual o grão era moído com uma pedra superior cilíndrica empurrada com as mãos (Jz 9.23). Mós redondas de 45 a 50 cm de diâmetro também começaram a ser usadas durante a monarquia. O grão era derramado por um buraco no centro da pedra superior, e a farinha saía pelos lados. Farinha mais fina podia ser obtida com um pilão (Nm 11.8). Os grãos eram estocados em grandes vasos de cerâmica ou em buracos revestidos de pedras cavados no chão da casa.

Como nada era mais preciso do que a água, as casas geralmente tinham sua própria cisterna para guardar água potável, a não ser que houvesse uma grande fonte ou poço comunitário por perto. As cisternas comumente eram cavadas em forma de garrafa no chão e revestidas de gesso. Eram enchidas por meio de calhas que recolhiam da água da chuva do telhado e de outros pontos de coleta. Cisternas públicas durante o período romano às vezes eram abastecidas por aquedutos. Até o vinho costumava ser misturado com água antes de ser bebido. Os muitos estágios da produção do vinho resultavam em vários tipos de bebida de uvas do suco de uva doce até um vinagre barato e un1a bebida aguada. As uvas eram prensadas e fermentadas em um tanque, depois estocadas em um lugar fresco em sacos de pele de cabra ou em grandes jarros de cerâmica. Outras bebidas alcoólicas também podiam ser feita de romãs e tâmaras (talvez as “bebidas fortes” mencionadas 11x na Bíblia). O leite geralmente era de cabra e era bebido ou comido na forma de coalhada ou queijo.

Roupas e cosméticos
Em comparação com os dias de hoje, havia pouca variedade de vestimentas no Israel antigo. Os materiais mais comuns eram lã e linho. O traje mais comum de um soldado ou trabalhador era um espécie de saia que ia até metade da coxa, presa por um cinto de lã, que também podia guardar arma e objetos de valor. O cinto podia ser tecido com várias cores e, por isso, às vezes era suficientemente valioso para servir de recompensa por um trabalho (2S1n 18.11). Os homens também usavam uma túnica por cima que podia ir até os tornozelos (kutonet em hebraico e chiton em grego, infelizmente traduzido por “capa” em algumas versões), que ficava por cima de um ombro ou tinha mangas curtas. Ela podia ser sem nenhum enfeite ou ser ter unia borda colorida no pescoço, e também um cinto. Essa veste às vezes também era chamada de “roupa de baixo”, já que era usada por baixo da capa, mas o que chamamos de roupa de baixo aparentemente não era usado, exceto no caso dos sacerdotes (Ex 28.42).

A capa (meil, simlah ou kesut em hebraico, himation em grego) era usada sobre a túnica de dia e como coberta à noite (Ex 22.26), aberta na frente com mangas curtas soltas. O normal era que fosse de lã, podendo a dos pastores ser de pele de animais ou de pelos de camelo, o que parece também ter sido característica dos profetas (Zc 13.4; 2Rs 1.8; Mt 3.4). A capa geralmente tinha uma tira colorida na borda do pescoço e também na frente e nas mangas. O que costumava distinguir vestes de festa das cotidianas eram esses enfeites. Franjas ou borlas deviam ser usadas nos “cantos” da capa (Dt 22.12; Nm l 5.38-40). Eram tufos de lã costurados. Seu comprimento não era especificado, e como vieram a indicar a devoção da pessoa à Torá, os líderes judeus dos dias de Jesus se exibiam com eles (Mt 23.5). Já que as roupas eram feitas à mão, eram muito valorizadas e às vezes usadas como objetos de troca ou de saque (Jz 5.30; 14.12; Pv 31.24).

Os homens não costumavam usar nada sobre a ca­beça a não ser talvez uma tira de pano em volta da testa, ou um solidéu ou turbante. Os cabelos podiam ser moderadamente longos ou curtos, e era costume deixar crescer a barba, rapando-se apena o bigode.

A roupa das mulheres era bem parecida com a dos homens, com a diferença de que elas não usavam a saia usada pelos homens e provavelmente havia bordados, cintos e peças para a cabeça diferentes dos artigos de vestuário masculino (Dt 22.5). Em Israel, as roupas tinham o propósito de modestamente ocultar o corpo, em vez de realçá-lo. No Antigo Testamento não transparece que se exigia das mulheres que cobrissem regularmente seu rosto em público. Rebeca, cavalgando ao lado do servo de Isaque, cobriu o seu rosto apenas quando viu seu prometido se aproximando ( Gn 24.65). Um alto-relevo assírio do oitavo século a.c. mostra mulheres israelitas com longos cachecóis ou capas que iam desde a testa até a borda de trás da túnica. Esse pode ser o véu mencionado no Antigo Testamento, que podia ser puxado para cobrir o rosto. Os arqueólogos descobriram uma grande quantidade de tornozeleiras, braceletes, colares, brincos, pingentes para o nariz, anéis e contas que as mulheres israelitas podiam usar, apesar de Isaías desprezar as mulheres que se ostentavam com isso (3. 16-24). Jóias eram feitas de ouro, prata, cobre, osso, marfim ou pedras coloridas (Ex 28.17-20; Ez 28.13; Ap 21.19-21).

Muitos utensílios usados na preparação de cosméticos também foram descobertos. Com eles as mulheres podiam fazer pó com vários minerais, misturá-los com água ou óleo e depois passá-los no rosto. Com uma espátula de madeira ou bronze ou com o dedo, a mulher podia passar galena preta nas sobrancelhas e nos cílios e malaquita verde ou turquesa abaixo dos olhos. Com um pincel podia pintar seus lábios e faces com ocre vermelho. As nações vizinhas, e provavelmente também alguns israelita, igualmente usavam ocre amarelo como pó para rosto e tinta vermelha para as mãos, unhas e cabelos. No tempo de Moisés já havia espelhos, mesmo não sendo feitos de vidro como uma versão antiga traduziu Êxodo 38.8; Jó 37.18; Isaías 3.23, mas de metal polido como bronze, prata ou ouro. Unguentos perfumados eram usados na medicina e na religião, e também como cosméticos. Eram obtidos pelo aquecimento de vários tipos de flores em óleos ou gorduras (Ex 30.22-25) e guardados em pequenos frascos de porcelana ou marfim, de onde podiam ser derramados sobre os cabelos e sobre o corpo apenas no banho, sobre as roupas ou pela cama (SI 45.8; Pv 7.17).

Sepultamento e luto
Há apenas fragmentos de evidências dos costumes de morte, sepultamento e luto; geralmente representam as práticas dos ricos e são difíceis de datar. Mas está claro que as notícias de morte sempre causavam uma expressão exterior imediata e irrestrita de tristeza, a exemplo de outros motivos de pesar. Entre essas expressões podiam estar o ato de rasgar a roupa de cima ou de baixo (Gn 37.34;Jó 1.20; 2.12; 2Sm 1.11) e choro com gritos como: “Ah! irmão meu!” (lRs 13.30; Jr 22.18; Me 5.38).

Quem estava de luto geralmente sentava de pés descalços no chão, com as mãos sobre a cabeça (Mq 1.8; 2Sm 12.20; 13.19; 15.30; Ez 24.17) e passava pó ou cinzas pela cabeça e pelo corpo (Js 7.6;Jr 6.26; Lm 2.10; Ez 27.30; Estêvão 4.1; 2Macabeus 3.47). Podia até cortar o cabelo, a barba ou a pele (Jr 16.6; 41.5; Mq 1.16), apesar de desfigurar o corpo dessa maneira ser proibido, porque os pagãos é que agiam assim (Lv 19.27-28; 21.5; Dt 14.1).

O processo de luto continuava com a abstinência de lavar-se e de outra., atividades normais (2Sm 14.2) e pelo uso de roupas de pano de saco (Is 22.12; Jr 48.37; Mt 11. 21), um material escuro feito de pelos de camelo ou cabra (Ap 6.12) usado para fazer sacos de grãos (Gn 42.25; Js 9.4). Podia ser usado em lugar ou talvez debaixo das outras vestes, amarrado em volta da cintura por fora da túnica (Gn 37.34; 2Sm 3.3l; Jn 3.6) ou, em alguns casos, ser colocado para a pessoa sentar-se ou deitar-se em cima (2Sm 21.10; lRs 21.27). O jejum também era praticado, via de regra apenas durante o dia (2Sm 1.12; 3.35), normalmente durante sete dias (Gn 50.30; lSm 31.13).

Como uma casa que estivera em contato com um morto ficava impura, não se podia preparar comida nela. Um cadáver era chamado pelos rabinos “o pai dos pais da impureza”. Por isso era necessário que amigos e parentes trouxessem comida (Jr 16.7) até que o lar pudesse ser purificado (Nm 19.11-16).

A ausência do costume de embalsamamento em Israel, a maldição ligada com a falta de sepultamento (Dt 21.23) e a extrema impureza dos mortos (a única coisa que podia deixar alguém impuro por sete dias: Nm 19.11-18; 31.19-24) tomava o enterro rápido uma necessidade. A cremação era praticada só para degradar o morto (Lv 20.14; 21.9; Js 7.15; Is 30.33; NTI 2.1), assim como a recusa em enterrá-lo (lRs 14.11; Jr 16.4). O morto podia ficar por algumas horas na casa à espera do cortejo fúnebre (Mt 9.23-24; Me 5.35-43; At 9.37), mas o enterro quase sempre ocorria no mesmo dia do falecimento. O culto cananeu aos mortos fazia com que eles muitas vezes enterrassem seus mortos no chão da própria casa do falecido, mas em Israel o costume era seputá-lo fora da cidade. (Textos que falam do enterro em uma casa ou cidade, como lSm 25.1; 28.3, provavelmente significam na vizinhança de) Apesar das críticas dos profetas (Ez 43.7-9), os reis costumavam ser enterrados em Jerusalém (lRs 2.10; 11.43; 14.31; o rei perverso Manassés e seu filho chegaram a ser enterrados em sua própria casa, 2Rs 21.18; 2Cr 33.20; 2Rs 21.26). O vale do Cedrom, a leste de Jerusalém, era o lugar normal de sepultamento (2Rs 23.6;Jz 16.31; 2Rs 13.21; 23.16). Após a morte, o corpo era lavado e ungido (At 9.37; Me 16.1; a unção de Jesus parece ter exigido essas etapas, primeiramente com José e Nicodemos, depois com as mulheres). A boca era amarrada, e o corpo, enrolado ou vestido com simplicidade (Jo 11.44; 19.39-40; Mt 27.59). Não se usavam caixões antes da época do Novo Testamento (2Rs 13.21; Lc 7.14), e a partir de então apenas para transportar o corpo em uma espécie de padiola (2Sm 3.31) até o local onde aconteceria o sepultamento. Além dos familiares e amigos, o cortejo fúnebre contava com a presença de carpideiras profissionais (Jr 9.17-18; Am 5.16), flautistas (Mt 9.23) e quem mais estivesse passando (Lc 7 .12). No túmulo queimava-se incenso para purificar o lugar e honrar o falecido (2Cr 16.4; 21.19), e proferiam-se palavras de lamento (2Sn1 1.17-27; 2Cr 35.25). O sepultamento era feito ou em uma caverna ou em um túmulo escavado e destinado a todos os membros de uma família ou clã (Gn 50.13; Jz 8.32; 2Sm 2.32;Jo 11.38). O corpo era colocado sobre um banco de pedra escavado ao longo da parede, às vezes exigindo que os ossos de um sepultamento anterior fossem empurrados para o lado ou colocados em um buraco dentro do túmulo (desde mais ou menos o ter­ceiro século a.c. até o terceiro século d.C.) em um cesto de pedra chamado ossuário. Aqueles que não podiam arcar com as despesas de um túmulo familiar eram enterrados em covas abertas na terra.


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